Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 790/2021-T
Data da decisão: 2022-04-29  IRS  
Valor do pedido: € 129.865,21
Tema: IRS — Inutilidade Superveniente da Lide; Responsabilidade por custas.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Signatários, o DESEMBARGADOR MANUEL LUÍS MACAÍSTA MALHEIROS (ÁRBITRO PRESIDENTE), a DRA. ELISABETE FLORA LOURO MARTINS CARDOSO (RELATORA, ÁRBITRO VOGAL), e a PROF.ª DOUTORA NINA AGUIAR (ÁRBITRO VOGAL), foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, o qual foi constituído em 15 de março de 2022.

 

I.             RELATÓRIO

 

1. A..., natural dos Estados Unidos da América, contribuinte fiscal português n.º ..., solteira, com residência em ..., ..., ..., Estados Unidos da América e B..., natural dos Estados Unidos da América, contribuinte fiscal português n.º..., solteiro, com residência em ..., ..., ..., ..., Estados Unidos da América (doravante, Requerentes), apresentaram no dia 26 de novembro de 2021 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira — Área de Cobrança (doravante, Requerida).

No PPA, os Requerentes pedem:

“Nestes termos, requer-se a V. Ex.a a constituição de tribunal arbitral ao abrigo dos artigos 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, pedindo-se pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das liquidações de IRS acima identificadas. Nessa sede, e em face do exposto, requer-se ao tribunal arbitral que:

i.) Declare a ilegalidade e anule parcialmente as liquidações de IRS em referência, por erro sobre os pressupostos de direito, na parte em que consideram como base de tributação das mais-valias realizadas pelos Requerentes mais de 50% do seu valor, em violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do CPA;

ii.) Na medida da procedência do pedido anterior, ordene o reembolso aos Requerentes do montante indevidamente pago a título de IRS, nos termos do artigo 100.º da LGT;

iii.) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, computados desde as datas dos pagamentos indevidos até à emissão das respectivas notas de crédito, em conformidade com o disposto nos artigos 43.o, n.o 1, da LGT, 61.o, n.º 5, do CPPT, e na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, por erro imputável aos serviços da Administração Tributária na prolação das referidas liquidações; e

iv.) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais”.

 

Na fundamentação do seu pedido, os Requerentes alegam que as mais-valias por si realizadas no ano fiscal de 2020 — com a venda do prédio urbano sito na Rua ..., número ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ... — na qualidade de não residentes, com domicilio fiscal num Estado terceiro (Estados Unidos da América), deveriam ter sido consideradas pela Requerida em apenas 50% do seu valor (à semelhança do regime estabelecido para residentes fiscais em Portugal). Defendem os Requerentes que “o regime estabelecido no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, ao limitar a consideração em apenas 50% às mais-valias realizadas por sujeitos passivos residentes, traduz-se num tratamento discriminatório dos sujeitos passivos não residentes, incompatível com a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE e, portanto, do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito interno”. Para fundamentar o seu pedido, os Requerentes invocam doutrina e jurisprudência dos Tribunais Nacionais e do TJCE, designadamente o Acórdão Hollmann (Processo C-443/06).

 

No presente PPA, os Requerentes impugnam as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.ºs 2021... e 2021..., relativas ao ano de 2020, no montante global de EUR 259.730,42 (sendo pretendida a anulação do valor de EUR 129.865,21) (doravante designadas, ato impugnado).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 29 de novembro de 2021 e foi automaticamente notificado à Requerida.

 

3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, em 14 de janeiro de 2022, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo os mesmos comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 27 de janeiro de 2022:

     

(i) a Requerida veio aos autos apresentar “Comunicação art. 13 n.º 1”: “Autoridade Tributária e Aduaneira, Requerida no PPA apresentado por A... e Outro, vem, ao abrigo do princípio consagrado na alínea g) do artigo 16.º do RJAT, informar que, por despacho de 25/01/2022 da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, as liquidações objeto do pedido foram revogadas. Nestes termos, a AT entende que se afigura existir inutilidade superveniente da lide, com as devidas consequências legais”;

 

(ii) os Requerentes foram notificados da “Comunicação do art.º 13º RJAT”;

(iii) as partes foram notificadas do despacho seguinte do Presidente do CAAD (proferido na mesma data): “Com referência ao Processo n.º 790/2021-T e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira prevista no artigo 13.o n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), solicita-se a V. Exa. que, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13.º n.o 2 do RJAT, se digne informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento”; e

 

(iv) As partes foram notificadas da designação dos Árbitros, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD;

 

5. Em 10 de fevereiro de 2022, as partes foram notificadas do seguinte despacho do Presidente do CAAD:

“No processo n.º 790/2021-T, a Exma. Dra. Teresa Alves de Sousa, árbitro-adjunto do tribunal arbitral coletivo a constituir neste processo, veio renunciar às funções arbitrais invocando para tanto razões que são de considerar como justificativas. Em tal conformidade, determina-se a substituição, como árbitro-adjunto no presente processo, da Exma. Dra. Teresa Alves de Sousa pela Exma. Prof.a Doutora Nina Aguiar”.

 

6. Em 11 de fevereiro de 2022, os Requerentes vieram informar “Esse Douto Tribunal Arbitral que não se opõem à determinação da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.o, alínea e), do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), com o necessário pagamento pela Administração Tributária de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 61.º, n.º 5, do CPPT, e consequente condenação no pagamento das custas do processo arbitral, nos termos dos artigos 26.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais e 536.º, n.º 3, in fine, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, tudo com as demais consequências legais”.

7. Em 14 de fevereiro, foi junto aos autos um email dos Requerentes com o seguinte teor:

 

8. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 15 de março de 2022.

 

9. Ainda em 15 de março de 2022, o Tribunal Arbitral Coletivo proferiu os seguintes despachos: (i) “Notifica-se a Autoridade máxima do serviço para responder nos termos e para os efeitos do artº 17ºRJAT”, e (ii) “Solicita-se às partes o envio ao tribunal de cópia das peças em word”. Destes despachos foram as partes notificadas na mesma data.

 

10. Em 17 de março de 2022, a Requerida veio aos autos apresentar Resposta sustentando: “Conforme requerimento apresentado pela Requerida no passado dia 27/01/2022, as liquidações objeto dos autos foram revogadas por despacho da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, de 25/01/2022, com todas as consequências legais daí advenientes. E, como tal, deixaram de existir na ordem jurídica. Ademais, na Informação que sustentou o despacho revogatório igualmente se reconheceu o direito dos Requerentes à restituição do valor pago em excesso, bem como o direito aos juros indemnizatórios peticionados. A revogação das liquidações objeto dos autos ocorreu no prazo dos 30 dias consagrado no n.º 1 do artigo 13.o do RJAT”. A Requerida conclui pedindo “a) Deve ser declarada extinta a instância por impossibilidade da lide; e, b) Devem os Requerentes ser condenados nas custas do processo”. A Resposta foi notificada aos Requerentes no mesmo dia.

 

11. Ainda em 17 de março de 2022, foi proferido despacho arbitral no seguinte sentido: “Notifica-se o SP para se pronunciar sobre o alegado e requerido pela AT”, o qual foi notificado aos Requerentes na mesma data.

 

12. Em 1 de abril de 2022, os Requerentes apresentaram requerimento no qual sustentaram o pedido de extinção da instância em virtude da inutilidade superveniente da lide, com a consequente condenação da Requerida no pagamento das custas do processo arbitral (alegando os Requerentes que “Assim, na senda da jurisprudência arbitral citada, conclui-se que, quando a Administração Tributária proceda à revogação de actos objecto de um pedido de pronúncia arbitral após o prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, não tem aplicação o regime aí previsto que obstaria à constituição do Tribunal Arbitral, passando os autos de uma fase procedimental para uma fase processual”). O referido requerimento foi notificado à Requerida na mesma data.

 

13. Em 2 de abril de 2022, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor: “O tribunal considera dispensável a reunião do artº17 RJAT. A decisão será proferida no prazo previsto no artº21 nº 1 RJAT. Notifica-se o SP para pagar a taxa remanescente”, o qual foi notificado às partes no dia 4 de abril de 2022.

 

14. Em 8 de abril de 2022, os Requerentes vieram juntar aos autos a taxa arbitral subsequente.

    

II.            SANEAMENTO

  

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112 A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

    

III.          MATÉRIA DE FACTO

III.1        FACTOS PROVADOS

1.            A 29 de Setembro de 2021, os Requerentes eram comproprietários, em partes iguais, do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., freguesia ..., Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...;

2.            Por escritura pública datada de 29 de Setembro de 2021, os Requerentes venderam o imóvel acima identificado;

3.            Na operação acima descrita, os Requerentes obtiveram ganhos decorrentes da alienação dos direitos reais que detinham sobre o referido imóvel, os quais constituem mais-valias sujeitas a imposto;

4.            Como tal, as referidas mais-valias foram incluídas nos anexos G das declarações Modelo 3 de IRS n.ºs ... e ... entregues pelos Requerentes, na qualidade de não residentes, relativamente ao ano de 2020;

5.            Com efeito, tal como indicado nas referidas declarações, no ano de 2020, os Requerentes eram residentes fiscais nos Estados Unidos da América, com domicílio fiscal nas moradas referidas no início do PPA – o que se formalmente os Requerentes invocam ao abrigo do artigo 75.º, n.º 1, da LGT;

6.            Neste contexto, na sequência das declarações entregues pelos Requerentes, foram emitidas as liquidações de IRS n.ºs 2021 ... e 2021 ..., das quais resultou um valor total de imposto a pagar de EUR 259.730,42, correspondentes à tributação das mais-valias realizadas pelos Requerentes através da alienação do imóvel;

7.            As liquidações acima referidas refletem a tributação pela Administração Tributária da totalidade das mais-valias realizadas pelos Requerentes, na qualidade de não residentes em território português;

8.            As liquidações supra identificadas tinham como data limite para pagamento do imposto o dia 31 de Agosto de 2021;

9.            Não obstante não se conformarem com a legalidade das alegadas dívidas fiscais, de forma a obstar à sua cobrança coerciva, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto, no montante total de EUR 259.730,42, no dia 31 de Julho de 2021.

 

III.2        FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

 

III.3        FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

 

IV.          DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

 

O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito. A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio. Assim, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

 

Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 16/11/2017, no processo n.º 6108/16.3T8VNF-B.G1:

“I- A inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável.

II- Emanação da proibição da prática de actos inúteis que, por sua vez, está relacionada com o princípio da economia processual, a inutilidade superveniente visa obstar a prática de actos absolutamente inúteis, ou seja, sem qualquer utilidade processual”.

 

Nos termos do disposto no artigo 13.º do RJAT: “1 - Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”.

 

No caso concreto, a Requerida foi notificada pelo CAAD da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 29 de novembro de 2021. Em 27 de janeiro de 2022, a Requerida veio aos autos informar que, por despacho de 25/01/2022 da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, as liquidações objeto do pedido em causa nos autos foram revogadas. A Informação elaborada pela Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso (que deu origem ao despacho de revogação) conclui:

 

“Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser aplicada nas liquidações o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 43º do CIRS considerando-se os saldos das mais-valias imobiliárias em apenas 50% do seu valor, restituindo-se o imposto pago a mais, assim como o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios”;

 

E apresenta o seguinte projeto de decisão:

“Por tudo o exposto, propõe-se que sejam revogados os atos de liquidação de IRS vigentes dos aqui requerentes, referentes ao período de tributação do ano de 2020. Para a concretização da decisão deverá ser recolhido um DC em tudo semelhante à declaração vigente no sistema, mas reduzindo os valores de realização, aquisição e as despesas e encargos, constantes do quadro 4 do anexo G, a metade. Ou seja, deverá ser recolhido um DC, para cada requerente, com os seguintes valores: - Valor de Realização = 675,000,00€; - Valor de Aquisição = 337.500,00€; - Despesas e encargos = 22.950,00€. Deve remeter-se esta informação à DSCJC,”.

 

Notificados para o efeito, os Requerentes vieram informar os autos que “não se opõem à determinação da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), com o necessário pagamento pela Administração Tributária de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 61.º, n.º 5, do CPPT, e consequente condenação no pagamento das custas do processo arbitral, nos termos dos artigos 26.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais e 536.º, n.º 3, in fine, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, tudo com as demais consequências legais”.

 

Conclui-se do exposto que a Requerida satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que os Requerentes formularam nestes autos, e nessa medida, os resultados que os Requerentes visavam com o presente processo arbitral encontram-se integralmente atingidos. Assim sendo, não oferece dúvida que a decisão arbitral que, normalmente seria proferida, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação. Termos em que, com as devidas adaptações, se julga verificada a inutilidade superveniente da lide.

 

No que respeita à responsabilidade por custas, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (excetuados os casos previstos nos números anteriores da mesma norma), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do Autor ou Requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao Réu ou Requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas; o n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao Réu ou Requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do Autor ou Requerente.

 

Vide neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Agosto de 2014, proferido no processo nº 0828/14:

“I - Se na pendência de reclamação da decisão do Director-Geral dos Impostos veio a ser revogado o acto reclamado, tal significa que o recorrente obteve a satisfação da sua pretensão por a autoridade tributária ter revogado o acto, ainda que sem ter decidido que lhe assistia razão.

II - Verifica-se, nesse caso a inutilidade da lide é superveniente na medida em que, instaurada esta, veio a ficar sem objecto por aquilo que a recorrente pretendia obter com a reclamação ter sido atingido pela revogação do acto sob reclamação.

III - A responsabilidade pela totalidade das custas, neste caso, fica a cargo do requerido por a inutilidade lhe ser imputável, face ao disposto no artº 536.º (art.º 450.º CPC 1961) do actual Código de Processo Civil, nos seus nºs 3 e 4”.

 

No caso em apreço, como ficou demonstrado, a pretensão dos Requerentes foi satisfeita voluntariamente pela Requerida por esta ter revogado o ato tributário (e determinado o pagamento de juros indemnizatórios), dando assim plena satisfação à pretensão dos Requerentes — o que nos termos do disposto no artigo 536.º n.º 3 e n.º 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, basta para que este Tribunal determine que a inutilidade superveniente da lide é efetivamente imputável à Requerida, sendo a mesma a responsável pelo pagamento da totalidade das custas do processo.

 

Sem conceder, acresce ao exposto, que como ficou igualmente demonstrado nos autos, a Requerida procedeu à aludida revogação do ato muito depois de ter decorrido o prazo de 30 dias (a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral) previsto no artigo 13.º n.º 1 do RJAT — a Requerida foi notificada do pedido de constituição do Tribunal Arbitral em 29 de novembro de 2021, e veio juntar aos autos o despacho de revogação em 27 de janeiro de 2022 (ou seja, quase três meses depois).

 

Nos termos da parte final do artigo 13.º n.º 1 do RJAT, decorrido o prazo de 30 dias sem que a Requerida tenha revogado o ato tributário, o procedimento seguiu termos com a consequente: (i) nomeação de árbitros (em 14 de janeiro de 2022); (ii) notificação às partes dos Árbitros designados (em 27 de janeiro de 2022); e (iii) constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (em 15  de março de 2022). Assim, o prosseguimento do processo (rectius, do procedimento arbitral) só pode ser imputável à Requerida — o que determina que as custas deste processo, também com este fundamento, devem ser totalmente imputadas à Requerida.

 

V.           DECISÃO

 

Termos em que, decide este Tribunal:

a)   Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide;

b)   Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 129 865,21.

 

VII.         CUSTAS

 

O montante das custas (a cargo da Requerida) é fixado em EUR 3 060,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

  

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de abril de 2022.

 

OS ÁRBITROS,

 

(DESEMBARGADOR MANUEL LUÍS MACAÍSTA MALHEIROS)

ÁRBITRO PRESIDENTE

 

(ELISABETE FLORA LOURO MARTINS CARDOSO)

RELATORA, ÁRBITRO VOGAL

 

(PROF.ª DOUTORA NINA AGUIAR)

ÁRBITRO VOGAL