Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 286/2021-T
Data da decisão: 2022-05-02  IRS  
Valor do pedido: € 134.525,45
Tema: IRS – Exclusão de tributação de ganhos decorrentes da alienação de imóveis nos temos do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro. Extinção de usufruto por morte do usufrutuário na vigência do CIRS.
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SUMÁRIO

I.             A norma transitória do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, dispõe que os ganhos não sujeitos a Imposto de Mais-Valias (regulado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de junho de 1965) só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor do CIRS (a 1.1.1989).

II.            É jurisprudência assente que esta exclusão de tributação não abrange ganhos decorrentes da alienação de imóveis adquiridos antes de 1.1.1989 sobre os quais incidiu usufruto que se extinguiu já na vigência do CIRS, na parte relativa ao usufruto.

III.          Para efeitos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, é relevante o valor do usufruto à data da sua constituição, tendo em conta a idade do usufrutuário nessa data.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (árbitra presidente), Professor Doutor Rui Duarte Morais e Doutor António de Barros Lima Guerreiro (árbitros adjuntos), que formam o presente Tribunal Arbitral constituído, em 13.10.2021, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1.            A…, com o número de identificação fiscal … (doravante designado por “Sujeito Passivo A”) e B…, com o número de identificação fiscal …, casados entre si e com residência na Avenida António José de Almeida, n.º 44, 2.º Esq., 1000-045 Lisboa (doravante conjuntamente designados por “Requerentes”), vieram, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, al. a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo e apresentar pedido de pronuncia arbitral (“PPA”) em 4.5.2021.

2.            É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou "Requerida").

3.            No PPA, os Requerentes pedem a declaração de ilegalidade, e consequente anulação integral, da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2020 …, de 10.12.2020, referente ao ano de 2016, e correspondentes demonstração de liquidação de juros n.º 2020 … e demonstração de acerto de contas n.º 2020 …, referentes à compensação n.º 2020 …, de 14.12.2020 (doravante conjuntamente designadas por “Liquidação Contestada”), das quais resulta o valor total de €134.525,38 (correspondente à soma de €120.495,35 a título de imposto, e €14.030,03 a título de juros compensatórios).

4.            Os Requerentes pedem, ainda, a condenação da Requerida no reembolso do referido montante de €134.525,38, e no pagamento de juros indemnizatórios vencidos e vincendos sobre o mesmo montante, nos termos do artigo 43.º da LGT, desde a respetiva data de pagamento até ao seu integral reembolso.

5.            Subsidiariamente, os Requerentes pedem a anulação parcial da Liquidação Contestada, na parte em que liquida imposto em excesso, por (i) o usufruto da Mãe do Sujeito Passivo A ter incidido apenas sobre 50% dos imóveis em causa, e (ii) a proporção do usufruto extinto após 1.1.1989 dever ser apurada por referência à idade que a usufrutuária tinha à data da extinção do usufruto (85 anos).

6.            Os Requerentes fundamentam o PPA, em síntese, nos seguintes termos:

(a)          A mais-valia realizada em 2016 pelo Sujeito Passivo A com a venda de imóveis cuja propriedade foi adquirida (por via sucessória) em 30.7.1961 (i.e., na data em que ocorreu a abertura da sucessão por morte, nos termos dos artigos 1317.º, al. b), e 2031.º, do Código Civil) encontra-se integralmente excluída de tributação, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro (“DL 442-A/88”), não obstante sobre 50% de cada um dos mesmos imóveis incidir um direito de usufruto que apenas se veio a extinguir em 26.4.1996 (com o óbito da usufrutuária), ou seja, já na vigência do Código do IRS (“CIRS”);

(b)          A Liquidação Contestada baseia-se num conceito de transmissão e aquisição parcelada do direito de propriedade sobre imóveis, que não só não encontra qualquer respaldo na lei civil ou no CIRS, como é ainda contrária à ratio subjacente à exclusão de tributação de mais-valias prevista no n.º 1 do artigo 5.º do DL 442-A/88;

(c)          Nos termos conjugados dos artigos 1317.º, 1476.º e 1483.º do Código Civil, a extinção do usufruto não tem qualquer efeito translativo ou devolutivo de parte do direito de propriedade sobre a coisa ao nu-proprietário, limitando-se a extinção do usufruto a vincular o usufrutuário a restituir o imóvel ao proprietário, e a valorizar economicamente o direito de propriedade do nu-proprietário;

(d)          Assim, não se pode considerar a extinção do usufruto por morte do usufrutuário como facto aquisitivo do direito de propriedade;

(e)          O direito de propriedade (uno e indivisível) considera-se adquirido, por inteiro, numa única data, não obstante a sua expansão ou compressão consoante se encontre mais ou menos onerado por direitos reais menores (como é o caso do usufruto);

(f)           Nos termos do Código Civil, a aquisição do direito de propriedade por via sucessória considera-se ocorrida na data da abertura da sucessão por morte (cfr. artigos 1317.º, al. b), e 2031.º, do Código Civil);

(g)          O regime civil da extinção do usufruto deverá ser tido em conta na interpretação da lei fiscal, nos termos do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, pelo que se deverá considerar que a extinção do usufruto não tem qualquer efeito transmissivo ou devolutivo para efeitos do CIRS;

(h)          O CIRS não dispõe de qualquer norma de incidência que prescreva a extinção do usufruto como “transmissão” para efeito de determinação de mais-valias sujeitas a este imposto, não remete para qualquer norma de outro imposto para o efeito, nem determina que, para efeitos de IRS, se deve considerar que, numa situação de aquisição da nua-propriedade onerada por usufruto, o titular do direito de propriedade adquire parte do seu direito (de propriedade) com a aquisição da nua propriedade e a parte remanescente com a extinção do usufruto;

(i)           Assim, impõe-se em absoluto a conclusão de que, no caso sub judice, para efeitos de IRS, o Sujeito Passivo A adquiriu o direito de propriedade dos imóveis, de forma una e integral, em 1961, sendo totalmente irrelevante a data em que se extinguiu o usufruto constituído a favor de sua Mãe;

(j)           Não obstante o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (“CIMSISSD”) ficcionar uma “transmissão” com a extinção do usufruto para efeitos do Imposto sobre as Sucessões e Doações (“ISSD”), a extinção do direito de usufruto não tem nenhuma implicação para o titular do direito de propriedade em sede de IRS, na medida em que o CIRS não prevê qualquer fenómeno de aquisição parcelada ou faseada do direito de propriedade quando o mesmo seja onerado e comprimido por um direito real de gozo menor (como seja o usufruto), como também não dispõe de qualquer norma de incidência que prescreva a extinção do usufruto como “transmissão” para efeitos de determinação de mais-valias sujeitas a este imposto (nem remete para qualquer norma de outro imposto para o efeito);

(k)          De facto, em sede de CIRS, a remissão para as regras do ISSD para efeitos de apuramento do valor de aquisição a título gratuito na determinação de mais-valias tributadas em sede de IRS (e.g., para apurar o valor de aquisição do usufruto para o cálculo de mais-valias devidas num caso de transmissão onerosa desse usufruto, expressamente sujeito a tributação na esfera do alienante desse direito, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS), não opera para efeitos de incidência e determinação do facto aquisitivo do direito de propriedade, como parece entender a AT;

(l)           Assim sendo, a ficção contida no artigo 3.º do CIMSISSD (de que inexiste transmissão do direito de propriedade, caso esta seja transmitida em separado do usufruto, sem este acabar) não pode ser estendida ao IRS, por um qualquer fenómeno de integração analógica, expressamente proibida nos termos conjugados dos artigos 8.º e 11.º da LGT;

(m)        O entendimento dos Requerentes é conforme à Informação da Direção de Serviços de IRS 81/92, com despacho concordante do Subdiretor-Geral, de 13.03.1992, na qual a AT esclareceu que, no caso de aquisição do direito de propriedade onerado com usufruto, a data de aquisição relevante para efeitos de apuramento da mais-valia eventualmente sujeita a tributação em sede de IRS é a data de aquisição da nua-propriedade, sendo irrelevante a data da extinção do usufruto por decurso do respetivo prazo ou morte do usufrutuário, já que estes não constituem factos translativos da propriedade;

(n)          Todavia, erradamente (segundo os Requerentes), esta posição foi alterada pela Informação 193/99, na qual se considera que apenas com a extinção do usufruto o nu proprietário adquire parte do seu direito de propriedade, tendo sido também este o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo expresso no Acórdão de 18.1.2012, no âmbito do processo n.º 0291/11;

(o)          Para os Requerentes, neste Acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo teria feito uma incorreta interpretação e aplicação do direito aplicável, ao atribuir, em sede de IRS, relevância tributária à extinção do usufruto quando em nenhum momento a lei prevê qualquer consequência para esse facto na esfera do titular do direito de propriedade;

(p)          Tal interpretação da lei fiscal seria, na opinião dos Requerentes, manifestamente contrária à lei e a princípios basilares que regem a aplicação da lei fiscal, mormente o princípio da legalidade, de interpretação e de proibição de integração analógica de lacunas de normas tributárias abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República, como é o caso das normas de incidência, nos termos conjugados dos artigos 8.º e 11.º, n.ºs 2 e 4, da LGT;

(q)          A Liquidação Contestada é ilegal, por manifesta ausência de norma de incidência que justifique a sujeição a tributação da mesma, e inconstitucional, porque fundada numa interpretação dos artigos 5.º, n.º 1, do DL 442-A/88 e 43.º (atual 45.º), n.º 1, al. b) do CIRS, que viola (i) o princípio da legalidade tributária na sua vertente de tipicidade legal previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e (ii) o princípio da igualdade, na sua vertente da capacidade contributiva, por criar, em sede de IRS e para efeitos da definição do momento da aquisição do direito de propriedade relevante para o artigo 5.º, n.º 1,  do DL 442-A/88, dois momentos aquisitivos distintos nos casos de aquisição gratuita da (nua) propriedade onerada pelo usufruto, quando tais momentos aquisitivos distintos nunca ocorreriam em caso de aquisição onerosa da (nua) propriedade onerada por usufruto;

(r)           Segundo os Requerentes, a interpretação e aplicação das referidas disposições pela AT e pelo Supremo Tribunal Administrativo resulta numa tributação mais gravosa da alienação de imóveis cuja nua propriedade seja adquirida gratuitamente (porque não beneficia da exclusão de tributação do artigo 5.º do DL 442-A/88 quando o usufruto se extingue após 31.12.1988) do que a tributação da alienação de imóveis cuja nua propriedade seja adquirida onerosamente (porque beneficia da exclusão de tributação do artigo 5.º do DL 442-A/88 quando o usufruto se extingue após 31.12.1988), conforme alegado no artigo 397.º do PPA:

“Sob pena de manifesta inconstitucionalidade do artigo 43.º (atual 45.º) do CIRS e do artigo 5.º do DL 442-A/88 quando interpretados no sentido de que o facto de aquisição relevante para o apuramento de uma mais-valia referente à alienação de um imóvel que tenha sido adquirido a título gratuito e onerado por um usufruto seja o da extinção do usufruto e por isso essa mais-valia não beneficie da exclusão de tributação, por manifesta violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP, ao introduzir um tratamento diferenciador entre sujeitos passivos, sem qualquer justificação fáctica ou legal, face a mais-valias referentes à alienação nas mesmas condições de imóveis que tenham sido adquiridos a título oneroso, e que poderiam beneficiar da exclusão de tributação prevista nos termos do artigo 5.º do DL 442-A/88.”;

 

(s)          Subsidiariamente, entendem os Requerentes que a Liquidação Contestada é parcialmente ilegal por a AT ter incorrido em dois lapsos no cálculo da mais-valia alegadamente auferida pelos Requerentes: (1) a AT calculou o valor do usufruto à data em que foi constituído (i.e., tendo em conta a idade da usufrutuária em 1961 – 50 anos) e não à data da morte da usufrutuária (i.e., tendo em conta a idade da usufrutuária em 1996 – 85 anos), como deveria ter feito, e (2) a AT calculou o valor do usufruto sobre a totalidade dos imóveis, quando o usufruto apenas incidiu sobre metade dos mesmos.

7.            Os Requerentes designaram como árbitro o Professor Doutor Rui Duarte Morais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, al. b), e no artigo 11.º n.º 2, do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.

8.            Aquando da apresentação do PPA, os Requerentes juntaram comprovativo do pagamento integral da taxa arbitral, nos termos do artigo 12.º, n.º 3, do RJAT.

9.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 6.5.2021, tendo a Requerida sido notificada da apresentação do mesmo no dia 10.5.2021, e designado como árbitro o Doutor António de Barros Lima Guerreiro, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, al. b), do RJAT, no dia 2.7.2021, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.

10.          Por despacho da Subdiretora-Geral da área dos Impostos sobre o Rendimento, de 30.6.2021 (ou seja, já passado o prazo de 30 dias referido no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT), foi parcialmente revogada a Liquidação Contestada (e reconhecido o correspondente direito a juros indemnizatórios), com fundamento no usufruto apenas ter incidido sobre 50% de cada um dos imóveis em causa.

11.          Este despacho foi comunicado pela Requerida ao Exmo. Presidente do CAAD em 7.7.2021.

12.          Por despacho de 7.7.2021, o Exmo. Presidente do CAAD comunicou a revogação parcial da Liquidação Contestada aos Requerentes.

13.          Em 23.7.2021, vieram os Requerentes informar que mantinham o interesse no prosseguimento do processo arbitral quanto ao ato de liquidação que viesse a ser emitido pela AT na sequência do despacho de revogação parcial da Liquidação Contestada, pronunciando-se pela manutenção do pedido principal (e consequente anulação integral da Liquidação Contestada), bem como do pedido subsidiário referente ao erro de quantificação da mais-valia alegadamente tributável (e consequente anulação parcial da Liquidação Contestada), por a AT ter continuado a considerar a idade da usufrutuária à data da constituição do usufruto (i.e., 50 anos em 1961), e não a idade da mesma à data da extinção do usufruto (i.e., 85 anos em 1996).

14.          A árbitra presidente foi designada pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD em 22.9.2021, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos, e não tendo as partes manifestado vontade de recusar esta designação.

15.          O presente Tribunal Arbitral foi constituído a 13.10.2021, em conformidade com o preceituado na al. c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT.

16.          Por despacho arbitral de 14.10.2021, foi a Requerida notificada para apresentar Resposta, requerer prova adicional, e remeter o processo administrativo no prazo de 30 dias.

17.          A Requerida apresentou a sua Resposta e remeteu o processo administrativo em 16.11.2021, tendo-se defendido por impugnação, em resumo, nos seguintes termos:

(a)          Conforme previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, os ganhos que não se encontravam sujeitos a imposto na vigência do Código do Imposto de Mais-Valias, só passaram a ser sujeitos a IRS, caso a aquisição dos bens cuja alienação lhes deu origem, tenha ocorrido em momento posterior à entrada em vigor do CIRS (1.1.1989), relevando para este efeito o momento da aquisição e o da transmissão;

(b)          Citando jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e de tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, a Requerida defendeu que a consolidação da propriedade plena é, para efeitos fiscais, na parte relativa à extinção do usufruto, uma transmissão, um “momento aquisitivo” tributável;

(c)          Esta solução resulta não de uma interpretação extensiva ou analógica do regime legal previsto no CIMSISSD, mas antes da aplicação de preceitos para os quais o CIRS remete diretamente (e.g., o artigo 43.º do CIRS), estando assim em conformidade com o princípio da legalidade tributária;

(d)          A dita solução também não viola o princípio constitucional da igualdade, tal como defendido pelos Requerentes, na medida em que as situações referidas por estes são distintas e, por isso, têm tratamento distinto ao nível do IRS e dos demais impostos;

(e)          No caso sub judice, a Liquidação Contestada mostra-se em conformidade com a lei, por a propriedade plena se ter consolidado posteriormente à entrada em vigor do CIRS;

(f)           Quanto à alegada ilegalidade no apuramento do valor do usufruto por referência ao seu valor à data da sua constituição, a Requerida remeteu para o decidido no processo arbitral n.º 178/2021-T, e concluiu que ao “valor de aquisição é, pois, aplicável a regra 4ª do art.º 31º do CIMSISSD, em vigor à data dos factos, pelo que, retomando o caso dos autos, e considerando que a usufrutuária tinha 50 anos de idade à data da constituição do usufruto, a percentagem correspondente a essa idade era de 40%.”;

(g)          Nestes termos e com estes fundamentos, concluiu a Requerida o seguinte:

 

 

 

18.          Por despacho de 10.12.2021, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e notificou as partes para apresentarem alegações escritas sucessivas no prazo de 10 dias.

19.          Nenhuma das partes apresentou alegações.

20.          Em 12.4.2022, o Tribunal proferiu despacho, no qual (1) requereu às partes a junção ao processo de elementos relativos (a) ao ato substitutivo da Liquidação Contestada, emitido na sequência da revogação parcial da mesma, e (b) à restituição do imposto e juros compensatórios pagos pelos Requerentes, e ao pagamento de juros indemnizatórios, em cumprimento do despacho de revogação, (2) em cumprimento do princípio do contraditório, deu oportunidade às partes para se pronunciarem sobre o valor do processo, à luz da dita revogação parcial, e (3) prorrogou o prazo contido no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT, por dois meses, com estes fundamentos.

21.          Em resposta a este despacho, os Requerentes apresentaram requerimento no dia 13.4.2022, (1) juntando ao processo (a) a liquidação de IRS de 2016 n.º 2021 …, de 7.12.2021, no valor de €67.398,85 (ora junta ao PPA como documento 23), (b) comprovativo de reembolso do imposto pago em excesso e de juros compensatórios, no montante de €67.126,53 (cfr. cheque de 7.12.2021 ora junto ao PPA como documento 24), (c) comprovativo de pagamento de juros indemnizatórios no montante de €2.823,53 (cfr. cheques de 9.3.2022 e 11.3.2022 ora juntos ao PPA como documento 25), (2) declararam manter o interesse nos presentes autos contra a nova liquidação, e (3) pediram a redução do valor da causa e o reembolso da taxa de arbitragem em excesso, com fundamento no restabelecimento da justiça material no caso concreto.

 

II. SANEAMENTO

22.          O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

23.          As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

24.          O termo do prazo do pagamento voluntário da Liquidação Contestada ocorreu a 20.1.2021 (cfr. documento 1 junto ao PPA), tendo-se iniciado o prazo de 90 dias para dedução do PPA no dia seguinte (cfr. n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT).

25.          Este prazo de 90 dias foi suspenso pelo artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (aditado pelo artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro), que entrou em vigor a 22.1.2021 (cfr. artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro) e produziu efeitos até 6.4.2021 (cfr. artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, que revogou o artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março).

26.          Conclui-se assim que, tendo o PPA sido apresentado a 4.5.2021, o mesmo foi apresentado tempestivamente.

27.          Não foram suscitadas exceções, nem se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

 

 

III. MATÉRIA DE FACTO

§1. Factos provados

28.          Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

(a)          C… (“Pai do Sujeito Passivo A”), outorgou testamento público em 23.10.1934 (cfr. documento 2 junto ao PPA);

(b)          Nos termos deste testamento, o Pai do Sujeito Passivo A outorgou à sua (então futura) mulher (D…, “Mãe do Sujeito Passivo A”) “o usufruto de toda a parte dos seus bens de que por Lei pudesse dispor à hora da sua morte, enquanto a mesma se conservasse no estado de viúva e tenha bom comportamento moral e civil” (cfr. documentos 2, 3 e 6 juntos ao PPA), ou seja, um usufruto sobre 50% dos bens do Pai do Sujeito Passivo (nos termos do artigo 1784.º do Código Civil de 1867, na redação à data da abertura da sucessão do Pai do Sujeito Passivo A - 30.5.1961);

(c)          Na constância do casamento (em regime da separação de bens) nasceram o Sujeito Passivo A e E… (“Irmã”) em 1941 e 1935, respetivamente (cfr. alegado pelos Requerentes nos artigos nºs. 47.º e 48.º do PPA e não contestado pela Requerida, e documento 6 junto ao PPA);

(d)          O Pai do Sujeito Passivo A faleceu em 30.5.1961, sucedendo na totalidade da sua herança, em partes iguais, os seus dois filhos e herdeiros legais: o Sujeito Passivo A e sua Irmã (cfr. documento 3 junto ao PPA);

(e)          A certidão da escritura pública de habilitação de herdeiros foi outorgada em 6.9.1961 (cfr. documento 3 junto ao PPA);

(f)           Desde a data da abertura da sucessão, em 30.5.1961, até à partilha da herança em 23.9.2004, a herança permaneceu indivisa, sendo o Sujeito Passivo A e a sua Irmã titulares de um quinhão hereditário (cada quinhão correspondendo a 50% da herança de seu Pai) (cfr. alegado pelos Requerentes no artigo 52.º do PPA e não contestado pela Requerida);

(g)          O direito de usufruto da Mãe do Sujeito Passivo A incidiu sobre 50% do quinhão hereditário do Sujeito Passivo A e de sua Irmã, desde a data da abertura da sucessão (em 30.5.1961) até ao óbito da Mãe do Sujeito Passivo A (em 26.4.1996) (cfr. alegado pelos Requerentes nos artigos 52.º e 140.º do PPA e não contestado pela Requerida);

(h)          A Mãe do Sujeito Passivo A nasceu em 21.10.1910 e faleceu em 26.4.1996 (cfr. alegado pelos Requerentes nos artigos 140.º e 437.º do PPA e não contestado pela Requerida);

(i)           Por escritura pública de partilha da herança do Pai do Sujeito Passivo A, de 23.9.2004, foram adjudicados ao Sujeito Passivo A os seguintes (sete) imóveis (“Imóveis”):

 

(cfr. documento 6 junto ao PPA);

(j)           Em 30.12.2016, o Sujeito Passivo A transmitiu a propriedade sobre os Imóveis para a sociedade F… (NIF …), de que era administrador único (cfr. documento 7 junto ao PPA);

(k)          Na Declaração modelo 3 de IRS do ano de 2016, apresentada a 31.5.2017, os Requerentes incluíram os Imóveis no Quadro 5 do Anexo G1 (relativo a imóveis excluídos ou isentos da tributação):

 

(cfr. documento 8 junto ao PPA);

(l)           Esta Declaração de IRS originou a liquidação nº 2017 …, do montante de €9.195,30 (cfr. documento 9 junto ao PPA);

(m)        Pela Ordem de Serviço 0I2019…, de 22.9.2019, a AT abriu procedimento inspetivo relativamente ao IRS de 2016 dos Requerentes (cfr. documento 10 junto ao PPA);

(n)          Em junho de 2020, os Requerentes foram notificados do Projeto de Relatório de Inspeção, no qual se pode ler que (i) no entendimento da AT, há tributação de mais-valias sobre os Imóveis por o usufruto se ter extinguido após a entrada em vigor do IRS, e que (ii) o valor de aquisição a considerar teria em conta a idade da mãe do Sujeito Passivo A à data do óbito do Pai do Sujeito Passivo A, em 1961, quando foi constituído o usufruto (cfr. documentos 10 e 12 juntos ao PPA);

(o)          Os Requerentes exerceram o direito de audição, tendo sido notificados em setembro de 2020 do Relatório Final de Inspeção, no qual a AT manteve a sua posição, e na sequência do qual foi emitida liquidação adicional de IRS (cfr. documentos 13, 14, e 15 juntos ao PPA);

(p)          Após várias correções a esta liquidação de IRS por parte da AT, por erro no cálculo das mais-valias e nas correções à matéria coletável (que não relevam para a decisão da presente causa), os Requerentes procederam ao pagamento de €125.330,15 a 16.11.2020, e na sequência da notificação da Liquidação Contestada, de 10.12.2020, ao pagamento de €14.006,47 a 4.1.2021 (cfr. documentos 16 e 22 juntos ao PPA);

(q)          A Liquidação Contestada, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 20.1.2021, inclui o montante de IRS adicional e juros compensatórios de €134.525,38 (cfr. documento 1 junto ao PPA);

(r)           A 4.5.2021, os Requerentes apresentaram o presente PPA junto da secretaria do CAAD;

(s)          A 2.7.2021, a Requerida informou o CAAD do despacho da Subdiretora-geral da área dos Impostos sobre o Rendimento de 30.6.2021, que determinou a revogação parcial da Liquidação Contestada, por o valor do usufruto a considerar para efeitos de IRS ser apenas 50% do valor de cada um dos Imóveis (e não a totalidade do valor dos Imóveis) (cfr. documento junto ao processo pela Requerida a 2.7.2021);

(t)           Em 23.7.2021, os Requerentes declararam manter o interesse no prosseguimento do processo arbitral quanto ao ato de liquidação que viesse a ser emitido pela AT na sequência do despacho de revogação parcial da Liquidação Contestada, pronunciando-se pela manutenção do pedido principal, bem como do pedido subsidiário referente ao erro de quantificação da mais-valia alegadamente tributável, por a AT manter que, para efeitos de quantificação da mesma, deverá ser considerada a idade da usufrutuária à data da constituição do usufruto (i.e., 50 anos em 1961), e não a idade da usufrutuária à data da extinção do usufruto (i.e., 85 anos em 1996) (cfr. requerimento apresentado pelos Requerentes e junto ao processo a 23.7.2021);

(u)          Na sequência da revogação parcial da Liquidação Contestada referida supra, foi emitida a liquidação de IRS de 2016 n.º 2021 …, de 7.12.2021, no valor de €67.398,85 (cfr. documento 23 junto ao PPA), reembolsados imposto e juros compensatórios no montante de €67.126,53 (cfr. cheque de 7.12.2021 junto ao PPA como documento 24), e pagos aos Requerentes juros indemnizatórios no montante de €2.823,53 (cfr. cheques de 9.3.2022 e 11.3.2022 juntos ao PPA como documento 25).

 

§2. Factos não provados

29.          Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

 

§3. Fundamentação da matéria de facto

30.          Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

31.          Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

32.          Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, al. e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

33.          Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, e dos factos alegados pelas partes que não foram contestados, e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

IV.          MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questões decidendas

34.          Tendo em consideração a posição das partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

(A)         Se os ganhos realizados em 2016 pelo Sujeito Passivo A com a venda dos Imóveis, cuja nua propriedade foi adquirida em 1961 (antes da entrada em vigor do CIRS) e cuja consolidação da plena propriedade ocorreu, por extinção do usufruto que onerava os mesmos, em 1996 (já na vigência do CIRS), se encontram excluídos de tributação em sede de IRS, na parte relativa ao usufruto, por aplicação do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88;

(B)          Subsidiariamente, no caso de o Tribunal considerar que tais ganhos estão sujeitos a tributação: se valor de aquisição dos Imóveis a considerar para efeitos de cálculo dos ganhos sujeitos a IRS deverá ser determinado tendo em consideração o valor do usufruto à data em que o mesmo foi constituído (i.e., com base na idade que a usufrutuária tinha em 1961 – 50 anos), ou à data do óbito da usufrutuária (i.e., com base na idade que a usufrutuária tinha em 1996 – 85 anos).

35.          Dada a revogação parcial da Liquidação Contestada pela AT, o Tribunal pronunciar-se-á também sobre o valor do processo.

§2. Exclusão de tributação, nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de ganhos decorrentes da venda de imóveis cuja nua propriedade foi adquirida entrada em vigor do CIRS e cuja consolidação da plena propriedade ocorreu, por extinção do usufruto, já na vigência do CIRS, na parte relativa ao usufruto

36.          Com a entrada em vigor do CIRS em 1.1.1989, a al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo ampliou a tributação dos ganhos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, sem prejuízo, no entanto, do direito transitório aplicável.

37.          A este respeito, o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88 dispõe o seguinte:

“1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código.”

 

38.          Ao criar uma exclusão de tributação para os rendimentos da categoria G (mais-valias) auferidos em virtude da alienação de bens ou direitos que não eram tributadas pelo anterior Código do Imposto de Mais-Valias (regulado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de junho de 1965), o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 442-A/88 limitou o princípio da aplicação imediata da nova lei fiscal, em conformidade com o clássico princípio da irretroatividade em matéria tributária.

39.          Os Requerentes e a Requerida contendem sobre a aplicação desta exclusão de tributação aos ganhos decorrentes da alienação dos Imóveis, que foram adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS (em 1961) e alienados já na sua vigência (em 2016), sobre os quais incidiu um direito de usufruto que se constituiu antes da entrada em vigor do CIRS (em 1961) e se extinguiu já na sua vigência (em 1996).

40.          No cerne desta contenda está a determinação do momento em que o Sujeito Passivo A adquiriu a propriedade dos Imóveis para efeitos da exclusão de tributação contida no n.º 1 do artigo 5.º do DL nº 442-A/88.

41.          Alegam os Requerentes que a aquisição dos Imóveis ocorreu em 1961, sendo a consolidação da propriedade plena por extinção do usufruto em 1996 irrelevante para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do DL nº 442-A/88.

42.          E, segundo os Requerentes, assim o é porque a extinção do usufruto por óbito da usufrutuária e a consequente consolidação da propriedade plena não constituem um facto tributário, um “momento aquisitivo” relevante para efeitos de IRS, um facto relevante para efeito de sujeição a IRS da mais-valia obtida com a ulterior alienação dos Imóveis.

43.          Adversamente, defende a Requerida que o n.º 1 do artigo 5.º do DL nº 442-A/88 não abrange a percentagem dos ganhos referente ao usufruto que apenas se extinguiu em 1996, na medida em que o Sujeito Passivo A adquiriu a propriedade plena do imóvel por via da extinção do usufruto já na vigência do CIRS.

44.          A este respeito, interessa salientar que, no caso sub judice, o que está em causa é a tributação dos Requerentes, em sede de IRS do ano de 2016, dos ganhos decorrentes da alienação dos Imóveis (adquiridos por via sucessória pelo Sujeito Passivo A), e não a tributação dos ganhos associados a qualquer outro facto tributário, como seja a reunião do usufruto com a nua propriedade ocorrida em 1996.

45.          Interessa assim atentar ao disposto nas seguintes disposições, na redação em vigor à data da alienação do Imóveis (2016):

Artigo 10.º do CIRS

(Mais-valias)

 

“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

 

a)            Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)

 

4 -O ganho sujeito a IRS é constituído:

 

a)            Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (...)”

 

Artigo 45.º do CIRS

(Valor de aquisição a título gratuito)

 

“1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

 

a)            O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;

 

b)           O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.”

 

Artigo 13.ºdo Código do Imposto do Selo

(Valor tributável dos bens imóveis)

 

“4 - Na determinação dos valores patrimoniais tributários de bens imóveis ou de figuras parcelares do direito de propriedade, observam-se as regras previstas no CIMT para as transmissões onerosas.”

 

Artigo 13.º do Código do IMT

(Regras Especiais)

 

“São ainda aplicáveis à determinação do valor tributável do IMT, as regras constantes das alíneas seguintes:

 

a)            O valor da propriedade, separada do usufruto, uso ou habitação vitalícios, obtém-se deduzindo ao valor da propriedade plena as seguintes percentagens, de harmonia com a idade da pessoa de cuja vida dependa a duração daqueles direitos (...):

 

46.          Interessa ainda considerar os seguintes artigos do CISISSD (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 969, de 24.11.1958), na redação em vigor em 1961:

Artigo 3.º do CISISSD

“O imposto sobre as sucessões e doações incide sobre as transmissões a título gratuito de bens mobiliários e imobiliários.

§1. Só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efectiva dos bens; e, assim, não se verificará a transmissão (...) nas sucessões ou doações de propriedade separada do usufruto, sem este acabar ou sem a propriedade ser alienada”

 

Artigo 21.º do CISISSD

“Quando a propriedade for transmitida separadamente do usufruto, o imposto será liquidado pelo valor que os bens tiverem na altura em que o adquirente efectuar a consolidação da propriedade com o usufruto (...)”

 

Artigo 31.º do CISISSD

“4ª: O valor da propriedade, separada do usufruto, uso ou habitação vitalícios, obter-se-á deduzindo ao valor da propriedade plena as seguintes percentagens, de harmonia com a idade da pessoa de cuja vida dependa a duração daqueles direitos (...):

 

(...)

 

5ª: O valor actual do usufruto obter-se-á descontando ao valor da propriedade plena o valor da propriedade calculado nos termos da regra antecedente (...).”

 

47.          Da leitura destes artigos resulta que, tanto para efeitos de IRS (em 2016), como para efeitos de ISSD (em 1961), a distinção entre nua propriedade e propriedade plena é relevante e tem implicações fiscais.

48.          Relativamente à questão de saber se, tendo a aquisição dos Imóveis ocorrido antes da entrada em vigor do CIRS e a extinção do usufruto ocorrido posteriormente (por morte da usufrutuária), os ganhos obtidos com a transmissão dos Imóveis beneficiam da exclusão da tributação prevista no n.º 1 do artigo 5.º do DL nº 442-A/88, na percentagem relativa ao valor do usufruto, cumpre salientar que os tribunais judiciais e arbitrais já se pronunciaram sobre a mesma em circunstâncias em todo semelhantes à do caso em apreço, tendo desenvolvido uma jurisprudência consistente na matéria.

49.          Por Acórdão de 18.1.2012, no processo n.º 0201/11, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu nos seguintes termos:

“relativamente a este terço do imóvel, não pode o mesmo considerar-se adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, pela simples razão de que a propriedade plena só se consolidou com a extinção do usufruto da falecida B……, cujo óbito ocorreu em 04.03.1990. (...)

 

E, deste modo, a transmissão fiscal pode, assim, coincidir, ou não, com a transmissão civil dos bens, só aquela relevando, porém, para efeitos de tributação.

 

No caso dos autos, como se referiu, tendo havido aquisição da nua propriedade em 1975, só em 1990, com o falecimento da usufrutuária B…… se consolidou a propriedade plena da impugnante (e outros herdeiros) quanto a um terço do respectivo prédio.

 

E, ao contrário do alegado pelos recorrentes, chega-se a esta solução, não por interpretação extensiva ou analógica de preceitos, mas antes por aplicação de preceitos para os quais o CIRS remete directamente (v. o artº 43º acima transcrito).”

 

50.          O mesmo entendimento foi expresso pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 25.09.2013, proferido no processo n.º 0369/13:

“apesar de adquirida parte da nua propriedade do imóvel anteriormente à entrada em vigor do CIRS, há lugar a tributação de mais-valias (no caso da venda do bem na vigência do CIRS) se o usufruto se extinguiu após esta entrada em vigor, tendo-se consolidado a propriedade plena em 1997.”

“(...) aos recorrentes foi doado o usufruto dos imóveis por escritura pública de 13.06.1984, portanto, antes da entrada em vigor do CIRS.

 

Porém, só em 08.06.1997, com a adjudicação do usufruto aos recorrentes, se consolidou a propriedade dos imóveis (...).

 

Deste modo, não se pode concluir que a venda dos bens efetuada em 01.07.1998 se reporta a bens adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS, ou, por outras palavras, esta transmissão não se enquadra no regime transitório previsto no artº 5º do DL nº 442-A/88, de 30 de novembro.”

 

51.          Mas recentemente, veio o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido no processo n.º 01260/11.7BEPRT, de 10.11.2021, novamente subscrever o mesmo entendimento:

“a transmissão fiscal pode, assim, coincidir, ou não, com a transmissão civil dos bens, só aquela relevando, porém, para efeitos de tributação.

 

Ora, in casu a AT restringiu a tributação aos ganhos resultantes da transmissão na parte relativa ao usufruto, com fundamento em que a aquisição deste direito real menor se verificou já na vigência do CIRS, discriminando a transmissão da nua propriedade da transmissão do usufruto apenas ocorrida com a renúncia dos doadores.

 

Tal actuação está plenamente conforme o prescrito na alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS do CIRS ao determinar que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, sendo irrefutável que o direito do usufruto, como direito real menor, só ingressou na esfera jurídica do impugnante após a entrada em vigor do CIRS.”

 

52.          Também numa Decisão Arbitral recente, de 3.11.2021, no processo n.º 178/2021-T, veio o Tribunal adotar o mesmo entendimento:

“A consolidação da plena propriedade por efeito da reunião do usufruto e da nua propriedade tem um efeito jurídico relevante que se reflecte no plano fiscal, constituindo um incremento patrimonial que, ainda que obtido a título gratuito, integra o valor de aquisição, quando haja lugar ao apuramento de mais-valias por efeito da ulterior alienação do imóvel. E, tendo o facto tributário ocorrido já na vigência do Código de IRS, não está abrangido pela exclusão de tributação estabelecida na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.

 

(...) a questão essencial, em qualquer dos casos, radica na relevância fiscal da extinção do usufruto e da consequente valorização patrimonial obtida pelo titular da nua propriedade que se encontrava onerado com o usufruto.”

 

53.          Da jurisprudência referida supra, que o presente Tribunal Arbitral acompanha integralmente, resulta claramente que, tendo a consolidação da plena propriedade por efeito da reunião do usufruto e da nua propriedade ocorrido já na vigência do CIRS, a percentagem dos ganhos decorrentes da alienação de imóveis adquiridos antes de 1.1.1989 que correspondem ao direito de usufruto não estão abrangidos pela exclusão de tributação do n.º 1 do artigo 5.º do DL nº 442-A/88.

54.          Ao contrário do que alegam os Requerentes, não está em causa uma aquisição parcelada do direito de propriedade (ou considerar que o usufrutuário transmite parte do direito de propriedade para o nu proprietário), mas a consolidação da propriedade plena por efeito da extinção do direito de usufruto (i.e., de um direito de terceiro(s) de gozar temporariamente e plenamente da coisa ou direito onerada pelo usufruto, nos termos do artigo 1439.º do Código Civil, que impede o proprietário de usar e fruir da coisa de modo pleno e exclusivo, nos termos do artigo 1305.º do Código Civil).

55.          Ao contrário do que alegam os Requerentes, o CIRS atribuí relevância fiscal à extinção do usufruto e consequente consolidação da propriedade plena quando estabelece que o ganho decorrente da alienação de imóveis sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de aquisição e o valor de realização (cfr. artigo 10.º, n.º 4, al. a), do CIRS) e, para efeitos de determinar o valor de aquisição no caso de bens e direitos adquiridos a título gratuito, remete (pelo artigo 45.º) diretamente para o Código do Imposto de Selo (artigo 13.º) e indiretamente para o Código do IMT (artigo 13.º), nos termos dos quais é relevante a distinção entre nua propriedade onerada por usufruto e plena propriedade.

56.          Ora, sendo a distinção entre nua propriedade e plena propriedade relevante em sede de IRS, (por remissão nos termos supra referidos), afigura-se que seria ilógico não considerar a mesma distinção como relevante para efeitos da exclusão de IRS contida no Decreto-Lei que aprovou este imposto (artigo 5.º, n.º 1, do DL nº 442-A/88).

57.          Acresce que também no âmbito do agora revogado CIMSISSD era relevante a distinção entre nua propriedade (cuja aquisição pelo nu proprietário era isenta de ISSD nos termos do artigo 3.º, n.º 1) e plena propriedade (cuja aquisição era sujeita a ISSD, nos temos do mesmo artigo), assim como era relevante a consolidação da propriedade plena por extinção de usufruto (momento em que a propriedade se dava como “transmitida” e que desencadeava a imposição do imposto, nos termos do mesmo preceito).

58.          Regressando ao caso em análise: o Sujeito Passivo A adquiriu a propriedade plena sobre parte dos Imóveis e a nua propriedade sobre outra parte dos Imóveis em 1961, tendo esta nua propriedade se consolidado em propriedade plena em 1996 (por extinção do usufruto), já na vigência do CIRS.

59.          Para efeitos de aplicação do n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 aos ganhos decorrentes da alienação dos Imóveis em 2016, na parte relativa ao usufruto, o valor de realização é decomposto e imputado a cada um dos direitos reais (nua propriedade e usufruto), segundo as respetivas quotas-partes obtidas através de uma regra de proporção, tendo como ponto de partida o valor de aquisição dos Imóveis.

60.          Não se trata de uma qualquer aquisição parcelada do direito de propriedade, mas de distinguir entre (i) a percentagem dos ganhos correspondente à nua propriedade (que, no caso sub judice, beneficia da exclusão de tributação por ter sido adquirida antes de 1.1.1989), e (ii) a percentagem dos ganhos correspondente ao direito de usufruto (que, no caso sub judice, não beneficia da mesma exclusão de tributação visto que a extinção do usufruto ocorreu após 1.1.1989).

61.          A percentagem dos ganhos decorrentes da alienação dos Imóveis em 2016 que corresponde ao usufruto extinto em 1996 é efetivamente tributável, com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

62.          Tal como referido pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 18.1.2012 supra citado, esta tributação resulta, não de uma interpretação extensiva ou analógica de normas fiscais, mas da aplicação de normas para as quais o artigo 45.º do CIRS remete diretamente.

63.          Com o mesmo fundamento, entende o presente Tribunal que a interpretação adotada pela AT e pelo Supremo Tribunal Administrativo relativamente ao n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 e ao artigo 45.º do CIRS não ofende os princípios da legalidade e da tipicidade em matéria fiscal, que impõem que a tributação só pode resultar da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstratamente, na lei de imposto (nullum tributum sine lege).

64.          Relativamente à alegada violação do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, pretendem os Requerentes comparar, para efeitos da exclusão de tributação contida no .º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, a tributação da alienação de imóveis cuja nua propriedade seja adquirida gratuitamente (aquisição esta que não determinou que o proprietário realizasse qualquer contraprestação) com a tributação da alienação de imóveis cuja nua propriedade seja adquirida onerosamente (aquisição mediante à qual o proprietário transferiu bens ou direitos para terceiro).

65.          Ao contrário dos Requerentes, temos que as ditas transmissões não são à partida comparáveis para os efeitos supra referidos, por terem um efeito diverso na capacidade contributiva do alienante (que num caso teve de realizar uma contraprestação e noutro não), e por darem origem a incrementos patrimoniais de montante diferente.

66.          Em consequência, não pode o Tribunal considerar que interpretação adotada pela AT e pelo Supremo Tribunal Administrativo relativamente ao n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 e ao artigo 45.º do CIRS infringe o princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva.

67.          Conclui-se, assim, que improcede o pedido principal dos Requerentes.

 

§3. Determinação do valor de aquisição dos Imóveis a considerar para efeitos de cálculo dos ganhos sujeitos a IRS

68.          Invocam os Requerentes um erro no cálculo dos ganhos tributáveis relativamente ao valor de aquisição aplicável à consolidação da propriedade plena, ocorrida com a extinção do usufruto em 1996, por o valor do usufruto dever ser apurado com referência à data em que o usufruto de extinguiu (i.e., tendo em consideração que a usufrutuária tinha 85 anos em 1996), e não ao momento em que o usufruto se constituiu (i.e., tendo em consideração que a usufrutuária tinha 50 anos em 1961).

69.          Sobre esta questão pronunciou-se o Tribunal Arbitral no processo n.º 178/2021-T, em Decisão de 3.11.2021, nos seguintes termos:

“Tendo em conta todas estas disposições, lidas articuladamente, o que importa reter é que a norma do artigo 13.º, alínea a), do Código do IMT, tal como a precedente norma da regra 4.ª do artigo 31.º do Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, está a referir-se ao valor da propriedade separada do usufruto à data da aquisição originária da nua propriedade, visto que o que se pretende é determinar o valor tributável de IMT relativamente a essa aquisição.

 

Dito de outro modo, a actual disposição do artigo 13.º, alínea a), do Código do IMT, de redacção idêntica à que provinha do Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, tem em vista apurar, para efeito tributação em IMT, o valor de uma propriedade que se encontra onerada com um usufruto, e torna-se aplicável quando se verificar o facto tributário que determina a incidência do imposto, isto é, quando ocorrer uma transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade.

 

Em todo este contexto, é irrelevante a percentagem do valor da propriedade onerada com o usufruto, à data em que o usufruto se extinguiu, pela linear razão de que a tabela definida no artigo 13.º, alínea a), do Código do IMT se aplica às aquisições de nua propriedade, isto é, às aquisições de propriedade de raiz em que o direito de propriedade se encontra comprimido pelo usufruto. Isso é que justifica, por outro lado, que o valor tributável do IMT, na aquisição originária da nua propriedade, seja reduzido em função da idade da pessoa de cuja vida dependa a duração do direito real em causa, e o valor tributável a considerar aumente ou diminua em função da probabilidade de sobrevivência do usufrutuário. Como é bem de ver, as regras de determinação do valor tributável do IMT, que constam da referida disposição do artigo 13.º, alínea a), do Código do IMT, nada têm a ver com a extinção do usufruto, mas antes com a aquisição da propriedade quando esta se encontre onerada pelo usufruto, por ser esse o facto tributário que justifica a incidência do imposto e relativamente ao qual se torna necessário estabelecer regras para determinação do valor tributável.

 

Tendo em consideração que à data da aquisição da nua propriedade, em 1984, o valor do direito real adquirido foi fixado, nos termos da lei, em 50% do valor da propriedade plena, o incremento patrimonial resultante da extinção do usufruto representa os outros 50%, que constituíam a dedução do valor da propriedade plena por efeito da existência do usufruto, e é, por conseguinte, essa valorização patrimonial que tem de ser considerada, para efeito de imposto.”

 

70.          Tal como referido pelo Tribunal Arbitral nesta decisão, para efeitos de aplicação do n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 e do artigo 45.º do CIRS, está em causa determinar a valorização patrimonial ocorrida na esfera do nu proprietário em virtude da extinção do usufruto após 1.1.1989.

71.          No caso sub judice: tendo em consideração que, em 1961, o valor da nua propriedade sobre ½ dos Imóveis foi fixado em 60% de ½ do valor patrimonial dos Imóveis, e o valor do usufruto da Mãe do Sujeito Passivo A (que incidiu sobre 1/2 dos Imóveis) foi fixado em 40% de ½ do valor patrimonial dos Imóveis (cfr. artigo 31.º, 4ª regra, do CISISSD), o incremento patrimonial para o Sujeito Passivo A ocorrido em 1994, por extinção do usufruto, foi de 40% de ½ do valor patrimonial dos Imóveis (i.e., de 20% do valor da propriedade plena dos Imóveis), sendo este o incremento patrimonial sujeito a IRS.

72.          Assim, andou bem a AT quando, à luz do artigo 31.º, 4ª regra, do CIMSISSD, assumiu que (i) o valor do direito de usufruto da Mãe do Sujeito Passivo A em 1961 correspondia a 40% de ½ do VPT do Imóveis, e (ii) o valor da nua propriedade adquirida pelo Sujeito Passivo A em 1961 correspondia a 60% de ½ do VPT do Imóveis.

73.          Temos que as correções indicadas no artigo 48.º da Resposta acima referido se encontram corretas.

74.          Pelo exposto, também o pedido subsidiário mostra-se ser inteiramente improcedente.

 

§4. Valor do processo

75.          Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), quando seja impugnada uma liquidação, o valor da causa corresponde ao da importância cuja anulação se pretende.

76.          Após a receção do PPA pela secretaria do CAAD e já passado o prazo de 30 dias estabelecido no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, mas antes de constituído o presente Tribunal Arbitral, veio a AT proceder à revogação (anulação) parcial da Liquidação Contestada (nos termos referidos supra).

77.          Interessa, assim, determinar se esta revogação parcial influi no valor do processo sub judice.

78.          Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal, como decorre do disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

79.          No contexto de processo arbitral tributário, o facto relevante verifica-se uma vez se mostre recebido na secretaria do CAAD o PPA, conforme o artigo 259.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, cfr. Decisão Arbitral de 22.4.2020, no processo n.º 214/2019-T).

80.          Neste contexto, cumpre notar que o disposto no artigo 299.º, n.º 4, do CPC não é relevante para a questão em análise, tal como referido na Decisão de Arbitral de 27.10.2016, no processo n.º 223/2016-T, na qual o Tribunal Arbitral considerou a relevância da procedência de uma exceção:

“Contudo, a eventual procedência daquela exceção – com a consequente redução quer do universo de atos de liquidação que podem ser objeto deste processo, quer do respetivo valor global em discussão – não terá qualquer incidência no valor da causa, atento o disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC, ou seja, aquele valor permanecerá inalterado face ao atribuído pelos Requerentes no pedido de constituição de tribunal arbitral.

Sendo certo que, sublinhe-se, não tem aqui aplicação o disposto no artigo 299.º, n.º 4, do CPC, o qual dispõe que “nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários”. Efetivamente, os processos a que esta norma faz referência são aqueles em que se formule um pedido genérico, ao abrigo das alíneas a) e b) do artigo 556.º do CPC e que venha a ser objeto de liquidação através do incidente a que se reportam os artigos 358.º a 361.º do CPC.”

 

81.          Do exposto supra, temos que a revogação parcial em causa não influi no valor do processo.

82.          No mesmo sentido, pronunciou-se o Exmo. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (in Guia da Arbitragem Tributária, revisto e atualizado, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 153):

“são irrelevantes as modificações de valor que possam advir da revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada ou de desistência ou redução de pedidos.”

 

83.          Assim sendo, no caso em apreço, fixa-se o valor do processo em €134.525,45, conforme indicado pelos Requerentes no PPA.

84.          Por último, cumpre notar o disposto no artigo 5.º, n.º 2, Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, segundo o qual, em caso de designação de árbitro pelo sujeito passivo, a taxa de arbitragem é integralmente suportada por este.

85.          A taxa de arbitragem fica assim integralmente a cargo dos Requerentes.

 

V. DECISÃO

Termos em que o Tribunal decide pela improcedência do pedido, sem prejuízo dos efeitos da anulação administrativa de parte das liquidações impugnadas.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €134.525,45, conforme o artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT), e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €12.000,00, a cargo dos Requerentes, acordo com a Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Regulamento, e do n.º 3 do artigo 12.º do RJAT.

 

Lisboa, 2 de maio de 2022

 

Os Árbitros,

 

(Rita Correia da Cunha)

(Rui Duarte Morais)

(António de Barros Lima Guerreiro)