Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 558/2020-T
Data da decisão: 2022-05-23  IRC  
Valor do pedido: € 487.181,75
Tema: IRC de 2018. Dividendos de acções pagos por sociedade residente em Portugal a Organismo de Investimento Colectivo (OIC) com sede na República Federal da Alemanha. Artigo 22º nºs 1 e 3 do EBF na redacção em vigor a partir de 01.07.2015 versus artigos 63º e 65º do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Livre circulação de capitais entre Estados Membros da União Europeia.
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Sumário

  1. O artigo 63º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção” (acórdão do TJUE – 2ª Secção – Processo C-545/19)
  2. As normas dos artigos 94º nº 1 alínea c), 94º nº 3 alínea b), 94º nº 4 e 87º nº 4 do CIRC e artigo 22º do EBF (redacção em vigor desde 01.07.2015) na medida em que constituem legislação interna portuguesa, onde se prevê a tributação em sede de imposto sobre o rendimento, através de retenção liberatória, dos dividendos de origem nacional quando são auferidos por OIC não residentes, ao mesmo tempo que prevê uma isenção de tributação, quanto ao mesmo  imposto e quando os dividendos de origem nacional são auferidos por OIC residentes em Portugal; estão em desconformidade com o artigo 63º do TFUE.

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e Dr. Augusto Vieira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-01-2021, acordam no seguinte:

 

Decisão Arbitral

 

1. Relatório

 

A..., Organismo de Investimento Coletivo  (OIC) constituído de acordo com o direito alemão, com NF português..., com sede em ..., ..., Alemanha, (doravante designado de “Requerente”), representado por B... GMBH, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade das retenções na fonte de IRC de 2018, a saber:

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa de

Retenção na Fonte

Número da guia de pagamento de imposto

Valor da retenção

2018

1.948.727,00

20.06.2018

25

...

487.181,75

 

relativamente a dividendos que lhe foram pagos em Portugal, por sociedade residente, quanto a 3 179 000,00 acções C... SA, resultando um valor pago de IRC retido na fonte, quanto a 2018, de 487.181,75 euros.

 

É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

O Requerente invoca que as retenções na fonte padecem do vício de violação da lei na variante de “violação do direito comunitário e da CRP”.

No final do PPA peticiona a: “(1) anulação dos atos tributários de retenção na fonte ora sindicados por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, ..., e ... consequente reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 487. 181,75, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos  distribuídos no ano de 2018, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais; (II)  eventual suspensão do processo até decisão por parte do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T, dado que, como acima referido, está em causa a mesma questão de Direito, com um substrato fáctico em tudo semelhante ao do Requerente no presente processo; (III) subsidiariamente, requer-se o reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado; (IV) com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem”.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-10-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo (TAC) os signatários desta decisão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14-01-2021.

A AT apresentou resposta em 04.05.2021 e juntou na mesma data o PA, não tendo suscitado excepções, nem questões prévias, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral (PPA).

Por despacho de 13.05.2021 foi suspensa a instância e reenviado o tema para o TJUE.

Por despacho de 18.03.2022 foi junto ao processo o link do acórdão do TJUE – 2ª Secção, de 17.03.2022 – processo C-545/19 e foi declarada finda a suspensão da instância. Neste mesmo despacho foi conferido prazo para as partes se pronunciarem pelo fim da suspensão da instância, face ao acórdão do TJUE cujo link de acesso foi junto ao processo.

Apenas o Requerente por Requerimento de 29.03.2022 veio dizer nada ter a opor a essa suspensão.

Por despacho de 19-04-2022 foi fixado prazo de 15 dias para alegações, face ao teor do acórdão do TJUE junto ao processo.

Em 06.05.2022 a Requerida apresentou alegações reafirmando o que referiu em sede de Resposta ao PPA e pugnando pela improcedência do pedido.

Em 11.05.2022 o Requerente também apresentou alegações.

 

Posição do Requerente

 

  1. Refere a Requerente que “nos termos do Regime Geral dos OIC (Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de julho), a constituição de um fundo de investimento de acordo com a ordem jurídica nacional implica que o mesmo seja constituído e opere de acordo com a legislação portuguesa, estando, assim, vedada a possibilidade de um OIC residente noutro Estado Membro da UE estar constituído de acordo com a legislação nacional e beneficiar da norma de isenção prevista no artigo 22.º do EBF”.
  2.  “Com efeito, a constituição de um OIC em Portugal depende de autorização prévia da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do Regime Geral dos OIC e para que um OIC se constitua de acordo com a legislação nacional (tal como definido no n.º 1 do artigo 22.º do EBF) necessita do cumprimento de múltiplos requisitos previstos no Regime Geral dos OIC, cuja verificação é supervisionada pela CMVM, o que não se pode verificar no caso de OIC constituídos ao abrigo de legislação estrangeira”.
  3. Pelo que, “nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF”.
  4. Ou seja, resulta das disposições legais ... que um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2017, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da União Europeia aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa”.
  5. Com efeito, a legislação nacional concede expressamente aos OIC constituídos em Portugal a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receber os dividendos totalmente isentos de tributação, bastando, para tal, que estejam constituídos de acordo com a legislação nacional”.
  6. Por oposição, no caso de OIC constituídos noutros Estados Membros da União Europeia, os mesmos não são passíveis de beneficiar de idêntica isenção, estando sujeitos a uma tributação efetiva e liberatória de 25% em sede de IRC, sobre os dividendos auferidos, no ano de 2017, em Portugal”.
  7. Facto que assume maior gravidade no caso do ora Requerente, uma vez que o mesmo não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação”.

 

Conclui que a legislação portuguesa é discriminatória em função da residência e da nacionalidade, quanto aos não residentes, em situação semelhante (comparável), porque não se verificam quaisquer das circunstâncias referidas no artigo 65º do TFUE, pelo que, se trata de uma “restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE e pelo artigo 1.º da Diretiva 88/361/CEE, uma vez que o ora Requerente está sujeito a tributação em Portugal sobre os dividendos aqui obtidos, ao passo que os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa estão isentos sobre os mesmos rendimentos”.

Termina referindo que “... é inequívoco que a norma constante do artigo 22.º do EBF, à data dos factos tributários ora sindicados, padece de manifesto vício de lei, por violação ostensiva dos princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional e da liberdade de circulação de capitais, violando, por conseguinte, os artigos 8.º da CRP e 18.º e 63.º do TFUE e a jurisprudência firmada sobre a matéria pelo TJUE, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de revogação da decisão de indeferimento expresso da reclamação, de anulação dos atos de retenção na fonte de IRC ora sindicados e de restituição ao Requerente da quantia de EUR 487.181,75 acima melhor discriminada, tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT”.

 

Em sede de alegações escritas, o Requerente abordou os argumentos que a AT invocou na resposta ao PPA, mormente quanto às circunstâncias do artigo 65º do TFUE, ou seja, se a legislação portuguesa considerada discriminatória dos não residentes, diz respeito a (1) situações objetivamente comparáveis e (2) se tem justificação por qualquer razão imperiosa de interesse geral.

  1. A este propósito refere que segundo o TJUE : “... o modo como os proveitos gerados na esfera do OIC são distribuídos e tributados na esfera dos seus investidores é irrelevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa aqui em análise e da questão material controvertida, porquanto esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto para (i) os OIC (residentes e não residentes) e (ii) os respetivos detentores de participações nos OIC, o que motivará a procedência da presente ação, em harmonia com a posição expressamente sustentada pelo TJUE sobre a matéria controvertida”.
  2. “... para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento, é irrelevante a especulação abstrata sobre a eventual incidência de outros impostos, taxas ou tributos incidentes sobre os investimentos efetuados pelos OIC.  Com efeito, a comparabilidade é aferida apenas tendo em consideração a extensão ou não da soberania tributária de um Estado aos contribuintes residentes num outro Estado”.
  3. «Neste sentido concluiu o TJUE, ... após discorrer sobre a argumentação desenvolvida pelo Governo Português, que “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [tributações autónomas] não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 57)
  4. “Como asseverou o TJUE, “há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 71)”.
  5. Conclui que “... em harmonia com o exposto pelo TJUE, “a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 74)”.
  6. Relativamente à invocada necessidade de preservar a coerência do regime fiscal, invocada pela Requerida refere “em conclusão: “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 81)”.

 

Posição da Requerida

 

  1. Refere que “é possível concluir que os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos”.
  2. Basta recordar que um OIC constituído e estabelecido em Portugal, embora isento de retenção na fonte, está sujeito a uma tributação autónoma sobre os dividendos, à taxa de 23%, se as correspondentes partes sociais não forem detidas, de modo ininterrupto, pelo período de um ano e, além disso, esses rendimentos, quando forem parte integrante do valor líquido global do OIC, em cada trimestre, ainda sofrem a incidência do Imposto do Selo”.
  3. Ao passo que os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um Fundo de Investimento constituído ao abrigo da legislação alemã, em 8017, apenas foi objeto de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15% (taxa máxima estabelecida no artigo 10.º da CDT) e como os rendimentos gerados no Fundo, distribuídos e imputados, apenas, eram tributados na esfera dos investidores, certamente, os impostos suportados pelo Fundo eram igualmente imputados aos investidores”.
  4. Para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na Alemanha, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos.  Do mesmo modo que, não está demonstrado cabalmente que, embora o Requerente não consiga recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu Estado de residência (Alemanha), devido ao seu estatuto de entidade isenta de tributação, a parte do imposto não recuperado pelo fundo não venha a ser recuperado pelos investidores”.
  5. “... a análise da comparabilidade entre a carga fiscal a que se encontra sujeita a Requerente relativamente aos dividendos pagos por uma sociedade residente em território português e a carga fiscal que pode incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF exige que sejam tidas em consideração todas as formas de tributação que podem ser aplicadas aos dividendos e às correspondentes ações”.
  6. Só assim, é possível concluir se existe uma discriminação negativa dos fundos de investimento com as características da Requerente, que resulte numa desvantagem suscetível de constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE”.
  7. E, portanto, o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância...”.
  8. Aliás, a Requerente ao analisar a desconformidade da legislação nacional com o artigo 63.º do TFUE, centra-se exclusivamente no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, que estabelece a isenção de retenção na fonte, o que revela uma visão parcial do regime de tributável aplicável aos OIC abrangidos por este dispositivo legal”.
  9. Pois, se a Requerente tivesse sido constituído ao abrigo da legislação nacional, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos auferidos no ano de 2018, mas poderia ter incidido a tributação autónoma, à taxa de 23%, e, eventualmente, o imposto do selo previsto na Verba 29 da TGIS”.
  10. Portanto, em lugar de se afirmar que existe uma “dicotomia discriminatória, centrada no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos”, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados-Membros da UE”.
  11. Quanto à alegada violação do artigo 8.º da CRP que afirma o primado do direito comunitário sobre o direito nacional, importa notar que não está em causa a observância de normas do Direito Europeu contidas em Regulamentos ou Diretivas, mas, tão-só, decisões do TJUE que têm subjacentes factos concretos e disposições de ordenamentos jurídico-fiscais de outros Estados Membros”, pelo que em sede de reclamação graciosa e estando a  “AT ... subordinada ao princípio da legalidade, ... não poderia, ...  aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada”.
  12. E conclui: “o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis”.
  13. Termina pugnando pela improcedência do PPA.
  14. Relativamente ao pedido de juros indemnizatórios a Requerida refere que os “erros que afetam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT”.
  15. Acrescentando que “só se concebendo a sua ocorrência com a decisão da reclamação graciosa, caso se considere que deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente, aí sim, ocorrendo eventual erro imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira”, pelo que “caso se considere que a AT manteve uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à ação”, deverá “... considerar-se para efeitos de eventual contagem de juros apenas a partir data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ou, caso tenha sido posterior ao prazo de 4 meses previsto no artigo 57.º da LGT, a data de término deste prazo”.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente é uma entidade jurídica de direito alemão, um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária, designada como fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país - conforme artigos 1º do PPA e Documento nº 1 junto com o PPA
  2.  O Requerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... GmbH, entidade igualmente com sede na Alemanha – conforme artigo 2º do PPA e Documento n.º 2 junto com o PPA;
  3. O Requerente obedece à Estrutura de Investimento Coletivo prevista na Diretiva 2009/65/CE do Conselho, designada de “Diretiva UCITS” – conforme artigo 3º do PPA e Documento n.º 3 junto com o PPA;
  4. O Requerente e a respetiva entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin“), entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha – conforme artigo 5º e Documento n.º 4 junto com o PPA;
  5.  O Requerente é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora “B... GmbH”, os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários, cujo objeto é exclusivamente a administração, gestão e investimento do seu património – conforme artigos 7º e 8º do PPA;
  6. Por não se tratar de um OIC sob a forma societária, mas antes meramente contratual, o Requerente não reveste juridicamente a forma de sociedade comercial, não estando, nos termos da legislação alemã aplicável, sujeito a qualquer obrigação de registo no Registo Comercial alemão e, como tal, não pode ser titular de direitos ou obrigações – conforme artigo 6º do PPA e Documento n.º 4 junto com o PPA;
  7.  A entidade gestora investe o capital depositado por parte dos investidores em seu próprio nome, sendo que os ativos pertencentes ao Fundo estão em regime de compropriedade com os respetivos investidores e são dissociados dos demais ativos da entidade gestora, nos termos da lei regulatória aplicável, e, como tal, protegidos contra ações intentadas face a investidores, a entidade gestora e o banco responsável pela custódia – conforme artigo 9º e Documento n.º 5 junto com o PPA;
  8.   O Requerente é uma entidade residente fiscal na Alemanha, sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, beneficia de uma isenção (nos termos da Secção 1 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 1,2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”), o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional ou formular qualquer pedido de reembolso, dos impostos suportados ou pagos no estrangeiro - conforme artigo 14º do PPA e Documento nº 5 junto com o PPA;
  9. No ano de 2018, o Requerente era detentor de um lote de participação social na seguinte sociedade residentes em Portugal:

D... SGPS, S.A.

3.179.000,00

sendo a entidade custodiante dos títulos detidos em Portugal o E... GmbH – conforme artigos 16º e 17º do PPA e documentos nºs 6 e 7 juntos com o PPA;

  1. O Requerente, no ano de 2018, na qualidade de acionista da sociedade residente em Portugal referida na alínea anterior, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25% prevista no artigo 87.º, número 4, alínea c) do Código do IRC (“CIRC”), conforme a seguir discriminado:

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa de

Retenção na Fonte

Número da guia de pagamento de imposto

Valor da retenção

2018

1.948.727,00

20.06.2018

25

...

487.181,75

pelo que suportou, em Portugal, no ano de 2018, a quantia total de imposto de EUR 487.181,75 - conforme artigos 18º a 22º do PPA e Documentos nºs 6 e 7 juntos com o PPA

  1. Em 31.12.2018, o Requerente apresentou, ao abrigo dos artigos 98.º e 137.º do CIRC, 132.º do CPPT e 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2017, processo que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º ...2019... – conforme artigo 25º do PPA, Documento n.º 8 junto com o PPA e PA junto pela AT com a Resposta;
  2. Em 23.07.2020, o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, constando a seguinte fundamentação:
  1. “A Reclamante, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do artº 2º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do nº 1 do artº 3 e nº 2 do artº 4º , ambos do CIRC, à taxa de 25% nos termos do nº 4 do artº 87º do CIRC, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou Iiberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do nº 1, al. b) do nº 3, nº 5 e nº 6, todos do artº 94º do CIRC.
  2. No entanto, esta taxa pode ser afastada por aplicação de uma CDT, através da entrega do formulário Modelo 21 RFI, nos termos do disposto no artº 98º do CIRC. Da análise ao invocado nos presentes autos, conclui-se que o mesmo não consubstancia um pedido desta natureza.
  3. Quanto à desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no nº 3 do artº 22º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte,
  4. Através do Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeir0, procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento C0letivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redacção do artº 22º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de Investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, conforme resulta do nº 1 do art 22º do EBF, e circular nº 6/2015.
  5. Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.º 6 da referida norma legal. No entanto, contrariamente ao que sucede com os OIC´s que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira, serão tributados em sede de Imposto do Selo (verba 29 da TGIS) e sujeitos a tributação em sede de IRC relativamente a lucros distribuídos, nos termos do n.º 11 do art.º 88.º do CIRC.
  6. Tal exclusão não é aplicável ao reclamante - pessoa coletiva de direito alemão -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido ...
  7. Se dúvidas existissem quanto a esta interpretação, as mesmas ficariam dissipadas atendendo ao elemento teleológico, ou seja, aos objetivos que o legislador pretendeu alcançar com tal previsão legal, in casu, o aumento da captação de capital estrangeiro e da competitividade dos OIC´s portugueses no plano internacional.
  8. A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE, concretização do art.º 18.º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a UE.
  9. Não obstante, conforme resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(…) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.
  10. Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta, embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos art.ºs 114.º e 115.º do referido Tratado.
  11. Cumpre referir que, não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, tão-pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo, atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do art.º 281.º da CRP.
  12. E, por outro lado, não pode a AT. aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
  13. Sendo que, a jurisprudência trazida à colação pela Reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, até à data, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo DL. n.º 7/2015, de 13/01, com o TFUE.
  14. De salientar que, a referida decisão arbitral proferida no Proc. 90/2019-T apenas produz efeitos inter partes e no âmbito do caso concreto, não produzindo, desta forma, quaisquer efeitos no âmbito de outros procedimentos administrativos.
  15. Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira, Princípios de Direito Fiscal Internacional, do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, Almedina, 2010 págs. 349 e 350“ (…) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (…)” considerando a autora que, “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.”»
  16. Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido.
  17. Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do nº 1 do artº 43º da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios.”

- conforme artigos 26 e 27º do PPA, artigo 6º da Resposta da AT, e Documentos nº 9 e 10 junto com o PPA e PA junto pela AT com a Resposta da AT;

  1. Em 19.10.2020 o Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.

 

 

2.1.  Fundamentação da decisão da matéria de facto.  Factos não provados.

 

            Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o

que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e

discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo

607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em

função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis

das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do

RJAT).

 Foram consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Os factos provados basearam-se nos documentos juntos pelas Partes e nos factos articulados que estão em conformidade, de forma expressa ou implícita, com os factos alegados por ambas. Por cada alínea dos factos provados, são indicados os documentos ou artigos das peças processuais que não mereceram dissentimento entre as partes e que foram considerados relevantes.

                        Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

3. Matéria de direito

 

            Como se expressou no Relatório desta decisão, por despacho de 13.05.2021 foi suspensa a instância e reenviado o tema para o TJUE.

            Ambas as partes concordaram com o reenvio prejudicial para o TJUE da questão de fundo em discussão neste processo, até porque são as mesmas do Processo CAAD nº 93/2019-T, no qual, por despacho de 09.07.2019 da Exma. Senhora Árbitro que integra o Tribunal, foi formulado o pedido de reenvio prejudicial.

            Tendo sido dado nota neste processo do reenvio para o TJUE, formulado no processo a que atrás se aludiu, a correr no CAAD, foi apenas suspensa esta instância até que fosse adoptada uma decisão pelo TJUE.

Não há sequer a possibilidade de aqui se discutir, se a questão de fundo objecto deste processo, é ou não igual àquela que se discute no Processo CAAD nº 93/2019-T, divergindo apenas quanto aos valores retidos na fonte a título de IRC e aos anos em que tal ocorreu.

Por despacho de 18.03.2022 foi junto ao processo o link de acesso ao acórdão do TJUE – 2ª Secção, de 17.03.2022 – processo C-545/19 que resultou do reenvio para o TJUE a que atrás se aludiu.

Posteriormente foi conferido prazo para apresentação de alegações complementares, face, agora, à decisão do TJUE. A Requerida apresentou alegações em 06.05.2022 reafirmando o que expressou em defesa do seu ponto de vista em sede de Resposta ao PPA. A Requerente apresentou alegações em 11.05.2022 conforme se refere no Relatório desta decisão.

 

***

 

Foram colocadas 5 questões prejudiciais ao TJUE, que foram dirimidas pelo Acórdão do TJUE de 17.03.2022, Processo C-545-1; tendo o Tribunal:

  • Considerado que a situação da compatibilidade da legislação fiscal portuguesa teria que ser examinada exclusivamente à luz do artigo 63º do TJUE;
  • Considerado que a isenção fiscal conferida pelo artigo 22º-3 do EBF, quanto à não retenção na fonte de IRC, sobre dividendos auferidos por OIC constituídos e que operem de acordo com a legislação portuguesa, regime que não se aplica aos dividendos auferidos por OIC estabelecidos noutro Estado-Membro, constitui tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes - pontos 37 e 38 do acórdão do TFUE.
  • Pelo que “esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63º TFUE” - ponto 39 do acórdão do TJUE.
  • Quanto à questão da existência de situações objectivamente comparáveis, invocadas pela AT, refere que “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88, nº 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa” – ponto 57 do acórdão do TJUE
  • E concluiu que: “o critério de distinção a que se refere a legislação nacional ..., que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes”, pelo que “atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis” – pontos 73 e 74 do acórdão do TJUE.
  • Quanto à existência de razões imperiosas de interesse geral, invocadas pelo Governo Português junto do TJUE (coerência do regime fiscal português e repartição equilibrada do poder de tributar de Portugal vs. RFA), conclui o TJUE que “a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa ...” e “a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros também não pode ser acolhida” – pontos 81 e 84 do acórdão do TJUE.

 

Teremos que concluir, face à declaração do TJUE, a saber: “O artigo 63º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção” (acórdão do TJUE – 2ª Secção – Processo C-545/19), que as normas dos artigos 94º nº 1 alínea c), 94º nº 3 alínea b), 94º nº 4 e 87º nº 4 do CIRC e artigo 22º do EBF (redacção em vigor desde 01.07.2015), na medida em que constituem legislação interna portuguesa, onde se prevê a tributação em sede de imposto sobre o rendimento, através de retenção liberatória, dos dividendos de origem nacional quando são auferidos por OIC não residentes, ao mesmo tempo que prevê uma isenção de tributação, quanto ao mesmo  imposto e quando os dividendos de origem nacional são auferidos por OIC residentes em Portugal; estão em desconformidade com o artigo 63º do TFUE.

           

Face ao primado do Direito da UE, em relação às disposições legais internas que sejam contrárias às disposições comunitárias (que resulta do nº 4 do artigo 8º da CRP), será de concluir que as retenções na fonte de IRC aqui impugnadas, padecem da desconformidade de violação da lei comunitária, procedendo o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. - Pedido de reembolso da quantia de 487.181,75 euros

 

Provou-se que o Requerente, pagou os valores correspondentes às retenções na fonte aqui impugnadas, no valor de 487.181,75 euros (alínea j) dos factos provados).

 

Anulando-se, como se vai anular, as referidas retenções na fonte, por estarem em desconformidade com a lei, resulta que o Requerente tem direito ao reembolso do montante global pago.

 

  1. – Pedido de juros indemnizatórios

 

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

 

Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, será de considerar o seguinte:

 

  1. Considerou-se no acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia  com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte: “Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (Vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).
  2. Por outro lado, consta do  acórdão TJUE de  4 de dezembro de 2018,no processo C 378/17, em linha com a jurisprudência do mesmo Tribunal aí referida, o seguinte:  “Como diversas vezes afirmou o Tribunal de Justiça, a referida obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária ao direito da União incumbe não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado, incluindo as autoridades administrativas, encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, nº 31; de 9 de setembro de 2003, CIF, C 198/01, EU:C:2003:430, nº 49; de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C 341/08, EU:C:2010:4, nº 80; e de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C 628/15, EU:C:2017:687, nº 54)”.  “Daqui resulta que o princípio do primado do direito da União impõe não só aos órgãos jurisdicionais, mas a todas as instâncias do Estado Membro que confiram plena eficácia às normas da União.”
  3. Na decisão do processo The Trustees of the BT Pension Scheme, C 628/15, pode também   ler-se que:  “há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, nº 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C 224/97, EU:C:1999:212, nºs 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, nº 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C 614/14, EU:C:2016:514, nº 34).”
  4. Na doutrina nacional, refere Fausto de Quadros: “(…) temos a obrigação para a Administração Pública de recusar a aplicação de normas ou actos nacionais contrários ao Direito Comunitário, e de aplicar este mesmo contra Direito nacional de sentido contrário, conforme doutrina acolhida, de forma modelar no caso Factortame, já referido neste livro por diversas vezes. A Administração Pública vai ter, ainda mais do que o legislador, a necessidade de levar essa doutrina em conta no desempenho da sua missão de aplicar o Direito.”
  5. No mesmo sentido, vai Miguel Gorjão-Henriques, que escrevendo sobre o princípio do primado do direito comunitário escreve:” (…) indubitavelmente, a dimensão clássica do princípio é aquela que, com clareza, nos enuncia Rostane MEHDII, ao salientar que o juiz e a administração têm a obrigação de «excluir as regras internas adoptadas em violação da legalidade comunitária.”
  6. Assim também  tem concluído, pacificamente, a jurisprudência nacional, pois, como se pode ler  no acórdão do STA proferido em 19.11.2014, no processo 0886/14: “desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12/12/2001, no recurso n.º 026233, pois «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada.”

 

Assim, no caso sub judice, à luz da jurisprudência e doutrina referidas, não estando a Requerida exonerada do dever de aplicação do primado do direito europeu, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

Relativamente ao momento a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios adere-se ao decidido no Processo CAAD nº 345/2021-T onde se expressou (alterando-se as datas em conformidade com este processo): “(…) A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa. No entanto, os erros que afetam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, em face do preceituado no artigo 43.º da LGT. No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira. Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à ação. No caso em apreço, a reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 20-07-2020, mas foi apresentada em 31-12-2018, pelo que deveria ter sido proferida decisão até 02-05-2019, primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 artigo 57.º da LGT. Assim, a partir de 02-05-2019, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às quantias retidas na fonte. Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados desde 09-09-2019, até à data do processamento da respetiva nota de crédito (…)”.

 

            4. Decisão

 

Nestes termos decide este Tribunal Arbitral:

 

  1.  Julgar procedente o PPA e anular os actos de retenção na fonte de IRC indicados na alínea j) dos factos provados e a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa;
  2. Reconhecer o direito do Requerente a ser reembolsado do valor de IRC que lhe foi retido na fonte, de 487.181,75 euros.
  3. Reconhecer o direito a receber juros indemnizatórios, contados desde 02.05.2019, nos termos acima referidos.

 

 

5. Valor do processo

 

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 487.181,75.         

 

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7 650,00, face à Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, por ter decaído na totalidade (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 122.º, n.º 2, do CPPT).

    

Lisboa, 23 de Maio de 2022

Tribunal Arbitral Colectivo

 

Juiz José Poças Falcão

(Presidente)

 

Marcolino Pisão Pedreiro

Vencido em parte nos termos da declaração de voto que segue.

 

 

Dr. Augusto Vieira

(Vogal)

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto de vencido do árbitro Marcolino Pisão Pedreiro referente ao “dies a quo” da contagem de juros indemnizatórios

Quanto ao momento a partir do qual a contagem dos juros deve ser efetuada em caso de ilegalidade praticado em atos de retenção na fonte, como é o caso dos presentes autos, a jurisprudência encontra-se dividida, havendo decisões arbitrais no sentido de que os juros são contados desde   a data do pagamento indevido, nos termos do artigo 61º, nº 5, do CPPT (cfr.  decisões proferidas nos processos 951/2019-T, 18 de Setembro de 2020, 926/2019-T, de 19 de Outubro de 2020, 903/2019-T de 27 de Novembro de 2020) e outras que sustentam  que a contagem dos juros  se deve iniciar a partir da data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ou a partir do dia seguinte à data em que a decisão deveria ter sido decidida de acordo com o disposto no artigo 57º da LGT (cfr. decisões proferidas nos processos 952/2019-T, de 10 de Julho de 2020 e 345/2021-T de 1 de fevereiro de 2022), havendo ainda decisão arbitral que entendeu que a contagem de indemnizatórios só começa a partir de  ano após a data do pedido de reclamação graciosa, à luz da   alínea c), do n.º 3, do art.º 43.º da LGT, que regula a contagem de juros indemnizatórios nos casos de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (Decisão arbitral proferida no processo 252/2014-T de 2 de Fevereiro de 2015).

No meu entender, os juros devem ser contados desde   a data do pagamento indevido, neste ponto – e só neste - divergindo da posição que fez vencimento neste processo, pelas razões que passo a expor.

É certo que é de ponderar que na data da retenção na fonte - data em que o substituído fica privado da quantia retida, em moldes substancialmente idênticos ao que ocorre quando qualquer contribuinte realiza   um pagamento de imposto - ainda não havia ocorrido qualquer ato expresso da administração quanto à situação tributária em causa, o  que só veio a verificar-se  com a decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa. A esta luz  é defensável que na  retenção na fonte  haverá erro da entidade que procede à retenção mas que tal erro não é imputável à Requerida.

Acontece que, para a situação em apreço inexiste norma que expressamente  preveja que a contagem dos juros se inicie em momento diverso do previsto no artigo 61º, nº 5, do CPPT.

Por outro lado, a própria lei admite a ocorrência  de erro imputável aos serviços em situação em que os serviços não se pronunciaram expressamente, como acontece na situação prevista no nº 2 do artigo 43º da LGT, nos casos em que o contribuinte seguiu no preenchimento de declaração fiscal as orientações genéricas da administração tributárias devidamente publicadas. Esta situação não deixa de ter alguma similitude substantiva com a situação dos autos, em que o substituto tributário seguiu na sua declaração a própria lei, por este tribunal considerada inaplicável por violação do direito europeu.

Acresce ainda que inexiste norma que determine que a contagem dos juros se inicia a partir da data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ou a partir do dia seguinte à data em que a decisão deveria ter sido decidida de acordo com o disposto no artigo 57º da LGT. Esta solução, para além de não estar prevista legislativamente,  deixaria nas mãos da AT, com a maior ou menor celeridade da decisão,  o inicio da contagem do prazo, o que não se afigura razoável.

Por último, entendo que os artigos 99º e 103º do CIRC, interpretados à luz dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade  que a administração tributária não pode deixar de observar na sua atuação, impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação em montante superior ao que seria devido face à lei aplicável, sendo certo que as entidades obrigadas a efetuar retenções na fonte estão obrigadas a entregar à Requerida uma declaração de modelo oficial, referente aos rendimentos pagos ou colocados à disposição e respetivas retenções na fonte, em cumprimento dos artigos 128º do CIRC e 119º do CIRC e da Portaria n.º 372/2013 de 27/12 (atualmente Portaria n.º 98/2021 de 5 de maio).A  Requerida, ao receber tal declaração e omitir qualquer correção à mesma, adere tacitamente à retenção, tanto mais que a mesma é efetuada no cumprimento de dever de colaboração de entidades privadas em funções de gestão fiscal, cuja fiscalização e controle cabe à Administração tributária.

Assim sendo, afigura-se que a Requerida não é alheia à ilegalidade  cometida na retenção na fonte efetuada, cuja correção tacitamente aceitou,  ao contrário da Requerente que, essa sim, é totalmente alheia àquela.

Face ao  exposto e inexistindo  norma para situação em apreço que determine que a contagem dos juros seja feita em termos mais desfavoráveis para o contribuinte do que aquele que consta do artigo 61º, nº 5, do CPPT, entendo que deve ser este regime o aplicável, sendo que a solução que do mesmo decorre, ao atribuir ao contribuinte o direito ao pagamento de juros indemnização a partir da data em que o mesmo fique privado da quantia em causa,  é a que se  afigura materialmente mais justa.

 

 

Marcolino Pisão Pedreiro

O Árbitro vogal