Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 298/2014 – T
Tema: IS – Verba 28 da TGIS
I – RELATÓRIO
1 – A, S.A., com o NIPC[1] … , sede em …– x, apartado …, …, apresentou, em 28/03/2014, um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do n.º 1 do artigo 3.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação do IS[4] conforme notas de liquidação identificadas no pedido e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, referentes a lotes de terrenos para construção, conforme pedido de loteamento que apresentou junto da Câmara Municipal de ... que veio a ser aprovado em 07/10/2009. Apesar de notificada, a requerente não apresentou a declaração modelo de IMI pelo que a AT procedeu à sua avaliação oficiosa e à inscrição dos respectivos lotes na respectiva matriz urbana da freguesia de … sob os artigos …, …, …, …, … e … concelho de ... e sobre os quais recaíram os actos tributários postos em crise pela requerente.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 31/03/2014.
3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados o Senhor Juiz Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, o Senhor Professor Doutor Miguel Patrício e Dr. Arlindo José Francisco, respectivamente na qualidade de Presidente e vogais, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação dos encargos no prazo regularmente estipulado.
4 – O tribunal foi constituído em 04/06/2014 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido, visa a requerente a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações em questão por, em seu entender, as mesmas padecerem de vício de violação da Lei.
6 – Suporta o seu ponto de vista, a verba 28 da TGIS é inaplicável aos terrenos para construção, apesar do seu VPT[6] individual ser superior a €1.000.000,00, dado que a expressão “afectação habitacional” da referida norma de incidência apenas se deverá reconduzir ao conceito de prédio urbano habitacional, previsto no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI[7].
7 – Entende também que os actos de liquidação em causa serão violadores do princípio da segurança jurídica e da proibição constitucional da retroactividade da lei fiscal, uma vez que se está perante um imposto lançado em 29 de Outubro, cujo facto tributário se verifica dois dias após o lançamento do imposto, que deve ser pago em cerca de 30 dias, factos que por si só serão violadores da segurança jurídica apanágio do Estado de Direito.
8 – Considera que a AT faz uma errada interpretação do artigo 1.º, n.º 1, do CIS, e da verba 28.1 da TGIS, bem como do art. 6.º, n.º 1, alínea f) e i), da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, ao pressupor que os terrenos para construção têm afectação habitacional.
9 – Por último considera que, quer a jurisprudência do STA, quer do Tribunal Arbitral, têm vindo a ser unânimes na exclusão dos terrenos para construção da norma de incidência prevista na verba 28.1 da TGIS[8].
10 – Na resposta, a AT considera que os terrenos para construção têm natureza jurídica de prédios com afectação habitacional, uma vez que na determinação do seu VPT se tem em conta o coeficiente de afectação de habitação, previsto no artigo 41.º do CIMI.
11 – Neste sentido cita o Acórdão 04950/11 do TCA[9] Sul, de 14/02/2012, que considera que o regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artigo 45.º do CIMI, sendo igual à dos edifícios construídos, embora partindo do edifício a construir, tendo por base o projecto.
12 – Nesta perspectiva, entende que as liquidações postas em crise devem ser mantidas que não padecem do vício de violação da Lei, seja da CRP[10] ou do CIS[11], devendo ser julgada improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a AT do pedido.
II – SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
As partes, com a anuência do Tribunal, prescindiram da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, estando reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:
1) Saber se os terrenos para construção, que na determinação do seu VPT lhe foi aplicado o coeficiente de afectação habitacional e apurado um valor igual ou superior a €1.000.000,00, caem no âmbito da sujeição a IS previsto na verba 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
2) Se, nesse caso, as liquidações de IS em causa são violadoras da Lei e devem ser anuladas, com as respectivas consequências legais.
III.2 – Matéria de Facto:
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) A requerente é proprietária dos terrenos para construção actualmente inscritos sob os artigos urbanos …, …, …, …, …, …, da União de freguesias …, do concelho de … .
b) Os referidos artigos resultaram de uma operação de loteamento levada a efeito sobre os artigos rústicos … e urbanos … e … da freguesia …, devidamente autorizada pela Câmara Municipal … em 07/10/2009.
c) A inscrição e avaliação dos artigos resultantes do loteamento foi oficiosa, uma vez a impossibilidade declarada pela requerente de apresentar a declaração modelo 1 de IMI[12] no prazo estabelecido pela AT.
d) O projecto de loteamento caducou em Junho de 2013, permanecendo o registo predial com os artigos iniciais.
e) O VPT atribuído a cada um dos artigos resultantes do loteamento foi de:
Artigo Urbano …: €1.875.650,00
Artigo Urbano … : €1.302.610,00
Artigo Urbano … : €1.533.470,00
Artigo Urbano … : €2.082.860,00
Artigo Urbano … : €2.167.720,00
Artigo Urbano … : €1.876.620,00
f) Verifica-se que o VPT de cada um dos artigos supra mencionados é igual ou superior a €1.000.000,00.
g) O valor total das liquidações oportunamente notificado à ora requerente é de €162.583,95.
Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.
III.3 – Matéria de Direito:
i) A requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sustenta, no essencial, que os terrenos para construção não podem ser considerados para efeitos incidência de imposto do selo previsto na verba 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, dado que não são prédios com afectação habitacional, como a norma prevê, estribando o seu ponto de vista, na jurisprudência do STA[13], quer do Tribunal Arbitral, que têm vindo a ser unânimes na exclusão dos terrenos para construção da norma de incidência
prevista na verba 28.1 da TGIS, pelo que as liquidações em causa devem ser declaradas por padecerem do vício material de violação da Lei.
ii) Por sua vez, a requerida entende que os terrenos para construção têm natureza jurídica de prédios com “afectação habitacional”, uma vez que na determinação do seu VPT se tem em conta o coeficiente de afectação de habitação, previsto no artigo 41.º do CIMI e cita, neste sentido, o Acórdão 04950/11 do TCA Sul, de 14/02/2012, que considera que o regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artigo 45.º do CIMI, sendo igual à dos edifícios construídos, embora partindo do edifício a construir, tendo por base o projecto, pelo que considera que as liquidações em causa devem ser mantidas e a AT ser absolvida do pedido.
iii) Sintetizadas as posições da requerente e da requerida, procederemos, de seguida, a uma análise da norma de incidência do IS sobre prédios urbanos com afectação habitacional.
iv) A verba 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, sujeita a este imposto os prédios urbanos com afectação habitacional cujo VPT, apurado nos termos do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000,00, vigorando para o ano de 2012 o regime transitório previsto no artigo 6.º da referida Lei.
v) O CIS remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (ver n.º 6 do artigo 1.º e n.º 2 do artigo 67.º, ambos do CIS).
vi) Se atentarmos ao art. 6.º do CIMI, nele se estabelece que os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.
vii) Do seu n.º 2 retira-se que prédios urbanos habitacionais “são os edifícios ou construções para tal licenciados ou na falta de licença, que tenham como destino tal fim” e o seu n.º 3 diz-nos que terrenos para construção “são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo...”.
viii) Destes conceitos poderemos desde já concluir pela existência de autonomia entre prédios urbanos “habitacionais” e prédios urbanos “terrenos para construção”.
ix) O legislador do IS, ao estabelecer a tributação dos prédios urbanos “com afectação habitacional”, não concretizou o conceito, pelo que teremos, por força da remissão, de ir ao CIMI e este, como se viu, autonomiza-os relativamente aos terrenos para construção.
x) A expressão “afectação habitacional” não é de forma alguma patente nos terrenos para construção, nem poderá, como pretende a requerida, ser entendida com expressão integradora de outras realidades.
xi) Acompanhamos, aqui, a posição preconizada na decisão do processo 49/2013 do CAAD, de 18/9, que se transcreve:
“A expressão «com afectação habitacional» inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar «outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI.» Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos os arts. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária. Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art. 6.º do CIMI, tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código. Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento da requerida no sentido de que o conceito de «afectação habitacional» decorre da norma do artigo 45.º do CIMI. Refere-se este artigo às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem variável entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. Segundo a requerida, na fixação dos valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno a avaliar são utilizados os coeficientes aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário, designadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 1.º daquele Código. Concluindo daí que a consideração de um tal coeficiente, dependente do tipo de utilização prevista para o prédio a edificar no terreno, será determinante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS. Suporta-se esta conclusão no pressuposto de que a expressão «prédios com afectação habitacional» apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI. Não é possível, porém, acompanhar tal conclusão. [...]. Nestes termos, resultando do art. 6.º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como «prédios com afectação habitacional».”
xii) O legislador, ao pretender tributar em IS os terrenos para construção, revisitou a verba 28 da TGIS, através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e lá os introduziu, o que vem provar que, na formulação da Lei n.º 55-A/2012, os terrenos para construção estavam excluídos da tributação em IS pela verba 28 da TGIS e agora, através da referida Lei n.º 83-C/2013, passaram a ser tributados, pelo que nos parece claro que o legislador considera que a expressão “afectação habitacional” não incluía os terrenos para construção.
xiii) Nem se diga ainda que o facto do artigo 45.º do CIMI prever a aplicação de um coeficiente de afectação habitacional na determinação do VPT dos terrenos para construção será condição suficiente, por si só, para permitir incluí-los na norma de incidência da verba 28 aditada pela Lei n.º 55-A/2012, nem tão pouco alterar a sua natureza de terreno para construção, dado que o que está aqui em causa é, somente, apurar o VPT que será influenciado pelo tipo das edificações a levar a efeito (que, diga-se, nem sempre são concretizadas, como terá sido o caso em apreço).
xiv) O Acórdão 04950/11 do TCA Sul, de 14/02/2012, citado pela AT, que considera que o regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artigo 45.º do CIMI, sendo igual à dos edifícios construídos, parte, por seu lado, de um edifício a construir, tendo por base o projecto, pelo que este ponto de vista se circunscreve à avaliação e nada mais.
xv) Conclui-se, assim, que, como já se viu, decorre do art. 6.º do CIMI uma distinção inconfundível entre prédios habitacionais e terrenos para construção, a qual impede que estes últimos sejam tributados em IS nos termos pretendidos pela requerida.
xvi) Neste mesmo sentido foram já proferidas diversas decisões arbitrais, entre as quais, por ex., as decisões relativas aos processos n.os 42/2013, 48/2013, 49/2013, 53/2013 e 75/2013, todas de 2013, ou, mais recentemente, as decisões relativas aos processos n.os 158/2013, 288/2013 e 151/2014, todas de 2014.
xvii) Por último, veja-se o que dispõe, também no mesmo sentido, um recente Ac. do STA: “Não tendo o legislador definido o conceito de «prédios (urbanos) com afectação habitacional», e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre «prédios urbanos habitacionais» e «terrenos para construção», não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional ” (Acórdão do STA de 23/4/2014, proc. 0272/14).
III – DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:
Declarar que os terrenos para construção estão excluídos da tributação em IS, prevista na verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, e, consequentemente, declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral, dado que as liquidações em causa são ilegais por violarem a referida norma de incidência, com todas as consequências legais daí advindas.
Fixa-se o valor do processo €162.583,95, de harmonia com as disposições contidas no artigo 299.º, n.º 1, do CPC[14], artigo 97.º-A do CPPT[15], e artigo 3.º, n.º 2, do RCPAT[16].
Custas a cargo da requerida, ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixando-se o respectivo montante em €3672,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no art. 4.º do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 14 de Novembro de 2014
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.
Os árbitros,
Manuel Luís Macaísta Malheiros
(Presidente)
Miguel Patrício
(vogal)
Arlindo Francisco
(vogal)
[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Colectiva.
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira.
[4] Acrónimo de Imposto do Selo.
[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa.
[6] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário.
[7] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
[8] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo.
[9] Acrónimo de Tribunal Central Administrativo.
[10] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa.
[11] Acrónimo de Código do Imposto do Selo.
[12] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis.
[13] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo.
[14] Acrónimo de Código de Processo Civil.
[15] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário.
[16] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.