Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 773/2020-T
Data da decisão: 2023-05-18  IRS  
Valor do pedido: € 31.994,97
Tema: IRS. Rendimentos de Mais-Valias. Art.º 10.º, n.º 1, al. b), 5) do CIRS. Valor de aquisição de UPs do FEI-B... . Art.º 83.º, n.º 3 da LOE 2010. – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a decisão arbitral de 20 de Maio de 2022.
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DESPACHO ARBITRAL

 

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.02.2023, a fls. 25.

Visto.

O arquivamento do processo e a dissolução do Tribunal Arbitral, previstos no art.º 23.º do RJAT, fazem pressupor a existência de decisão arbitral válida e definitiva.

Tendo em conta o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no recurso para uniformização de jurisprudência interposto pelo Requerente, que julgou procedente o recurso e, em consequência, decidiu anular a decisão arbitral de 20.05.2022;

Considerando que os Tribunais Arbitrais em matéria tributária constituídos sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) se encontram hierarquizados para efeitos de recurso das suas decisões;

E atento o dever de acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos Tribunais superiores,

Decide-se anular a decisão arbitral de 20.05.2022 e, em sua substituição, proferir outra decisão arbitral conforme com a jurisprudência superiormente fixada pelo STA no Acórdão de 23.02.2023 a fls. 25.

Notifique-se juntamente com a nova decisão arbitral, que segue infra.      

 

O Árbitro,

 

Sofia Ricardo Borges

 

 

SUMÁRIO:

1) O art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010, que determina o que há-de considerar-se valor de aquisição para efeitos de cálculo de mais-valias em caso de alienação ou resgate das UPs do FEI- B... deve interpretar-se no sentido de que se considera como tal o valor correspondente ao montante de capital investido pelo sujeito passivo nas Aplicações RA, ou seja, o seu valor nominal. 2) Tendo sido dadas em troca, atribuídas, ao Requerente, na reestruturação das Aplicações RA a que o Requerente aderiu, 311.757,41 UPs, o valor de aquisição a considerar para o efeito, na liquidação do FEI, é de € 607.773,62, uma vez que foi esse o valor investido pelo sujeito passivo naquelas Aplicações RA; 3) Em aplicação da jurisprudência fixada pelo STA por Acórdão do Pleno de 23.02.2023, prolatado no processo n.º 91/22.3BALSB; 4) A norma em questão é uma norma especial e afasta o regime geral que decorreria do CIRS; 5) O pagamento de amortizações parciais por UPs em momento anterior ao da liquidação final do FEI não qualifica como rendimento de capitais Cat. E em IRS mas sim constitui liquidação parcial a ser calculada a final aquando da liquidação para efeitos de computo de mais-valias Cat. G, e o imposto que tenha sido incorrido então pelo Fundo – em caso de opção pelo englobamento pelo contribuinte - é considerado imposto por conta, cfr. art.º 78.º do CIRS. 6) O “resgate” a que o legislador de referiu no n.º 3 do art.º 81.º é o resgate-liquidação.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

A..., doravante designado por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua ..., n.º ..., ...-... Tondela, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2016.

 

A liquidação em crise, com o n.º 2020..., e data de 06.11.2020, à qual corresponde um valor total a pagar de € 8.114,35 (cfr. doc. n.º 1 junto pelo SP), foi emitida na sequência da apresentação, por si Requerente, de Declaração de substituição Modelo 3 e conforme correcção oficiosa à mesma pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O Requerente não se conforma com a liquidação de IRS assim efectuada (doravante “a Liquidação”), e que aqui coloca em crise. Segundo expõe, a correcção assentou em premissas, de direito e de facto, incorrectas.

 

No âmbito de um Contrato de Gestão de Carteira, com o Banco B... (doravante também “B...” ou “o Banco”), subscreveu, em Agosto de 2008, uma Aplicação de “Retorno Absoluto Investimento Indirecto com Garantia” (doravante também “Aplicação RA” ou “RAIIG”). Garantia, na data da maturidade, refere, de 100% do capital investido, acrescido de uma remuneração fixa. Adquiriu, assim, junto da referida Instituição Bancária, loan notes (doravante também “l n”) no valor (total) de € 607.773,62.

 

A 01.12.2008, expõe, o Conselho de Administração do Banco de Portugal (BdP) deliberou dispensar o B... do cumprimento pontual das obrigações antes contraídas e, com vista a encontrar uma solução para os “Clientes RA”, cujas Aplicações apresentavam valorizações de mercado muito inferiores ao montante global dos compromissos assumidos pelo B... conforme garantias antes prestadas, foi acordada reestruturação através da constituição de um Fundo Especial de Investimento Fechado (doravante também “FEI” ou “FEI-B...”). E, no seio da dita reestruturação, em Abril de 2010 as loan notes (v. supra) foram trocadas por Unidades de Participação (UPs) no FEI.

 

Segundo expõe, o valor por si investido fora de € 607.773,62 (l n), tendo recebido UPs do FEI assim: “311.757,41 = € 311.757,41”.

 

Sensível à perda dos “Clientes RA”, refere, o Estado, através da norma especial consagrada no Orçamento de Estado de 2010 – a saber, o art.º 81.º, n.º 3 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril[1] – respeitou a realidade factual, no sentido em que o investimento (como foi o seu caso) não ocorreu em 2010, mas sim em 2008. Sendo que, afirma, o valor investido não está reflectido no valor das UPs recebidas do FEI[2], mas sim no valor das l n adquiridas antes. Nessa conformidade ali se tendo legislado.

 

Em consequência, segundo entende, o valor de aquisição das UPs para efeitos fiscais é de € 607.773,62. Que corresponde ao “valor nominal dos Contratos RAIIG”. Ou seja, ao (total do, acrescentamos nós) capital investido pelo Participante - o Requerente - nas Aplicações RAIIG.

 

Mais, refere, os rendimentos dos sujeitos passivos relacionados com estes títulos não estariam sujeitos a tributação – cfr. art.º 22.º, n.º 2 do EBF na redacção em vigor até 30.06.2015.

 

Sendo certo que o Fundo (FEI) suportou o imposto relativo aos rendimentos dos Participantes no valor de € 0,076600 por UP. No seu caso, no valor total de € 23.880,62 (i.e., 311.757,41 UPs x € 0,076600), que o Fundo entregou nos cofres do Estado. Valor este que, expõe, caberia ser-lhe a si Requerente reembolsado, via englobamento destes rendimentos, isentos. O imposto retido tendo natureza de imposto por conta – cfr. art.º 78.º do CIRS. Com a reforma do regime jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo (OICs) - pelo DL n.º 7/2015, de 13.01 (e sendo o FEI um OIC) -, alterado que foi o referido art.º 22.º do EBF, o novo regime de tributação dos OICs era aplicável apenas a rendimentos obtidos após 01.07.2015[3].

 

Exerceu - no ano de 2016 - a opção pelo englobamento no que se refere ao imposto suportado pelo Fundo ao longo dos anos, nos termos do regime aplicável até 30.06.2015.

 

Tendo por base, como o fez ao declarar[4] e ora expõe, por um lado, o “Valor Nominal Inicial” das Aplicações RA, de € 607.773,62, e, por outro, o número de UPs (FEI), a saber 311.757, obteve um valor de realização, em termos absolutos, de € 374.130,40.[5] Assim, e uma vez que havia investido inicialmente € 607.773,62, recuperou apenas parcialmente o capital investido. Teve uma substancial menos-valia, expõe.

 

Conclui e defende, neste enquadramento, que o valor de aquisição de cada UP foi de € 1,95 i.e., “valor de aquisição € 607.773,62 a dividir pelas 311.757,41 UP recebidas”. E, assim, a correcção pela Requerida à sua Declaração Modelo 3 - ao considerar como valor de aquisição € 1,00 e não € 1,95, (“como determina a norma especial prevista no art.º 81.º, n.º 3 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril”[6]) - partiu de uma premissa errada.

 

Obteve não uma mais-valia, mas sim uma menos-valia, de € 233.643,72 (i.e., € 607.773,62 - € 374.130,40). Como constava da sua Declaração. E a Requerida incorreu, ao corrigi-la, em vício de violação de lei – violou o art.º 83.º, n.º 3 da LOE 2010, e o Princípio da igualdade fiscal previsto no art.º 13.º da CRP.

 

Acrescenta que a própria Requerida tem o entendimento que ele Requerente expõe. Refere-se a despacho da mesma de 17.01.2014 (Ofício n.º..., de 24.01.2014) em resposta a um pedido de esclarecimento - da sociedade gestora do FEI (relativo ao art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010). Apela aos Princípios da boa-fé, da legalidade e da colaboração, e ao direito à informação, para concluir dever entender-se a informação ali prestada pela Requerida ser merecedora de credibilidade, ainda que não vinculativa.

 

Por fim e sem conceder passa a reportar-se ao que refere como sendo os rendimentos gerados pelas UPs até 30.06.2015, inclusive, por um lado, e, por outro, aos gerados após essa data.

 

Em relação aos rendimentos gerados até 30.06.2015, refere, os mesmos são isentos – cfr. art.º 22.º, n.º 2 do EBF – na redacção que vigorou até 30.06.2015. Uma parte dos rendimentos a que a Requerida se reporta foram, afinal, gerados e colocados à disposição em momento anterior a 01.07.2015. Sendo resultantes de liquidações parciais, sucessivas, das UPs, cfr. art.º 43.º, n.º 5 do RGOIC[7]. A liquidação parcial (cada uma) será o facto tributário – cfr. art.º 10.º, n.º 1, al. b), 5), do CIRS. Cada um se verificando no momento em que ocorreu cada liquidação parcial. Englobou estes rendimentos em 2016 apenas para que o imposto suportado pelo Fundo passasse a imposto por conta. Não para efeitos de tributação.

 

Acresce, refere ainda, que mesmo se estes rendimentos estivessem sujeitos a tributação (o que não aceita) sempre a liquidação estaria feridade de caducidade, cfr. art.º 45.º da LGT.

 

E quanto aos rendimentos gerados após 01.07.2015, por seu turno, remetendo para o disposto no (referido supra) DL n.º 7/2015, de 13.01 (art.º 7.º, n.º 9), nota que se considera como valor de aquisição para efeitos de determinação de mais/menos-valias de transmissão onerosa de UPs - o valor de mercado à data de 30.06.2015 (início da produção de efeitos da nova redacção dada por este DL ao art.º 22.º do EBF) ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas.

 

Para concluir, pelo modo que expõe, que, no caso do FEI, mesmo quando se considerando como valor de aquisição o valor de mercado a 30.06.2015 se concluiria por uma menos-valia. Indica, para tal concluir, um valor de mercado das UPs - a 30.06.2015 - de € 0,7047 e o terem sido pagas, após 01.07.2015, duas amortizações (uma no valor de € 0,0285/UP e outra no de € 0,1169/UP). Tudo conduzindo, defende, a uma menos-valia de € 0,00633 por UP.

 

Nota, ainda assim, que a menos-valia será superior a essa, pois que, entende, o valor de aquisição a considerar será, antes, por aplicação do art.º 7.º, n.º 9 do DL n.º 7/2015, o real valor de aquisição das UPs[8], expõe, por ser superior ao valor de mercado a 30.06.2015.

 

Conclui que não haveria lugar a qualquer tributação, em qualquer caso, e que a Requerida incorreu em vício de violação de lei. Foram violados, alega, o art.º 10.º, n.º 1, al. b), 5) do CIRS, o art.º 22.º do EBF na redacção vigente até 31.06.2015, os Princípios da segurança, da proibição de retroactividade da lei fiscal e da legalidade – art.ºs 103.º da CRP, 12.º e 8.º da LGT.

 

Apela ainda, em especial, ao “Princípio da capacidade contributiva”, que, defende, resulta frontalmente violado na interpretação das normas que permitisse a tributação defendida pela Requerida art.ºs 103.º e 104.º, e 13.º, da CRP. Considerar como preço de aquisição para o cálculo de mais-valias o da reestruturação e não o da aquisição inicial[9], afirma, fere aqueles princípios e a própria noção de lucro enquanto base de incidência do imposto.

 

O Requerente não se conforma com a Liquidação, que assim peticiona seja anulada por ilegal – erro nos pressupostos de facto e de direito. Peticiona, ainda, seja ordenada nova liquidação, nos termos da Modelo 3 conforme entregue, e a Requerida condenada ao reembolso de quantias devidas (que estima em c. € 23.880,62) e juros, se a nova liquidação assim o vier a apurar.

*

 

Sumária e fundamentalmente, as Partes divergem quanto à interpretação do art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010, com as consequências daí advenientes. Desde logo, a de assim concluírem, cada uma, por um distinto montante a considerar como valor de aquisição para efeitos de cálculo de mais-valias no caso.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 21.12.2020 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 03.05.2021 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 21.05.2021.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), e pela consequente manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica.

 

A Requerida entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício, tendo sido respeitados os montantes devidos considerar no apuramento da mais-valia obtida pelo SP.

 

Em causa estava, refere, a declaração da mais-valia obtida pelo Requerente aquando do resgate das UPs que detinha no FEI. A Liquidação resultou das correcções efectuadas aos rendimentos declarados pelo SP após ter sido detectada uma divergência entre aqueles e os valores conhecidos pela Requerida. Instaurado procedimento de divergências, o Requerente apresentou documentação emitida pela entidade gestora do Fundo e, após respectiva análise, a Requerida concluiu os valores a inscrever na Modelo 3 deverem ser diferentes dos que haviam sido declarados. Expõe os valores conforme o entendimento seguido nas correcções, e a base com que os mesmos foram apurados. Entre o mais, aí, o “Valor de aquisição das UPs: € 311.757,41 (valor de loan notes que foi convertido em UPs)”.

 

Expõe, ainda, que segundo o Requerente as mais-valias foram mal calculadas pela Requerida por esta ter apurado o ganho tendo por base o valor das UPs aquando da constituição do FEI (€ 1,00/UP) e, ao invés - segundo o Requerente - dever ser tido em consideração o valor de aquisição das Aplicações de retorno absoluto[10], de € 607.773,62.

 

Dá nota da evolução do regime de tributação dos rendimentos gerados por Fundos de Investimento e faz referência, entre o mais, ao regime transitório instituído pelo DL n.º 7/2015, de 13.01[11]. Bem assim, refere, a respeito, a Orientação da DSIRS de 04.12.2017, pela Subdirectora-geral do IRS, reportada ao valor a considerar como valor de aquisição para efeitos de apuramento de mais-valias e, ainda, o Despacho de 17.01.2014, pela Substituta Legal do Director-Geral da AT, onde se exarou, entre o mais, que a norma prevista no n.º 3 do art.º 81.º da LOE 2010 é uma norma especial, aplicável à alienação e resgate de UPs do FEI, e que afasta, em tais casos – e desde que se tratando de UPs do FEI detidas pelos Participantes por efeito da conversão em UPs das Aplicações RA -, a aplicação dos regimes regra (em IRS/IRC).

 

Segundo a Requerida, da articulação entre o regime (transitório) previsto no DL n.º 7/2015[12] e o regime (especial) previsto no art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010, em caso de resgate de UPs do FEI (resultantes da conversão de l n das Aplicações RA) resulta que o valor de aquisição a considerar para efeitos de mais-valias ou menos-valias abrangidas pelo novo regime dos OICs será o mais alto dos dois seguintes: (i) o valor de mercado das UPs a 30.06.2015, ou (ii) o valor conforme disposto no n.º 3 do art.º 81.º da LOE 2010.

 

Passando a percorrer os valores constantes da declaração emitida pela entidade gestora, nos autos, explanando-os, destaca relevarem para preenchimento da Declaração Modelo 3 três valores: a) € 177.857,60 (pagamentos de amortizações), b) € 172.392,18 (reembolsos após 01.07.2015), e c) € 23.880,58 (retenção pelo Fundo).

 

Quanto ao valor de realização - valor recebido pelo SP em virtude do resgate das UPs - corresponde ele, nota, à soma do valor pago pelo Fundo a título de amortizações parciais, por um lado, com o valor recebido a final aquando da liquidação do Fundo, por outro. Ao que acresce o que ainda se verá.

 

Quanto ao valor de aquisição, por sua vez, é o valor de subscrição das Aplicações RA convertidas em UPs - como resulta do regime especialmente aplicável ao FEI, cfr. art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010.

 

Reporta-se, por fim, às conclusões da DF e do SF[13] no âmbito do procedimento de divergências na origem das correcções. Os Serviços em questão, refere, explicam que no âmbito dos Acordos de adesão às propostas de Reestruturação do produto RAIIG foram atribuídos ao SP três distintos produtos, um dos quais as UPs. Transcreve trechos das respectivas conclusões, como segue e entre o mais: “No caso concreto (...) verificamos que o SP recebeu no âmbito do acordo de reestruturação € 311.757,4100 UP’s do FGP-FEI, com o valor monetário de €1,00 cada UP, a que corresponde a um capital atribuído no Fundo de € 311.757,41. (...)”.

 

Como dali, entende, resulta claro, do valor aplicado pelo Requerente nas Aplicações RA apenas € 311.757,41 foi reestruturado através da conversão de l n em UPs.

 

Foi somente esse o valor das l n convertido em UPs. E assim, é esse o valor de aquisição a ter em conta no cálculo da mais-valia.

 

O Requerente não contesta que o montante investido nas Aplicações RA tenha sido reestruturado em vários produtos, que não apenas nas UPs. Nem comprova que o valor das l n convertido em UPs tenha sido de € 607.773,62. Faz notar.

 

Conclui que o valor da mais-valia é de € 38.492,37 – a diferença entre o valor de realização (€ 350.249,787) e o valor de aquisição. Com mais a nota que acrescenta e que se verá já de seguida.

 

Assim: ao SP assiste, em qualquer caso, a possibilidade de optar pelo englobamento dos rendimentos. Caso o faça, o imposto retido terá natureza de imposto por conta, o que implica também a sua prévia adição ao valor do rendimento. Pelo que o valor do imposto pago pelo Fundo (€ 23.880,58) deve somar-se ao valor da mais-valia (do ganho de mais-valia). Sendo, em conclusão, de € 62.372,95 o rendimento.

 

Valor que foi também o considerado na Liquidação. Que assim respeitou os montantes a considerar, devendo manter-se na Ordem Jurídica.

 

*

Por despacho de 29.06.2021, e não tendo sido solicitada produção de prova adicional, o Tribunal notificou as Partes dispensando a reunião do art.º 18.º do RJAT e para alegações escritas facultativas.

 

Só o Requerente apresentou alegações. Nas mesmas, manifesta a sua posição em contrário do defendido pela Requerida na sua Resposta quando esta, reportando-se ao constante do processo de divergências, refere que do valor aplicado pelo Requerente nas Aplicações RA apenas o montante de € 311.757,41 foi reestruturado através da conversão de l n em UPs e que o restante valor foi reestruturado através da aquisição de títulos de depósito e de crédito. Reitera o que já referira no PPA, entre o mais notando que, face à situação que é conhecida, “foi acordada a restruturação (com aprovação das entidades competentes) que incluiu a constituição de um Fundo (...) (o “FEI”).”

 

Alega que nos termos do Acordo de Reestruturação apenas recebeu UPs, no valor de € 311.757,41, e que foi reconhecido nesse Acordo que teria direito a um valor substancialmente superior. Valores que lhe seriam em princípio devidos pelo B..., refere, que este não honrou, que vêm descritos no Acordo de Reestruturação “a título de depósitos e a título de créditos de garantia”, e que apresentam valor nulo ou eventualmente muito marginal.

 

Mais que o Estado respeitou a realidade factual “impedindo a oneração fiscal de eventuais mais valias referentes a manifestações periódicas e isoladas de saldos patrimoniais positivos, quando enormes perdas estavam em causa na contabilização global do investimento”, cfr. a norma especial da LOE 2010 (art.º 81.º, n.º 3). A única interpretação possível desta norma, defende, é a de que deve considerar-se como valor de aquisição “o valor nominal dos contratos RA ou RAIIG (ou seja, o valor investido nestas aplicações) que foram objeto de Acordo de Reestruturação”.

 

Por fim refere que houve amortizações parciais entre 05.08.2010 e 07.10.2015 que se reflectiram na redenominação do valor inicial das UPs, que assim viram o seu valor ser alterado por força dessas mesmas liquidações parciais. Pelo que pouco importa o ponto da Requerida na sua Resposta – de que o Requerente manteve sempre o mesmo número de UPs.

 

*

 

Por despacho de 19.11.2021 o Tribunal determinou, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, a prorrogação por dois meses, por motivos justificados, do prazo para prolação da Decisão. Novamente assim por despachos de 18.01.2022 e 14.03.2022.

 

Por requerimento de 21.04.2022 o SP veio proceder à junção aos autos de Acórdão Arbitral de 12.04.2022, proferido no Processo 744/2020-T (CAAD), solicitando a sua admissão por se tratar, referiu, de processo com objecto idêntico ao do presente.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

 

O PPA é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias – cfr. al.s  s) e z) dos factos provados, infra, e art.º 10.º, n.º 1, al. a), primeira parte, do RJAT (e v. art.º 102.º, n.º 1 al. a) do CPPT).

 

 

A 20 de Maio de 2022 foi proferida decisão arbitral, que julgou a acção improcedente, e da qual interpôs o Requerente recurso para o STA, para uniformização de jurisprudência.

 

Por Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 23.02.2023, transitado em julgado em 09.03.2023, foi decidido “- conceder provimento ao recurso e, em consequência, anular a decisão arbitral recorrida; - uniformizar jurisprudência nos seguintes termos: - O valor a considerar como valor de aquisição das unidades de participação (UPs) do FEI para efeitos de apuramento de mais ou menos-valias, à luz do disposto no n.º 3 do artigo 81.º, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na sequência do resgate das unidades de participação adquiridas (subscritas) por conversão das Aplicações RAIIG de que o sujeito passivo era titular, é o valor correspondente ao capital investido pelo sujeito passivo nessas aplicações, ou seja, ao seu valor nominal.”

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) Nos termos de Contrato de Gestão de Carteira que celebrou com o Banco B... (“B...” ou “o Banco”), o Requerente subscreveu em 22.08.2008 uma “Aplicação de Retorno Absoluto Investimento Indirecto com Garantia”, também denominada RA ou RAIIG; (cfr. doc. 3 junto pelo SP)

 

b) Nos termos do Contrato de Gestão de Carteira (v. al. anterior) subscrito pelo Requerente, a Aplicação oferecia garantia de 100% do capital investido, na maturidade da estratégia de investimento, acrescido de uma remuneração; (cfr. doc. 3 junto pelo SP)

 

c) O Investimento em questão (v. al.s anteriores), nos termos da “Descrição Detalhada” - com a referência “Short Term Liquidity Capital” ou “STLC” - visava a remuneração de liquidez de curto prazo, a respectiva estratégia era constituída por diversos instrumentos financeiros “como sejam obrigações, liquidez, acções e derivados”, e o investimento era feito essencialmente através da aquisição de loan notes emitidas pelo Veículo de Investimento, que adquiria e detinha os activos, e no final de cada trimestre o investidor tinha a opção de “liquidar o investimento”, que estava isento de Comissão de Gestão e sujeito a Comissão de Performance; (cfr. doc. 3 junto pelo SP, a saber, Descrição Detalhada do Investimento e Condições Especiais de Gestão de Carteira)

 

d) Mediante a subscrição da Descrição Detalhada do investimento, o Cliente – e, assim, o Requerente – declarava ter tomado conhecimento das Condições Particulares do investimento e pretender aderir à respectiva estratégia, e pela subscrição das Condições Especiais do Contrato de Gestão de Carteira confirmava a adesão à mesma referida estratégia de investimento (v. al. anterior), regida pelas condições aí especificadas - tudo documentos assinados entre o Requerente e o B...; (cfr. doc. 3 junto pelo SP)

 

e) Entre o mais, consta das Condições Especiais de Gestão de Carteira (v. al.s anteriores) que o Requerente aderiu à estratégia de investimento a 22.08.2008, com um montante de € 607.773,62 e data de vencimento de 24.08.2009, e que a estratégia se mantinha em vigor até esta última data sem prejuízo de poder o Requerente optar pela liquidação do investimento todos os três meses – ficando o levantamento total ou parcial do valor investido sujeito às condições de mercado dos activos detidos em carteira. Mais que o objectivo da estratégia consistia em “incorrendo (se necessário) em risco de mismatch de prazo e crédito face às responsabilidades, tentar obter rendibilidades acima da Euribor”; e que a estratégia de investimento era “constituída por diversos instrumentos financeiros com predominância em instrumentos de dívida, fazendo uso de todos os activos e derivados financeiros (para cobertura de risco das posições de carteira ou outros fins) (...)”; (cfr. doc. 3 junto pelo SP)

 

f) Conforme constante das mesmas Condições Especiais (v. al.s anteriores), o Cliente/investidor, e assim o Requerente, ao aceitá-las confirmava a adesão à estratégia de investimento, e ao nesta investir reconhecia tomar conhecimento, compreender e aceitar os riscos envolvidos, que derivavam de diversos factores aí referidos caso a caso consoante os vários tipos de Riscos aí também identificados, sendo estes últimos: Risco de Mercado, Risco de crédito, Risco de taxa de juro, Risco cambial, Risco de liquidez, Risco de venda a descoberto, Risco de mercados emergentes, Risco de contraparte, e Risco de alavancagem financeira; sendo que nos factores na origem deste Risco (alavancagem financeira) ali indicado em último lugar se lê: “os riscos descritos acima são aumentados pelo factor de alavancagem financeira que pode ser usada activamente na gestão da estratégia. Em condições normais o grau de alavancagem não ultrapassará 1x”.  (cfr. doc. 3 junto pelo SP)

 

g) No âmbito do investimento que realizou ao abrigo do Contrato de Gestão de Carteira, o Requerente adquiriu, por via da subscrição das Aplicações RA junto do B..., loan notes, emitidas pela “C..., Ltd”, tendo investido um valor total de € 607.773,62;

 

h) Face às dificuldades de liquidez do B..., por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 01.12.2008, aquele foi dispensado do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, dispensa que veio a ser sucessivamente prorrogada;

 

i) Na tentativa de encontrar uma solução para os Clientes que haviam subscrito as “Aplicações RA” ou “RAIIG”, foi acordada a respectiva reestruturação, com aprovação pelas entidades competentes, e à qual o Requerente aderiu;

 

j) As referidas Aplicações apresentavam à data (v. al. h)) valorizações de mercado muito inferiores ao montante global dos compromissos de reembolso de capital, ou capital e remuneração, assumidos pelo B... nessa sede;

 

k) A reestruturação das Aplicações RA (cfr. al.s anteriores) incluiu, entre o mais, a constituição de um Fundo Especial de Investimento Fechado (“FEI”) e, neste âmbito (da constituição do Fundo), o Requerente recebeu, em troca das loan notes que detinha por via da subscrição das Aplicações RA, 311.757,41 UPs do FEI;

 

l) Na reestruturação das Aplicações RA, e de acordo com os termos da mesma, foi reconhecido o Requerente ter direito a um valor superior a € 311.757,41, tendo em consideração os termos contratados aquando da subscrição das Aplicações RA;

 

m) As UPs emitidas pelo FEI aquando da sua constituição, a 31.03.2010, tinham o valor (inicial) unitário de € 1,00 (um euro) (cfr. doc. 4 junto pelo SP), e ao Requerente foi atribuído, por esta via, o montante de € 311.757,41;

 

n) O FEI foi constituído por um período inicial de quatro anos, prorrogáveis, com um limite máximo de dez anos;

 

o) O período inicial (cfr. al. anterior) veio a ser prorrogado, e a 30.03.2016 o FEI foi dissolvido, tendo a 15.07.2016 sido concluído o respectivo processo de liquidação; (cfr. doc. 4 junto pelo SP)

 

p) O Requerente apresentou, na qualidade de Residente, a sua Declaração Modelo 3 de substituição, referente ao ano de 2016, e com a identificação..., a 11.01.2018, e aí declarou, entre o mais, (i) no Anexo A/H, Quadro 4 - “Rendimentos do Trabalho Dependente e/ou Pensões obtidos em Território Português” -, Código 401, rendimentos no valor de € 70.000,00, e Retenções na fonte no valor de € 23.110,00, e (ii) no Anexo G, entre o mais, no Quadro 10 - “Resgate/Liquidação de UPs em Fundos de Investimento e de Participações Sociais em Sociedades de Investimento, Opção pelo Englobamento (...)” -, o seguinte: na linha 01, NIF da entidade emitente..., Código G30, Rendimento “- € 231.669,98”, Retenções na fonte “€ 23.880,58”, NIF da entidade retentora ..., e na linha 02, NIF da entidade emitente ..., Código G31, Rendimento “- € 1.973,74”, e Retenções na fonte “€ 0,0”;

 

q) Da Declaração submetida não constam outros valores de Rendimentos, nem de Retenções na Fonte, que não os referidos na al. anterior; no Anexo G, no Quadro 9 – “Alienação Onerosa de Partes Sociais e Outros Valores Mobiliários (art.º 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS)”, na linha 01, consta ainda, com o mesmo NIF da entidade emitente ..., Código G10, Realização – Ano 2016, Valor 0,01 e Aquisição – Ano 2016, Valor 0,01;

 

r) Conforme Instruções de Preenchimento da Modelo 3[14], os Códigos referidos nas alíneas anteriores reportam-se, como segue, a:

- Código 401 – rendimentos do trabalho dependente;

- Código G30 – resgate ou liquidação de UPs em Fundos de Investimento (mobiliário/imobiliário) ou de Participações sociais em Sociedades de Investimento (mobiliário/imobiliário) a que seja aplicável o regime previsto no art.º 22.º do EBF, na redacção em vigor até 30 de Junho de 2015;

- Código G31 - resgate ou liquidação de UPs em Fundos de Investimento mobiliário ou de Participações sociais em Sociedades de Investimento mobiliário a que seja aplicável o regime previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 22.º-A do EBF, aditado pelo DL n.º 7/2015, de 13.01;

- Código G10 – operações de reembolso de obrigações e outros títulos de dívida;

 

s) Na sequência da submissão da Declaração (cfr. al. anterior) foi emitida em nome do Requerente a Liquidação referente ao período de 01.01.2016 a 31.12.2016, com a identificação 2020..., de 06.11.2020, e Acerto de 10.11.2020, e da respectiva Demonstração da liquidação consta, entre o mais: Rendimento global no valor de € 132.372,95, Retenções na fonte no valor de € 46.990,58, juros compensatórios no valor de € 1.060,84, e Valor a Pagar (total) de € 8.114,35; (cfr. doc. 2 junto pelo SP)

 

t) A emissão da Liquidação (v. al.s anteriores) foi precedida de procedimento de divergências, que correu termos no Serviço de Finanças, com o apoio da Direcção de Finanças, Viseu, no âmbito do qual o Requerente juntou documentação, a qual, após apreciada pela Requerida, levou à conclusão por parte da mesma de que os valores declarados não correspondiam aos valores conhecidos;

 

u) As correcções operadas ao declarado em sede de procedimento de divergências vêm explicadas pelos Serviços da Requerida (supra), constando das respectivas conclusões, entre o mais, assim[15]:

No caso concreto em análise das UP´s, verificamos que o SP recebeu no âmbito do acordo de reestruturação 311.757,4100 UP’s do FGP-FEI, com o valor monetário de €1,00 cada UP, a que corresponde um capital atribuído no Fundo de € 311.757,41. Além disso, teve direito junto do B... a títulos de depósitos (€ 147.871,46), títulos de crédito de garantia (€ 257.455,97) no montante global de € 717.084,84.

As aplicações RAIIG que o SP detinha no B... no valor de € 611.773,62, foram convertidas no âmbito de um acordo de reestruturação celebrado em 2010, tendo o SP recebido em troca € 311.757,41 UP´s do FGP-FEI e direitos junto do B..., no montante global de € 717.084,84.

Ou seja:

O valor de aquisição das UPs detidas pelo SP no FGP-FEI será o correspondente ao valor nominal das aplicações RAIIG convertidas, que se traduziu em 311.757,4100 UP´s de valor monetário de € 1,00, no montante de € 311.754,41, de acordo com o disposto no Orçamento de Estado 2010 – art.º 81.º da Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril e o sancionado pelo despacho de 17/01/2014 da substituta legal do Diretor Geral da AT, constante do ofício n.º ..., de 24 de janeiro de 2014.”

 

v) Da declaração da entidade gestora do FEI, com data de 18.07.2016, e, como aí se lê, emitida para efeitos fiscais nos termos do art.º 7.º, n.º 11 do DL n.º 7/2015[16], consta, entre o mais (cfr. doc. 4 junto pelo SP):

 

" Valor inicial da unidade de participação

A 31 de Março de 2010, o Fundo foi constituído com o valor da unidade de participação de 1 €.

- Amortizações parciais de capital

Conforme estipulado no Regulamento de Gestão do Fundo e atempadamente comunicado por via do sistema de difusão de informação, gerido pela Comissão de Mercados de Valores Mobiliários ("CMVM"), entre 5 de Agosto de 2010 e 7 de Outubro de 2015 foram realizados diversos pagamentos a título de amortizações parciais do valor da unidade de participação, que corresponderam a uma redução do capital do Fundo, reflectida na redenominação do valor inicial da unidade de participação, nos termos a seguir indicados:

 

 

DATA

VALOR DA AMORTIZAÇÃO PARCIAL POR UNIDADE DE PARTICIPAÇÃO

VALOR BASE DA UNIDADE DE

PARTICIPAÇÃO Após AMORTIZAÇÃO

05.Ago.10

0,0200 €

0,9800 €

07.Jul.11

0,0121 €

0,9679 €

10.Out.11

0,0172 €

0,9507 €

06.Jan.12

0,0234 €

0,9273 €

06.Jul.12

0,0106 €

0,9167 €

05.Abr.13

0,0199 €

0,8968 €

05.Jul.13

0,0870 €

0,8098 €

07.0ut.13

0,0130 €

0,7968 €

07.Abr.14

0,0925 €

0,7043 €

07.Jul.14

0,0710 €

0,6333 €

07.0ut.14

0,0584 €

0,5749 €

07.Jul.15

0,0285 €

0,5464 €

07.Out.15

0,1169 €

0,4295 €

 

  • Reembolso por conta do valor final de liquidação do Fundo

Conforme deliberado em Conselho de Administração da CMVM, reunido no dia 30 de Março de 2016, e atempadamente comunicado por via do sistema de difusão de informação gerido pela mesma autoridade de supervisão, entre 13 de Abril e 15 de Julho de 2016 foram realizados diversos reembolsos parciais por conta do valor final de liquidação por unidade de participação, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 43.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, nos termos a seguir indicados:

 

EVENTO

DATA DE PAGAMENTO

VALOR POR UNIDADE DE PARTICIPAÇÃO

Reembolso parcial por conta do valor final da liquidação

13-04-2016

0,360000 €

Reembolso parciat por conta do valor final da liquidação

13-05-2016

0,100500 €

Reembolso parcial por conta do valor final da liquidação

15-06-2016

0,077800 €

Reembolso final da liquidação

15-07-2016

0,014669 €

Valor Final de liquidação

 

0,552969 €

 

 

  • Informação para aplicação das regras previstas no regime transitório de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo — Decreto-Lei n. 0 712015, de 13 de Janeiro

Para os devidos efeitos de aplicação das regras previstas nos n.0s 9 a 11 do artigo 7. 0 do Decreto-Lei n. 0 7/2015, de 13 de Janeiro, informa-se que o Fundo apresentava, com referência a 30 de Junho de 2015, os seguintes valores por unidade de participação:

 

DESCRIÇÃO

VALOR POR UNIDADE DE PARTICIPAÇÃO

Valor base

0,574900 €

Valor do rendimento gerado (e não distribuído) pelo Fundo até 30 de junho de 2015

0,129800 €

Valor líquido

0,704700 €

 

 

Mais se informa, para os mesmos efeitos, que o valor final de liquidação por unidade de participação (0,552969 €) se decompõe nas seguintes parcelas:

 

DESCRIÇÃO

VALOR POR UNIDADE DE PARTICIPAÇÃO

Valor base

0,429500 €

Valor do rendimento

0,123460 €

- Parcela do rendimento gerado pelo Fundo até 30 de Junho de 2015

0,129800 €

- Parcela das perdas incorridas pelo Fundo em e após 1 de Julho de 2015

(0,006340 €)

Valor líquido

0,552969 €

 

 

w) Do mesmo documento (cfr. al. anterior) consta ainda o valor do imposto incorrido pelo Fundo até 30 de Junho de 2015 – de € 0,076600 por UP;

 

x) No âmbito da reestruturação das Aplicações RA e conforme por si acordado em 2010 por Acordo de Reestruturação com as entidades envolvidas, o Requerente recebeu 311.757,41 UPs do FEI (por troca com as loan notes que detinha – v. al. k) supra), e foram-lhe ainda reconhecidos outros direitos;

 

z) A 18.12.2020 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Não resultou provado que o Requerente tenha, como assim também não resultou provado que não tenha, até ao ano de 2016 ou após, recebido os valores (ou parte deles) que no âmbito da reestruturação das Aplicações RA foi reconhecido lhe serem devidos além do valor que lhe foi atribuído no capital do FEI (via UPs que lhe foram atribuídas).

Com possível relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos – todos criticamente apreciados e documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e factos não controvertidos.

No que aos factos dados como não provados respeita, e independentemente de os mesmos poderem ou não vir a ter relevo para a decisão da causa dependendo da solução de Direito a que a final formos conduzidos, refira-se, o Requerente alega nos seus articulados constar do Acordo de Reestruturação o reconhecimento do seu direito a outros valores que o B... não honrou e que aí vêm descritos “a título de depósitos e a título de créditos de garantia”. Por seu lado a Requerida alega, na sua Resposta, que foram atribuídos ao Requerente os seguintes produtos: UPs no valor de € 311.757,41, títulos de depósito no valor de € 147.871,46 e títulos de crédito de garantia, no valor de € 257.455,97. Em conexão, é conhecido - sendo facto notório[17] - que no seio da reestruturação das Aplicações RA - aos respectivos investidores, i.e., aos Clientes do B... que haviam subscrito as Aplicações RA (“Clientes RA”), vieram a ser pagos montantes, relevantes na sua globalidade, pelo Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) (foi a primeira vez em que o mecanismo foi accionado), e que o próprio Sistema de Indemnização aos Investidores (SII) foi activado com vista a uma solução para o problema.  A oposição então manifestada desde logo por parte da Banca (Associação Portuguesa de Bancos), sabe-se, viria a fazer interromper o processo dos pagamentos, porém o mesmo veio a ser retomado[18], processando-se pagamentos [19].

Por outro lado, é também do conhecimento generalizado, e não pode ser ignorado pelo Tribunal, que, ainda no seio da mesma reestruturação (das Aplicações RA), Clientes houve, aderentes à reestruturação, a quem foram creditados valores na sequência do reconhecimento de outros direitos a par (além de) do que lhes era atribuído via UPs no FEI - cfr. Acordos de Reestruturação - a título de Depósitos Subjacentes e de Créditos de Garantia e correcções. A este respeito, entre o mais é também elucidativa a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores[20] em que no tratamento de litígios relacionados com a situação em questão (revogação da autorização do B... para o exercício da sua actividade e subsequentes desenvolvimentos) se percorre o tema, seja no tratamento directo do envolvido nos Acordos de Reestruturação, seja por referência ao próprio processo de insolvência do B... .

Por fim, é também conhecido, não podendo igualmente ser ignorado pelo Tribunal, que o B... se mantém ainda no presente em liquidação (com a administração da massa insolvente a cargo de Comissão Liquidatária).

No que ao facto constante da al. u) respeita, o juízo probatório fundou-se na transcrição das conclusões do procedimento de divergências constante da Resposta da Requerida, à qual, em termos formais, o Requerente nada opôs.

 

O Processo Administrativo (“PA”) não foi junto aos autos, apesar de notificada a Requerida para o efeito por despachos do Tribunal de 24 de Maio e 29 de Junho de 2021.

O Acordo de Reestruturação assinado entre o Requerente e as entidades envolvidas na reestruturação das Aplicações RA não foi junto aos autos, não obstante o Requerente ao mesmo se reportar nos seus articulados, referindo-se a elementos do mesmo.

 

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[21]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC[22]). 

Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.

 

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são de Direito e de facto, reconduzindo-se à essencial questão seguinte:

  1. Qual o valor a considerar como valor de aquisição das UPs do FEI para efeitos de apuramento de ganho de mais-valias do Requerente na liquidação do Fundo em 2016?

 

Sendo que, dependendo da resposta àquela, haverá que decidir quanto à seguinte:

 

  1. Incorreu ou não a Liquidação em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito e/ou de facto ao ter considerado como valor de aquisição, para o efeito, não o valor do total do capital investido pelo Requerente nas Aplicações RA, i.e., € 607.773,62, mas tão só o montante correspondente ao número de UPs atribuídas ao Requerente na reestruturação das Aplicações RA, multiplicado pelo seu valor de subscrição unitário, de € 1,00, i.e., € 311.754,41? Montante este que entendeu ser - do valor do total do capital investido pelo Requerente nas Aplicações RA - o correspondente às que, daquelas, foram convertidas em UPs. Que entendeu ser, pois, o montante correspondente às aplicações “convertidas nas unidades de participação” - no dizer do art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010.

 

Consoante o que se responder à Questão II, assim haverá ou não ainda que decidir quanto a (i) devolução de quantias pagas, e (ii) juros indemnizatórios.

 

Dependendo, também, do que se vier a responder nas Questões I e II, assim haverá ou não que apreciar e decidir quanto a eventual violação da Constituição. O que apenas se colocará, por assim aproximado pelo Requerente, caso a interpretação que se venha a seguir da norma do art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010 seja aquela que a Requerida seguiu na Liquidação.

 

Como segue.

 

Recapitulando brevemente, e avançando.

 

Requerente e Requerida divergem quanto, no essencial, à interpretação devida do n.º 3 do art.º 81.º da LOE 2010. Norma que concordam ter natureza de norma especial, assim afastando o regime geral que decorreria do CIRS para a determinação do valor de aquisição.

 

Ambas entendem, depois, que nos termos do novo regime de tributação dos rendimentos auferidos pelos participantes de OICs[23] conforme estabelecido pelo DL n.º 7/2015 de 13 de Janeiro, que alterou o EBF (v. nova redacção do art.º 22.º e novo art.º 22.º-A então introduzidos neste último Diploma), apenas se afastaria o regime que decorre da norma já referida da LOE 2010 caso o valor de aquisição das participações não fosse superior ao valor de mercado das mesmas à data de início da produção dos efeitos da norma “nova” - a saber, a 30.06.2015 – cfr. art.º 7.º, n.º 9 e art.º 9.º do DL n.º 7/2015. Que só nesse caso seria de considerar como valor de aquisição o valor de mercado a 30.06.2015.

 

Sendo que para ambas as Partes é líquido que o valor de aquisição das participações (aquele que há-de considerar-se como valor de aquisição para efeitos fiscais, de cálculo de mais-valias) é superior ao valor de mercado das mesmas a 30.06.2015.

Assim: o valor de mercado a 30.06.2015 é de € 0,7047/UP. Conforme, entre o mais, consta da Declaração da entidade gestora do FEI (v. factos provados, al v), penúltimo quadro ali transcrito). Assim, de € 219.695,45 (i.e., € 0,7047 x 311.757,41 UPs).

Muito embora o Requerente apresente um cálculo quanto a este mesmo último valor algo distinto (ao abater ao valor líquido das UPs a 30.06.2016 as duas amortizações que se lhe seguiram em 2015, e assim apurar um “valor de aquisição de € 0,5593/UP”), em qualquer caso apura sempre um montante (para efeitos do n.º 9.º do art.º 7.º do DL 7/2015) que por ser inferior ao montante pelo qual adquiriu as Aplicações RA (€ 607.773,62)[24] - e entende ser este o de considerar como o valor de aquisição das participações (UPs, diga-se) - conclui de afastar - cfr. esse n.º 9 - a consideração do valor de mercado a 30.06.2015 (enquanto valor de aquisição) – para sempre se aplicar o constante do n.º 3 do art.º 81.º da LOE 2010.

E para a Requerida, igualmente, o valor de aquisição das participações (UPs) é líquido ser superior ao valor de mercado das mesmas a 30.06.2015. Para a Requerida - e assim foi considerado na Liquidação - o valor de aquisição das participações foi de (deve considerar-se ter sido de) € 311.757,41. Assim, superior ao valor de mercado das mesmas a 30.06.2015 (€ 219.695,45, como supra). Pelo que resulta também para a Requerida afastada, cfr. art.º 7.º, n.º 9 do DL 7/2015, a consideração do valor de mercado àquela data (30.06.2015) e – sempre – sendo de aplicar o art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010.

 

Portanto, seja na posição defendida pelo Requerente, seja na posição pela qual pugna a Requerida, sendo sempre aplicável ao caso a norma especial da LOE 2010 – o art.º 81.º, n.º 3 - doravante também “a Norma”. A que nos dirigiremos.

 

*

 

Abra-se aqui um breve parêntesis para se dizer, desde já, que, no entender do Tribunal, nem se suscitariam dúvidas quanto à questão – sempre sendo de aplicar o art.º 81.º, n.º 3. Norma especial expressa, para a situação. Sendo que o art.º 7.º, n.º 9 do DL 7/2015 se reporta a mais/menos-valias na transmissão onerosa das participações. Estando-se, no nosso caso, diferentemente, como também melhor de verá, não em sede de transmissão onerosa de participações e sim, sempre, em sede de “resgate” – liquidação.

(Ainda, sempre se diga, que não fosse impossível no âmbito do FEI ocorrerem tais transmissões onerosas de UPs, nesse caso transmissões das UPs a terceiros por Clientes RA aderentes à reestruturação das Aplicações RA; não é, porém, isso o que se passa nos autos).

Fechando o parêntesis.

 

*

 

Por outro lado, é consensual entre as Partes, além do mais, que o valor de realização, adveniente das UPs, pela liquidação do FEI, foi de € 374.130,40.

E, com efeito é isso o que resulta dos factos provados:

O valor final de liquidação por UP é de € 0,552669 (cfr. supra al. v) factos provados, ante-penúltimo quadro aí transcrito). Que a multiplicar pelo número de UPs detidas pelo Requerente, de 311.757,41 = € 172.392,18.

O valor total das amortizações parciais efectuadas (até final de 2015) é de € 132.528,07 + 45.329,53 = € 177.857,60 (cfr. supra al. v) factos provados, primeiro quadro aí transcrito).

E o valor de imposto retido pelo FEI até 30 de Junho de 2015 (cfr. supra al. w) factos provados) é de € 0,07600/UP. O que, a multiplicar pelo número de UPs detidas pelo Requerente, corresponde a € 23.880,62.

Ora, da soma das referidas parcelas - as três a sublinhado - resulta o montante de € 374.130,40.

Montante que, seja na posição defendida pelo Requerente, seja na posição defendida pela Requerida, traduz o valor de realização.

Por referência ao qual ambas apresentam o seu cálculo de apuramento de mais-valias.

Contrapondo para o efeito àquele valor (de realização) um valor de aquisição. Que este sim é divergente entre elas.

Quanto ao valor de realização, pois, é ele de € 374.130,40.

A ele também se refere o Requerente no seu PPA como o “valor de realização em termos absolutos”[25], e é tendo-o por referência que apura – por confronto com aquele que entende ser

de considerar o valor de aquisição – uma menos-valia, desde logo conforme por si declarado na Declaração Modelo 3 relevante (cfr. factos provados, al. p) supra). Sendo que: € 374.130,40 - € 607.773,62 = € - 233.643,22 (e v. - factos provados, al. p), ref. Quadro 10 da Declaração, linhas 01 e 02).

E a ele (mesmo valor de realização) chega a Requerida conforme cálculos reflectidos na Liquidação e expostos na sua Resposta. Expondo, como se acompanha, que aquele valor corresponde à soma do valor pago pelo FEI/recebido pelo Requerente a título de amortizações parciais, com o valor recebido, a final, aquando da liquidação do Fundo, e ainda somado com o valor retido a título de imposto pelo FEI aquando do pagamento das amortizações parciais. Ou seja: € 177.857,60 + € 172.392,18 = € 350.249,78; e € 350.249,78 + € 23.880,62 (retenção pelo FEI, cfr. al. w) factos provados) = € 374.130,40.

Tudo cfr. também, entre o mais, art.º 44.º do CIRS.

Daí a mais-valia (o ganho de mais-valia), também se diga, a que a Requerida chega, conforme seus cálculos reflectidos na Liquidação, por confronto do visto valor de realização com aquele que considera ser o valor de aquisição a considerar: € 374.130,40 - € 311.757,41 = € 62.372,99.

 

V., ademais, se dúvidas houvesse, como o Rendimento global apurado na Liquidação é de € 132.372,95, sendo que os rendimentos declarados pelo Requerente, além do que se refere às UPs em questão nos autos, são apenas os rendimentos no valor de € 70.000,00 (trabalho dependente) - v. supra factos provados al.s p) a s). Ora, é da soma destes dois montantes que resulta aquele Rendimento global (€ 62.372,95 + € 70.000,00 = € 132.372,95).

 

Aqui chegados.

 

E assim sendo. Apenas o valor de aquisição vem discutido nos autos.

Com a consequência de, seguindo-se a posição perfilhada pelo Requerente se apurarem, no caso, menos-valias. E, pelo contrário, seguindo-se a posição da Requerida, se apurarem mais-valias.

Assim, em discussão está o que deva entender-se, de acordo com a lei aplicável, como sendo, no caso, o valor de aquisição – valor de aquisição para efeitos de apuramento de mais-valias em IRS.

Não sendo controvertido entre as Partes a norma aplicável ser a do art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010[26]. Como também vimos de ver.

 

Pois bem.

 

Não fora a norma especial em questão – art.º 81.º, n.º 3 – e o regime a aplicar seria, bem se vê, o constante do CIRS, as regras gerais daí constantes a respeito e, em particular, o art.º 43.º (v. n.º s 1, 5 e 6, al. c) – que determinaria, para efeitos de apuramento do saldo positivo/negativo – no caso de Residentes – ter por referência a data da aquisição das participações da sociedade visada em OPA – com as devidas adaptações, pois, a data da aquisição das Aplicações RA / loan notes, como afinal, bem vistas as coisas, também pretende o Requerente), na sua relação com os art.ºs 10.º, n.º 1, al. b), 5), e art.º 9.º.

 

E v. também, ao que regressaremos ainda, o art.º 22.º-A, n.º 1, al. e) do EBF (no que aos pagamentos após 1 de Julho de 2015 respeita), quanto a nós a remeter no que à liquidação respeita (no caso de titulares Residentes, como é o caso do Requerente) para o regime do CIRS. Sem prejuízo da opção por parte dos titulares das participações de optarem pelo englobamento para efeitos de IRS (cfr. n.º 2 do art.º 22.º-A).

E v., ainda (no que aos pagamentos anteriores a 1 de Julho de 2015 respeita), o art.º 22.º, n.º 1 do EBF, na versão que vigorou até 30.06.2015, a reger a tributação, então, na esfera do Fundo. Sem prejuízo da opção por parte dos titulares das participações de optarem pelo englobamento, do imposto incorrido pelo Fundo, para efeitos de IRS (cfr. n.º 2 do art.º 22.º na mesma versão).

 

Havendo, porém, norma especial, como se sabe, esta prevalece, sendo a aplicável (cfr. critério da especialidade: lex specialis derogat legi generali). V., entre o mais, art.º 7.º, n.º 3 do Código Civil, no sentido da prevalência da lei especial.

E nada nos autos nos conduz a afastar tal princípio. Muito pelo contrário. Sendo a situação em questão a que se conhece, e tendo o legislador especificamente pela LOE em 2010 cuidado precisamente de acudir aos problemas que da mesma iriam surgir também ao nível de apuramento de possíveis mais-valias.

 

Afastou, pois, o legislador, porque assim entendeu fazê-lo, o regime que resultaria desde logo, e entre o mais, da referida al. c) do n.º 6 do art.º 43.º do CIRS, vimo-lo. Tenha-se presente que (é sabido também e o Tribunal também não poderia ignorar) as UPs foram atribuídas, dadas em troca (de acordo com um determinado e único Critério de Repartição, aos Clientes RA aderentes à Reestruturação das Aplicações RA) no âmbito de uma Oferta Pública de Aquisição, regulada, como não poderia deixar de ser, pelo CVM, supervisionada pela CMVM, entre o mais.[27]

 

Posto tudo o que, somos então remetidos à interpretação da Norma. Interpretação da Lei, pois.

 

Refira-se ainda neste ponto, por fim e antes de entrarmos na matéria (interpretação) em termos mais específicos, que tendo o prazo inicial do FEI sido prorrogado, em 2014, em todo o caso a redacção da nossa Norma foi mantida, sem qualquer alteração.

 

Interpretação, então, da Lei. Dizíamos.

 

Da lei tributária, sempre se diga também, uma vez que é também líquido que a norma em questão (o n.º 3 do art.º 81.º) é uma norma com essa natureza. Trata-se, ali, de vir esclarecer, tendo em consideração a dificuldade já então antecipada, o modo de apurar as mais-valias (ou menos-valias) (rectius determinar o valor de aquisição a considerar para o efeito) em caso de “alienação ou resgate” das UPs do FEI – no seio da complexidade da operação delineada então para efeitos de atribuição de UPs aos Clientes RA no âmbito - face às dificuldades de liquidez do B... - da tentativa de minorar o problema causado aos ditos Clientes, através de uma reestruturação das ditas Aplicações. No apoiar da recuperação de valor das mesmas (v. epígrafe do art.º 81.º, infra), verbalize-se.

 

Pois bem. Estabelece o artigo em questão, inserido no Capítulo VIII da LOE 2010 –– “Iniciativa para o reforço da estabilidade financeira”, e sob a epígrafe “Apoio à recuperação das aplicações de clientes do Banco B..., S.A.”, assim:

 

“1 - Fica o Governo autorizado, através do membro do Governo responsável pela área das finanças, com faculdade de delegação, a assegurar aos titulares de contas de retorno absoluto de investimento indirecto garantido junto do Banco B..., S. A., que sejam participantes do fundo especial de investimento que vier a ser constituído para recuperação das respectivas aplicações e que reúnam os critérios de elegibilidade legalmente aplicáveis do Fundo de Garantia de Depósitos e do Sistema de Indemnização dos Investidores a recuperação de até (euro) 250 000 por titular de conta das referidas aplicações, nos termos que vierem a ser definidos por despacho
 

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a recuperação de até (euro) 250 000 é fixada no montante correspondente exclusivamente à diferença entre o valor nominal das aplicações dos titulares de contas de retorno absoluto de investimento indirecto garantido, à data de 24 de Novembro de 2008, e o valor nominal total recebido pelos detentores das unidades de participação que beneficiem do disposto no número anterior, até ao termo final do período inicial de duração do Fundo Especial de Investimento, em resultado, designadamente, do accionamento do Fundo de Garantia de Depósitos e do Sistema de Indemnização dos Investidores, da participação no Fundo Especial de Investimento e na liquidação do seu património, independentemente da natureza desses recebimentos, a título de ressarcimento indemnizatório, amortização de capital, distribuição de rendimentos, partilha de activos em liquidação ou qualquer outro. 
 

3 - Em caso de alienação ou resgate das unidades de participação do Fundo Especial de Investimento por parte dos seus subscritores, considera-se valor de aquisição para efeitos fiscais o montante correspondente às aplicações em retorno absoluto de investimento indirecto garantido convertidas nas unidades de participação.”

 

 

Por sua vez, os Despachos para que somos remetidos pelo mesmo artigo[28], assim:

 

Diário da República n.º 247/2010, 1º Suplemento, Série II de 2010-12-23

Despacho n.º 19070-B/2010

Despacho n.º 19070-B/2010, de 23 de Dezembro

Apoio do Estado à recuperação das aplicações dos clientes de Retorno Absoluto de Investimento Indirecto Garantido (RAIIG) do Banco B..., S. A. (B...)

 

Considerando que, nos termos do artigo 81.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, cabe ao membro do Governo responsável pela área das finanças definir, por despacho, os termos em que se concretizará o apoio do Estado à recuperação das aplicações dos clientes de Retorno Absoluto de Investimento Indirecto Garantido (RAIIG) do Banco B..., S. A. (B...);

Considerando o protocolo celebrado entre a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD), o Sistema de Indemnização aos Investidores (SII), o depositário e a entidade gestora do Fundo Especial de Investimento (FEI), que estabelece os termos da colaboração recíproca e de carácter regular entre estas entidades para efeitos de execução e acompanhamento do disposto no artigo 81.º;

Considerando que cabe à CMVM, atenta a natureza das aplicações em recuperação, prestar a informação inicial necessária, sem prejuízo do dever de colaboração para o efeito do Banco de Portugal, da entidade gestora e depositária do FEI e das comissões directivas do FGD do SII;

Considerando que cabe à DGTF o acompanhamento e execução das responsabilidades financeiras emergentes do disposto no artigo 81.º, sem prejuízo da sua certificação por parte da Inspecção-Geral de Finanças (IGF):

Determino, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 81.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento de Estado para 2010, e ao abrigo da competência que me foi delegada pelo despacho do Ministro de Estado e das Finanças de 15 de Dezembro de 2010, o seguinte:

1 - Compete à DGTF a emissão de garantia, a favor dos titulares elegíveis das contas de RAIIG, tal como definidos na referida disposição, após prévia validação pela IGF dos beneficiários e montantes a garantir;

2 - Aprovo os termos em que, ao abrigo da garantia mencionada no número anterior, é assegurada a recuperação das aplicações dos referidos titulares de contas de RAIIG, cujo conteúdo consta do anexo ao presente despacho, e dele faz parte integrante.

22 de Dezembro de 2010. - O Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, (...)

 

ANEXO

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 81.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, a garantia de recuperação das aplicações de RAIIG, aos respectivos titulares, deve observar os seguintes termos e condições:

1 - Beneficiários. - São considerados beneficiários da garantia a emitir as pessoas individuais ou colectivas que preencham cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Sejam titulares de contas de RAIIG junto do B... à data de 24 de Novembro de 2008;

b) Tenham aderido ao FEI com a totalidade das aplicações de RAIIG de que são titulares, reunindo a qualidade de participante no mesmo;

c) Tenham sido reconhecidos pelo FGD e pelo SII como elegíveis para protecção pelos respectivos sistemas, nos termos da legislação aplicável.

2 - Cobertura. - A cobertura proporcionada através da garantia mencionada no n.º 1 assegura exclusivamente a recuperação da diferença entre o valor nominal das aplicações dos titulares de contas de RAIIG à data de 24 de Novembro de 2008 e o valor nominal total recebido pelos detentores de unidades de participação até ao termo final do período inicial de duração do FEI, nos termos constantes do disposto no n.º 2 do mencionado artigo 81.º

3 - Limite. - A recuperação assegurada ao abrigo da cobertura prevista no número anterior está sujeita ao limite de (euro) 250 000 por titular de conta de RAIIG à data de 24 de Novembro de 2008 ou ao valor nominal das aplicações de RAIIG, consoante o que for menor.

4 - Cessação antecipada da garantia. - Constitui fundamento de cessação antecipada da garantia mencionada nos n.os 1 e 2 a dissolução ou liquidação do FEI antes do termo do seu prazo inicial de duração.”

 

*

Despacho n.º 19070-B/2010

 

Despacho n.º 7711/2014

“Despacho n.º 7711/2014, de 16 de Junho

Assegurar aos titulares das aplicações RAIIG a recuperação de até EUR 250.000 por titular, no âmbito da garantia do Estado autorizada nos termos do art. 81º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, num total de até 40 MEUR

 

Considerando que o Governo, através do Ministro das Finanças, foi autorizado, nos termos do artigo 81º da Lei do Orçamento do Estado para 2010, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, a assegurar aos titulares de contas de retorno absoluto de investimento indireto garantido (RAIIG), no termo do período inicial de duração do Fundo Especial de Investimento, em 30 de março de 2014, que fossem participantes mesmo e que reunissem os critérios de elegibilidade legalmente aplicáveis do Fundo de Garantias de Depósitos (FGD) e do Sistema de Indemnização aos Investidores (SII), a recuperação de até (euro) 250.000 por titular de conta das referidas aplicações;

Considerando que, no cumprimento do disposto na referida norma, o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, através do Despacho n.º 19070-B/2010, de 23 de dezembro de 2010, aprovou os termos em que é assegurada aquela recuperação, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), após prévia validação pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF) dos beneficiários e montantes a garantir;

Considerando que, nos termos do número 2 do artigo 125º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, esta garantia não se encontra abrangida pelo limite fixado para a autorização da concessão de garantias pelo Estado, em 2014;

Autorizo a DGTF, ao abrigo da delegação de competências proferida nos termos da alínea b) do ponto n.º 1 do Despacho da Ministra de Estado e das Finanças n.º 11841/2013, de 6 de setembro, publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 176, de 12 de setembro de 2013, a assegurar aos titulares das aplicações RAIIG a recuperação de até (euro) 250.000 por titular, no âmbito da garantia do Estado autorizada nos termos do artigo 81º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, num total de até 40 MEUR.

4 de junho de 2014. - A Secretária de Estado do Tesouro, (...)”

 

*

Pois bem.

 

De acordo com o STA, decidindo em via de recurso - interposto da Decisão Arbitral de 20.05.2022 proferida nos presentes autos, e em que se decidira pela improcedência do PPA (tendo-se então por devida interpretação da Norma a interpretação no sentido de dever ser considerado valor de aquisição para o efeito não a totalidade do capital investido nas Aplicações RA mas, desse, tão só o correspondente ao que na reestruturação foi atribuído ao Requerente via UPs, dadas em troca nos termos do Acordo de Reestruturação e do Critério de Repartição aí estabelecido) - por Acórdão do Pleno transitado em julgado em 09.03.2023 (cfr. Relatório supra, in fine):

 

[início de transcrição]

“(...) Como já anteriormente se salientou, a questão colocada no presente recurso consiste em saber qual o valor a considerar como valor de aquisição das unidades de participação (UPs) do FEI para efeitos de apuramento de mais ou menos-valias, à luz do disposto no artigo 81.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na sequência do resgate das unidades de participação adquiridas (subscritas) por conversão das Aplicações RAIIG de que o sujeito passivo era titular.

           

(...) A divergência entre ambas, assenta, portanto, na interpretação do disposto no n.º 3 do artigo 83.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que dispõe:

“Em caso de alienação ou resgate das unidades de participação do Fundo Especial de Investimento por parte dos seus subscritores, considera-se valor de aquisição para efeitos fiscais o montante correspondente às aplicações em retorno absoluto de investimento indirecto garantido convertidas nas unidades de participação.”

            O que passa por saber qual o sentido do segmento da norma que se reporta ao valor de aquisição como sendo o “montante correspondente às aplicações em retorno absoluto de investimento indirecto garantido”.

            Esta norma insere-se no objectivo das entidades governamentais de “Apoio à recuperação das aplicações de clientes do Banco B..., S.A.”, conforme consta da epígrafe do preceito, e abrange os denominados “contratos de gestão de carteiras”, no âmbito da modalidade de oferta, designada por “retorno absoluto investimento indirecto com garantia de capital ou de capital e remuneração”, em que, nuns casos, foi acordada a garantia do capital investido e, noutros casos, a garantia desse capital acrescido de uma determinada remuneração (“RA”), sendo que os investimentos dos clientes eram efetuados de forma indireta através da subscrição de instrumentos de dívida (as denominadas “loan notes”) emitidos por diversas sociedades de investimento sujeitas a uma gestão agregada (cfr. notas do Regulamento de Gestão do FEI).

            Decorre igualmente do citado Regulamento de Gestão que na sequência da intervenção das autoridades financeiras no B... e após avaliação dos ativos daquelas sociedades de investimento, foi constituído um fundo (FEI) cujas unidades de participação emitidas correspondiam ao valor dos Ativos Subjacentes, sendo que a solução encontrada para os titulares das RAIIG passou por um procedimento complexo no âmbito do qual e mediante um sistema de adesão voluntária dos respetivos titulares (“acordo de reestruturação”), foram atribuídas (em rateio) aos aderentes unidades de participação do Fundo, em troca das “loan notes” por eles detidas.

            Ainda nos termos do referido Regulamento os Clientes que optaram por aderir ao Fundo tinham direito “(i) aos Depósitos Subjacentes, (ii) às unidades de participação do Fundo e (iii) aos Créditos das Garantias, nos montantes que lhes forem atribuídos de acordo com o Critério de Repartição”, ou seja, o seu investimento inicial (“loan notes”) podia ser recuperado através destas três formas e de acordo com as regras estabelecidas para cada uma.

            Ora, a divergência entre as duas decisões arbitrais (sendo que a decisão recorrida sufraga o entendimento da AT) assenta na relevância que é atribuída aos dois outros mecanismos de recuperação do investimento (“depósitos subjacentes” e “créditos garantidos”) na interpretação a dar ao segmento da norma em discussão e supra enunciado (“montante correspondente às aplicações em retorno absoluto de investimento indirecto garantido”).

            Defende-se na decisão recorrida (segundo bem percebemos o juízo manifestado) que sabendo o legislador que o cliente podia recuperar o investimento através das duas outras formas, então o valor das unidades de participação do Fundo atribuídas aos clientes aderentes correspondia a parte desse investimento, pelo que o “valor de aquisição” dessas unidades nunca poderia corresponder ao valor global do investimento inicial feito através das “loan notes”, mas sim ao valor nominal das unidades de participação aquando da sua atribuição.

            Tal entendimento não é de sufragar, não só porque ele não tem qualquer correspondência na letra da lei (n.º 3 do art.º 83.º da Lei n.º 3-B/2010), nem no seu espírito.

            Desde logo porque do segmento “montante correspondente às aplicações em retorno absoluto de investimento indirecto garantido” não se extrai qualquer sentido restritivo ou qualquer referência a um valor resultante de avaliação feita aquando da sua reestruturação (ou conversão), e como resulta do art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil, “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

            Por outro lado e repescando a informação da própria AT prestada ao Fundo, de que se dá nota nas decisões arbitrais (transcrita na alínea H) da matéria de facto da decisão proferida no processo 744/2020-T), ali se fez constar que “...identificamos como ratio legis desta norma a intenção de resolver de forma clara, afastando a aplicabilidade do disposto nas regras gerais tributárias a respeito de valor de aquisição, o problema de, in casu, identificar qual fosse o valor de aquisição destas unidades de participação face à complexidade inerente a todo o processo de reestruturação das aplicações RAIIG em unidades de participação do FGP-FEI – desconsiderando para o efeito, e perante os titulares de aplicações RAIIG aderentes ao Fundo, os efeitos tributários próprios dos vários passos inerentes à concretização do plano de reestruturação”.

            Ou seja, atenta a complexidade do acordo de reestruturação e a dificuldade que se teria em fixar um valor de realização, o legislador optou por regular em norma própria os termos da fixação desse valor, optando por fazer essa correspondência ao valor das aplicações RAIIG dadas em troca das unidades de participação no Fundo.

            E o facto de os aderentes ao acordo de reestruturação poderem lançar mão dos outros dois mecanismos de recuperação do investimento (“depósitos subjacentes” e “créditos garantidos”) há que dizer que os mesmos são meramente complementares e sempre têm em conta o valor recuperado pelo aderente ao Fundo, para além de a garantia assegurada comportar limites, como se alcança do acordo de reestruturação e do “Despacho n.º 19070-B/2010, de 23 de Dezembro” [Diário da República n.º 247/2010, 1.º Suplemento, Série II de 2010-12-23], proferido a coberto do n.º 1 do artigo 83.º da Lei 3-B/2010, de que se dá nota na decisão arbitral recorrida, onde consta que “...A cobertura proporcionada através da garantia mencionada no n.º 1 assegura exclusivamente a recuperação da diferença entre o valor nominal das aplicações dos titulares de contas de RAIIG à data de 24 de Novembro de 2008 e o valor nominal total recebido pelos detentores de unidades de participação até ao termo final do período inicial de duração do FEI, nos termos constantes do disposto no n.º´2 do mencionada artigo 81.º”.

            Assim, assiste razão ao Recorrente na censura que faz à decisão arbitral recorrida, impondo-se a adoção do entendimento sufragado na decisão arbitral indicada como fundamento, no sentido de que “... o valor de aquisição das UP no FEI, à luz da disciplina específica do artigo 81.º, n.º 3 da LOE 2010, é o do capital investido nas Aplicações RAIIG”, uma vez que só a interpretação das normas com este sentido conduz ao resultado querido pelo legislador.

Nestes termos procederá o presente recurso.

 

Pelo exposto, acordam (...):

- conceder provimento ao recurso e, em consequência, anular a decisão arbitral recorrida;

- uniformizar jurisprudência nos seguintes termos:

- O valor a considerar como valor de aquisição das unidades de participação (UPs) do FEI para efeitos de apuramento de mais ou menos-valias, à luz do disposto no n.º 3 do artigo 81.º, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na sequência do resgate das unidades de participação adquiridas (subscritas) por conversão das Aplicações RAIIG de que o sujeito passivo era titular, é o valor correspondente ao capital investido pelo sujeito passivo nessas aplicações, ou seja, ao seu valor nominal;

(...)”

[fim de transcrição]

 

 

Posto o que, e em aplicação do que antecede ao caso, assim procedendo à subsunção dos factos à Norma devidamente interpretada nos termos superiormente fixados pelo STA, haverá que responder às questões a decidir (cfr. supra, pp. 23-24) como segue:

 

  1. O valor a considerar como valor de aquisição das UPs do FEI (para efeitos de apuramento de ganho de mais-valias do Requerente na liquidação do Fundo em 2016) é o correspondente ao capital investido pelo Requerente nas Aplicações RA, o valor nominal destas.

 

  1. A Liquidação incorre em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito ao ter considerado como valor de aquisição, para o efeito, não o valor do total do capital investido pelo Requerente nas Aplicações RA (€ 607.773,62) mas tão só o montante correspondente ao número de UPs atribuídas ao Requerente na reestruturação das Aplicações RA, multiplicado pelo seu valor de subscrição unitário, de € 1,00 (€ 311.754,41), que entendeu ser - do valor do total do capital investido pelo Requerente nas Aplicações RA - o montante correspondente às que, daquelas, foram convertidas em UPs.

 

 

Assim sendo de decidir pela anulação da Liquidação em crise, como se fará.

 

E ficando prejudicado o conhecimento das demais questões que vinham suscitadas pelo Requerente, a saber de violação da Constituição se se tivesse interpretado a Norma com o sentido seguido pela Requerida AT na Liquidação em crise. E como, ao decidir como ora se decide, não sucedeu.

 

 

4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios 

 

Peticionou o Requerente a (i) anulação da liquidação em crise, com o valor total a pagar de € 8.114,35 e emitida em resultado das correcções à sua Declaração Modelo 3, (ii) o reembolso das quantias que se venha a apurar - processando nova Liquidação conforme à sua Declaração Modelo 3 - terem sido pagas em excesso, e que cifra em cerca de € 23.880,62, e (iii) juros.

 

Vejamos.

 

Como supra se viu, a Liquidação é de anular, como peticionado pelo SP.

 

Nos termos do art.º 24.º, n.º 1, al.s a) e b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo a mesma, nos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo - e até ao termo do prazo de execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - “alternativa ou cumulativamente, consoante o caso: a) Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral; b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito; (...).”

 

Por sua vez, conforme n.º 5 do mesmo art.º 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT.

Em coerência, lê-se no art.º 100.º da LGT (aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT) que a AT “está obrigada, em caso de procedência total ou parcial (...) de processo judicial a favor do sujeito passivo à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

É entendimento assente que o processo judicial tributário de impugnação comporta a condenação no pagamento de juros indemnizatórios. E que o mesmo é extensível ao processo arbitral tributário.

 

O pagamento de juros indemnizatórios será devido na condição de se reunirem os pressupostos de que o legislador o faz depender – cfr. art.º 43.º, n.º 1 da LGT: “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Na presente, concluiu-se pela errada interpretação e aplicação da Norma, assim do Direito, na Liquidação, liquidação da iniciativa da Requerida em correcção do declarado pelo Requerente.

O erro de Direito em questão não é imputável ao Requerente.

Cabe, assim, independentemente da demonstração de culpa dos Serviços, condenar a Requerida em juros, como peticionado. A calcular sobre o montante - a devolver - que se venha a apurar ter sido desembolsado pelo Requerente em excesso pelo pagamento da Liquidação (cfr. também art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

5. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA, e assim anular a liquidação melhor identificada supra, com as legais consequências.

 

6. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 31.994,97.

 

7. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 18 de Maio de 2023

 

O Árbitro

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 773/2020-T

Tema: IRS - Rendimentos de Mais-Valias. Art.º 10.º, n.º 1, al. b), 5) do CIRS. Valor de aquisição de UPs do FEI-B... Art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010.

 

*Substituída pela Decisão Arbitral de 18 de maio de 2023.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO:

1) O art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010, que determina o que há-de considerar-se valor de aquisição para efeitos de cálculo de mais-valias em caso de alienação ou resgate das UPs do FEI-B... deve interpretar-se no sentido de que se considera como tal o valor correspondente ao montante de subscrição das UPs dadas em troca aos Clientes RA no seio da reestruturação das Aplicações RA. 2) Tendo sido assim dadas em troca, atribuídas, ao Requerente, por aplicação do Critério de Repartição e nas condições acordadas na reestruturação das Aplicações RA a que o Requerente aderiu, 311.757,41 UPs, o valor de aquisição a considerar para o efeito, na liquidação do FEI, é de € 311.757,41 uma vez que o Fundo foi constituído com o valor de UP de € 1,00. 3) A norma em questão é uma norma especial e afasta o regime geral que decorreria do CIRS cfr., entre o mais, art.º 43.º, n.º 6, al. c). 4) O pagamento de amortizações parciais por UPs em momento anterior ao da liquidação final do FEI não qualifica como rendimento de capitais Cat. E em IRS mas sim constitui liquidação parcial a ser calculada a final aquando da liquidação para efeitos de computo de mais-valias Cat. G, e o imposto que tenha sido incorrido então pelo Fundo – em caso de opção pelo englobamento pelo contribuinte - é considerado imposto por conta, cfr. art.º 78.º do CIRS. 5) O “resgate” a que o legislador de referiu no n.º 3 do art.º 81.º é o resgate-liquidação.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A..., doravante designado por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua ..., n.º ..., ...-... Tondela, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2016.

 

A liquidação em crise, com o n.º 2020 ..., e data de 06.11.2020, à qual corresponde um valor total a pagar de € 8.114,35 (cfr. doc. n.º 1 junto pelo SP), foi emitida na sequência da apresentação, por si Requerente, de Declaração de substituição Modelo 3 e conforme correcção oficiosa à mesma pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O Requerente não se conforma com a liquidação de IRS assim efectuada (doravante “a Liquidação”), e que aqui coloca em crise. Segundo expõe, a correcção assentou em premissas, de direito e de facto, incorrectas.

 

No âmbito de um Contrato de Gestão de Carteira, com o B... (doravante também “B...” ou “o Banco”), subscreveu, em Agosto de 2008, uma Aplicação de “Retorno Absoluto Investimento Indirecto com Garantia” (doravante também “Aplicação RA” ou “RAIIG”). Garantia, na data da maturidade, refere, de 100% do capital investido, acrescido de uma remuneração fixa. Adquiriu, assim, junto da referida Instituição Bancária, loan notes (doravante também “l n”) no valor (total) de € 607.773,62.

 

A 01.12.2008, expõe, o Conselho de Administração do Banco de Portugal (BdP) deliberou dispensar o B... do cumprimento pontual das obrigações antes contraídas e, com vista a encontrar uma solução para os “Clientes RA”, cujas Aplicações apresentavam valorizações de mercado muito inferiores ao montante global dos compromissos assumidos pelo B... conforme garantias antes prestadas, foi acordada reestruturação através da constituição de um Fundo Especial de Investimento Fechado (doravante também “FEI” ou “FEI-B...”). E, no seio da dita reestruturação, em Abril de 2010 as loan notes (v. supra) foram trocadas por Unidades de Participação (UPs) no FEI.

 

Segundo expõe, o valor por si investido fora de € 607.773,62 (l n), tendo recebido UPs do FEI assim: “311.757,41 = € 311.757,41”.

 

Sensível à perda dos “Clientes RA”, refere, o Estado, através da norma especial consagrada no Orçamento de Estado de 2010 – a saber, o art.º 81.º, n.º 3 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril[29] – respeitou a realidade factual, no sentido em que o investimento (como foi o seu caso) não ocorreu em 2010, mas sim em 2008. Sendo que, afirma, o valor investido não está reflectido no valor das UPs recebidas do FEI[30], mas sim no valor das l n adquiridas antes. Nessa conformidade ali se tendo legislado.

 

Em consequência, segundo entende, o valor de aquisição das UPs para efeitos fiscais é de € 607.773,62. Que corresponde ao “valor nominal dos Contratos RAIIG”. Ou seja, ao (total do, acrescentamos nós) capital investido pelo Participante - o Requerente - nas Aplicações RAIIG.

 

Mais, refere, os rendimentos dos sujeitos passivos relacionados com estes títulos não estariam sujeitos a tributação – cfr. art.º 22.º, n.º 2 do EBF na redacção em vigor até 30.06.2015.

 

Sendo certo que o Fundo (FEI) suportou o imposto relativo aos rendimentos dos Participantes no valor de € 0,076600 por UP. No seu caso, no valor total de € 23.880,62 (i.e., 311.757,41 UPs x € 0,076600), que o Fundo entregou nos cofres do Estado. Valor este que, expõe, caberia ser-lhe a si Requerente reembolsado, via englobamento destes rendimentos, isentos. O imposto retido tendo natureza de imposto por conta – cfr. art.º 78.º do CIRS. Com a reforma do regime jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo (OICs) - pelo DL n.º 7/2015, de 13.01 (e sendo o FEI um OIC) -, alterado que foi o referido art.º 22.º do EBF, o novo regime de tributação dos OICs era aplicável apenas a rendimentos obtidos após 01.07.2015[31].

 

Exerceu - no ano de 2016 - a opção pelo englobamento no que se refere ao imposto suportado pelo Fundo ao longo dos anos, nos termos do regime aplicável até 30.06.2015.

 

Tendo por base, como o fez ao declarar[32] e ora expõe, por um lado, o “Valor Nominal Inicial” das Aplicações RA, de € 607.773,62, e, por outro, o número de UPs (FEI), a saber 311.757, obteve um valor de realização, em termos absolutos, de € 374.130,40.[33] Assim, e uma vez que havia investido inicialmente € 607.773,62, recuperou apenas parcialmente o capital investido. Teve uma substancial menos-valia, expõe.

 

Conclui e defende, neste enquadramento, que o valor de aquisição de cada UP foi de € 1,95 i.e., “valor de aquisição € 607.773,62 a dividir pelas 311.757,41 UP recebidas”. E, assim, a correcção pela Requerida à sua Declaração Modelo 3 - ao considerar como valor de aquisição € 1,00 e não € 1,95, (“como determina a norma especial prevista no art.º 81.º, n.º 3 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril”[34]) - partiu de uma premissa errada.

 

Obteve não uma mais-valia, mas sim uma menos-valia, de € 233.643,72 (i.e., € 607.773,62 - € 374.130,40). Como constava da sua Declaração. E a Requerida incorreu, ao corrigi-la, em vício de violação de lei – violou o art.º 83.º, n.º 3 da LOE 2010, e o Princípio da igualdade fiscal previsto no art.º 13.º da CRP.

 

Acrescenta que a própria Requerida tem o entendimento que ele Requerente expõe. Refere-se a despacho da mesma de 17.01.2014 (Ofício n.º ..., de 24.01.2014) em resposta a um pedido de esclarecimento - da sociedade gestora do FEI (relativo ao art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010). Apela aos Princípios da boa-fé, da legalidade e da colaboração, e ao direito à informação, para concluir dever entender-se a informação ali prestada pela Requerida ser merecedora de credibilidade, ainda que não vinculativa.

 

Por fim e sem conceder passa a reportar-se ao que refere como sendo os rendimentos gerados pelas UPs até 30.06.2015, inclusive, por um lado, e, por outro, aos gerados após essa data.

 

Em relação aos rendimentos gerados até 30.06.2015, refere, os mesmos são isentos – cfr. art.º 22.º, n.º 2 do EBF – na redacção que vigorou até 30.06.2015. Uma parte dos rendimentos a que a Requerida se reporta foram, afinal, gerados e colocados à disposição em momento anterior a 01.07.2015. Sendo resultantes de liquidações parciais, sucessivas, das UPs, cfr. art.º 43.º, n.º 5 do RGOIC[35]. A liquidação parcial (cada uma) será o facto tributário – cfr. art.º 10.º, n.º 1, al. b), 5), do CIRS. Cada um se verificando no momento em que ocorreu cada liquidação parcial. Englobou estes rendimentos em 2016 apenas para que o imposto suportado pelo Fundo passasse a imposto por conta. Não para efeitos de tributação.

 

Acresce, refere ainda, que mesmo se estes rendimentos estivessem sujeitos a tributação (o que não aceita) sempre a liquidação estaria feridade de caducidade, cfr. art.º 45.º da LGT.

 

E quanto aos rendimentos gerados após 01.07.2015, por seu turno, remetendo para o disposto no (referido supra) DL n.º 7/2015, de 13.01 (art.º 7.º, n.º 9), nota que se considera como valor de aquisição para efeitos de determinação de mais/menos-valias de transmissão onerosa de UPs - o valor de mercado à data de 30.06.2015 (início da produção de efeitos da nova redacção dada por este DL ao art.º 22.º do EBF) ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas.

 

Para concluir, pelo modo que expõe, que, no caso do FEI, mesmo quando se considerando como valor de aquisição o valor de mercado a 30.06.2015 se concluiria por uma menos-valia. Indica, para tal concluir, um valor de mercado das UPs - a 30.06.2015 - de € 0,7047 e o terem sido pagas, após 01.07.2015, duas amortizações (uma no valor de € 0,0285/UP e outra no de € 0,1169/UP). Tudo conduzindo, defende, a uma menos-valia de € 0,00633 por UP.

 

Nota, ainda assim, que a menos-valia será superior a essa, pois que, entende, o valor de aquisição a considerar será, antes, por aplicação do art.º 7.º, n.º 9 do DL n.º 7/2015, o real valor de aquisição das UPs[36], expõe, por ser superior ao valor de mercado a 30.06.2015.

 

Conclui que não haveria lugar a qualquer tributação, em qualquer caso, e que a Requerida incorreu em vício de violação de lei. Foram violados, alega, o art.º 10.º, n.º 1, al. b), 5) do CIRS, o art.º 22.º do EBF na redacção vigente até 31.06.2015, os Princípios da segurança, da proibição de retroactividade da lei fiscal e da legalidade – art.ºs 103.º da CRP, 12.º e 8.º da LGT.

 

Apela ainda, em especial, ao “Princípio da capacidade contributiva”, que, defende, resulta frontalmente violado na interpretação das normas que permitisse a tributação defendida pela Requerida art.ºs 103.º e 104.º, e 13.º, da CRP. Considerar como preço de aquisição para o cálculo de mais-valias o da reestruturação e não o da aquisição inicial[37], afirma, fere aqueles princípios e a própria noção de lucro enquanto base de incidência do imposto.

 

O Requerente não se conforma com a Liquidação, que assim peticiona seja anulada por ilegal – erro nos pressupostos de facto e de direito. Peticiona, ainda, seja ordenada nova liquidação, nos termos da Modelo 3 conforme entregue, e a Requerida condenada ao reembolso de quantias devidas (que estima em c. € 23.880,62) e juros, se a nova liquidação assim o vier a apurar.

*

 

Sumária e fundamentalmente, as Partes divergem quanto à interpretação do art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010, com as consequências daí advenientes. Desde logo, a de assim concluírem, cada uma, por um distinto montante a considerar como valor de aquisição para efeitos de cálculo de mais-valias no caso.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 21.12.2020 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 03.05.2021 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 21.05.2021.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), e pela consequente manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica.

 

A Requerida entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício, tendo sido respeitados os montantes devidos considerar no apuramento da mais-valia obtida pelo SP.

 

Em causa estava, refere, a declaração da mais-valia obtida pelo Requerente aquando do resgate das UPs que detinha no FEI. A Liquidação resultou das correcções efectuadas aos rendimentos declarados pelo SP após ter sido detectada uma divergência entre aqueles e os valores conhecidos pela Requerida. Instaurado procedimento de divergências, o Requerente apresentou documentação emitida pela entidade gestora do Fundo e, após respectiva análise, a Requerida concluiu os valores a inscrever na Modelo 3 deverem ser diferentes dos que haviam sido declarados. Expõe os valores conforme o entendimento seguido nas correcções, e a base com que os mesmos foram apurados. Entre o mais, aí, o “Valor de aquisição das UPs: € 311.757,41 (valor de loan notes que foi convertido em UPs)”.

 

Expõe, ainda, que segundo o Requerente as mais-valias foram mal calculadas pela Requerida por esta ter apurado o ganho tendo por base o valor das UPs aquando da constituição do FEI (€ 1,00/UP) e, ao invés - segundo o Requerente - dever ser tido em consideração o valor de aquisição das Aplicações de retorno absoluto[38], de € 607.773,62.

 

Dá nota da evolução do regime de tributação dos rendimentos gerados por Fundos de Investimento e faz referência, entre o mais, ao regime transitório instituído pelo DL n.º 7/2015, de 13.01[39]. Bem assim, refere, a respeito, a Orientação da DSIRS de 04.12.2017, pela Subdirectora-geral do IRS, reportada ao valor a considerar como valor de aquisição para efeitos de apuramento de mais-valias e, ainda, o Despacho de 17.01.2014, pela Substituta Legal do Director-Geral da AT, onde se exarou, entre o mais, que a norma prevista no n.º 3 do art.º 81.º da LOE 2010 é uma norma especial, aplicável à alienação e resgate de UPs do FEI, e que afasta, em tais casos – e desde que se tratando de UPs do FEI detidas pelos Participantes por efeito da conversão em UPs das Aplicações RA -, a aplicação dos regimes regra (em IRS/IRC).

 

Segundo a Requerida, da articulação entre o regime (transitório) previsto no DL n.º 7/2015[40] e o regime (especial) previsto no art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010, em caso de resgate de UPs do FEI (resultantes da conversão de l n das Aplicações RA) resulta que o valor de aquisição a considerar para efeitos de mais-valias ou menos-valias abrangidas pelo novo regime dos OICs será o mais alto dos dois seguintes: (i) o valor de mercado das UPs a 30.06.2015, ou (ii) o valor conforme disposto no n.º 3 do art.º 81.º da LOE 2010.

 

Passando a percorrer os valores constantes da declaração emitida pela entidade gestora, nos autos, explanando-os, destaca relevarem para preenchimento da Declaração Modelo 3 três valores: a) € 177.857,60 (pagamentos de amortizações), b) € 172.392,18 (reembolsos após 01.07.2015), e c) € 23.880,58 (retenção pelo Fundo).

 

Quanto ao valor de realização - valor recebido pelo SP em virtude do resgate das UPs - corresponde ele, nota, à soma do valor pago pelo Fundo a título de amortizações parciais, por um lado, com o valor recebido a final aquando da liquidação do Fundo, por outro. Ao que acresce o que ainda se verá.

 

Quanto ao valor de aquisição, por sua vez, é o valor de subscrição das Aplicações RA convertidas em UPs - como resulta do regime especialmente aplicável ao FEI, cfr. art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010.

 

Reporta-se, por fim, às conclusões da DF e do SF[41] no âmbito do procedimento de divergências na origem das correcções. Os Serviços em questão, refere, explicam que no âmbito dos Acordos de adesão às propostas de Reestruturação do produto RAIIG foram atribuídos ao SP três distintos produtos, um dos quais as UPs. Transcreve trechos das respectivas conclusões, como segue e entre o mais: “No caso concreto (...) verificamos que o SP recebeu no âmbito do acordo de reestruturação € 311.757,4100 UP’s do FGP-FEI, com o valor monetário de €1,00 cada UP, a que corresponde a um capital atribuído no Fundo de € 311.757,41. (...)”.

 

Como dali, entende, resulta claro, do valor aplicado pelo Requerente nas Aplicações RA apenas € 311.757,41 foi reestruturado através da conversão de l n em UPs.

 

Foi somente esse o valor das l n convertido em UPs. E assim, é esse o valor de aquisição a ter em conta no cálculo da mais-valia.

O Requerente não contesta que o montante investido nas Aplicações RA tenha sido reestruturado em vários produtos, que não apenas nas UPs. Nem comprova que o valor das l n convertido em UPs tenha sido de € 607.773,62. Faz notar.

 

Conclui que o valor da mais-valia é de € 38.492,37 – a diferença entre o valor de realização (€ 350.249,787) e o valor de aquisição. Com mais a nota que acrescenta e que se verá já de seguida.

 

Assim: ao SP assiste, em qualquer caso, a possibilidade de optar pelo englobamento dos rendimentos. Caso o faça, o imposto retido terá natureza de imposto por conta, o que implica também a sua prévia adição ao valor do rendimento. Pelo que o valor do imposto pago pelo Fundo (€ 23.880,58) deve somar-se ao valor da mais-valia (do ganho de mais-valia). Sendo, em conclusão, de € 62.372,95 o rendimento.

 

Valor que foi também o considerado na Liquidação. Que assim respeitou os montantes a considerar, devendo manter-se na Ordem Jurídica.

 

*

Por despacho de 29.06.2021, e não tendo sido solicitada produção de prova adicional, o Tribunal notificou as Partes dispensando a reunião do art.º 18.º do RJAT e para alegações escritas facultativas.

 

Só o Requerente apresentou alegações. Nas mesmas, manifesta a sua posição em contrário do defendido pela Requerida na sua Resposta quando esta, reportando-se ao constante do processo de divergências, refere que do valor aplicado pelo Requerente nas Aplicações RA apenas o montante de € 311.757,41 foi reestruturado através da conversão de l n em UPs e que o restante valor foi reestruturado através da aquisição de títulos de depósito e de crédito. Reitera o que já referira no PPA, entre o mais notando que, face à situação que é conhecida, “foi acordada a restruturação (com aprovação das entidades competentes) que incluiu a constituição de um Fundo (...) (o “FEI”).”

Alega que nos termos do Acordo de Reestruturação apenas recebeu UPs, no valor de € 311.757,41, e que foi reconhecido nesse Acordo que teria direito a um valor substancialmente superior. Valores que lhe seriam em princípio devidos pelo B..., refere, que este não honrou, que vêm descritos no Acordo de Reestruturação “a título de depósitos e a título de créditos de garantia”, e que apresentam valor nulo ou eventualmente muito marginal.

 

Mais que o Estado respeitou a realidade factual “impedindo a oneração fiscal de eventuais mais valias referentes a manifestações periódicas e isoladas de saldos patrimoniais positivos, quando enormes perdas estavam em causa na contabilização global do investimento”, cfr. a norma especial da LOE 2010 (art.º 81.º, n.º 3). A única interpretação possível desta norma, defende, é a de que deve considerar-se como valor de aquisição “o valor nominal dos contratos RA ou RAIIG (ou seja, o valor investido nestas aplicações) que foram objeto de Acordo de Reestruturação”.

 

Por fim refere que houve amortizações parciais entre 05.08.2010 e 07.10.2015 que se reflectiram na redenominação do valor inicial das UPs, que assim viram o seu valor ser alterado por força dessas mesmas liquidações parciais. Pelo que pouco importa o ponto da Requerida na sua Resposta – de que o Requerente manteve sempre o mesmo número de UPs.

 

*

 

Por despacho de 19.11.2021 o Tribunal determinou, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, a prorrogação por dois meses, por motivos justificados, do prazo para prolação da Decisão. Novamente assim por despachos de 18.01.2022 e 14.03.2022.

 

Por requerimento de 21.04.2022 o SP veio proceder à junção aos autos de Acórdão Arbitral de 12.04.2022, proferido no Processo 744/2020-T (CAAD), solicitando a sua admissão por se tratar, referiu, de processo com objecto idêntico ao do presente.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

 

O PPA é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias – cfr. al.s  s) e z) dos factos provados, infra, e art.º 10.º, n.º 1, al. a), primeira parte, do RJAT (e v. art.º 102.º, n.º 1 al. a) do CPPT).

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) Nos termos de Contrato de Gestão de Carteira que celebrou com o Banco B... (“B...” ou “o Banco”), o Requerente subscreveu em 22.08.2008 uma “Aplicação de Retorno Absoluto Investimento Indirecto com Garantia”, também denominada RA ou RAIIG; (cfr. doc. 3 junto pelo SP)

 

b) Nos termos do Contrato de Gestão de Carteira (v. al. anterior) subscrito pelo Requerente, a Aplicação oferecia garantia de 100% do capital investido, na maturidade da estratégia de investimento, acrescido de uma remuneração; (cfr. doc. 3 junto pelo SP)

 

c) O Investimento em questão (v. al.s anteriores), nos termos da “Descrição Detalhada” - com a referência “Short Term Liquidity Capital” ou “STLC” - visava a remuneração de liquidez de curto prazo, a respectiva estratégia era constituída por diversos instrumentos financeiros “como sejam obrigações, liquidez, acções e derivados”, e o investimento era feito essencialmente através da aquisição de loan notes emitidas pelo Veículo de Investimento, que adquiria e detinha os activos, e no final de cada trimestre o investidor tinha a opção de “liquidar o investimento”, que estava isento de Comissão de Gestão e sujeito a Comissão de Performance; (cfr. doc. 3 junto pelo SP, a saber, Descrição Detalhada do Investimento e Condições Especiais de Gestão de Carteira)

 

d) Mediante a subscrição da Descrição Detalhada do investimento, o Cliente – e, assim, o Requerente – declarava ter tomado conhecimento das Condições Particulares do investimento e pretender aderir à respectiva estratégia, e pela subscrição das Condições Especiais do Contrato de Gestão de Carteira confirmava a adesão à mesma referida estratégia de investimento (v. al. anterior), regida pelas condições aí especificadas - tudo documentos assinados entre o Requerente e o B...; (cfr. doc. 3 junto pelo SP)

 

e) Entre o mais, consta das Condições Especiais de Gestão de Carteira (v. al.s anteriores) que o Requerente aderiu à estratégia de investimento a 22.08.2008, com um montante de € 607.773,62 e data de vencimento de 24.08.2009, e que a estratégia se mantinha em vigor até esta última data sem prejuízo de poder o Requerente optar pela liquidação do investimento todos os três meses – ficando o levantamento total ou parcial do valor investido sujeito às condições de mercado dos activos detidos em carteira. Mais que o objectivo da estratégia consistia em “incorrendo (se necessário) em risco de mismatch de prazo e crédito face às responsabilidades, tentar obter rendibilidades acima da Euribor”; e que a estratégia de investimento era “constituída por diversos instrumentos financeiros com predominância em instrumentos de dívida, fazendo uso de todos os activos e derivados financeiros (para cobertura de risco das posições de carteira ou outros fins) (...)”; (cfr. doc. 3 junto pelo SP)

 

f) Conforme constante das mesmas Condições Especiais (v. al.s anteriores), o Cliente/investidor, e assim o Requerente, ao aceitá-las confirmava a adesão à estratégia de investimento, e ao nesta investir reconhecia tomar conhecimento, compreender e aceitar os riscos envolvidos, que derivavam de diversos factores aí referidos caso a caso consoante os vários tipos de Riscos aí também identificados, sendo estes últimos: Risco de Mercado, Risco de crédito, Risco de taxa de juro, Risco cambial, Risco de liquidez, Risco de venda a descoberto, Risco de mercados emergentes, Risco de contraparte, e Risco de alavancagem financeira; sendo que nos factores na origem deste Risco (alavancagem financeira) ali indicado em último lugar se lê: “os riscos descritos acima são aumentados pelo factor de alavancagem financeira que pode ser usada activamente na gestão da estratégia. Em condições normais o grau de alavancagem não ultrapassará 1x”.  (cfr. doc. 3 junto pelo SP)

 

g) No âmbito do investimento que realizou ao abrigo do Contrato de Gestão de Carteira, o Requerente adquiriu, por via da subscrição das Aplicações RA junto do B..., loan notes, emitidas pela “C..., Ltd”, tendo investido um valor total de € 607.773,62;

 

h) Face às dificuldades de liquidez do B..., por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 01.12.2008, aquele foi dispensado do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, dispensa que veio a ser sucessivamente prorrogada;

 

i) Na tentativa de encontrar uma solução para os Clientes que haviam subscrito as “Aplicações RA” ou “RAIIG”, foi acordada a respectiva reestruturação, com aprovação pelas entidades competentes, e à qual o Requerente aderiu;

 

j) As referidas Aplicações apresentavam à data (v. al. h)) valorizações de mercado muito inferiores ao montante global dos compromissos de reembolso de capital, ou capital e remuneração, assumidos pelo B... nessa sede;

 

k) A reestruturação das Aplicações RA (cfr. al.s anteriores) incluiu, entre o mais, a constituição de um Fundo Especial de Investimento Fechado (“FEI”) e, neste âmbito (da constituição do Fundo), o Requerente recebeu, em troca das loan notes que detinha por via da subscrição das Aplicações RA, 311.757,41 UPs do FEI;

 

l) Na reestruturação das Aplicações RA, e de acordo com os termos da mesma, foi reconhecido o Requerente ter direito a um valor superior a € 311.757,41, tendo em consideração os termos contratados aquando da subscrição das Aplicações RA;

 

m) As UPs emitidas pelo FEI aquando da sua constituição, a 31.03.2010, tinham o valor (inicial) unitário de € 1,00 (um euro) (cfr. doc. 4 junto pelo SP), e ao Requerente foi atribuído, por esta via, o montante de € 311.757,41;

 

n) O FEI foi constituído por um período inicial de quatro anos, prorrogáveis, com um limite máximo de dez anos;

 

o) O período inicial (cfr. al. anterior) veio a ser prorrogado, e a 30.03.2016 o FEI foi dissolvido, tendo a 15.07.2016 sido concluído o respectivo processo de liquidação; (cfr. doc. 4 junto pelo SP)

 

p) O Requerente apresentou, na qualidade de Residente, a sua Declaração Modelo 3 de substituição, referente ao ano de 2016, e com a identificação..., a 11.01.2018, e aí declarou, entre o mais, (i) no Anexo A/H, Quadro 4 - “Rendimentos do Trabalho Dependente e/ou Pensões obtidos em Território Português” -, Código 401, rendimentos no valor de € 70.000,00, e Retenções na fonte no valor de € 23.110,00, e (ii) no Anexo G, entre o mais, no Quadro 10 - “Resgate/Liquidação de UPs em Fundos de Investimento e de Participações Sociais em Sociedades de Investimento, Opção pelo Englobamento (...)” -, o seguinte: na linha 01, NIF da entidade emitente ..., Código G30, Rendimento “- € 231.669,98”, Retenções na fonte “€ 23.880,58”, NIF da entidade retentora ..., e na linha 02, NIF da entidade emitente ..., Código G31, Rendimento “- € 1.973,74”, e Retenções na fonte “€ 0,0”;

 

q) Da Declaração submetida não constam outros valores de Rendimentos, nem de Retenções na Fonte, que não os referidos na al. anterior; no Anexo G, no Quadro 9 – “Alienação Onerosa de Partes Sociais e Outros Valores Mobiliários (art.º 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS)”, na linha 01, consta ainda, com o mesmo NIF da entidade emitente ..., Código G10, Realização – Ano 2016, Valor 0,01 e Aquisição – Ano 2016, Valor 0,01;

 

r) Conforme Instruções de Preenchimento da Modelo 3[42], os Códigos referidos nas alíneas anteriores reportam-se, como segue, a:

- Código 401 – rendimentos do trabalho dependente;

- Código G30 – resgate ou liquidação de UPs em Fundos de Investimento (mobiliário/imobiliário) ou de Participações sociais em Sociedades de Investimento (mobiliário/imobiliário) a que seja aplicável o regime previsto no art.º 22.º do EBF, na redacção em vigor até 30 de Junho de 2015;

- Código G31 - resgate ou liquidação de UPs em Fundos de Investimento mobiliário ou de Participações sociais em Sociedades de Investimento mobiliário a que seja aplicável o regime previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 22.º-A do EBF, aditado pelo DL n.º 7/2015, de 13.01;

- Código G10 – operações de reembolso de obrigações e outros títulos de dívida;

 

s) Na sequência da submissão da Declaração (cfr. al. anterior) foi emitida em nome do Requerente a Liquidação referente ao período de 01.01.2016 a 31.12.2016, com a identificação 2020..., de 06.11.2020, e Acerto de 10.11.2020, e da respectiva Demonstração da liquidação consta, entre o mais: Rendimento global no valor de € 132.372,95, Retenções na fonte no valor de € 46.990,58, juros compensatórios no valor de € 1.060,84, e Valor a Pagar (total) de € 8.114,35; (cfr. doc. 2 junto pelo SP)

 

t) A emissão da Liquidação (v. al.s anteriores) foi precedida de procedimento de divergências, que correu termos no Serviço de Finanças, com o apoio da Direcção de Finanças, Viseu, no âmbito do qual o Requerente juntou documentação, a qual, após apreciada pela Requerida, levou à conclusão por parte da mesma de que os valores declarados não correspondiam aos valores conhecidos;

 

u) As correcções operadas ao declarado em sede de procedimento de divergências vêm explicadas pelos Serviços da Requerida (supra), constando das respectivas conclusões, entre o mais, assim[43]:

No caso concreto em análise das UP´s, verificamos que o SP recebeu no âmbito do acordo de reestruturação 311.757,4100 UP’s do FGP-FEI, com o valor monetário de €1,00 cada UP, a que corresponde um capital atribuído no Fundo de € 311.757,41. Além disso, teve direito junto do B... a títulos de depósitos (€ 147.871,46), títulos de crédito de garantia (€ 257.455,97) no montante global de € 717.084,84.

As aplicações RAIIG que o SP detinha no B... no valor de € 611.773,62, foram convertidas no âmbito de um acordo de reestruturação celebrado em 2010, tendo o SP recebido em troca € 311.757,41 UP´s do FGP-FEI e direitos junto do B..., no montante global de € 717.084,84.

Ou seja:

O valor de aquisição das UPs detidas pelo SP no FGP-FEI será o correspondente ao valor nominal das aplicações RAIIG convertidas, que se traduziu em 311.757,4100 UP´s de valor monetário de € 1,00, no montante de € 311.754,41, de acordo com o disposto no Orçamento de Estado 2010 – art.º 81.º da Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril e o sancionado pelo despacho de 17/01/2014 da substituta legal do Diretor Geral da AT, constante do ofício n.º ..., de 24 de janeiro de 2014.”

 

v) Da declaração da entidade gestora do FEI, com data de 18.07.2016, e, como aí se lê, emitida para efeitos fiscais nos termos do art.º 7.º, n.º 11 do DL n.º 7/2015[44], consta, entre o mais (cfr. doc. 4 junto pelo SP):

 

" Valor inicial da unidade de participação

A 31 de Março de 2010, o Fundo foi constituído com o valor da unidade de participação de 1 €.

- Amortizações parciais de capital

Conforme estipulado no Regulamento de Gestão do Fundo e atempadamente comunicado por via do sistema de difusão de informação, gerido pela Comissão de Mercados de Valores Mobiliários ("CMVM"), entre 5 de Agosto de 2010 e 7 de Outubro de 2015 foram realizados diversos pagamentos a título de amortizações parciais do valor da unidade de participação, que corresponderam a uma redução do capital do Fundo, reflectida na redenominação do valor inicial da unidade de participação, nos termos a seguir indicados:

 

 

DATA

VALOR DA AMORTIZAÇÃO PARCIAL POR UNIDADE DE PARTICIPAÇÃO

VALOR BASE DA UNIDADE DE

PARTICIPAÇÃO Após AMORTIZAÇÃO

05.Ago.10

0,0200 €

0,9800 €

07.Jul.11

0,0121 €

0,9679 €

10.Out.11

0,0172 €

0,9507 €

06.Jan.12

0,0234 €

0,9273 €

06.Jul.12

0,0106 €

0,9167 €

05.Abr.13

0,0199 €

0,8968 €

05.Jul.13

0,0870 €

0,8098 €

07.0ut.13

0,0130 €

0,7968 €

07.Abr.14

0,0925 €

0,7043 €

07.Jul.14

0,0710 €

0,6333 €

07.0ut.14

0,0584 €

0,5749 €

07.Jul.15

0,0285 €

0,5464 €

07.Out.15

0,1169 €

0,4295 €

 

  • Reembolso por conta do valor final de liquidação do Fundo

Conforme deliberado em Conselho de Administração da CMVM, reunido no dia 30 de Março de 2016, e atempadamente comunicado por via do sistema de difusão de informação gerido pela mesma autoridade de supervisão, entre 13 de Abril e 15 de Julho de 2016 foram realizados diversos reembolsos parciais por conta do valor final de liquidação por unidade de participação, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 43.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, nos termos a seguir indicados:

 

EVENTO

DATA DE PAGAMENTO

VALOR POR UNIDADE DE PARTICIPAÇÃO

Reembolso parcial por conta do valor final da liquidação

13-04-2016

0,360000 €

Reembolso parciat por conta do valor final da liquidação

13-05-2016

0,100500 €

Reembolso parcial por conta do valor final da liquidação

15-06-2016

0,077800 €

Reembolso final da liquidação

15-07-2016

0,014669 €

Valor Final de liquidação

 

0,552969 €

 

 

  • Informação para aplicação das regras previstas no regime transitório de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo — Decreto-Lei n. 0 712015, de 13 de Janeiro

Para os devidos efeitos de aplicação das regras previstas nos n.0s 9 a 11 do artigo 7. 0 do Decreto-Lei n. 0 7/2015, de 13 de Janeiro, informa-se que o Fundo apresentava, com referência a 30 de Junho de 2015, os seguintes valores por unidade de participação:

 

DESCRIÇÃO

VALOR POR UNIDADE DE PARTICIPAÇÃO

Valor base

0,574900 €

Valor do rendimento gerado (e não distribuído) pelo Fundo até 30 de junho de 2015

0,129800 €

Valor líquido

0,704700 €

 

 

Mais se informa, para os mesmos efeitos, que o valor final de liquidação por unidade de participação (0,552969 €) se decompõe nas seguintes parcelas:

 

DESCRIÇÃO

VALOR POR UNIDADE DE PARTICIPAÇÃO

Valor base

0,429500 €

Valor do rendimento

0,123460 €

- Parcela do rendimento gerado pelo Fundo até 30 de Junho de 2015

0,129800 €

- Parcela das perdas incorridas pelo Fundo em e após 1 de Julho de 2015

(0,006340 €)

Valor líquido

0,552969 €

 

 

w) Do mesmo documento (cfr. al. anterior) consta ainda o valor do imposto incorrido pelo Fundo até 30 de Junho de 2015 – de € 0,076600 por UP;

 

x) No âmbito da reestruturação das Aplicações RA e conforme por si acordado em 2010 por Acordo de Reestruturação com as entidades envolvidas, o Requerente recebeu 311.757,41 UPs do FEI (por troca com as loan notes que detinha – v. al. k) supra), e foram-lhe ainda reconhecidos outros direitos;

 

z) A 18.12.2020 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Não resultou provado que o Requerente tenha, como assim também não resultou provado que não tenha, até ao ano de 2016 ou após, recebido os valores (ou parte deles) que no âmbito da reestruturação das Aplicações RA foi reconhecido lhe serem devidos além do valor que lhe foi atribuído no capital do FEI (via UPs que lhe foram atribuídas).

Com possível relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos – todos criticamente apreciados e documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e factos não controvertidos.

No que aos factos dados como não provados respeita, e independentemente de os mesmos poderem ou não vir a ter relevo para a decisão da causa dependendo da solução de Direito a que a final formos conduzidos, refira-se, o Requerente alega nos seus articulados constar do Acordo de Reestruturação o reconhecimento do seu direito a outros valores que o B... não honrou e que aí vêm descritos “a título de depósitos e a título de créditos de garantia”. Por seu lado a Requerida alega, na sua Resposta, que foram atribuídos ao Requerente os seguintes produtos: UPs no valor de € 311.757,41, títulos de depósito no valor de € 147.871,46 e títulos de crédito de garantia, no valor de € 257.455,97. Em conexão, é conhecido - sendo facto notório[45] - que no seio da reestruturação das Aplicações RA - aos respectivos investidores, i.e., aos Clientes do B... que haviam subscrito as Aplicações RA (“Clientes RA”), vieram a ser pagos montantes, relevantes na sua globalidade, pelo Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) (foi a primeira vez em que o mecanismo foi accionado), e que o próprio Sistema de Indemnização aos Investidores (SII) foi activado com vista a uma solução para o problema.  A oposição então manifestada desde logo por parte da Banca (Associação Portuguesa de Bancos), sabe-se, viria a fazer interromper o processo dos pagamentos, porém o mesmo veio a ser retomado[46], processando-se pagamentos[47].

Por outro lado, é também do conhecimento generalizado, e não pode ser ignorado pelo Tribunal, que, ainda no seio da mesma reestruturação (das Aplicações RA), Clientes houve, aderentes à reestruturação, a quem foram creditados valores na sequência do reconhecimento de outros direitos a par (além de) do que lhes era atribuído via UPs no FEI - cfr. Acordos de Reestruturação - a título de Depósitos Subjacentes e de Créditos de Garantia e correcções. A este respeito, entre o mais é também elucidativa a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores[48] em que no tratamento de litígios relacionados com a situação em questão (revogação da autorização do B... para o exercício da sua actividade e subsequentes desenvolvimentos) se percorre o tema, seja no tratamento directo do envolvido nos Acordos de Reestruturação, seja por referência ao próprio processo de insolvência do B... .

 

Por fim, é também conhecido, não podendo igualmente ser ignorado pelo Tribunal, que o B... se mantém ainda no presente em liquidação (com a administração da massa insolvente a cargo de Comissão Liquidatária).

 

No que ao facto constante da al. u) respeita, o juízo probatório fundou-se na transcrição das conclusões do procedimento de divergências constante da Resposta da Requerida, à qual, em termos formais, o Requerente nada opôs.

 

O Processo Administrativo (“PA”) não foi junto aos autos, apesar de notificada a Requerida para o efeito por despachos do Tribunal de 24 de Maio e 29 de Junho de 2021.

O Acordo de Reestruturação assinado entre o Requerente e as entidades envolvidas na reestruturação das Aplicações RA não foi junto aos autos, não obstante o Requerente ao mesmo se reportar nos seus articulados, referindo-se a elementos do mesmo.

 

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[49]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC[50]). 

Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.

 

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são de Direito e de facto, reconduzindo-se à essencial questão seguinte:

  1. Qual o valor a considerar como valor de aquisição das UPs do FEI para efeitos de apuramento de ganho de mais-valias do Requerente na liquidação do Fundo em 2016?

 

Sendo que, dependendo da resposta àquela, haverá que decidir quanto à seguinte:

  1. Incorreu ou não a Liquidação em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito e/ou de facto ao ter considerado como valor de aquisição, para o efeito, não o valor do total do capital investido pelo Requerente nas Aplicações RA, i.e., € 607.773,62, mas tão só o montante correspondente ao número de UPs atribuídas ao Requerente na reestruturação das Aplicações RA, multiplicado pelo seu valor de subscrição unitário, de € 1,00, i.e., € 311.754,41? Montante este que entendeu ser - do valor do total do capital investido pelo Requerente nas Aplicações RA - o correspondente às que, daquelas, foram convertidas em UPs. Que entendeu ser, pois, o montante correspondente às aplicações “convertidas nas unidades de participação” - no dizer do art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010.

 

Consoante o que se responder à Questão II, assim haverá ou não ainda que decidir quanto a (i) devolução de quantias pagas, e (ii) juros indemnizatórios.

 

Dependendo, também, do que se vier a responder nas Questões I e II, assim haverá ou não que apreciar e decidir quanto a eventual violação da Constituição. O que apenas se colocará, por assim aproximado pelo Requerente, caso a interpretação que se venha a seguir da norma do art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010 seja aquela que a Requerida seguiu na Liquidação.

 

Como segue.

 

Recapitulando brevemente, e avançando.

 

Requerente e Requerida divergem quanto, no essencial, à interpretação devida do n.º 3 do art.º 81.º da LOE 2010. Norma que concordam ter natureza de norma especial, assim afastando o regime geral que decorreria do CIRS para a determinação do valor de aquisição.

 

Ambas entendem, depois, que nos termos do novo regime de tributação dos rendimentos auferidos pelos participantes de OICs[51] conforme estabelecido pelo DL n.º 7/2015 de 13 de Janeiro, que alterou o EBF (v. nova redacção do art.º 22.º e novo art.º 22.º-A então introduzidos neste último Diploma), apenas se afastaria o regime que decorre da norma já referida da LOE 2010 caso o valor de aquisição das participações não fosse superior ao valor de mercado das mesmas à data de início da produção dos efeitos da norma “nova” - a saber, a 30.06.2015 – cfr. art.º 7.º, n.º 9 e art.º 9.º do DL n.º 7/2015. Que só nesse caso seria de considerar como valor de aquisição o valor de mercado a 30.06.2015.

 

Sendo que para ambas as Partes é líquido que o valor de aquisição das participações (aquele que há-de considerar-se como valor de aquisição para efeitos fiscais, de cálculo de mais-valias) é superior ao valor de mercado das mesmas a 30.06.2015.

Assim: o valor de mercado a 30.06.2015 é de € 0,7047/UP. Conforme, entre o mais, consta da Declaração da entidade gestora do FEI (v. factos provados, al v), penúltimo quadro ali transcrito). Assim, de € 219.695,45 (i.e., € 0,7047 x 311.757,41 UPs).

Muito embora o Requerente apresente um cálculo quanto a este mesmo último valor algo distinto (ao abater ao valor líquido das UPs a 30.06.2016 as duas amortizações que se lhe seguiram em 2015, e assim apurar um “valor de aquisição de € 0,5593/UP”), em qualquer caso apura sempre um montante (para efeitos do n.º 9.º do art.º 7.º do DL 7/2015) que por ser inferior ao montante pelo qual adquiriu as Aplicações RA (€ 607.773,62)[52] - e entende ser este o de considerar como o valor de aquisição das participações (UPs, diga-se) - conclui de afastar - cfr. esse n.º 9 - a consideração do valor de mercado a 30.06.2015 (enquanto valor de aquisição) – para sempre se aplicar o constante do n.º 3 do art.º 81.º da LOE 2010.

E para a Requerida, igualmente, o valor de aquisição das participações (UPs) é líquido ser superior ao valor de mercado das mesmas a 30.06.2015. Para a Requerida - e assim foi considerado na Liquidação - o valor de aquisição das participações foi de (deve considerar-se ter sido de) € 311.757,41. Assim, superior ao valor de mercado das mesmas a 30.06.2015 (€ 219.695,45, como supra). Pelo que resulta também para a Requerida afastada, cfr. art.º 7.º, n.º 9 do DL 7/2015, a consideração do valor de mercado àquela data (30.06.2015) e – sempre – sendo de aplicar o art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010.

 

Portanto, seja na posição defendida pelo Requerente, seja na posição pela qual pugna a Requerida, sendo sempre aplicável ao caso a norma especial da LOE 2010 – o art.º 81.º, n.º 3 - doravante também “a Norma”. A que nos dirigiremos.

 

*

Abra-se aqui um breve parêntesis para se dizer, desde já, que, no entender do Tribunal, nem se suscitariam dúvidas quanto à questão – sempre sendo de aplicar o art.º 81.º, n.º 3. Norma especial expressa, para a situação. Sendo que o art.º 7.º, n.º 9 do DL 7/2015 se reporta a mais/menos-valias na transmissão onerosa das participações. Estando-se, no nosso caso, diferentemente, como também melhor de verá, não em sede de transmissão onerosa de participações e sim, sempre, em sede de “resgate” – liquidação.

(Ainda, sempre se diga, que não fosse impossível no âmbito do FEI ocorrerem tais transmissões onerosas de UPs, nesse caso transmissões das UPs a terceiros por Clientes RA aderentes à reestruturação das Aplicações RA; não é, porém, isso o que se passa nos autos).

Fechando o parêntesis.

 

*

Por outro lado, é consensual entre as Partes, além do mais, que o valor de realização, adveniente das UPs, pela liquidação do FEI, foi de € 374.130,40.

E, com efeito é isso o que resulta dos factos provados:

O valor final de liquidação por UP é de € 0,552669 (cfr. supra al. v) factos provados, ante-penúltimo quadro aí transcrito). Que a multiplicar pelo número de UPs detidas pelo Requerente, de 311.757,41 = € 172.392,18.

O valor total das amortizações parciais efectuadas (até final de 2015) é de € 132.528,07 + 45.329,53 = € 177.857,60 (cfr. supra al. v) factos provados, primeiro quadro aí transcrito).

E o valor de imposto retido pelo FEI até 30 de Junho de 2015 (cfr. supra al. w) factos provados) é de € 0,07600/UP. O que, a multiplicar pelo número de UPs detidas pelo Requerente, corresponde a € 23.880,62.

Ora, da soma das referidas parcelas - as três a sublinhado - resulta o montante de € 374.130,40.

Montante que, seja na posição defendida pelo Requerente, seja na posição defendida pela Requerida, traduz o valor de realização.

Por referência ao qual ambas apresentam o seu cálculo de apuramento de mais-valias.

Contrapondo para o efeito àquele valor (de realização) um valor de aquisição. Que este sim é divergente entre elas.

Quanto ao valor de realização, pois, é ele de € 374.130,40.

A ele também se refere o Requerente no seu PPA como o “valor de realização em termos absolutos”[53], e é tendo-o por referência que apura – por confronto com aquele que entende ser de considerar o valor de aquisição – uma menos-valia, desde logo conforme por si declarado na Declaração Modelo 3 relevante (cfr. factos provados, al. p) supra). Sendo que: € 374.130,40 - € 607.773,62 = € - 233.643,22 (e v. - factos provados, al. p), ref. Quadro 10 da Declaração, linhas 01 e 02).

E a ele (mesmo valor de realização) chega a Requerida conforme cálculos reflectidos na Liquidação e expostos na sua Resposta. Expondo, como se acompanha, que aquele valor corresponde à soma do valor pago pelo FEI/recebido pelo Requerente a título de amortizações parciais, com o valor recebido, a final, aquando da liquidação do Fundo, e ainda somado com o valor retido a título de imposto pelo FEI aquando do pagamento das amortizações parciais. Ou seja: € 177.857,60 + € 172.392,18 = € 350.249,78; e € 350.249,78 + € 23.880,62 (retenção pelo FEI, cfr. al. w) factos provados) = € 374.130,40.

Tudo cfr. também, entre o mais, art.º 44.º do CIRS.

Daí a mais-valia (o ganho de mais-valia), também se diga, a que a Requerida chega, conforme seus cálculos reflectidos na Liquidação, por confronto do visto valor de realização com aquele que considera ser o valor de aquisição a considerar: € 374.130,40 - € 311.757,41 = € 62.372,99.

 

V., ademais, se dúvidas houvesse, como o Rendimento global apurado na Liquidação é de € 132.372,95, sendo que os rendimentos declarados pelo Requerente, além do que se refere às UPs em questão nos autos, são apenas os rendimentos no valor de € 70.000,00 (trabalho dependente) - v. supra factos provados al.s p) a s). Ora, é da soma destes dois montantes que resulta aquele Rendimento global (€ 62.372,95 + € 70.000,00 = € 132.372,95).

 

Aqui chegados.

 

E assim sendo. Apenas o valor de aquisição vem discutido nos autos.

Com a consequência de, seguindo-se a posição perfilhada pelo Requerente se apurarem, no caso, menos-valias. E, pelo contrário, seguindo-se a posição da Requerida, se apurarem mais-valias.

Assim, em discussão está o que deva entender-se, de acordo com a lei aplicável, como sendo, no caso, o valor de aquisição – valor de aquisição para efeitos de apuramento de mais-valias em IRS.

Não sendo controvertido entre as Partes a norma aplicável ser a do art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010[54]. Como também vimos de ver.

 

Pois bem.

 

Não fora a norma especial em questão – art.º 81.º, n.º 3 – e o regime a aplicar seria, bem se vê, o constante do CIRS, as regras gerais daí constantes a respeito e, em particular, o art.º 43.º (v. n.º s 1, 5 e 6, al. c) – que determinaria, para efeitos de apuramento do saldo positivo/negativo – no caso de Residentes – ter por referência a data da aquisição das participações da sociedade visada em OPA – com as devidas adaptações, pois, a data da aquisição das Aplicações RA / loan notes, como afinal, bem vistas as coisas, também pretende o Requerente), na sua relação com os art.ºs 10.º, n.º 1, al. b), 5), e art.º 9.º.

 

E v. também, ao que regressaremos ainda, o art.º 22.º-A, n.º 1, al. e) do EBF (no que aos pagamentos após 1 de Julho de 2015 respeita), quanto a nós a remeter no que à liquidação respeita (no caso de titulares Residentes, como é o caso do Requerente) para o regime do CIRS. Sem prejuízo da opção por parte dos titulares das participações de optarem pelo englobamento para efeitos de IRS (cfr. n.º 2 do art.º 22.º-A).

E v., ainda (no que aos pagamentos anteriores a 1 de Julho de 2015 respeita), o art.º 22.º, n.º 1 do EBF, na versão que vigorou até 30.06.2015, a reger a tributação, então, na esfera do Fundo. Sem prejuízo da opção por parte dos titulares das participações de optarem pelo englobamento, do imposto incorrido pelo Fundo, para efeitos de IRS (cfr. n.º 2 do art.º 22.º na mesma versão).

 

Havendo, porém, norma especial, como se sabe, esta prevalece, sendo a aplicável (cfr. critério da especialidade: lex specialis derogat legi generali). V., entre o mais, art.º 7.º, n.º 3 do Código Civil, no sentido da prevalência da lei especial.

E nada nos autos nos conduz a afastar tal princípio. Muito pelo contrário. Sendo a situação em questão a que se conhece, e tendo o legislador especificamente pela LOE em 2010 cuidado precisamente de acudir aos problemas que da mesma iriam surgir também ao nível de apuramento de possíveis mais-valias.

 

Afastou, pois, o legislador, porque assim entendeu fazê-lo, o regime que resultaria desde logo, e entre o mais, da referida al. c) do n.º 6 do art.º 43.º do CIRS, vimo-lo. Tenha-se presente que (é sabido também e o Tribunal também não poderia ignorar) as UPs foram atribuídas, dadas em troca (de acordo com um determinado e único Critério de Repartição, aos Clientes RA aderentes à Reestruturação das Aplicações RA) no âmbito de uma Oferta Pública de Aquisição, regulada, como não poderia deixar de ser, pelo CVM, supervisionada pela CMVM, entre o mais.[55]

 

Posto tudo o que, somos então remetidos à interpretação da Norma.

Interpretação da Lei, pois.

 

Refira-se ainda neste ponto, por fim e antes de entrarmos na matéria (interpretação) em termos mais específicos, que tendo o prazo inicial do FEI sido prorrogado, em 2014, em todo o caso a redacção da nossa Norma foi mantida, sem qualquer alteração.

 

Interpretação, então, da Lei. Dizíamos.

Da lei tributária, sempre se diga também, uma vez que é também líquido que a norma em questão (o n.º 3 do art.º 81.º) é uma norma com essa natureza. Trata-se, ali, de vir esclarecer, tendo em consideração a dificuldade já então antecipada, o modo de apurar as mais-valias (ou menos-valias) (rectius determinar o valor de aquisição a considerar para o efeito) em caso de “alienação ou resgate” das UPs do FEI – no seio da complexidade da operação delineada então para efeitos de atribuição de UPs aos Clientes RA no âmbito - face às dificuldades de liquidez do B... -  da tentativa de minorar o problema causado aos ditos Clientes, através de uma reestruturação das ditas Aplicações. No apoiar da recuperação de valor das mesmas (v. epígrafe do art.º 81.º, infra), verbalize-se.

 

Pois bem. Estabelece o artigo em questão, inserido no Capítulo VIII da LOE 2010 –– “Iniciativa para o reforço da estabilidade financeira”, e sob a epígrafe “Apoio à recuperação das aplicações de clientes do Banco B..., S.A.”, assim:

 

 

 

“1 - Fica o Governo autorizado, através do membro do Governo responsável pela área das finanças, com faculdade de delegação, a assegurar aos titulares de contas de retorno absoluto de investimento indirecto garantido junto do Banco B..., S. A., que sejam participantes do fundo especial de investimento que vier a ser constituído para recuperação das respectivas aplicações e que reúnam os critérios de elegibilidade legalmente aplicáveis do Fundo de Garantia de Depósitos e do Sistema de Indemnização dos Investidores a recuperação de até (euro) 250 000 por titular de conta das referidas aplicações, nos termos que vierem a ser definidos por despacho
 

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a recuperação de até (euro) 250 000 é fixada no montante correspondente exclusivamente à diferença entre o valor nominal das aplicações dos titulares de contas de retorno absoluto de investimento indirecto garantido, à data de 24 de Novembro de 2008, e o valor nominal total recebido pelos detentores das unidades de participação que beneficiem do disposto no número anterior, até ao termo final do período inicial de duração do Fundo Especial de Investimento, em resultado, designadamente, do accionamento do Fundo de Garantia de Depósitos e do Sistema de Indemnização dos Investidores, da participação no Fundo Especial de Investimento e na liquidação do seu património, independentemente da natureza desses recebimentos, a título de ressarcimento indemnizatório, amortização de capital, distribuição de rendimentos, partilha de activos em liquidação ou qualquer outro. 
 

3 - Em caso de alienação ou resgate das unidades de participação do Fundo Especial de Investimento por parte dos seus subscritores, considera-se valor de aquisição para efeitos fiscais o montante correspondente às aplicações em retorno absoluto de investimento indirecto garantido convertidas nas unidades de participação.”

 

 

Por sua vez, os Despachos para que somos remetidos pelo mesmo artigo[56], assim:

 

Diário da República n.º 247/2010, 1º Suplemento, Série II de 2010-12-23

Despacho n.º 19070-B/2010

Despacho n.º 19070-B/2010, de 23 de Dezembro

Apoio do Estado à recuperação das aplicações dos clientes de Retorno Absoluto de Investimento Indirecto Garantido (RAIIG) do Banco B..., S. A. (B...)

 

Considerando que, nos termos do artigo 81.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, cabe ao membro do Governo responsável pela área das finanças definir, por despacho, os termos em que se concretizará o apoio do Estado à recuperação das aplicações dos clientes de Retorno Absoluto de Investimento Indirecto Garantido (RAIIG) do Banco B..., S. A. (B...);

Considerando o protocolo celebrado entre a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD), o Sistema de Indemnização aos Investidores (SII), o depositário e a entidade gestora do Fundo Especial de Investimento (FEI), que estabelece os termos da colaboração recíproca e de carácter regular entre estas entidades para efeitos de execução e acompanhamento do disposto no artigo 81.º;

Considerando que cabe à CMVM, atenta a natureza das aplicações em recuperação, prestar a informação inicial necessária, sem prejuízo do dever de colaboração para o efeito do Banco de Portugal, da entidade gestora e depositária do FEI e das comissões directivas do FGD do SII;

Considerando que cabe à DGTF o acompanhamento e execução das responsabilidades financeiras emergentes do disposto no artigo 81.º, sem prejuízo da sua certificação por parte da Inspecção-Geral de Finanças (IGF):

Determino, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 81.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento de Estado para 2010, e ao abrigo da competência que me foi delegada pelo despacho do Ministro de Estado e das Finanças de 15 de Dezembro de 2010, o seguinte:

1 - Compete à DGTF a emissão de garantia, a favor dos titulares elegíveis das contas de RAIIG, tal como definidos na referida disposição, após prévia validação pela IGF dos beneficiários e montantes a garantir;

2 - Aprovo os termos em que, ao abrigo da garantia mencionada no número anterior, é assegurada a recuperação das aplicações dos referidos titulares de contas de RAIIG, cujo conteúdo consta do anexo ao presente despacho, e dele faz parte integrante.

22 de Dezembro de 2010. - O Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, (...)

 

ANEXO

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 81.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, a garantia de recuperação das aplicações de RAIIG, aos respectivos titulares, deve observar os seguintes termos e condições:

1 - Beneficiários. - São considerados beneficiários da garantia a emitir as pessoas individuais ou colectivas que preencham cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Sejam titulares de contas de RAIIG junto do B... à data de 24 de Novembro de 2008;

b) Tenham aderido ao FEI com a totalidade das aplicações de RAIIG de que são titulares, reunindo a qualidade de participante no mesmo;

c) Tenham sido reconhecidos pelo FGD e pelo SII como elegíveis para protecção pelos respectivos sistemas, nos termos da legislação aplicável.

2 - Cobertura. - A cobertura proporcionada através da garantia mencionada no n.º 1 assegura exclusivamente a recuperação da diferença entre o valor nominal das aplicações dos titulares de contas de RAIIG à data de 24 de Novembro de 2008 e o valor nominal total recebido pelos detentores de unidades de participação até ao termo final do período inicial de duração do FEI, nos termos constantes do disposto no n.º 2 do mencionado artigo 81.º

3 - Limite. - A recuperação assegurada ao abrigo da cobertura prevista no número anterior está sujeita ao limite de (euro) 250 000 por titular de conta de RAIIG à data de 24 de Novembro de 2008 ou ao valor nominal das aplicações de RAIIG, consoante o que for menor.

4 - Cessação antecipada da garantia. - Constitui fundamento de cessação antecipada da garantia mencionada nos n.os 1 e 2 a dissolução ou liquidação do FEI antes do termo do seu prazo inicial de duração.”

 

*

Despacho n.º 19070-B/2010

 

Despacho n.º 7711/2014

“Despacho n.º 7711/2014, de 16 de Junho

Assegurar aos titulares das aplicações RAIIG a recuperação de até EUR 250.000 por titular, no âmbito da garantia do Estado autorizada nos termos do art. 81º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, num total de até 40 MEUR

 

Considerando que o Governo, através do Ministro das Finanças, foi autorizado, nos termos do artigo 81º da Lei do Orçamento do Estado para 2010, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, a assegurar aos titulares de contas de retorno absoluto de investimento indireto garantido (RAIIG), no termo do período inicial de duração do Fundo Especial de Investimento, em 30 de março de 2014, que fossem participantes mesmo e que reunissem os critérios de elegibilidade legalmente aplicáveis do Fundo de Garantias de Depósitos (FGD) e do Sistema de Indemnização aos Investidores (SII), a recuperação de até (euro) 250.000 por titular de conta das referidas aplicações;

Considerando que, no cumprimento do disposto na referida norma, o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, através do Despacho n.º 19070-B/2010, de 23 de dezembro de 2010, aprovou os termos em que é assegurada aquela recuperação, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), após prévia validação pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF) dos beneficiários e montantes a garantir;

Considerando que, nos termos do número 2 do artigo 125º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, esta garantia não se encontra abrangida pelo limite fixado para a autorização da concessão de garantias pelo Estado, em 2014;

Autorizo a DGTF, ao abrigo da delegação de competências proferida nos termos da alínea b) do ponto n.º 1 do Despacho da Ministra de Estado e das Finanças n.º 11841/2013, de 6 de setembro, publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 176, de 12 de setembro de 2013, a assegurar aos titulares das aplicações RAIIG a recuperação de até (euro) 250.000 por titular, no âmbito da garantia do Estado autorizada nos termos do artigo 81º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, num total de até 40 MEUR.

4 de junho de 2014. - A Secretária de Estado do Tesouro, (...)”

 

*

Avançando.

 

As regras hermenêuticas aplicáveis em geral e no Direito Tributário

 

Em matéria de interpretação, para que somos remetidos, é o próprio legislador Constituinte quem utiliza o conceito de “Sistema Fiscal” – cfr. art.º 103.º da CRP (enquadrado no Título IV, por seu turno intitulado “Sistema financeiro e fiscal”). A expressão utilizada pelo mesmo contém nela, em nosso entender, uma ideia de necessária coerência do sistema tributário como um todo.

 

Note-se como no art.º 165.º, n.º 1 al. i) o mesmo legislador não deixou de voltar a utilizar a expressão, referindo-se à competência para legislar sobre a criação não só de impostos e outros tributos mas, expressamente também, à competência para a criação do Sistema Fiscal (“i) Criação de impostos e sistema fiscal (...)”).

 

O Sistema Fiscal deve, pois, ser concebido como um todo, uno, ainda que, bem o sabemos, a tarefa não seja, por natureza, fácil. Deve, de todo o modo, a necessária coerência do Sistema estar presente, também, aquando da tarefa de interpretação da lei. No dizer de Ana Paula Dourado, “(...) essa coerência deve ser um objectivo a atingir através da interpretação da ordem jurídica tributária à luz da Constituição e do Direito Europeu. A construção dogmática, tanto quanto possível coerente, do nosso ordenamento fiscal, implica a interpretação da LGT, do CPPT e da restante legislação fiscal tendo em conta os princípios desenvolvidos nesse conjunto legislativo, desde que não sejam contrários à Constituição e ao Direito Europeu.[57] E, em sintonia com o entendimento que também é o nosso, expressa-se José Casalta Nabais assim[58]: “(...) uma vez que a Constituição, ao falar de sistema fiscal, teve por certo presente o que esse termo significa.(...)”.[59]

 

Ou, ainda, Saldanha Sanches, assim: “(…) Devemos interpretar o conceito de sistematicidade pressupondo “ser natural que cada trecho de uma lei surja como um momento de um desenrolar lógico de um plano[60]e apelar também para o reforço dos elementos de sistematicidade e racionalidade dentro do Direito Fiscal.[61]

 

Diz-nos, ao que aqui mais releva, o n.º 1 do art.º 11.º da LGT assim: “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”

 

Somos pois, desde logo, remetidos para os critérios gerais de interpretação das leis e, aqui, em especial para o disposto no Código Civil (doravante também “CC”), art.º 9.º. Ora, nos termos do n.º 1 deste artigo A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”

 

Nos números seguintes do mesmo art.º 9.º dispõe-se assim: “2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. / 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Sabemos como estas regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, também vigentes, pois, em Direito Tributário, operam. Ainda assim, façamos-lhes uma breve referência.

 

A questão subjacente será sempre a de, na fixação do sentido e alcance com que o texto normativo deve valer, escolher um sentido de entre vários possíveis. Sentido esse que terá que ser um que assegure um mínimo de uniformidade de soluções. E para esse efeito se estabelecem, então, critérios orientadores.

 

Os critérios ou factores interpretativos são essencialmente dois: (i) elemento gramatical, correspondente à letra da lei, ao texto, e (ii) elemento lógico, subdividido este, por sua vez, em três outros, a saber, elemento racional ou teleológico, elemento sistemático, e elemento histórico. Sendo que, a letra e o espírito da lei (elemento gramatical/elemento lógico) devem necessariamente ser utilizados em conjunto.

 

Correntes hermenêuticas à parte, dizia-nos Manuel de Andrade: “(...) o intérprete (…) tem que partir do pressuposto de que a lei emana de um legislador razoável; e, por isso, terá que perguntar-se como um tal legislador teria pensado e querido a lei ao legislar no condicionalismo do tempo da sua publicação e no ambiente histórico em que foi sancionada a lei.(...)”.[62]

 

E, como refere Baptista Machado: “(...) último factor ou ponto de referência da interpretação: a unidade do sistema jurídico. Dos três factores interpretativos a que se refere o n.º 1 do art.º 9.º, este é sem dúvida o mais importante.(...)”.[63]

 

Especificamente quanto à interpretação das leis no Direito Tributário referia-se Saldanha Sanches assim: “(…) A interpretação teleológica pode conduzir, assim, a uma maior sistematicidade no Direito Fiscal, como uma técnica necessariamente estruturante e atribuidora de um sentido àquilo que, de outra forma, será um mero conglomerado de leis, obedecendo cada uma delas a um fim conjuntural, em potencial conflito com todos os outros objectivos e finalidades que levaram à publicação de outras leis igualmente marcadas pela prossecução de interesses conjunturais. A obtenção dessa unidade sistemática, que é uma condição indispensável para evitar o arbítrio na aplicação da lei fiscal, passa necessariamente por uma interpretação que assegure a coerência, como um postulado a obter, na ordenação das consequências do Direito, o mesmo não acontecendo com a mera interpretação literal – na situação actual, esta conduzirá, necessariamente, a uma insegurança sistemática, que é a verdadeira negação da segurança jurídica. Por conseguinte, juntamente com a interpretação literal, podem ser usados no Direito Fiscal as demais técnicas ou cânones interpretativos há muito usados pelo Direito.”[64]

 

Ainda quanto à interpretação das normas tributárias, e às especificidades aplicáveis, a par dos critérios gerais, à sua interpretação,“(...) as normas tributárias têm mais semelhanças com as normas penais, embora a exigência de tipicidade não vá tão longe, sendo temperada com uma orientação claramente anti-abuso. Assim é, na medida em que a protecção dos direitos e interesses dos contribuintes individualmente considerados tem que ser devidamente ponderada com o interesse público constitucional, que também é da generalidade dos cidadãos, de assegurar a observância dos princípios da universalidade, da igualdade, da justiça e da necessidade tributárias e das orientações de política pública.(…)”.[65]

 

Posto isto, avancemos, por três pontos, sucintamente, como segue.

  1. Do regime jurídico-tributário dos Fundos de Investimento, e o alegado pelo Requerente

 

Como se sabe, pela alteração já referida operada com efeitos a meio do ano de 2015 - cfr. DL 7/2015, de 13 de Janeiro[66] (v. supra), os rendimentos originados em Fundos de Investimento – traçando aqui o tema em termos muito gerais – deixaram de ser tributados à entrada, como até então (no Fundo), para passarem a ser tributados à saída (na esfera jurídica dos Participantes).

 

Diploma este que pouco antes havia sido antecedido, sempre se refira, pela Lei n.º 82-E/2014[67] - nos termos da qual, entre o mais e com relação à matéria ora focada, os rendimentos de Fundos de Investimento qualificados de “resgate” passariam a ser tributados já não em sede de Categoria E (rendimentos de capitais) e sim, diferentemente, na Categoria G (mais-valias). Passando, por esta via, a ser possível a consideração de perdas no que aos mesmos respeitasse (e, por outro lado, a deixarem de beneficiar da isenção com que conviviam até então – cfr. n.º 2 do art.º 22.º do EBF na versão então em vigor).

 

Sucede também assim que, deve esclarecer-se, mesmo antes destas alterações, os rendimentos de Fundos de Investimento que qualificassem como rendimentos de mais-valias (Cat. G, portanto) eram tributados. Tal como continuam a ser. Na esfera dos Participantes.

 

A qualificação dos rendimentos no contexto em que nos situamos – e aí as operações em que os mesmos têm origem – é determinante, já se vê, para efeitos da determinação do regime jurídico-tributário a que ficam sujeitos.

 

Avancemos.

O Requerente invoca, entre o mais, que não poderia ser tributado pelo que do Fundo auferiu até 30.06.2015, por até então se encontrar isento. Refere-se, assim, ao n.º 2 do art.º 22.º do EBF na redacção em vigor até 30.06.2015, à isenção daí constante.

 

Sucede, porém, e como melhor se verá, que tal não sucede na Liquidação – não está o Requerente a ser tributado por isso (pelo que do Fundo auferiu até 30.06.2015) – como em C) infra também veremos.

Cfr. art.º 22.º do EBF na versão em vigor até 30.06.2015 versus art.º 22.º-A do EBF com entrada em vigor a 01.07.2015. Como já supra vimos.

E que foram respeitados, na Liquidação.

 

Ademais, não o poderia estar. Pois que aquilo de que o Requerente “beneficiou” enquanto na vigência do art.º 22.º do EBF até 30.06.2015 (e, bem assim, em duas outras ocasiões – 07.07.2015 e 07.10.2015)[68], aquilo que lhe foi pago/entregue pelo Fundo até então, não foram rendimentos. Menos ainda susceptíveis de qualificação enquanto rendimentos de capitais, Cat. E. Aquilo que o Fundo então processou, entregando valores aos Participantes (e, assim, ao Requerente) foram amortizações. Amortizações parciais das UPs. Através do que as mesmas passaram a ter um valor base inferior, nessa mesma medida do valor reembolsado. Assim se reduzindo, na mesma medida, o capital do FEI. A cada amortização efectuada.[69]

 

Não houve, aí, um verdadeiro resgate, como assim bem se compreende. E como, aliás, num Fundo Fechado - como era o caso do FEI – não haveria.

 

Há portanto, já fica muito sumariamente exposto, que ter presente a qualificação dos rendimentos em questão (e pensamos aqui em pessoas singulares Residentes, fora do âmbito de actividade empresarial), que poderá ocorrer em sede de rendimentos de capitais e em sede de mais-valias. Sendo que, de notar, o modo pelo qual são auferidos os rendimentos pelos Participantes dependerá desde logo da estrutura do Fundo (uma das formas possíveis de OIC) em questão (e aí, segundo seja normas legais, seja os documentos constitutivos do mesmo – desde logo o Regulamento de Gestão).

 

Por outro lado o Requerente invoca - sendo este o primeiro dos argumentos (o segundo é o que vimos de referir – uma alegada tributação a que não caberia estar sujeito; mas que, afinal, nem o ficou, como já se antecipou) em que se baseia para peticionar a anulação da Liquidação – que a consideração como valor de aquisição para efeitos de apuramento das mais-valias em IRS no que se refere ao valor que lhe adveio por via da liquidação do FEI (por ser titular das UPs do FEI que lhe foram atribuídas no processo de reestruturação das Aplicações RA), a consideração para esse efeito, dizíamos, do valor pelo qual subscreveu as UPs (o preço da reestruturação, como também o Requerente se refere), ou seja o valor de € 311.757,41 (cfr. na Liquidação), não pode aceitar-se. É violadora da lei, por erro de direito e de facto. Violando-se, se assim se fizer (como na Liquidação), o art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010.

 

Ao invés, defende, deve ser considerado para esse efeito (como valor de aquisição, portanto) o montante total do capital que investiu junto do B... quando subscreveu as Aplicações RA. Aplicação de Investimento Indirecto. Investimento que era feito nos termos entre o mais do Contrato de Gestão de Carteira que para o efeito assinou. Cfr. supra factos provados.

 

Aqui se estando, sem margem para imprecisões, em sede de rendimentos de mais-valias, na liquidação dos Fundos de Investimento. Cfr. normas do CIRS já referidas e a que adiante também regressaremos.

 

E, ainda se diga, se dúvidas houvesse – e uma vez que o Requerente na sua já referida segunda linha de argumentação se reporta a “rendimentos auferidos após 30.06.2015”-, também no que foi pago/entregue ao Requerente após 30.06.2015 (após Out. de 2015, em rigor) - queremos referir-nos aos reembolsos parciais e ao reembolso final, tudo ao longo de 2016 -, tão só pode recair em sede de tributação na Cat. G, mais-valias. Já que, mais uma vez, estamos no seio de reembolsos do valor inicialmente subscrito/adquirido (por troca...), retorno do capital, do bem – podendo ou não ter havido valorização. Não na distribuição de um rendimento que fosse cabível na qualificação de rendimento de capitais – cfr. art.º 5.º versus art.º 10.º do CIRS. Estamos perante a distribuição do produto da liquidação do FEI. Cfr., entre o mais, al. v), factos provados.

*

Abra-se aqui um parêntesis, que entendemos relevante para a interpretação a que somos chamados. Sem surpresa, estamos perante investimento indirecto (como dos termos dos documentos assinados, em factos provados, se constata) no seio do que é próprio da actividade de gestão de patrimónios, Private Banking. Para dizer que – como Contrato de Gestão de Carteira sem representação de que se tratava – estamos em sede de negócio fiduciário. Com todos os riscos inelutavelmente aí envolvidos.

As loan notes que assim eram entregues aos Clientes RA/ao Requerente apenas representavam, com particulares especificidades, compreenda-se, um direito a algo cuja materialização dependeria sempre do que viesse a ser, no momento relevante, o valor dos activos e passivos subjacentes (o VLP[70] destes). Não conferiam pois, como decorre também dos documentos assinados (v. factos provados) directamente o direito a um determinado valor.

E, sabe-se, e está provado nos autos, o valor desses activos subjacentes era, à data da reestruturação das Aplicações, sobremaneira inferior ao que havia sido investido nas mesmas Aplicações, RA.

 

*

Fechado o parêntesis, defende o Requerente que o capital que investiu na referida estratégia de investimento indirecto (e de “retorno absoluto” do capital na maturidade da estratégia de investimento – se bem que – “garantido” – diga-se desde já, e como adiante se referirá também – que não à custa, ou que não com base, nas l n, mas sim numa “garantia” dada pelo Banco precisamente para o caso de as l n não terem, a seu tempo, não se traduzirem, não representarem  valor/o valor investido) é aquele que – na sua totalidade - deve ser considerado para efeitos de cálculo de mais-valias como sendo o valor de aquisição das UPs.

 

Insista-se que o regime em questão – o que às mais-valias se refere, nos OICs mobiliários, por se estar no âmbito de liquidação do FEI – não suscita maiores questões. V. art.º 22.º-A, n.º 1 do EBF, al. e) – o regime da liquidação em questão resulta remetido, por ali, para o CIRS. Como vimos, também já, ser aí tratado. Ainda que, no nosso caso, com o afastamento na medida do derivado da nossa Norma, especial (como supra também).

 

Estamos, pois, perante uma questão de tributação em IRS de rendimentos da Categoria G, cfr. art.º 9.º, n.º 1, al. a). Mais-valias resultantes da liquidação do FEI – cfr. art.º 10.º, n.º 1, al. b), 5) do CIRS. Que dispõe que constituem mais-valias “os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (...) b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo: (...) 5) O resgate de unidades de participação em fundos de investimento e a liquidação destes fundos; (...).”

 

E sendo que, como também supra, e mais adiante ainda retomará, as amortizações feitas antes da liquidação a final do Fundo em 2016 foram, também elas, afinal, isso mesmo – amortizações, liquidações parciais, reembolso do (de parte do) capital investido (atribuído, por troca com o investido nos termos do Critério de Repartição e cfr. resultante em OPA). Assim, a serem consideradas – como o foram na Liquidação, e do que o Requerente, afinal, também não se afasta – para efeitos de apuramento do ganho de mais-valias na liquidação do FEI a final - i.e., em 2016. Cfr. Princípio da realização (mais-valias). Sendo este o momento em que as mesmas - quer efectivamente se verificando um ganho quer não - poderiam aferir-se (e não antes, aquando de amortizações parciais no entretanto, como bem se compreenderá).

 

 

  1. Do regime do FEI-B..., e o art.º 81.º da LOE 2010

 

A interpretação da nossa Norma exige, pois, e como nem poderia deixar de ser, a aplicação de todos os critérios vistos acima. A que muito sumariamente daremos também agora concretização. Como segue. 

 

Ponderada a redacção da Norma. Bem assim o mais constante do mesmo artigo 81.º. Bem assim os Despachos em desenvolvimento do mesmo regime (supra). E bem assim tendo em mente a Unidade do Sistema Jurídico, a necessária presunção de que o legislador adoptou as soluções mais razoáveis no espírito do Sistema, e tudo o mais percorrido quanto a Interpretação de lei, vejamos.

 

O investimento nas Aplicações RA inseria-se numa estratégia de investimento indirecto, em sede de Contrato de Gestão de Carteira. As loan notes não traduziam o direito a um montante determinado, senão, diferentemente, ao que viesse a apurar-se a cada momento ser o VLP (valor líquido patrimonial) dos Activos Subjacentes (v. também factos provados – al.s c) e e)).

 

Como também se lê no Regulamento de Gestão do FEI[71], a p. 3, “as loan notes eram instrumentais do investimento dos Clientes no âmbito do RA, conferindo-lhes o direito a receber o valor líquido patrimonial (“VLP”) do respectivo SIV, isto é, o valor dos Activos Subjacentes e Depósitos Subjacentes, deduzido do valor dos Passivos Subjacentes, na proporção das loan notes detidas por cada Clientes no total das loan notes  emitidas pelo SIV em causa;”

 

Na tarefa de reestruturação das ditas Aplicações necessariamente essa realidade haveria de estar presente, desde logo no espírito do legislador fiscal ao ter em vista futuro cálculo de possível ganho de mais-valias em IRS, diremos.

 

Acresce que o valor que tinham os Activos Subjacentes, à data, era sobremaneira inferior aos valores de capital que haviam sido investidos. E acresce, ainda, que o valor desses mesmos activos, já de si “sobredesvalorizados”, nem sequer entrou (contabilizou) todo para fins do FEI. Pois que Clientes RA houve que optaram por não aderir à reestruturação, não aceitando correr os riscos da mesma e, diferentemente, os riscos de à mesma não aderirem. Sendo que, como é conhecido e bem se compreende, a proporção dos Activos Subjacentes etc que aos mesmos correspondiam não foram transportados para o FEI, portanto para o capital com que o FEI foi constituído. E daí também a limitação máxima do número de UPs que pelo mesmo poderia ser então (na constituição) emitida.

 

Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, pergunte-se: teria o legislador fiscal (n.º 3 do art.º 81.º) querido comprometer-se com aquilo que nem o Banco se havia comprometido perante os Clientes RA? Ou seja, com a pré determinação de um valor que haveria de ser o correspondente ao valor investido inicialmente mas que poderia não ter qualquer substância na realidade aquando de uma transmissão etc. de loan notes? Tê-lo-ia o legislador fiscal querido para então ter tal valor por base (por valor de aquisição) para o apuramento de uma mais-valia no futuro, numa transmissão ou numa liquidação do FEI, especificamente criado como medida (uma das medidas) na tentativa de recuperação de valor para as ditas Aplicações?

Não cremos.

Além de tudo o mais, que já ficou percorrido, por havermos de presumir o legislador ser um legislador razoável.

E, mais, atentando no mais que se estabelece no mesmo artigo, não pode deixar, quanto a este Tribunal, de se apreender que a relação é evidente (entre os n.ºs 1 e 2 e o n.º 3). Ainda que a última norma destinada a fins exclusivamente fiscais.

É que não se vê como o legislador, razoável como há-de presumir-se ser, fosse considerar para valor de aquisição senão o valor determinado atribuir na reestrurturação (das Aplicações) sob a forma de UPs. Quando, além dessa forma, se reconheciam - e legislavam - outras formas, a par, e a com ela coexistirem, de alcançar o mesmo objectivo (de apoio à recuperação). Como é também, além das demais, precisamente, a de o Estado conceder uma garantia, com um limite máximo, para ressarcimento da diferença (a haver) que viesse a verificar-se entre o montante “recuperado” via reestruturação das Aplicações RA (sob todas as formas em que esta foi configurada, a saber três, como já supra) e o montante que houvesse inicialmente sido nestas investido por cada Cliente RA.

Não vemos senão como, assim, ao o legislador utilizar a expressão “convertidas” desde logo estar a ficcionar uma conversão. Que no caso não é uma verdadeira e própria conversão. Pelo menos quando se pretenda referir uma “conversão de loan notes em UPS”. Que até nem seria propriamente possível, pelo que vem de se percorrer. O legislador ficcionou ali (n.º 3) uma “conversão”, sendo que em tudo o constante dos autos, e o mais que se evidencia e que é do conhecimento generalizado –, o que se operou foi uma troca de UPs pelas l n, mas UPs assim atribuídas a cada Cliente RA na medida do que para si resultasse no contexto da reestruturação das Aplicações RA. A saber, desde logo, mediante a aplicação de um Critério de Repartição que logo à partida implicava os Clientes RA aderentes aceitarem estar a ver – com a sua adesão à reestruturação – reduzido o montante do capital investido inicialmente, para quaisquer efeitos a partir daí.

*

Se dúvidas houvesse neste contexto, também no Regulamento de Gestão do FEI, entre o mais, se pode ler, a p. 10, assim: “Assim, a atribuição dos Depósitos Subjacentes, das unidades de participação e dos Créditos de Garantia aos Clientes aderentes não atenderá aos valores que constam dos extractos individuais de cada Cliente emitidos pelo B... ou pelo B... Cayman (ou seja ao VLP actual das loan notes detidas por cada Cliente), mas ao Critério de Repartição, nos termos do ponto i. da alíneas i) supra;”[72]

*

 

“Conversão”, pois, não no verdadeiro e próprio sentido técnico. Mas sim no sentido que vimos de ver. Por aplicação do Critério de Repartição (na verdade, um rateio, também se poderia dizer, e como bem se compreenderá, tendo em conta o limitado valor de activos que existia), atribuição de um determinado número de UPs no capital com que o FEI foi, nesse mesmo contexto, constituído. Na proporção aplicável/rateio/repartição aplicável. Em OPA.

Ademais, se confrontarmos o n.º 3 com a parte anterior do artigo, em ambas se fala em Aplicações (v. n.º 2), mas só no n.º 3 se fala em aplicações convertidas. Porquê a utilização da palavra, pergunte-se. Senão precisamente para estabelecer uma delimitação quanto ao montante de capital investido no início, e aquele, outro, que agora há-de ser o considerado para efeitos de apuramento de mais-valias?

 

Ou, e como também pode ler-se (sempre com o mesmo resultado acabado de referir), convertidas nas UPs, ou seja, (o montante correspondente às Aplicações RA) convertidas não em Depósitos Subjacentes, não em Créditos das Garantias, e sim – e apenas - em UPs do Fundo.[73]

 

Em qualquer caso, nem se revelando necessário, entendemos, aferir de qual tenha sido a concretização de tais outros direitos (Depósitos e Créditos) no caso, ou caso a caso. Pois que a Norma (n.º 3) não poderia ser de molde – como bem se compreende, como lei que é – a ser aplicada com um sentido para uns contribuintes, e com outro sentido para outros contribuintes. Parece-nos. Consoante o que cada um tivesse ou não vindo a receber num momento posterior, para além do recebido aquando do momento da constituição do FEI (note-se) via UPs, e além do por esta via recebido. Em conexão, aliás, é sabido, conhecido, que foi na data em que foi acordada a reestruturação com cada Cliente RA aderente (rectius, na data da constituição do FEI) que ficaram determinados - todos apurados por aplicação, sempre, do mesmo Critério de Repartição - os demais créditos de Clientes RA. Sem que a possível variação, desde logo, do valor, posteriormente, das UPs, fosse de ter em consideração para se vir a “adaptar” (fosse para mais, fosse para menos) o valor a que se chegara então (à data do Acordo de Reestruturação em cada caso) serem os demais créditos caso a caso. De notar.

 

Sendo que, de referir também, a Requerida, e bem quanto a nós, fundamenta desde logo a Liquidação em ser devido considerar como valor de aquisição o que se viu, por ser esse o valor das Aplicações convertidas em UPs. Cfr. a Norma. Referindo também que na reestruturação foram reconhecidos ao Requerente outros direitos. Tal fundamento, por tudo o que já se viu e ainda se verá, sendo ademais o bastante para a Liquidação vir devidamanente fundada.

 

Entendemos, pois, que a devida interpretação da Norma é, precisamente, a que corresponde ao sentido em que na Liquidação se fez a sua aplicação. Ou seja, deve ser considerado como valor de aquisição para o efeito não a totalidade do capital investido nas Aplicações RA mas, desse, tão só aquele que corresponde ao que na reestruturação foi atribuído ao Requerente via UPs, dadas em troca nos termos do Acordo de Reestruturação e do Critério de Repartição aí estabelecido. A quota-parte atribuída, assim, ao Requerente no capital do Fundo.

 

E nem se diga que resultaria afastado o que vem de se concluir em face do teor do Ofício da Requerida que a propósito o Requerente vem invocar nos autos (Of...., de 24.01.2014). Com efeito o que aí vinha questionado pela entidade gestora não é de confundir com a questão que nos presentes autos se coloca. Não descontextualizado o teor do Ofício se perceberá que o que ali estava em apreciação era afinal uma questão relacionada com o valor de activos subjacentes - operações de alienação ou resgate sobre elementos patrimoniais constitutivos do Fundo - e cálculos aí conexos. Sem maiores desenvolvimentos, claramente não podendo dali retirar-se para aqui as conclusões que o Requerente pretende.

E, ademais, sempre se tratando em qualquer caso não de lei mas sim de Doutrina Administrativa.

 

Em apoio de contextualização no que também se percorreu, v., entre o mais, o acervo de documentos, que são públicos como segue, e entre outros:

Regulamento de Gestão do FEI, disponível em

https://web3.cmvm.pt/SDI2004/fundos/docs/1222RG01022010.pdf;

Anúncio de Lançamento de Oferta Pública de Aquisição Geral e Voluntária de Loan Notes emitidas por Sociedades Sedeadas nas Ilhas Virgens Britânicas, disponível em

https://web3.cmvm.pt/sdi2004/fundos/app/docs/fsd16360.pdf

Relatório e Contas 2010 do Fundo de Garantia de Depósitos, Lisboa 2011, disponível em

https://www.fgd.pt/sites/default/files/Rel2010.pdf

 

Tudo documentos que são, além do mais, de acesso público. E que não pode o Tribunal ignorar, conhecendo-os.

Na Jurisprudência, por seu lado, podem ver-se, entre muitos outros, os seguintes Acórdãos, disponíveis em http://www.dgsi.pt:

 

Acórdão do STJ, de 28.04.2021, proc. 2470/14.0T8LSB; Acórdão do TCA Norte, de 28.02.2020, proc.900/15.3BEVIS (no qual se contém, além do mais, extracto do Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 2014 – pp. 12/13 do Acórdão), disponível em http://www.dgsi.pt (documento, na íntegra, disponível em

https://erario.tcontas.pt/pt/actos/parecer-cge/2014/pcge2014.pdf);

Acórdão do TCA Norte, de 02.06.2021, proc. 900/15.2BEVIS; Acórdão do TCA Norte, de 19.03.2021, proc. 056/16.4BEBRG;

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16.02.2016, proc. 519/10.5TYLSB;

Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 12.12.2014, proc. T-487/11, BPP e Massa Insolvente do BPP contra Comissão Europeia (V. primeiras páginas do Acórdão – “Antecedentes do litígio”, em especial Par.s 15., 17. e 19.), disponível em https://curia.europa.eu.

 

Por fim, neste ponto, ainda se note. Mesmo que desnecessário após tudo o que veio de se apreciar e concluir. A tese que o Requerente pretende fazer valer - de dever a Norma interpretar-se no sentido de que valor de aquisição será o correspondente ao valor total do capital inicialmente investido pelo Cliente RA nas Aplicações RA – conduziria, afinal, a um resultado que, só por si, é suficientemente revelador da improcedência da tese. É que ao o valor de aquisição ser – como aí se pretendia – o resultante do total do capital investido nas A. RA dividido pelo número de UPs atribuídas na reestruturação a cada Cliente RA aderente – teria por consequência – que o valor das UPs não era um e o mesmo para todos os Participantes. Mas sim um valor maior ou menor consoante o resultado da dita conta. Como bem se vê. No caso do Requerente, como o mesmo pretende dever ser, o valor de aquisição das UPs seria de € 1,95. Mas para outros Participantes seria não esse, mas outro valor. Dependendo do valor investido e do mais implicado na aplicação do Critério de Repartição. Todas UPs do mesmo e único Fundo de Investimento Fechado.

Avancemos, sem necessidade de maior desenvolvimento, que cremos desnecessário.

 

 

  1. No caso, a aplicação dos regimes em A) e B) supra

 

Como já percorrido, o Requerente aderiu à proposta de reestruturação das Aplicações RA, subscrevendo Acordo de Reestruturação (cfr. também factos provados, supra).

Aderiu, assim, à reestruturação dos créditos em questão.

Clientes RA houve que não aderiram, como se sabe.

 

*

Parêntesis. Não será demais fazer notar que – como decorrerá de tudo o já percorrido – a reestruturação de que falamos, e de que se trata, é uma reestruturação de créditos, a reestruturação das Aplicações RA. Que não a reestruturação de um Banco. Fechado o parêntesis.

*

Ao aderir, à reestruturação das Aplicações, o Requerente aceitou as condições dessa mesma reestruturação, das Aplicações RA.

Nessas condições como se sabe também, e é retratado, entre o mais, também em Decisões dos nossos Tribunais Superiores[74] a respeito do tema, incluía-se a de aceitar que lhe fossem atribuídos, conforme um Critério de Repartição aí pré-estabelecido, direitos por três vias: UPs no FEI, Depósitos Subjacentes, Créditos de Garantias. E v., ademais, factos provados, supra (al.s i), k), l), x), entre o mais).

 

Como, aliás, também consta do próprio Regulamento de Gestão do Fundo[75], a pp. 13: “(...) os Clientes podem decidir aderir ou não aderir ao Fundo. / Os Clientes que optem por aderir ao Fundo terão direito: (i) aos Depósitos Subjacentes, (ii) às unidades de participação do Fundo e (iii) aos Créditos das Garantias, nos montantes que lhes forem atribuídos de acordo com o Critério de Repartição.”[76]

 

Ao se constituir o FEI teve-se em conta a avaliação então feita, de conhecimento e por entidades públicas, dos activos/passivos subjacentes às loan notes, e indirectamente pertencentes aos Clientes RA aderentes (apenas esses).

(Tenha-se presente que estávamos perante um investimento indirecto. Longe do que se passa depois ao o Requerente estar na titularidade de UPs de um OIC - o FEI -, como se sabe.)

 

Assim, como bem se compreende, sendo, à data (quando acordada a reestruturação), os mesmos valores muito inferiores ao valor inicialmente investido nas Aplicações RA, como o Requerente bem reconhece (e v. factos provados, al.s j) e l)), nunca o FEI poderia ter sido constituído senão com um capital também ele muito inferior ao do inicialmente investido nas Aplicações RA pelos Clientes RA (aliás desde logo se contabilizando para o efeito - apenas – insista-se, o capital investido pelos Clientes RA que tenham sido Clientes RA aderentes à reestruturação – não a totalidade do capital investido em Aplicações RA, portanto).

 

Como se sabe o que houve que fazer foi, assim, uma constituição (no que à constituição do Fundo Especial de Investimento Fechado respeita) dentro dos valores - reais - existentes, e depois uma sujeição ao cálculo de uma proporção do que aquilo que era (inicialmente, quando investira) de cada Cliente RA (as Aplicações RA de cada um) representava no bolo (no total) das Aplicações RA de todos os Clientes RA que aderiram à Reestruturação das Aplicações RA (e que, como se sabe, não correspondeu ao universo total dos ditos Clientes, o que, logo por aí, também revela como o valor de capital inicialmente investido nas Aplicações RA pelos investidores - Clientes RA – ficava desde logo diminuído tendo em vista o visado ressarcimento). Tudo como também já supra.

 

Por outro lado,

O Requerente procedeu ao englobamento – cfr. lhe é permitido – e v. Quadro 10 da Declaração Mod 3, supra factos provados. Cfr. art.º 22.º-A do EBF, passando assim, cfr. art.º 78.º do CIRS, o imposto retido a ter natureza de imposto por conta.

E a Requerida – na Liquidação – teve-o devidamente em consideração.

E é assim que – cfr. supra factos provados, al. p) a s) - o valor considerado na Liquidação a título de Retenções na Fonte (e, assim, contabilizado como pagamentos por conta) foi de € 46.990,50, ou seja, precisamente a soma do montante de RF nos rendimentos do trabalho (€ 23.110,00) com o montante de € 23.880,62 incorrido pelo FEI (tudo cfr. supra também em factos provados).

E, assim, também não colhe o invocado pelo Requerente desde logo quando à cautela invoca que haveria ilegalidade ao estar a Requerida a tributar rendimentos que à luz do anterior regime (anterior a Julho de 2015) se encontravam isentos. Os “rendimentos” (no dizer do Requerente; mas que, vimo-lo já, são amortizações, parciais) não foram tributados, o imposto incorrido pelo FEI considerado que foi como pagamento por conta.

 

Nem procederia, também pela mesma linha de raciocínio, a invocação de caducidade do direito à Liquidação. Que aqueles “rendimentos”, insista-se, não estão a ser sujeitos a tributação (enquanto rendimentos de Capitais, Cat. E). Que não apenas a ser considerados para efeitos da tributação em mais-valias, Cat. G.

O art.º 10.º, n.º 1, al. b), 5 do CIRS, pelo exposto, não vem violado.

Como também assim não, pelas mesmas razões, o art.º 22.º do EBF na sua versão conforme vigente até 30.06.2015. (cfr. teor relevante destes artigos em seguida, infra).

 

*

CIRS

​Artigo 10.º
Mais-valias 
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

 

(...)

b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:

(...)

5) O resgate de unidades de participação em fundos de investimento e a liquidação destes fundos;

 

 

Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)

CAPÍTULO III 
Benefícios fiscais ao sistema financeiro e mercado de capitais 

Artigo 22.º[77] 
Fundos de investimento 

1 - Os rendimentos dos fundos de investimento mobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, têm o seguinte regime fiscal: 
(...)

2 - Os sujeitos passivos de IRS que sejam titulares de unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1, fora do âmbito de uma actividade comercial, industrial ou agrícola, são isentos de IRS relativamente aos rendimentos respeitantes a unidades de participação nesses fundos,

podendo, porém, os respectivos titulares, residentes em território português, englobá-los para efeitos deste imposto, caso em que o imposto retido ou devido, nos termos do n.º 1, tem a natureza de imposto por conta, nos termos do artigo 78.º do Código do IRS. 

 

*

O art.º 45.º da LGT, que rege sobre a caducidade do direito à liquidação, igualmente pelo exposto, não vem violado. Não houve liquidação de imposto sobre as entregas efectuadas pelo FEI ao Requerente até 30.06.2015 – contrariamente ao invocado pelo Requerente. Tudo como já percorrido. Mas ainda se refira.

 

Relativamente aos valores que foram sendo entregues pelo FEI antes da liquidação a final do Fundo, sempre se refira, em conexão com tudo o mais supra. Se dúvidas houvesse estamos perante, nesses valores, reembolsos parciais, amortizações parciais. Que têm por consequência, tudo como também em factos provados, al. v) supra, têm por consequência, dizíamos, a diminuição do valor das UPs, a redução do capital do FEI. Um retorno, por palavras simples, ao Requerente, de parte do valor que era já seu. Assim também se compreende o referido pela Requerida no sentido de que o número de UPs do Requerente se manteve sempre o mesmo. Como é próprio de um Fundo Fechado, sempre se diga.

 

E, em conformidade, e como para esta norma o próprio Requerente também remete, v. no RGOIC:

Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro - Regime geral dos organismos de investimento coletivo

Artigo 43.º
Liquidação, partilha e extinção

(...)

5 - Durante o período da liquidação, o liquidatário de organismo de investimento coletivo fechado pode proceder a reembolsos parciais aos participantes, mediante redução do capital, através da redução do número de unidades de participação em circulação ou da redução do valor das mesmas, sujeita apenas às seguintes condições: 

a) Seja assegurado o pagamento de todos os encargos imputáveis àquele, incluindo os relativos à respetiva liquidação; 
b) Haja deliberação favorável da assembleia de participantes, salvo se o regulamento de gestão a dispensar. 
6 - As contas da liquidação do organismo de investimento coletivo são enviadas à CMVM: 
a) No prazo de cinco dias úteis a contar da data do encerramento da liquidação que ocorre no momento do pagamento do produto da liquidação aos participantes; 
b) No caso das sociedades de investimento coletivo (...).

 

*

 

Como bem assim não resultaram violados os Princípios da segurança, da proibição de retroactividade da lei fiscal, nem da legalidade – art.ºs 103.º da CRP (v. também infra), 12.º e 8.º da LGT – contrariamente ao que faz apelo o Requerente. Não houve qualquer aplicação de lei que não da lei que à data dos factos se encontrava em vigor (o regime em vigor até 30.06.2015 foi respeitado, tendo o montante de imposto retido pelo Fundo sido contabilizado na Liquidação como imposto por conta, tudo como vimos), tendo-se igualmente feito respeitar o disposto nos art.º s 12.º (pela mesma razão) e 8.º da LGT, tendo a Liquidação feito aplicação da lei conforme em vigor e, no entender deste Tribunal, devidamente interpretada. Tendo a incidência (objectiva) do imposto recaído como determinado por lei – art.º 81.º, n.º 3 LOE 2010 – sobre o valor que havia que considerar como valor de aquisição para efeitos de cálculo de mais-valias. Este último, assim, também devidamente aplicado.

 

Fica pois dada, no que antecede, a resposta à questão

  1. Qual o valor a considerar como valor de aquisição das UPs do FEI para efeitos de apuramento de ganho de mais-valias do Requerente na liquidação do Fundo em 2016?

 

O valor a considerar é, por tudo o percorrido, o valor de subscrição das UPs aquando da constituição do Fundo, o valor unitário de € 1,00 multiplicado pelo número de UPs que foram atribuídas, na Reestruturação das Aplicações RA, ao Requerente. O valor correspondente então às UPs que lhe foram atribuídas, por troca com as l n, no seio e nos termos e condições da Reestruturação das Aplicações RA, à qual o Requerente aderiu.

 

E latente ficou já também a resposta à questão

  1. Incorreu ou não a Liquidação em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito e/ou de facto ao ter considerado como valor de aquisição, para o efeito, não o valor do total do capital investido pelo Requerente nas Aplicações RA (€ 607.773,62) mas tão só o montante correspondente ao número de UPs atribuídas ao Requerente na reestruturação das Aplicações RA, multiplicado pelo seu valor de subscrição unitário, de € 1,00 (€ 311.754,41)? Que entendeu ser - do valor do total do capital investido pelo Requerente nas Aplicações RA - o montante correspondente às que, daquelas, foram convertidas em UPs. Que entendeu ser, dito ainda de outro modo, o montante correspondente às aplicações “convertidas nas unidades de participação” - no dizer do legislador no art.º 81.º, n.º 3 da LOE 2010.

 

Por tudo o também percorrido e concluído, não, a Liquidação não incorreu em vício de violação de lei. O valor de € 311.754,41 é precisamente o valor que o legislador, no art.º 81.º, n.º 3, mandou considerar como valor de aquisição para o efeito. O valor que, do total que o Requerente havia investido em Aplicações de Investimento Indirecto RA, veio a ser o que lhe foi dado em troca sob a forma de UPs no capital do FEI no seio da Reestruturação das Aplicações RA – uma das formas a que na Reestruturação das Aplicações RA se recorreu. A par e em conjugação com outras duas, como referido acima também. E a que, ainda, acrescia a garantia do Estado como plasmado no mesmo art.º 81.º, n.ºs 1 e 2. Tudo também conforme documentos oficiais relacionados e de acesso público até ao presente.

 

*

Quanto, por fim à eventual violação da CRP por ao interpretarmos a Norma como vimos de interpretá-la se poder, alegadamente, estar a incorrer em violação - como a certo passo aventa o Requerente – em violação, dizíamos, do Princípio da Igualdade (art.º 13.º da CRP), na sua vertente de tributação segundo a Capacidade Contributiva. (E além do que já ficou dito imediatamente antes de retomarmos a Questão I. e a ela respondermos).

Como se sabe, o Princípio da tributação pela Capacidade Contributiva, com assento Constitucional, não pode ser visto isoladamente mas sim desde logo no funcionamento do Sistema com os demais Princípios igualmente convocados – seja o da praticabilidade, proporcionalidade, seja o do Estado Social e o da liberdade de conformação do legislador, entre outros, todos com dignidade constitucional. Por outro lado, é quanto a nós precisamente em protecção do Princípio da Igualdade/tributação em função da Capacidade Contributiva que o legislador no n.º 3 do art.º 81.º toma a cautela que toma. Não fora assim, como vimos ser, na devida interpretação que se perfilha, e os demais contribuintes estariam a ser tributados diferentemente dos contribuintes Clientes RA no que ao tema dos autos – tributação em IRS, Categoria G, mais-valias - respeita. Com efeito e além do mais sabe-se a que se destina a tributação do rendimento – precisamente a isso, a tributar o rendimento. E se tiver havido rendimento – todos os contribuintes hão-de ser tratados de forma igual no que é igual. E de forma diferente na medida da diferença. Ora, ainda que a situação seja deveras específica, foi precisamente em defesa disso – do tratamento de todos os contribuintes por igual, dentro do possível na situação - que o legislador, quanto a nós, interveio como interveio a determinar o que determinou naquele n.º 3. Nem se perca de vista que as menos-valias se compensam, como se sabe, às mais-valias. Ademais contabilizando para o saldo de mais-valias anual e podendo ser reportadas por cinco anos posteriores.[78] Sem maiores desenvolvimentos, que ora não cabem, tenha-se também presente como o Sistema Fiscal – pelo menos no que a Impostos stricto sensu respeita – não tem por fim ressarcir os contribuintes ou os cidadãos em geral de situações menos correctas em que se tenham visto como intervenientes. Quando muito a parafiscalidade terá um papel a dizer nesse campo, mas a título preventivo[79], como se sabe, sendo que não é de tal que se trata nestes autos. O IRS, a tributação em IRS, a tal não se destina.

E, por outro lado, como também refere a certo passo o Requerente (i.e., apela também a estes outros artigos que seguem),

Quanto aos art.ºs 103.º e 104.º da CRP também não se vê como poderia entender-se estarem os mesmos a resultar violados por via da mesma interpretação normativa. Com efeito e na linha do que se vem de dizer, não se alcança em que medida haveria violação destes preceitos. Que não resultam violados, pela mesma ordem de razões.

 

*

Antecipando a decisão, conclui-se que a Liquidação não padece de nenhum dos vícios que lhe vêm imputados, não incorrendo em violação de lei, seja por erro de direito ou de facto, contrariamente ao que vem invocado pelo Requerente.

 

*

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

Havendo que concluir-se, como vem de se ver, pela conformidade da Liquidação à Ordem Jurídica, consequentemente também se conclui que não houve, por via da mesma, pagamento de quantias indevidas.

Não estão assim reunidos os requisitos de que dependeria a condenação em devolução de quantias indevidamente pagas nem, por maioria de razão, os requisitos de condenação em pagamento de juros indemnizatórios. Cfr. art.º 43.º da LGT.

Assim, estes pedidos improcedem necessariamente, e irão indeferidos.

 

5. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:

-   Manter a Liquidação na Ordem Jurídica e indeferir o pedido de anulação da Liquidação e tudo o mais peticionado, e

-   Absolver a Requerida de todos os pedidos.

 

6. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 31.994,97.

 

7. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 20 de Maio de 2022

 

O Árbitro

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Doravante também “LOE 2010”.

[2] Quaisquer negritos e/ou sublinhados ao longo da presente serão nossos, salvo se indicado em contrário.

[3] Cfr. art.º 7.º, n.º 9 do mesmo DL.

[4] (na sua Declaração Modelo 3)

[5] Será por lapso de escrita que no ponto 2.4 do PPA se refere € 374.230,40, pois que se vem aí de explicar o montante resultar da soma das parcelas de [€ 132.528,07 + € 23.880,62 + € 45.329,53 + € 172.392,18].

[6] LOE 2010, já referida.

[7] Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.

[8] Cfr. artigo 7.3 PPA

[9] Cfr. artigo 10. PPA

[10] As Aplicações RA ou RAIIG

[11] Art.º 7.º, n.ºs 9 e 10.

[12] Art.º 7.º, n.º 9

[13] Direcção de Finanças e Serviço de Finanças

[14] V., entre o mais, a Portaria n.º 342-C/2016, de 29 de Dez.

[15] Também aqui os sublinhados são nossos.

[16] De 13 de Jan.

[17] Cfr. art.ºs 5.º, n.º 2, al. c) primeira parte, e 412.º, n.º 1, ambos do CPC (aplicáveis ex vi art.º 29.º do RJAT)

[18] (após diligências judiciais e outros)

[19] É esclarecedor a respeito dos pagamentos efectuados o Relatório e Contas 2010 do FGD, Lisboa 2011, acessível em https://www.fgd.pt/sites/default/files/Rel2010.pdf - pp. 16-18

[20] E a que mais adiante se fará referência.

[21]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[22] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para qualquer deles - ou para outros Diplomas quando nos referirmos à aplicabilidade no caso dos respectivos artigos - se remeter na presente Decisão).

[23] Organismos de Investimento Colectivo

[24] V. factos provados, supra.

[25] Cfr. supra, Relatório.

[26] Doravante também simplesmente “art.º 81.º, n.º 3”/ “n.º. 3 do art.º 81.º”.

[27] (e daí, também, a envolvente de conhecimento público e generalizado da situação, desde logo decorrente das concomitantes obrigações a nível de regulação/supervisão e publicações oficiais)

[28] Cfr. n.º1 in fine, e n.º 2

[29] Doravante também “LOE 2010”.

[30] Quaisquer negritos e/ou sublinhados ao longo da presente serão nossos, salvo se indicado em contrário.

[31] Cfr. art.º 7.º, n.º 9 do mesmo DL.

[32] (na sua Declaração Modelo 3)

[33] Será por lapso de escrita que no ponto 2.4 do PPA se refere € 374.230,40, pois que se vem aí de explicar o montante resultar da soma das parcelas de [€ 132.528,07 + € 23.880,62 + € 45.329,53 + € 172.392,18].

[34] LOE 2010, já referida.

[35] Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.

[36] Cfr. artigo 7.3 PPA

[37] Cfr. artigo 10. PPA

[38] As Aplicações RA ou RAIIG

[39] Art.º 7.º, n.ºs 9 e 10.

[40] Art.º 7.º, n.º 9

[41] Direcção de Finanças e Serviço de Finanças

[42] V., entre o mais, a Portaria n.º 342-C/2016, de 29 de Dez.

[43] Também aqui os sublinhados são nossos.

[44] De 13 de Jan.

[45] Cfr. art.ºs 5.º, n.º 2, al. c) primeira parte, e 412.º, n.º 1, ambos do CPC (aplicáveis ex vi art.º 29.º do RJAT)

[46] (após diligências judiciais e outros)

[47] É esclarecedor a respeito dos pagamentos efectuados o Relatório e Contas 2010 do FGD, Lisboa 2011, acessível em https://www.fgd.pt/sites/default/files/Rel2010.pdf - pp. 16-18

[48] E a que mais adiante se fará referência.

[49]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[50] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para qualquer deles - ou para outros Diplomas quando nos referirmos à aplicabilidade no caso dos respectivos artigos - se remeter na presente Decisão).

[51] Organismos de Investimento Colectivo

[52] V. factos provados, supra.

[53] Cfr. supra, Relatório.

[54] Doravante também simplesmente “art.º 81.º, n.º 3”/ “n.º 3 do art.º 81.º”.

[55] (e daí, também, a envolvente de conhecimento público e generalizado da situação, desde logo decorrente das concomitantes obrigações a nível de regulação/supervisão e publicações oficiais)

[56] Cfr. n.º1 in fine, e n.º 2

[57]         Ana Paula Dourado, “Direito Fiscal”, Almedina, 2015, p. 25.

[58]         (a propósito em concreto da Codificação em Direito Fiscal).

[59]         José Casalta Nabais, “Direito Fiscal”, Almedina, 2015, p. 204.

[60]         Oliveira Ascenção, “O Direito: Introdução e Teoria Geral”, Coimbra 2001, cfr. citação feita pelo Autor por nós citado e que, propositadamente, assim não colocamos em itálico.

[61]         J.L. Saldanha Sanches, “Manual de Direito Fiscal”, Coimbra Editora, 3.ª Ed., 2007, p. 147.

[62]         Manuel Andrade, “Sobre a recente evolução do direito privado português”, Bol. da Fac. de Direito de Coimbra, XXII (1946).

[63]         Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1999, p. 191.

[64]         Saldanha Sanches, op. cit., p. 147.

[65]         Jónatas E. M. Machado, Paulo Nogueira da Costa, “Manual de Direito Fiscal”,  Almedina, 2016, p. 216

[66] Diploma que, entre o mais, e no âmbito da reforma do regime de tributação dos OIC, alterou o EBF – no que aos autos mais releva no seu art.º 22.º, que desdobrou em dois artigos: o art.º 22.º na nova redacção e o art.º 22.º-A.

[67] (Reforma do CIRS)

[68] Tudo também cfr. al. v) factos provados

[69] V., além do mais, primeiro Quadro na al. v) factos provados

[70] Valor Líquido Patrimonial

[71] Supra cit.

[73] V. a respeito, entre o mais, a passagem do Regulamento de Gestão do Fundo que se transcreve infra a p. 48.

[74] V. ref.s supra

[75] Que, relembre-se, sempre haveria que ser chamado à colação desde logo para a cabal compreensão da qualificação dos rendimentos no caso.

[76] O Regulamento do Fundo encontra-se até hoje acessível em https://web3.cmvm.pt/SDI2004/fundos/docs/1222RG01022010.pdf;

 

[77] Na redação em vigor até 30.06.3015 (e tendo em mente o alegado pelo Requerente por referência à amortizações parciais efetuadas pelo FEI até tal data)

[78] V., entre o mais, art.º 55.º do CIRS, n.º 1, als. c) e d) (e v., também, a norma não só nesta versão - a versão em vigor após reforma de 2014 – como também v. o mesmo art.º 55.º - aí n.º 6 - na versão que vigorou até então);

[79] Pode pensar-se desde logo na Contribuição sobre o Sector Bancário