DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 21 de maio de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), Marisa Isabel Almeida Araújo e Jónatas Machado, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A…, LDA., doravante “Requerente”, com o número único de matrícula e pessoa coletiva … e sede na Rua …, Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, bem como dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente.
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, de seis atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), todos referentes ao ano 2020, no valor global de € 148.545,61 e, bem assim, que lhe seja reembolsado o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 15 de janeiro de 2021 e, de seguida, notificado à AT.
Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.
Em 2 de junho de 2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 21 de maio de 2021.
Notificada para responder, a Requerida identificou deficiências significativas na formulação do pedido de pronúncia arbitral, nomeadamente quanto à identificação das liquidações impugnadas e respetivo valor. Nesta sequência, o Tribunal, por despacho de 25 de junho de 2021, dirigiu à Requerente um convite ao aperfeiçoamento, tendo esta apresentado o pedido arbitral aperfeiçoado em 29 de junho de 2021.
Em 20 de setembro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual suscitou a questão prévia da cumulação de pedidos e se defendeu por impugnação. Por despacho de 27 de setembro de 2021, o Tribunal Arbitral determinou a notificação da Requerente para exercício do contraditório relativamente à questão prévia e, face à ausência de prova testemunhal, dispensou a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).
Em 4 de outubro de 2021, a Requerente veio desistir parcialmente do pedido, no segmento atinente à liquidação de IMT n.º …, de 24 de janeiro de 2020, no valor de € 510,79.
Em 6 de outubro de 2021, o Tribunal Arbitral determinou a notificação das Partes para, querendo, apresentarem alegações e fixou o prazo de prolação da decisão arbitral com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente por parte da Requerente até essa data.
As Partes optaram por não apresentar alegações.
Por despachos de 12 de novembro de 2021, de 10 de janeiro e de 14 de março de 2022, foi prorrogado o prazo de prolação da decisão arbitral, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, em decorrência da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.
POSIÇÃO DA REQUERENTE
A Requerente invoca como causa de pedir o erro nos pressupostos de facto e de direito, preconizando que a aquisição dos imóveis devia ter beneficiado da isenção definitiva de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”) e não da isenção, temporalmente condicionada, estabelecida no artigo 7.º do Código do IMT.
POSIÇÃO DA REQUERIDA
A Requerida começa por suscitar a cumulação ilegal de pedidos em virtude de, em relação a uma das liquidações de IMT em crise, a Requerente ter apresentado Reclamação Graciosa e aí pugnado pela aplicação da isenção titulada no artigo 8.º do Código do IMT e não do artigo 7.º, nunca sendo aí referido, nem no pedido de pronúncia arbitral, que o imóvel foi adquirido em processo de insolvência. Em relação a este imóvel, defende não estar em discussão a aplicação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, pelo que os pedidos não estão dependentes da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, nem podem ser apreciados em simultâneo, nos moldes do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.
Sobre o mérito, alega que três das liquidações impugnadas se referem a aquisições de imóveis que resultaram de ações executivas comuns e não de processos de insolvência, não tendo, por essa razão, enquadramento na isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.
No que respeita às restantes liquidações, afirma que as isenções do artigo 7.º do Código do IMT e do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE têm finalidades distintas e que a isenção do artigo 7.º foi aplicada porque a Requerente assim o declarou, não estando na disposição da Requerida “escolher” a isenção que melhor serviria os interesses da primeira. Tendo-se verificado a condição resolutiva de caducidade prevista no artigo 11.º, n.º 5 do Código do IMT, as liquidações não padecem de ilegalidade, nem ocorreu erro dos serviços.
Acrescenta que os pressupostos da isenção têm que ser aferidos no momento em que ocorre o facto gerador do imposto, ou seja, no momento em que ocorre a transmissão (v. artigo 5.º, n.º 3 do Código do IMT), pelo que o direito à isenção tem de estar constituído quando do nascimento da obrigação tributária e o reconhecimento declarativo desse direito tem de ter sido requerido antes do ato ou contrato que originou a transmissão.
A Requerida caracteriza a isenção de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE como um benefício fiscal de carácter automático (v. artigo 10.º, n.º 8, alínea d) do Código do IMT), cabendo à iniciativa do interessado solicitar a isenção através de declaração/pedido junto de um serviço de finanças ou por meios eletrónicos, cabendo ao serviço onde for apresentado a sua verificação e declaração (v. artigo 19.º do Código do IMT).
O benefício da isenção nos termos do artigo 7.º do Código do IMT inviabiliza a possibilidade – ainda que hipotética – de funcionar, relativamente à mesma situação, a previsão contida na norma que estabelece outra isenção (a do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE), pois não é legalmente possível a aplicação cumulativa ou sucessiva de benefícios fiscais, encontrando-se a AT sujeita ao princípio da legalidade [v. artigo 266.º da Constituição, concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 3.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”)].
Em relação ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerida conclui que não se verifica qualquer erro por parte dos serviços, não havendo lugar ao pagamento dos mesmos.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria atenta a conformação do objeto do processo, tendo em conta que são impugnados atos de liquidação de IMT (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
Relativamente à cumulação ilegal de pedidos suscitada pela Requerida, a Requerente veio desistir do pedido correspondente à anulação da liquidação de IMT n.º …, no valor de € 510,79, que assentava numa distinta causa de pedir, nos termos do disposto nos artigos 4.º, n.º 6 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) e 283.º do Código de Processo Civil (“CPC”) , aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.
Tendo em conta a referida desistência parcial do pedido e o facto de a pretensão anulatória referente às demais liquidações ter o mesmo fundamento, deve ser admitida a cumulação de pedidos em relação a estas, porquanto a procedência da ação depende essencialmente da apreciação de idênticas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, nos moldes preceituados no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, a contar do prazo para pagamento voluntário dos atos de liquidação de IMT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas outras questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.
III. QUESTÕES A APRECIAR
A questão discutida na presente ação é uma só e prende-se com a aplicabilidade da isenção “definitiva” de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE às aquisições de imóveis que deram origem às liquidações de imposto controvertidas.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS ASSENTES
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A. A…, LDA., aqui Requerente, é uma sociedade cujo objeto social inclui a prestação de serviços de consultoria para a aquisição e gestão de carteiras de crédito ou de quaisquer direitos reais, bem como a aquisição e gestão de carteiras de crédito da titularidade de instituições de crédito – cf. documento 2.1 (por acordo).
B. A Requerente dedica-se ainda, entre outras atividades, à “compra e venda de imóveis, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis pertencentes à sociedade ou a terceiros, ao arrendamento e a outras formas de exploração de bens imóveis” – cf. documento 2.1 (por acordo).
IMÓVEL 1
C. A Requerente adquiriu, em 8 de fevereiro de 2011, o imóvel inscrito sob o artigo matricial … da freguesia de …, concelho da Maia, que lhe foi adjudicado no âmbito do processo de insolvência n.º … que correu termos no ….º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – cf. documento 7.
D. Consta da certidão emitida pelo tribunal que “a credora está isenta do pagamento de IMT e do imposto de selo devido” – cf. documento 7.
E. Em 19 de outubro de 2020, foi emitida a liquidação de IMT relativa à aquisição deste imóvel, sob o n.º …, no valor de € 11.620,94 (incluindo juros compensatórios de € 2.261,62), com data limite de pagamento de 20 de outubro de 2020, referindo os seguintes fundamentos:
“por ter ocorrido a perda de isenção nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT obtida ao abrigo do art.º 7.º do CIMT. […]
Em 20-03-2020 solicitou a liquidação do IMT por não ter procedido à revenda do prédio no período legal de três anos após a sua aquisição. Assim, nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT caducou a isenção obtida nos termos do art.º 7.º do CIMT supra descrita.
Preceitua o n.º 1 do art.º 34.º do CIMT que o sujeito passivo deve, no prazo de 30 dias contados do fim da isenção, requerer a liquidação. Tendo o prédio em apreço sido adquirido em 08-02-2011 e vendido em 23-05-2017, esse prazo terminou em 08-03-2014 pelo que são devidos juros compensatórios, conforme o estatuído no art.º 33.º do CIMT conjugado com o art.º 35.º da Lei Geral Tributária.” – cf. documento 1.
IMÓVEL 2
F. A Requerente adquiriu, em 8 de novembro de 2013, o imóvel inscrito sob o artigo matricial … da freguesia de …, concelho de Amarante, que lhe foi adjudicado no âmbito da ação executiva comum n.º … que correu termos no ….º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel – cf. documento 11.
G. Consta da declaração emitida pela solicitadora de execução no “Título de Transmissão” que “4. Nos termos do art. 8.º do Código do IMT o Exequente está isento do pagamento. 5. Encontra-se liquidado o pagamento do Imposto do Selo devido e relativo ao presente imóvel […]” – cf. documento 11.
H. Em 23 de novembro de 2020, foi emitida a liquidação de IMT relativa à aquisição deste imóvel, sob o n.º …, no valor de € 76,69 (incluindo juros compensatórios de € 6,69), com data limite de pagamento de 24 de novembro de 2020, referindo os seguintes fundamentos:
“por ter ocorrido a perda de isenção nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT obtida ao abrigo do art.º 7.º do CIMT. […]
Em 29-04-2019 solicitou a liquidação do IMT por não ter procedido à revenda do prédio no período legal de três anos após a sua aquisição. Assim, nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT caducou a isenção obtida nos termos do art.º 7.º do CIMT supra descrita.
Preceitua o n.º 1 do art.º 34.º do CIMT que o sujeito passivo deve, no prazo de 30 dias contados do fim da isenção, requerer a liquidação. Tendo o prédio em apreço sido adquirido em 08-11-2013 esse prazo terminou em 08-12-2016 pelo que são devidos juros compensatórios, conforme o estatuído no art.º 33.º do CIMT conjugado com o art.º 35.º da Lei Geral Tributária.” – cf. documento 3.
IMÓVEIS 3
I. A Requerente adquiriu, em 26 de março de 2012, os imóveis inscritos sob os artigos matriciais … e … da freguesia de …, concelho de Ovar, que lhe foram adjudicados no âmbito do processo executivo n.º … que correu termos no ….º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira – cf. documento 13.
J. Consta da declaração emitida pela solicitadora de execução no “Título de Transmissão” que “foi liquidado” IMT “no montante de 0,00 euros” e que foi liquidado o Imposto do Selo no valor de € 478,40 – cf. documento 13.
K. Em 25 de novembro de 2020, foi emitida a liquidação de IMT relativa à aquisição destes imóveis, sob o n.º …, no valor de € 4.493,18 (incluindo juros compensatórios de € 606,16), com data limite de pagamento de 25 de novembro de 2020, referindo os seguintes fundamentos:
“por ter ocorrido a perda de isenção nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT obtida ao abrigo do art.º 7.º do CIMT. […]
Em 18-03-2019 o SP solicitou a emissão de certidão comprovativa de pagamento dos IMT por ter ocorrido a caducidade da isenção supra indicada. Constata-se que não foi efectuada liquidação do IMT por não ter procedido à revenda dos prédios no período legal de três anos após a sua aquisição. Assim, nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT caducou a isenção obtida nos termos do art.º 7.º do CIMT supra descrita.
Preceitua o n.º 1 do art.º 34.º do CIMT que o sujeito passivo deve, no prazo de 30 dias contados do fim da isenção, requerer a liquidação. Tendo os prédios em apreço sido adquiridos em 26-03-2012 esse prazo terminou em 25-04-2015 pelo que são devidos juros compensatórios, conforme o estatuído no art.º 33.º do CIMT conjugado com o art.º 35.º da Lei Geral Tributária.” – cf. documento 4.
IMÓVEL 4
L. A Requerente adquiriu, em 12 de setembro de 2012, o imóvel inscrito sob o artigo matricial … da freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira, que lhe foi adjudicado no âmbito da ação de execução comum n.º … que correu termos no ….º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira – cf. documento 15.
M. Consta da declaração emitida pelo agente de execução no “Título de Transmissão” que a transmissão se encontra isenta de IMT e que foi liquidado o Imposto do Selo devido pela transmissão – cf. documento 15.
N. Em 24 de novembro de 2020, foi emitida a liquidação de IMT relativa à aquisição deste imóvel, sob o n.º …, no valor de € 2.783,57 (incluindo juros compensatórios de € 409,73), com data limite de pagamento de 24 de novembro de 2020, referindo os seguintes fundamentos:
“por ter ocorrido a perda de isenção nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT obtida ao abrigo do art.º 7.º do CIMT. […]
Em 03-02-2020 solicitou a liquidação do IMT por não ter procedido à revenda do prédio no período legal de três anos após a sua aquisição. Assim, nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT caducou a isenção obtida nos termos do art.º 7.º do CIMT supra descrita.
Preceitua o n.º 1 do art.º 34.º do CIMT que o sujeito passivo deve, no prazo de 30 dias contados do fim da isenção, requerer a liquidação. Tendo o prédio em apreço sido adquirido em 12-09-2012 esse prazo terminou em 12-10-2015 pelo que são devidos juros compensatórios, conforme o estatuído no art.º 33.º do CIMT conjugado com o art.º 35.º da Lei Geral Tributária.” – cf. documento 5.
IMÓVEL 5
O. A Requerente adquiriu por escritura pública outorgada por administradora da insolvência, em 9 de julho de 2012, os imóveis inscritos sob os artigos matriciais …, … e … da freguesia de …, concelho da Maia, por referência ao processo de insolvência n.º … que correu termos no ….º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – cf. documento 17.
P. Consta da escritura pública a menção ao arquivo dos seguintes documentos – cf. documento 17:
“b) Declaração referida no artigo 19º nº 1 CIMT, apresentada no ….º Serviço de Finanças do …, em 05/06/2012
c)Documento nº …, comprovativo da isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do artigo 8º, n.º 1 do CIMT;
d)Documento comprovativo da isenção do Imposto de Selo - Verba 1.1, nos termos do artigo 269º d) do Decreto-Lei 53/04.”
Q. Em 24 de novembro de 2020, foi emitida a liquidação de IMT relativa à aquisição deste imóvel, sob o n.º …, no valor de € 129.060,44 (incluindo juros compensatórios de € 16.740,31), com data limite de pagamento de 24 de novembro de 2020, referindo os seguintes fundamentos:
“por ter ocorrido a perda de isenção nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT obtida ao abrigo do art.º 7.º do CIMT. […]
Em 29-04-2019 solicitou a liquidação do IMT por não ter procedido à revenda dos prédios no período legal de três anos após a sua aquisição. Assim, nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT caducou a isenção obtida nos termos do art.º 7.º do CIMT supra descrita.
Preceitua o n.º 1 do art.º 34.º do CIMT que o sujeito passivo deve, no prazo de 30 dias contados do fim da isenção, requerer a liquidação. Tendo os prédios em apreço sido adquiridos em 09-07-2012 esse prazo terminou em 08-08-2015 pelo que são devidos juros compensatórios, conforme o estatuído no art.º 33.º do CIMT conjugado com o art.º 35.º da Lei Geral Tributária.” – cf. documento 6.
R. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IMT acima identificadas, no prazo limite nelas estipulado – cf. documentos 8, 12, 14, 16, 17.
S. Inconformada com os atos de liquidação de IMT, a Requerente apresentou no CAAD, em 14 de janeiro de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.
2. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta as posições assumidas pelas Partes em relação à matéria de facto.
Em relação a três das cinco liquidações de IMT impugnadas não se provou a alegação de que respeitam a aquisições de imóveis realizadas no âmbito de processos de insolvência. Os documentos juntos evidenciam que estas três liquidações se referem a imóveis adquiridos no decurso de ações executivas e não de processos de insolvência.
Acresce assinalar que a isenção de IMT invocada/aplicada quando da aquisição dos imóveis nem sempre foi a prevista no artigo 7.º do respetivo Código (isenção pela aquisição de prédios para revenda), sendo, nalguns casos, a constante do seu artigo 8.º (aquisição de imóveis por instituições de crédito).
Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
V. DO DIREITO
1. ISENÇÃO DE IMT – ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS EM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
Resultou provado nos autos que a Requerente beneficiou das isenções de IMT condicionadas, previstas nos artigos 7.º e 8.º do Código deste imposto, que caducaram nos termos do estatuído no artigo 11.º, n.ºs 5 e 6 do referido diploma, por ter decorrido o respetivo prazo de três e cinco anos sem que os imóveis correspondentes tenham sido revendidos.
Porém, sem prejuízo do decurso do mencionado prazo de caducidade, que a Requerente não contesta, esta preconiza o enquadramento das aquisições dos imóveis em questão no âmbito da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, pelo que considera ilegais as liquidações de IMT emitidas pela Requerida com fundamento em erro nos pressupostos.
Importa, neste âmbito, compulsar o disposto no artigo 270.º do CIRE:
“Artigo 270.º
Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis
1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:
a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;
b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;
c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.
2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.” (sublinhado da Requerente)
Esta norma estabelece a isenção de IMT a vários atos jurídicos translativos de bens imóveis, contendo uma enumeração taxativa. O n.º 2 invocado pela Requerente como suporte da sua pretensão concede a exoneração do imposto na condição de que estejamos perante atos de venda, permuta ou cessão integrados em processos de insolvência. No entanto, o texto da norma não é inteiramente claro, suscitando-se a dúvida em relação a saber se a referida isenção de IMT se aplica apenas à transmissão da própria empresa insolvente (ou de um seu estabelecimento), ou se, pelo contrário, abrange, igualmente, a transmissão isolada de imóveis da empresa, ocorrida no contexto de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação e, ainda, de liquidação da massa insolvente, para satisfação dos direitos dos credores.
A norma em análise foi, ao longo do tempo, objeto de interpretações distintas, como salientam DAVID SEQUEIRA DINIS e LUÍS BÉRTOLO ROSA :
“No entender da Administração Fiscal, a isenção de IMT apenas abrange os atos de venda ou permuta da empresa ou estabelecimento como um todo, não se aplicando à transmissão isolada de imóveis, separadamente da empresa ou estabelecimento que integram. Nas palavras do Parecer n.º 166 da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso da Direção-Geral dos Impostos, de 26 de maio de 2008, «a aplicação dos benefícios fiscais do art. 270.º, n.º 2 do CIRE, depende de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou do estabelecimento vendidos, permutados ou cedidos no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente. A transmissão onerosa de bens imóveis isoladamente da empresa ou do estabelecimento não está, assim abrangida pela isenção (…)».
O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado entendimento diverso e mais permissivo do que aquele sufragado pela Administração Fiscal, embora os acórdãos daquele Alto Tribunal não sejam sempre totalmente convergentes nem nas suas conclusões nem na sua fundamentação. Nalguns arestos, o Supremo Tribunal Administrativo sustenta que a isenção é aplicável à transmissão isolada de imóveis, desde que os mesmos integrem o ativo de uma empresa ou de um estabelecimento compreendidos na massa insolvente. Conforme elucidativamente se refere no sumário do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 3.7.2013:
«O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, poderá, quando muito, interpretar-se como abrangendo não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial)».
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo veio, no acórdão de 17.12.2014, adotar uma posição menos exigente e mais ampla: «a aquisição de um imóvel - alegadamente, até o único bem que integrava a massa insolvente - na venda realizada no processo de insolvência na fase de liquidação da massa insolvente, não pode, pois, deixar de estar isento do IMT, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas».”
SARA SOARES invoca três elementos interpretativos a favor desta interpretação ampla:
“a. Elemento histórico: em conformidade com o ponto 49 do preâmbulo do CIRE, referido no ponto 5 supra, «manter o benefício em questão» significa isentar de IMT a transmissão de elementos do activo da empresa;
b. Entendimento diverso consubstanciaria um desrespeito da lei habilitante […]. Se o Governo tivesse ficado aquém da autorização concedida pela AR, estaria, necessariamente, a violar a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa;
c. Não se concebe a existência de bens, que integrem a massa insolvente, mas não disponham de qualquer relação com a respectiva empresa ou estabelecimento, razão pela qual não faz sentido distinguir entre actos isolados e os que abranjam a universalidade da empresa ou estabelecimento, para efeitos da isenção de IMT;
d. Tratando-se de uma venda praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente e tendo o legislador pretendido incentivar a venda rápida de bens integrantes da referida massa, tal intenção é satisfeita, quer se trate da transmissão da própria empresa insolvente (ou de um seu estabelecimento), quer se trate da transmissão isolada de activos imobiliários dessa empresa (ratio legis).”
Também se afigura ser esta a interpretação subjacente ao comentário de LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA que distinguem três atos isentos ao abrigo do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE: (a) a venda; (b) a permuta e (c) a cessão da empresa ou de estabelecimento dela, sendo subjacente aos dois primeiros [(a) e (b)] a venda “isolada” dos imóveis e apenas no terceiro (c) a sua inclusão na cessão do acervo empresarial.
Em 29 de março de 2017, o Supremo Tribunal Administrativo veio confirmar esta posição, no âmbito do processo n.º 1621/15 (Pleno da 2.ª Secção), com o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2017, no qual sufraga o afastamento de uma interpretação restritiva do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE e conclui que: “a isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do artigo 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do seu ativo, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”
Através da Circular n.º 4/2017, de 10 de fevereiro de 2017, a AT reviu o seu entendimento, nos seguintes termos: “[a] aplicação dos benefícios fiscais previstos no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não depende da coisa vendida, permutada ou cedida abranger a universalidade da empresa insolvente ou um seu estabelecimento. Assim, os atos de venda, permuta ou cessão, de forma isolada, de imóveis da empresa ou de estabelecimentos desta estão isentos de IMT, desde que integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.
Convém notar, em linha com a decisão arbitral n.º 651/2020-T, de 11 de junho de 2021, que “[c]omo decorre do teor literal destas normas e do próprio enquadramento sistemático destas normas no CIRE, e não em qualquer outro diploma, a sua aplicação restringe-se a actos praticados na sequência de decisões tomadas em processos de insolvência ou de recuperação de empresas.
É também quanto a esses actos que se justifica a isenção que, como todas, visa necessariamente a «tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais).”
Sendo esses interesses “fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando «um bónus» a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente – compre estes bens que compra mais barato porque não tem de pagar o IMT que seria devido na aquisição de um imóvel similar fora do processo de insolvência” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de dezembro de 2014, processo n.º 01085/13.
Retomando a análise concreta, constata-se que das cinco liquidações impugnadas submetidas à apreciação deste Tribunal, três se referem a imóveis adquiridos no âmbito de ações executivas cíveis, sem qualquer correlação com um processo de insolvência, a saber:
- liquidação n.º …, no valor de € 76,69 (factos F, G, H);
- liquidação n.º …, no valor de € 4.493,18 (factos I, J, K);
- liquidação n.º …, no valor de € 2.783,57 (factos L, M, N) .
Em relação a estas liquidações não se demonstra a verificação dos pressupostos de facto de que depende a aplicação da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, pois as aquisições de imóveis geradoras da tributação não são enquadráveis como atos de venda integrados em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação a que se aplica o CIRE ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente. Como acima mencionado, apenas nestes casos se aplica o benefício previsto no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE. Assim, em relação àquelas liquidações, a ação deve improceder, pois as mesmas não enfermam de vício de violação de lei.
Diferentemente, as liquidações n.º …, no valor de € 11.620,94 (factos C, D, E), e n.º …, no valor de € 129.060,44 (factos O, P, Q) referem-se a imóveis adquiridos no âmbito de processos de insolvência, o primeiro por adjudicação (processo de insolvência n.º …) e o segundo por escritura pública outorgada pela administradora da insolvência (processo de insolvência n.º … ).
Tendo em consideração o disposto no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, interpretado em conformidade com a sua finalidade de agilizar, no âmbito do processo de insolvência, a “satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”, e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo acima citada, que se acompanha, as transmissões dos imóveis subjacentes a estas duas liquidações deve ser considerada isenta, porquanto as respetivas transações se realizaram no âmbito da liquidação (venda) da massa insolvente, para afetação do seu produto ao pagamento das suas próprias dívidas [da massa insolvente] e, naturalmente, dos seus credores, como dispõe o CIRE (v. artigos 172.º e seguintes). Assim, nesta parte, a ação deve ser julgada procedente com a anulação dos referidos atos de liquidação de IMT e juros compensatórios.
Por fim, importa sublinhar que à conclusão alcançada não obsta a circunstância de as isenções do artigo 7.º e 8.º do Código do IMT terem finalidades distintas daquela prevista no artigo 270.º do CIRE, nem se identifica norma legal que comine qualquer efeito preclusivo por ter sido declarada e aplicada inicialmente uma isenção.
Independentemente da isenção que foi declarada pela Requerente e aplicada pela Requerida, o princípio da legalidade postula que a solução tributária se depreenda dos pressupostos e condições estabelecidas na lei. É, por esta razão, errónea a afirmação da Requerida de que a aplicação do artigo 7.º do Código do IMT teria inviabilizado a possibilidade, ainda que hipotética, de aplicação do artigo 270.º do CIRE.
Com efeito, sendo a situação fáctica enquadrável, à data dos factos, na previsão de uma norma de isenção automática, não condicionada e definitiva (características que a própria AT reconhece ao artigo 270.º, n.º 2 do CIRE), mesmo que caísse em simultâneo no campo de aplicação de outras isenções, deste facto não resulta o afastamento da primeira.
Interessa também notar que os pressupostos do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE estavam verificados na data em que as aquisições tiveram lugar, i.e., no momento do facto gerador do imposto, embora, nessa data, a Requerida adotasse a conceção errónea de que aquela norma não tinha aplicação à alienação isolada de ativos imobiliários de forma isolada exigindo que fossem integrados na venda do estabelecimento a que pertenciam.
2. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.
A Requerente, peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade dos atos de liquidação de IMT e juros compensatórios, a restituição das importâncias pagas acrescidas de juros indemnizatórios, uma vez que procedeu ao pagamento da quantia liquidada, facto que resultou provado.
Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.
Sobre os juros indemnizatórios rege o disposto no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.
Na situação vertente, em relação aos três atos de liquidação de IMT n.ºs …, … e …, cuja validade se mantém, não se verifica o pressuposto constitutivo do direito a juros indemnizatórios, porquanto não ocorreu o pagamento de imposto superior ao devido. Nestes termos, quanto a estas três liquidações, improcede o pedido de restituição do valor pago acrescido de juros indemnizatórios.
No tocante aos atos de liquidação de IMT n.ºs … e …, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, o que configura um erro substantivo imputável à AT, pelo que, neste segmento, é devida a restituição do respetivo montante acrescido de juros indemnizatórios, por forma ao restabelecimento da situação que existiria se estes atos tributários não tivessem sido praticados.
EM SÍNTESE,
À face do exposto as duas liquidações de IMT e juros compensatórios emitidas sob os n.ºs … e … enfermam de ilegalidade substantiva, por erro nos pressupostos de direito, e vão anuladas, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), subsidiariamente aplicável. As demais liquidações não padecem dos vícios alegados pela Requerente, mantendo-se na ordem jurídica.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
VI. DECISÃO
À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
(a) Homologar a desistência do pedido relativamente à liquidação de IMT e juros compensatórios emitida em 2020 sob o n.º …, no valor de € 510,79;
(b) Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:
(i) anular as liquidações de IMT e juros compensatórios emitidas em 2020 sob os n.ºs … e …, no valor agregado de € 140.681,38;
(ii) manter os atos de liquidação de IMT e juros compensatórios emitidas em 2020 sob os n.ºs …, … e …, no valor total de € 7.353,44;
(iii) Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor, em relação às liquidações anuladas referidas em (i);
(iv) Considerar improcedente o pedido de restituição dos montantes pagos acrescidos de juros indemnizatórios, com referência às liquidações cuja validade se mantém, identificadas em (ii);
(c) Condenar a Requerida e a Requerente nas custas do processo na proporção do decaimento, de 94,7% para a Requerida e de 5,3% para a Requerente.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 148.545,61, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido, i.e., ao valor das liquidações de IMT cuja anulação se pretende – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. CUSTAS
Custas no montante de € 3.060,00, sendo € 2.897,82 (94,70%) a suportar pela Requerida, e € 162,18 (5,3%) a cargo da Requerente, na razão proporcional do respetivo decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de maio de 2022
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins, relatora
Marisa Isabel Almeida Araújo
Jónatas Machado