Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 296/2014-T
Data da decisão: 2014-11-27  Selo  
Valor do pedido: € 15.985,30
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 296/2014 – T

Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS

 

 

 

I – Relatório

1.                  Em 27 de Março de 2014, A, S.A., pessoa colectiva n.º … , com sede na Rua … , adiante designada por Requerente, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.                  A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelos seus mandatários, …, e …,  e a Requerida é representada pelas juristas, … e … .

3.                  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 31 de Março de 2014.

4.                  Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação dos seguintes actos de liquidação de Imposto do Selo, relativos aos anos de 2012, no valor total de € 15.985,30 que se indicam:

 

Doc. cobrança

Identificação do prédio

VPT

Imposto

Doc. n.º

€ 343.960,00

€ 3.439,60

1/1

€ 343.960,00

€ 3.439,60

½

€ 267.930,00

€ 2.679,30

1/3

€ 302.120,00

€ 3.021,20

¼

€ 340.560,00

€ 3.405,60

1/5

 

 

Total

€ 15.985,30

 

 

5.                  Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo os Requerentes procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Dr. Jorge Carita.

6.                  O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 4 de Junho de 2014, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

7.                  No dia 10 de Julho de 2014, a Requerida apresentou a respetiva Resposta, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pela Requerente, e consequentemente, pela absolvição da Requerida quanto ao pedido contra si apresentado.

8.                   Não houve lugar à primeira reunião do tribunal arbitral por ter sido dispensada, face ao requerimento da Requerida de 10.07.2014, e relativamente ao qual, notificada para o efeito, a Requerente nada disse.

9.                  Não tendo sido invocadas quaisquer excepções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, reunindo os autos todos os elementos necessários para a prolação de decisão, por razões de economia e celeridade processual e, face à posição manifestada pelas partes expressa e tacitamente, entendeu o Tribunal para além de dispensar a reunião do art.º 18, como se referiu, dispensar a apresentação de alegações.

10.               O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 24 de Novembro de 2014 para efeito de prolação da decisão arbitral.

 

II. A Requerente sustenta os seus pedidos, em síntese, da seguinte forma:

A Requerente sustenta o pedido de anulação dos actos de liquidação de imposto do selo a que foi sujeita, relativamente aos andares ou partes suspectíveis de utilização independente, afectos a habitação, do prédio sito …, em Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, concelho …, que se encontra em propriedade vertical, por entender que os atos de liquidação de IS sub judice são ilegais, com fundamento na:

a)     Violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e direito, porquanto, tiveram “como pressuposto erróneo a consideração de um VPT de € 1.598.530,00 (um milhão quinhentos e noventa e oito mil quinhentos e trinta euros) resultante do somatório dos VPTs de todas as frações com afetação habitacional do prédio urbano acima identificado, quando, o VPT para efeitos de incidência de IS ao abrigo da verba 28.1 da TGIS deveria ter sido aferido separadamente face a cada fração, dado tratar-se de unidades com utilização independente, subsumíveis no conceito de “prédio urbano” para efeitos de aplicação daquela norma, porquanto, as referidas fracções consideradas separadamente na inscrição matricial, e sendo o VPT de cada uma inferior a € 1.000.000,00 não haveria, consequentemente, lugar à liquidação de IS nos termos da referida verba 28.1 da TGIS.”

b)      Na violação dos princípio da legalidade fiscal e da verdade material, pelo facto de a AT tributar em imposto do selo, distinguindo onde o legislador não o fez, diferenciando o regime da propriedade vertical da propriedade horizontal, “ignorando a verdade material subjacente à existência de cada fracção com utilização independente enquanto prédio urbano”;

c)       Na violação do princípio da igualdade tributária e do princípio da capacidade contributiva, em que assentam os impostos sobre o património, porquanto terá “o legislador tributário querido discriminar os titulares dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal relativamente aos proprietários de prédios em propriedade vertical constituídos por frações economicamente autónomas, em prejuízo destes últimos”, uma vez que, entende serem “idênticas as realidades consistentes nas fracções autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal e nas fracções com utilização independente dos prédios em propriedade vertical, ambas enquadráveis no conceito de prédio contido no artigo 2º nº 1 do CIMI”, pelo que “o critério legal para definir a incidência do IS nos termos da verba 28.1 da TGIS tem que ser o mesmo”;

d)      Concluindo no sentido de que “os actos de liquidação de IS objecto do presente pedido de pronúncia arbitral padecem de vício de violação de lei, por erro imputável aos serviços da Administração Tributária, na errada qualificação, interpretação e aplicação do direito, tendo sido violado o número 1 do artigo 1.º do CIS, bem como a verba número 28 da TGIS, lida em conjugação com os artigos 2.º, n.º 1 e 12.º, n.º 3 do CIMI e os artigos 58º da LGT, 13º, 103º nº 1 e 2, 104º nº 3 e 266º nº 2 da CRP, razão pela qual devem os mesmos ser anulados, bem como anulados os respectivos documentos de cobrança.”

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Por seu lado, a AT vem alegar, na sua resposta: 

a)                 “à data, a Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral, descrito como «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente» r/ch, mais 4 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e afectos a habitação, com valor patrimonial tributário (VP) superior a € 1.000.000,00 (1.598.530,00€)”;

b)                  Que a AT procedeu à liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS e cuja respectiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, pelo que se trata de “uma liquidação que resulta da aplicação directa da norma legal”;

c)                 Quanto à alegada violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, responde dizendo que: “o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como um prédio, mas apenas fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art. 2.º do CIMI”;

d)                 Mais, entende que, “o que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária”;

e)                  As liquidações de imposto do selo reportadas ao ano de 2012, foram efectuadas, pela Requerida, tendo em conta a natureza do prédio urbano, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI;

f)                  Assim sendo, defende a Requerida que encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do artigo 2.º do CIMI;

g)                  No tocante à alegada violação do princípio da igualdade, defende a Requerida que inexiste qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações, porquanto, “a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferentes, sendo que a constituição da primeira, implica, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação, (ofício-circulado n.º 40.025, de 11.08.200, da DSCA), mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária”;

h)                  Adianta, ainda, que “esta discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal “, sem que contudo, implique a violação de qualquer princípio do direito fiscal ou até constitucional;

i)                   A verba 28.1 da TGIS incidindo sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, é uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos de facto e de direito;

j)                   Sustenta, ainda, a AT que a constituição da propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do CIMI e art. 1414.º e seguinte do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária;

k)                 Concluindo no sentido de que não se verifica a alegada discriminação em violação do princípio da igualdade, porquanto, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente;

l)                   Por último, finaliza defendendo que ”os actos tributários em causa não violam qualquer princípio legal ou constitucional, devendo, assim ser mantidos.”

 

IV. Saneamento

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.

 

V. Matéria de Facto

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

- A Requerente é proprietária do prédio urbano sito …, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o número … . (cfr. Certidão Predial Permanente e Caderneta Predial Urbana, juntas como Documentos 3 e 4).

 - O prédio compreende o total de quatro fracções com utilização independente, a saber: … , correspondentes, respectivamente, ao rés do chão, 1º, 2º, 3º e 4º andares (cfr. Certidão Predial Permanente e Caderneta Predial Urbana, juntas como Documentos 3 e 4).

 - O prédio em causa encontra-se em regime de propriedade vertical ou total, estando os andares e divisões com utilização independente afectas a habitação. (cfr. caderneta predial junta como Documento n.º 4).

 - O referido prédio urbano foi objecto de avaliação geral nos termos do artigo 38º e seguintes do CIMI e do artº 15º-D do DL 287/2003 de 12/11, tendo cada uma das suas frações sido individualmente considerada e avaliada nesse procedimento, com o VPT determinado separadamente (cfr. notificações de avaliação juntas como Documento nº 5).

 - O somatório dos VPT das mencionadas fracções habitacionais ascende a € 1.598.530,00 (um milhão quinhentos e noventa e oito mil quinhentos e trinta euros), tendo cada uma das fracções um VPT inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).(cfr. Documento nº 5 e 6).

 - A inscrição matricial nº 216 identifica separadamente cada uma das fracções, encontrando-se também discriminado o respectivo VPT resultante da avaliação geral (cfr. Documento nº 4).

 - O IMI de 2012 foi liquidado individualmente em relação a cada fracção (Cfr. notas de cobrança do IMI- prestação única e adicional - juntas como Documento nº 6).

 - A Requerente foi notificada dos actos de liquidação de IS respeitantes ao ano de 2012 identificados nos documentos de cobrança n.º …, n.º …, n.º … , n.º … e n.º …  praticados em 14 de Julho de 2013 pelo Serviço de Finanças de … , liquidados, nos termos da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) individualmente, em relação a cada fracção habitacional do prédio urbano sobre o qual incide aquele imposto, nos montantes de, respectivamente, € 3.439,60 (três mil quatrocentos e trinta e nove euros e sessenta cêntimos), (no documento de cobrança respeitante à fracção 1º 56) € 3.439,60 (três mil quatrocentos e trinta e nove euros e sessenta cêntimos), (no documento de cobrança respeitante à fracção 2º+S), € 2.679,30 (dois mil seiscentos e setenta e nove euros e trinta cêntimos) (no documento de cobrança respeitante   à fracção 2º 58),  € 3.021,20 (três mil e vinte e um euros e vinte cêntimos) (no documento de cobrança respeitante à fracção RC 56)  e € 3.405,60 (três mil quatrocentos e cinco euros e sessenta cêntimos) (Cfr. Documento nº 1).

 - Do somatório dos mencionados actos de liquidação resultou um montante total de IS a pagar de € 15.985,30 (quinze mil novecentos e oitenta e cinco euros e trinta cêntimos).( cfr. Documento n.º 1).

 - No dia 30 de Dezembro de 2013 a Reclamante procedeu ao pagamento integral dos montantes correspondentes às liquidações de IS objecto do presente pedido de pronuncia arbitral (Cfr. comprovativos de pagamento juntos como Documento nº 7).

 

VI. Motivação da matéria de facto

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

VII. Factos dados como não provados

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VIII. Fundamentos de direito

No presente caso, são duas as questões de direito controvertidas:

1) saber se a sujeição a imposto de selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS, relativa ao ano de 2012, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPT’s dos andares que o compõem  - Incidência da verba 28.1 da TGIS;

2) saber se a verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, bem como do disposto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, na interpretação que dele faz a AT;

3) saber se a Requerente, caso procedam as anteriores questões, tem direito a juros indemnizatórios.

Vejamos,

 

A – Da incidência da verba 28.1 da TGIS

 

1.        A Lei nº. 55-A/2012, de 19 de Outubro (que adiante designaremos por Lei nº. 55-A/2012 ou apenas Lei), procedeu à alteração, entre outros, de diversos artigos, do Código do Imposto do Selo, mais propriamente 12 dos seus artigos.

2.        A alteração fundamental, que condiciona todas as outras, consta do artigo 4.º da Lei nº. 55–A/2012, que adita à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), uma nova verba, a nº. 28, com a seguinte redacção:

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional ------------------------------------- 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças --------------------------------------------- 7,5%

3.        Deste modo, de acordo com a referida verba, e naquilo que aqui nos importa, somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade, usufruto, direito de superfície de:

a)                  “prédios urbanos,

b)                  com afectação habitacional,

c)                 E cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000;” (sublinhado nosso)

 

4.        A lógica da tributação da riqueza e da fortuna prevalece, com maior ou menor intensidade, no quadro deste diploma, conclusão que resulta do agravamento generalizado da carga fiscal, na lógica financeira, exclusivamente dirigida a situações fiscais que produzissem receita imediata.

5.        Agrava-se a tributação dos rendimentos de capitais, alarga-se a lista de manifestações de fortuna, agrava-se a tributação dos rendimentos obtidos em Portugal por entidades domiciliadas em paraísos fiscais, e finalmente, a tudo isto se acrescenta a tributação dos imóveis para habitação, de valor superior a € 1.000.000,00.

6.        E se o legislador inclui neste diploma imóveis de habitação, fixando um valor acima do qual eles passariam a ser tributados por um outro imposto, tal só poderia significar que, considerava que quem fosse proprietário de imóvel, desse valor, tal expressava um elemento indiciador de meios de fortuna adicionais, que pudessem ser chamados a participar no esforço colectivo de arrecadação suplementar de receitas fiscais.

7.        Na verdade, o legislador ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

8.        Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

9.        A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

10.    Com efeito, o legislador claramente considerou que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização  independente) traduzia uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

11.    Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva.

12.    Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal, em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.

13.    Com efeito, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser susceptível de desencadear a incidência do novo imposto, mas somente se o VPT de cada uma das partes ou fracções for igual ou superior ao limite definido pela lei: € 1.000.000,00.

14.    Não parece sensato que se possa enquadrar prédios urbanos no seu todo, i.e, constituídos por unidades independentes, com avaliações de VPT separadas.

15.    Tal como referido, a introdução da Lei n.º 55-A/2012, de 19 de Outubro, pretendia tributar de facto, o luxo.

16.    Ora, o prédio em questão pertence à Requerente, e é composto por 4 divisões com utilização independente, todas com afectação habitacional.

17.    É entendimento da AT que o somatório dos VPT relativos a essas 4 divisões com utilização independente que têm afectação habitacional, perfazendo um VPT global de € 1.598.530,00 (um milhão, quinhentos e noventa e oito mil, quinhentos e trinta euros), no ano de 2012, dá lugar a incidência de imposto do selo, razão pela qual entendeu proceder à liquidação do Imposto do selo impugnada nos presentes autos.

18.    Assim, do ponto de vista da AT, para um prédio em propriedade vertical (ou não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto do selo, é o VPT global dos andares e divisões destinadas a habitação.

19.    Vejamos, se a tese da AT convence,

20.    A Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de Outubro de 2012.

21.    No entanto, nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional.”, que aqui nos interessa.

22.    No entanto, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.

23.    Assim, temos que, a norma de incidência se refere a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

24.    Consultado o CIMI, verifica-se que o seu artigo 6º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do nº 1), esclarecendo no nº 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” 

25.    Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico- formal da situação concreta do prédio, mas, sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio.

26.    Mais, aferimos que, para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. Releva, sim, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização. 

27.    Com efeito, a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1 da TGIS, é determinada pela conjugação de três factos, a saber:

a)                 estarmos perante um prédio urbano;

b)                a afectação habitacional e

c)                 o VPT constante da matriz igual ou superior a €1.000.000,00.

 

28.    Ora, tratando-se de um prédio com as características supra descritas e que constam da caderneta predial junta como Documento n.º 4, a sujeição a imposto do selo terá de ser determinada, não pelo VPT do prédio “no seu todo”, mas pelo VPT atribuído a cada dos andares ou divisões com utilização independente, afectas a habitação.

29.    Assim sendo, o entendimento da AT no sentido de que o somatório dos VPTs das várias fracções ou divisões com utilização independente afectas à habitação, resultando num VPT global igual ou superior a € 1.000.000, legitima a incidência do imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, no regime regra, é, manifestamente, ilegal!

30.    Assim sendo, não havendo, deste modo, uma única fracção ou divisão com utilização independente, afecta à habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000, nunca poderia a AT sujeitar a Requerente ao imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, do ano de 2012, que ora se impugna, por ser o mesmo ilegal, e por isso inaceitável e desconforme, entre outros, com o princípio da legalidade fiscal, bem como com o princípio da igualdade, previsto constitucionalmente no artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).

 

B – Do princípio da igualdade – artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa na aplicação da verba 28.1 da TGIS.

 

31.    Com efeito, o princípio constitucional da igualdade fiscal, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º, da CRP), não se resume à regra da universalidade dos impostos, segundo a qual estes incidem sobre todos aqueles que têm capacidade contributiva, determinando também que todos devem estar adstritos ao pagamento de impostos com base no mesmo critério - a regra da uniformidade dos impostos.

32.    Segundo esta regra, o que é igual deve ser tributado igualmente, e o que é desigual deve ser tributado desigualmente, na medida dessa desigualdade.

33.    O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto.

34.    Por isso mesmo, é que o artigo 12º, nº3 do CIMI diz que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário.”

35.    Em consequência, a discriminação que se verifica, e que está a ser operada pela AT no caso concreto, traduz uma discriminação arbitrária e ilegal. Nada na lei impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal.

36.    Por outro lado, é sabido que muitos dos prédios existentes em propriedade vertical são antigos, com uma utilidade social inegável, pois em muitos casos acolhem moradores com rendas módicas e mais acessíveis, factores que necessariamente devem ser tidos em conta. E, certamente, tendo em conta toda essa realidade social e económica, o próprio legislador fiscal no CIMI tratou as duas situações (propriedade horizontal e vertical) de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios.

37.    Não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal. 

38.    No entanto, cumpre referir que, os princípios constitucionais são aqui invocados apenas como suporte para uma interpretação segundo a CRP, posto que, a operação de liquidação de IS levada a cabo pela AT, na situação dos autos, não está conforme a verba 28 da TGIS e o nº 7 do artigo 23º do CIS.

39.    Seguindo este raciocínio, e transcrevendo o que já foi sufragado nos Acórdãos do CAAD nos processos n.ºs 30/2014 e 177/2014 T que subscrevemos na íntegra:

“A questão não carece, em nosso entender, de ser colocada ao nível da violação da CRP, bastando, no cumprimento do referido no nº 7 do artigo 23º do CIS que se leve a efeito uma leitura, “com as necessárias adaptações das regras do CIMI” que será considerar que a expressão “cada prédio urbano” comporta não só os andares em propriedade horizontal (que são prédios urbanos ope legis) como também “os andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente” (nº 3 do artigo 12º do CIMI).

Ou seja, ao nível da interpretação das normas tributárias poderá utilizar-se a regra muito própria que se encontra vertida no nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.

Ora, se v.g. para os andares que compõem as fracções autónomas de prédios urbanos habitacionais, em propriedade horizontal, (ainda que sejam por definição e “ope legis” prédios urbanos) não se adicionam os VPT para determinar o limiar do VPT elegível para sujeição a IS (1 000 000,00 de euros) da verba 28 da TGIS (operação de determinação da matéria colectável), porque é que quanto às “partes de prédio ou andares” dos prédios em propriedade vertical tal deve ocorrer?

Em ambos os casos se manifesta a mesma capacidade contributiva dos contribuintes (o seu nível de riqueza ao nível de bens imóveis).Trata-se da mesma “substância económica” analisada sobre diversos prismas.

As verbas 28 e 28-1 da TGIS, enquanto normas de incidência de IS, na leitura que se propugna nesta decisão, não padecem desta feita de qualquer desconformidade com o texto da lei fundamental.(…)

Na verdade é a referida norma, na sua literalidade, mormente a parte final da verba 28 da TGIS, conjugada com o nº 7 do artigo 23º do CIS, que permite concluir, com as “necessárias adaptações das regras do CIMI” que não deveria a AT adicionar os VPT dos andares ou parte do prédio acima identificados para encontrar um novo VPT relativo àqueles que são afectos a fins habitacionais, cindido do VPT dos que estão afectos a outros fins.»

40.    Posto isto, a tributação desigual do ora requerente, comparativamente com uma situação em que o prédio se encontre em propriedade horizontal de idênticas características, é manifestamente ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, porque se trata de uma nítida violação, entre outros, do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal, nada legitimando a interpretação que a AT faz das normas jurídicas aplicáveis.

41.    Finalmente, não pode deixar de se referir a recente jurisprudência do CAAD, proferida sob o tema “Imposto de Selo – Verba 28, propriedade vertical”, nos processos n.º 185/2013-T, n.º 183/2013-T, n.º 181/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 50/2013-T, n.º 248/2013-T do CAAD, entre outros, cuja motivação de Direito, o presente tribunal adere na íntegra quanto à matéria da incidência da verba 28.1 da TGIS.

42.    Face ao exposto não havendo, deste modo, uma única fracção ou divisão com utilização independente, afecta à habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000, são os actos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano de 2012, no montante de € 15.985,30, nulos, por violação do disposto na verba 28.1 da TGIS e no artigo 13.º da CRP.

 

C – Dos juros indemnizatórios

43.    A Requerente peticiona ainda que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

44.    Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

45.    Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

46.    Ora, resultando, do acto tributário impugnado a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem, o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

 

47.    No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade do acto de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

48.    Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do acto é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.

49.    Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em nos casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.

50.    Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia de € 15.985,30, e contados desde o pagamento do imposto  até ao integral reembolso do referido montante.

 

DECISÃO

De harmonia com o exposto, decide-se:

1.                       Anular todos os actos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pela Requerente, relativos ao ano de 2012.

2.                       Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar os Requerentes da quantia que pagaram, acrescidas de juros indemnizatórios, calculados, à taxa legal, desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso.

 

 

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 15.985,30 nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Novembro de 2014

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O Árbitro

 

(Jorge Carita)