Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 368/2021-T
Data da decisão: 2022-04-28  IRC  
Valor do pedido: € 771.712,47
Tema: IRC. Artigo 22.º do EBF. Fundos de investimento não residentes. Liberdade de circulação de capitais.
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SUMÁRIO: Tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia decidido que o artigo 63.° do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação nacional que determina que os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção, mesmo incidindo sobre estes outras formas de tributação, têm os tribunais nacionais de invalidar as liquidações correspondentes.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            No dia 22 de Junho de 2021 o A..., constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo, contribuinte fiscal luxemburguês n.º ... e português n.º ..., com sede na Rue ..., Luxemburgo (Requerente), apresentou no CAAD requerimento de constituição de tribunal arbitral, pretendendo, nos termos do disposto no artigo 95.º da Lei Geral Tributária (LGT), nos artigos 97.º, n.º 1, alínea c), 99.º, alínea a) e 102.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no artigo 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), no artigo 10.º, n.o 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e no artigo 6.º-B, n.º 1, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) por retenção na fonte, ocorridas no período de 2018, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português.

2.            Nomeados os árbitros e não tendo o Requerente, nem a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 31 de Agosto de 2021.

3.            Seguindo-se os normais trâmites, em 6 de Outubro a AT apresentou resposta, juntando o processo administrativo e as conclusões da Advogada-Geral no processo que corria termos no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sob o n.º C-545/19, em resultado da questão de reenvio prejudicial suscitada no processo n.º 93/2019-T do CAAD, sugerindo a suspensão dos presentes autos na pendência desse reenvio – a exemplo do que fizera o Supremo Tribunal Administrativo (STA) quando colocado perante a mesma questão no âmbito do processo n.º 93/19.7BALSB, por via do recurso apresentado no processo n.º 96/2019-T do CAAD.

4.            As questões formuladas ao Tribunal de Justiça no processo 93/2019-T do CAAD, em que estava em causa a retenção na fonte a um Organismo de Investimento Colectivo (OIC), com sede e direcção efectiva na Alemanha, foram as seguintes:

a)            “O artigo 56.º [CE] (atual artigo 63.º TFUE), relativo à livre circulação de capitais, ou o artigo 49.º [CE] (atual artigo 56.º TFUE), relativo à livre prestação de serviços, opõem se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.° do EBF, que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?”

b)           “Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?”

c)            “O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?”

d)           “Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e [OIC] não residentes em Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?”

e)           “Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?”

5.            No dia 14 de Outubro de 2021 foi dado prazo para que o Requerente se pronunciasse, querendo, sobre essa eventual suspensão, o que este veio a fazer, opondo-se a ela.

6.            A 8 de Novembro, por maioria e com voto de vencido, o Tribunal colectivo deliberou suspender a instância até ao dia 5 de Fevereiro de 2022 ou até ser proferida decisão no processo n.º C-545/19, consoante o que ocorresse primeiro.

7.            Em 17 de Março, após conhecimento da decisão proferida nesse dia pelo TJUE, o Tribunal deliberou dispensar a reunião do artigo 18.º e fixar prazo para alegações.

8.            Em 4 de Abril de 2022, o Requerente apresentou alegações actualizando o seu pedido de pronúncia arbitral (PPA) com referências à decisão proferida pelo TJUE.

9.            No dia seguinte, a Requerida apresentou as suas alegações, remetendo para a sua resposta.

 

II.            PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

10.          O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.

11.          As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.

12.          Não foram invocadas excepções que pudessem obstar ao conhecimento do mérito.

 

III.          FACTOS PROVADOS

O Tribunal entende que resultaram provados os seguintes factos:

A.           O Requerente é um Organismo de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários (OICVM), com sede e direcção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVM;

B.            O Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo (CEDT), aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2000 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 29/2000;

C.            Por via dessa CEDT, a taxa aplicada na retenção na fonte foi de 15%, em vez da de 25% prevista no n.º 4 do artigo 87.º e no n.º 4 do artigo 94.º do CIRC.

D.           O mecanismo de crédito de imposto previsto no artigo 24.º da CEDT não tem aplicação no caso, uma vez que a Requerente estava isenta de pagamento do imposto luxemburguês sobre os rendimentos das pessoas colectivas, ao abrigo do artigo 161.º da Lei de 4 de Dezembro de 1967 (Loi modifiée du 4 décembre 1967 concernant l’impôt sur le revenu) e do artigo 173.º da Lei de 17 de Dezembro de 2010, relativa ao regime dos organismos de investimento colectivo, que transpõe para o ordenamento jurídico luxemburguês a Directiva 2009/65/CE (Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif);

E.            O Requerente é administrado pela sociedade B..., entidade também com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo;

F.            Em 2018, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 5.144.749,82, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória à taxa de 15%, nos seguintes termos:

 

G.           As retenções na fonte de IRC em causa foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública pelo C..., pessoa colectiva titular do número de identificação fiscal em Portugal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários;

H.           O Requerente não obteve crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objecto dos presentes autos, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo;

I.             Em 30 de Dezembro de 2019, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa da retenção na fonte de IRC a título definitivo efectuada nos anos de 2017 e de 2018 (neste caso em relação às guias n.os ... (2018-05) e ... (2018-09) solicitando o reembolso do montante de € 1.058.713,82) perfazendo o montante global de reembolso então solicitado € 2.243.749,72;

J.             A AT emitiu projecto de rejeição liminar por intempestividade, referente às guias dos períodos de 2017, e de indeferimento quanto às guias referentes a 2018;

K.            Notificado para o exercício do direito de audição prévia, o Requerente nada disse, pelo que, por despacho de 15 de Dezembro de 2020, o projeto de rejeição e de indeferimento foi convolado em definitivo, o que lhe foi comunicado em 11 de Janeiro de 2021;

L.            Inconformado com a decisão de indeferimento da sua pretensão de recuperar os montantes pagos por retenção na fonte em 2018, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, o Requerente intentou o supra referido PPA.

 

IV. FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos e não foram controvertidos.

 

V. FACTOS NÃO PROVADOS

                Não há factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido provados.

 

VI.          DIREITO

VI.1. Questões suscitadas

A questão essencial que o Tribunal tinha para resolver, ainda que abordada sob diferentes perspectivas, era a da admissibilidade da diferenciação de tratamento, face à lei nacional, dos OICVM residentes e não residentes, na medida em que, por aplicação do regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), só os OICVM constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional são dispensados de retenção na fonte:

“1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

[…]

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou, previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

[…]

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.”

 

A segunda questão suscitada perante o Tribunal Arbitral, directamente decorrente da solução dada à anterior, foi a do pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI.2. Posição do Requerente

O Requerente considerava, basicamente, que a diferenciação de tratamento conferido a OICVM constituídos e a operar segundo a legislação nacional (Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpôs a Directiva 2009/65/CE) e os demais, designadamente os constituídos em outros Estados-membros da UE no quadro de uma mesma Directiva, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, e, portanto, uma violação do disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), cuja aplicação é imposta pelo primado do Direito Comunitário (e pelo artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa - CRP).

Nesse sentido argumentava, em síntese (destaques do original):

a.            Que suportou “a referida tributação em sede de IRC por se tratar de um OICVM não residente em Portugal, não obstante ter sido constituído e operar no Grão-Ducado do Luxemburgo, em condições equivalentes aos OICVM residentes em Portugal, cumprindo as exigências da Directiva 2009/65/CE.”;

b.            Que “estando isento de imposto luxemburguês sobre os rendimentos das pessoas colectivas ao abrigo dos artigos 161.º da Lei de 4 de Dezembro de 1967 – «Loi modifiée du 4 décembre 1967 concernant l’impôt sur le revenu» – e 173.º da Lei de 17 de Dezembro de 2010, relativa ao regime dos organismos de investimento colectivo, que transpõe para o ordenamento jurídico luxemburguês a Directiva 2009/65/CE – «Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif» –, não foi possível ao Requerente neutralizar a tributação dos referidos dividendos em Portugal através do crédito de imposto previsto no artigo 24.º, n.º 2, da CEDT Portugal/Luxemburgo”;

c.            Que “as liberdades fundamentais previstas no TFUE se opõem à aplicação do regime resultante dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, do qual resulta a tributação, por retenção na fonte, dos dividendos pagos por uma sociedade portuguesa a um OICVM constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, residente no Grão-Ducado do Luxemburgo (no caso, o Requerente), na medida em que não existe qualquer tributação sobre os dividendos pagos, nas mesmas condições, a um hipotético OICVM com residência em Portugal, também constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, e colocado quanto ao mais numa situação análoga à do Requerente.”;

d.            Que “o efeito prático do princípio do primado será a não aplicação de Direito interno que seja contrário ao Direito da União Europeia.”;

e.            Que “a situação pela qual um residente de um Estado-Membro recebe dividendos de uma participação no capital social de uma sociedade residente noutro Estado-Membro constitui uma operação intracomunitária que se encontra abrangida pelo TFUE”;

f.             Que “a legislação nacional de um Estado-Membro que determina uma tributação dos dividendos distribuídos a accionistas residentes noutro Estado-Membro é susceptível de bulir, quer com a liberdade de estabelecimento constante do artigo 49.º do TFUE, quer com a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.”;

g.            Que “o Tribunal de Justiça da União Europeia tem considerado que os recebimentos de dividendos, não constituindo, em si mesmos, circulação de capitais, pressupõem a participação em sociedades, a qual constitui uma manifestação inequívoca da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.”;

h.            Que “no caso concreto, tratando-se de participações no capital de sociedades residentes em Portugal inferiores a 50%, as mesmas não asseguram ao Requerente o controlo sobre estas sociedades nos termos do exercício do direito à liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE, pelo que a legislação portuguesa em análise será, como tal, potencialmente violadora da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.”;

i.             Que “no contexto do Direito da União Europeia, a discriminação implica um efectivo tratamento distinto por um Estado-Membro de uma operação ou situação intracomunitária (transnacional), por comparação com uma situação interna (nacional) que partilhe com aquela uma identidade quanto aos seus aspectos essenciais.”;

j.             Que “a situação na qual uma sociedade portuguesa paga dividendos a um OICVM residente em Portugal é comparável à situação que está na origem dos presentes autos, em que esses dividendos foram pagos ao Requerente, na sua qualidade de OICVM accionista de sociedades residentes em Portugal, constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, residente no Grão-Ducado do Luxemburgo.”;

k.            Que a Decisão Arbitral de 23 de Julho de 2019 (Processo n.º 90/2019-T), a Decisão Arbitral de 27 de Dezembro de 2019 (Processo n.º 528/2019-T) e a Decisão Arbitral de 6 de Novembro de 2020 (Processo n.º 11/2020-T) foram em idêntico sentido;

l.             Que “de acordo com as regras e princípios de Direito da União Europeia que prevalecem sobre a legislação nacional, nas situações como a ora em análise, impende sobre o Estado Português a obrigação de, no âmbito do exercício da sua soberania tributária sobre os dividendos auferidos pelo Requerente, tratar os mesmos de modo equiparável aos dividendos auferidos por um OICVM acionista residente em situação análoga – ou seja, de não discriminar entre OICVM accionistas residentes e não residentes.”;

m.          Que “a aplicação do regime previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, se traduziu numa restrição à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que implicou uma tributação por retenção na fonte sobre os dividendos pagos ao Requerente, a qual não ocorreria caso os mesmos tivessem sido pagos a um OICVM residente em Portugal.”;

n.            Que “estando o Requerente isento de tributação em sede de imposto luxemburguês sobre os rendimentos das pessoas colectivas, não poderá reclamar tal crédito de imposto no Estado da sua residência.”;

o.            Que “inexistindo um nexo directo entre a vantagem fiscal os consagrada no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto sobre os OICVM residentes, não poderá a discriminação sub judice ser justificada com a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal português.”

p.            Que “a partir do momento em que o Estado português optou por não tributar em sede de IRC os dividendos pagos a OICVM residentes em Portugal, não poderá justificar a discriminação sub judice com fundamento na salvaguarda da repartição equilibrada do poder de tributação entre Estados-Membros.”;

q.            Que “o Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que nem sequer concede aos OICVM não residentes a possibilidade de comprovarem que cumprem, no seu Estado-Membro de residência, exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa.”

r.             Que “o Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de evitar a fraude e a evasão fiscal ou de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que tal resultaria numa presunção inilidível, e como tal contrária ao princípio da proporcionalidade, do carácter artificioso das operações em causa e do incumprimento por parte do Requerente, no seu Estado de residência, de exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa.”

s.            E finalmente, invocando anterior jurisprudência arbitral, que “é irrelevante para aferir a compatibilidade do regime de tributação de OICVM não residentes o facto de estes eventualmente não serem tributados em sede de Imposto do Selo, nos termos da Verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo, contrariamente ao que sucede com os OICVM residentes”, porque “o facto tributário subjacente à Verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo não é comparável, em termos materiais e temporais, ao facto tributário subjacente à tributação em sede de IRC de dividendos de fonte portuguesa auferidos por OICVM não residentes, não sendo como tal possível justificar que a tributação de OICVM não residentes em sede de IRC se configura como uma contrapartida da respectiva não tributação em sede de Imposto do Selo.”;

t.             Concluía, assim, que “os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP.”, e que “as liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas enfermam do vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em crise e, bem assim, das liquidações por retenção na fonte ora em crise, com a consequente restituição do imposto retido na fonte no montante de EUR 771.712,47, ao abrigo do artigo 100.º da LGT.”

Pedia ainda juros indemnizatórios, nos termos que serão vistos adiante.

Nas suas alegações, o Requerente reiterou as anteriores posições e acrescentou ainda (destaques do original):

a.            Que “os dividendos auferidos por OICVM residentes não são sujeitos a tributação autónoma, mesmo quando as respectivas partes sociais não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.” (uma conclusão que retirou da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 11/2020);

b.            Que “todas as participações sociais das quais advieram os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2018 permaneceram na titularidade do Requerente, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da distribuição dos dividendos ou foram mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.” (ou seja, que essa possibilidade de tributação era irrelevante no caso);

c.            Que se verificavam todas as condições para que a decisão proferida pelo TJUE em reenvio prejudicial no processo n.º 93/2019 fosse plenamente aplicável ao seu caso:

“Tal como o AllianzGI-Fonds AEVN:

i)             O Requerente é um OICVM constituído ao abrigo da Directiva n.º 2009/65/CE, com sede noutro Estado-Membro da União Europeia;

ii)            O Requerente auferiu dividendos de fonte portuguesa sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n. 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC, não tendo beneficiado do regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF;

iii)           O Requerente não logrou obter um crédito de imposto relativo ao imposto suportado em Portugal (…);

iv)           O Requerente contestou a legalidade da referida retenção na fonte perante a Administração Tributária, sustentando que o regime consagrado no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, se traduz numa discriminação e restrição injustificada da livre circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que não seja aplicável a OICVM não residentes em Portugal, ainda que constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE;

v)            Tal como no processo subjacente ao referido reenvio prejudicial em referência, a Administração Tributária fundamentou o acto tributário em crise nos presentes autos sustentando que:

a. O Requerente apenas não pode beneficiar do regime de tributação de dividendos previsto nos artigos 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, na medida em que é um OIC não residente em Portugal;

b. Os OIC não residentes não se encontram numa situação objectivamente comparável aos OICVM residentes em Portugal, na medida em que estes se encontram sujeitos a Imposto do Selo nos termos da Verba 29 da TGIS e à tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 11, do CIRC.”

d.            Concluindo que “as liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas são ilegais, em consequência da violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a anulação das liquidações por retenção na fonte ora em crise, com a consequente restituição do imposto retido na fonte no montante de EUR 771.712,47, ao abrigo do artigo 100.º da LGT.”

 

VI.3. Posição da Requerida

Em contrapartida a Requerida tinha entendido, na sua resposta ao PPA (destaques e sublinhados da AT):

a)            Que “o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.”;

b)           Que “no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português”;

c)            Que raciocinar num quadro reduzido, como se a tributação fosse só a que era dispensada pelo artigo 22.º do EBF, distorcia necessariamente as conclusões, na medida em que haver (ou não) retenção na fonte sobre os dividendos era apenas uma das dimensões da tributação dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC). Como escreveu a AT na sua Resposta, “Para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos no Luxemburgo, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos.”

d)           Assim, por um lado, teria havido uma “opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo.”

e)           Em contrapartida, “foi aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.”, tributação essa que “apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.”;

f)            Acresce que os OIC estão sujeitos “a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC, prevista no n.º 8 do artigo 22.º do EBF, que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º, cuja redação é seguinte:

«São tributados autonomamente, à taxa de 23%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.»”;

g)            Portanto, “os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões – por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano;

h)           Ao passo que “os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente, não está sujeito a tributação autónoma sobre os dividendos.”;

portanto, “os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos no Luxemburgo, não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que, aparentemente, os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos.”;

i)             Ou seja: “para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.”;

j)             “A verdade é que a Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores.”;

k)            Acrescentando que, “sendo os rendimentos do Fundo tributados na esfera dos investidores, por distribuição ou imputação, fica-se sem saber se o direito ao crédito de imposto é transferido para os investidores proporcionalmente aos rendimentos distribuídos ou imputados anualmente,”, o que seria fundamental para cumprir “assim um dos objetivos do regime de transparência fiscal que é o de assegurar a neutralidade na tributação dos rendimentos dos investimentos realizados diretamente pelos investidores ou por intermédio desse tipo de instrumentos financeiros.”

l)             Insistindo a AT que “embora sobre os dividendos pagos por sociedades residentes aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF não exista a obrigação de retenção na fonte (cf., n.º 10 do mesmo artigo), a verdade é que estão sujeitos a uma tributação autónoma, à taxa de 23%, por aplicação conjugada do n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC e do n.º 8 do mesmo artigo 22.º do EBF, exceto se as correspondentes ações forem detidas, de modo ininterrupto, por período igual ou superior a um ano.”;

m)          E que “as ações integram o património dos OIC e, caso os rendimentos provenientes dos dividendos sejam capitalizados*, i.e., reinvestidos pelo Fundo, entram para o cálculo do valor tributável em Imposto do Selo, nos termos definidos no n.º 5 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo.” (*nota suprimida);

n)           E, antes de passar em revista a jurisprudência prévia do TJUE que fora invocada pelo Requerente, de invocar uma decisão favorável do CAAD (a proferida no Proc. 96/2019-T), e de pedir a já referida suspensão do processo na pendência do reenvio determinado pelo STA face ao recurso de tal decisão, concluiu: “Portanto, em lugar de se acentuar a discriminação existente no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados-Membros da UE.”;

o)           Terminou recusando, em consequência, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios.

Como referido no Relatório, nas suas alegações a AT limitou-se a remeter para a sua Resposta.

 

VI.4. Apreciando

No histórico de decisões arbitrais sobre o tema da retenção na fonte de dividendos pagos a OIC não residentes tinha havido decisões favoráveis à posição do Requerente (como a do Processo n.º 90/2019-T) e à da AT (como a do Processo n.º 96/2019-T). Como se referiu, no Processo n.º 93/2019-T foram formuladas, em processo de reenvio para o TJUE, as questões já enunciadas no Relatório, parte das quais só perifericamente assomaram à discussão no quadro do presente processo arbitral (como as implicações da tributação dos detentores de participações em OIC residentes e não residentes – mencionados nos artigos 94.º e 95.º da Resposta da AT –, sendo ainda para mais certo que tais detentores se podem cruzar: ie, pode haver detentores de participações em OIC não-residentes que estão sujeitos à tributação nacional, tal como pode haver detentores de participações em OIC residentes que estão sujeitos à tributação de outros países, e que sobre isso também o TJUE veio a tomar posição).

A última – mas, para os presentes autos, a mais crucial – das questões que o Tribunal singular constituído no CAAD suscitou ao TJUE no âmbito do Processo n.º 93/2019-T foi, como acima indicado, a seguinte:

“Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?”

A resposta que o TJUE deu a tal dúvida, no seu Acórdão de 17 de Fevereiro de 2022, consta dos parágrafos que a seguir se reproduzem:

“53      A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54      Além disso, como salientou a advogada geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek  (C 252/14, EU:C:2016:402).

55      Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56      Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57      Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.”

 

Tendo o TJUE firmado esse entendimento, mesmo após ser confrontado com competente argumentação em contrário por parte da Advogada-Geral, não pode o presente Tribunal, mesmo não sendo o órgão de reenvio, aplicar o Direito nacional nos termos que o TJUE determinou que não pode ser aplicado .

Em consequência, como já outras instâncias de decisão o fizeram antes, tem de concluir que, nas palavras do Acórdão do TJUE no seu Acórdão de 7 de Março de 2022 (Proc. C-545/19),

“O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

                Deve assim considerar-se incompatível com o Direito da União a restrição do regime do artigo 22.º do EBF aos OIC que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. Consequentemente, e por essa razão, são anuladas a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente quanto às liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas por retenção na fonte de 15% dos valores de dividendos distribuídos ao Requerente por empresas nacionais em 2018 – agora certificadamente discriminatórias e contrárias ao Direito da União –, bem como as ditas liquidações.

 

VII.         PEDIDO DE REEMBOLSO E JUROS

 

A Requerente peticionou, como decorrência da invocada ilegalidade (parcial) da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... – ilegalidade que, em resultado da intervenção do TJUE, se verifica comprovada – e da anulação das liquidações de IRC referentes a 2018, “a restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de EUR 771.712,47” – montante a que, nos termos vistos, tem direito.

Peticionou igualmente, a título principal, o pagamento de juros indemnizatórios “desde a data da respectiva retenção até efectivo e integral pagamento” e, a título subsidiário, o pagamento de juros “ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT”.

 O artigo 43.º da LGT prevê que são devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Acontece que, uma vez que não pode a AT pôr em causa as leis que está incumbida de aplicar, no caso dos autos não pode ser imputado aos serviços qualquer erro: a retenção na fonte e o subsequente indeferimento da reclamação conformaram-se estritamente com o Direito que cabia à AT aplicar. Como referido na Resposta da AT, “Não competindo à Autoridade Tributária e Aduaneira avaliar a conformidade das normas internas com as dos tratados da União (nem com as orientações interpretativas do TJUE), não pode, assim, no âmbito da sua atividade, deixar de aplicar uma norma legal com o fundamento na sua desconformidade com os referidos tratados.” Aliás, mesmo alguns Tribunais entenderam que não era claro se o diferente regime de tributação aplicável em Portugal a OIC era, ou não, desconforme com o Direito da União.

Que havia situações em que a estrita obediência à lei originava excessos de tributação foi reconhecido pelo legislador de 2019 (Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro) ao introduzir no n.º 3 do artigo 43.º da LGT a sua nova alínea d), prevendo o pagamento de juros indemnizatórios também “Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.”

Uma vez que, ao contrário das situações anteriormente previstas nas diferentes alíneas desse n.º 3, em que há sempre alguma censura à actuação da AT, no caso da alínea d) a censura só pode ser dirigida ao legislador – como acontece no presente caso, em que a norma legislativa em que se fundou a liquidação da prestação tributária foi julgada desconforme com Direito de hierarquia superior – compreende-se que só a partir do trânsito em julgado das decisões aí referidas estejam a cargo da AT os juros indemnizatórios, sem prejuízo dos mecanismos próprios disponíveis na ordem jurídica para a responsabilização do legislador.

 

VIII.       DECISÃO

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

a) Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

b) Julgar ilegais a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... e as liquidações de IRC referentes a 2018, condenando a AT à restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de EUR 771.712,47; e

c) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios desde a data de trânsito da presente decisão;

d) Condenar a Requerida nas custas, nos termos infra.

 

IX.          VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €771.712,47 (setecentos e setenta e um mil, setecentos e doze euros e quarenta e sete cêntimos), valor atribuído pela Requerente e não impugnado pela AT, correspondente à soma dos valores indevidamente retidos na fonte à Requerente em 2018.

 

X.            CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 11.016,00 (onze mil e dezasseis euros), nos termos da Tabela I do Regime de Custas nos Processos Arbitrais Tributários, dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Lisboa, 28 de Abril de 2022

 

O Árbitro presidente e relator

Victor Calvete

(com declaração de voto)

 

O Árbitro Adjunto

Gustavo Gramaxo Rozeira

(com declaração de voto)

 

A Árbitro Adjunta

Maria Antónia Torres

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam.

 

 

 

 

Declaração de voto do árbitro Victor Calvete

Achei meu dever deixar registado – até pela iniciativa de propor a suspensão da instância após ter sido conhecida a tomada de posição da Advogada-Geral no processo de reenvio – que a solução que defendi como relator e que fez vencimento não é a solução que me parece juridicamente mais adequada. Acontece que a aplicação do Direito não é apenas a ponderação da racionalidade dos argumentos – aliás raramente de sentido único; é também a deferência à hierarquia das decisões – mesmo quando a pretexto da igualação de uma circunstância se agrava a desigualdade de todas, como resulta da aplicação interna do que o TJUE disse como Direito.

Não posso, assim, deixar de lembrar que o nosso Tribunal Constitucional, lidando abundantemente com o princípio da igualdade, recusou sempre comparações entre segmentos de regimes – como se pode ler, por exemplo, neste trecho do Acórdão n.º 319/2000:

“Como o Tribunal Constitucional teve já ocasião de afirmar, nomeadamente no seu acórdão nº 287/2000, ainda não publicado, “não é aceitável (...) isolar um ponto do regime global para fazer a comparação.” E, citando o  acórdão nº 683/99, publicado no Diário da República, II Série, de, 3 de Fevereiro de 2000: “(...) Como se salientou recentemente no Acórdão nº 555/99 (e, em sentido semelhante, ainda mais recentemente, no Acórdão nº 663/99, ambos inéditos), em relação à comparação de pontos parciais do estatuto ou do regime jurídico da relação de emprego público (no caso, de funcionários civis e militares), ‘o carácter tendencialmente fechado e totalizante do quadro normativo que definiu o estatuto [...] levanta um decisivo obstáculo a que  se considere exigível e decorrente da observância do princípio da igualdade a ‘extensão’ de um determinado direito [...].’ Note-se que os acórdãos nºs 555/99 e 663/99 foram, entretanto, publicados no Diário da República, II Série, de 15 de Março de 2000 e de 24 de Fevereiro de 2000, respectivamente.

A mesma advertência se pode encontrar, nomeadamente, no acórdão nº 367/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Março de 2000): ‘(...) a igualdade é sempre um conceito de relação (cf. o parecer da Comissão Constitucional nº 5/81, Pareceres da Comissão Constitucional, 14º vol., pp. 309 e segs., e o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 44/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º vol., pp. 133 e segs.) e o de que a igualdade é um conceito predominantemente valorativo. Por outras palavras, aferir da igualdade/ /desigualdade entre duas situações não passa penas pela sua consideração isolada, antes é, sobretudo, um trabalho de ponderação dos valores que estão subjacentes à disciplina legal de cada uma delas e da sua harmonização.’

E, no acórdão nº 663/99, atrás citado, tirado a propósito da constitucionalidade da diferença de tratamento estabelecida entre trabalhadoras da função pública e trabalhadoras vinculadas por contrato individual de trabalho no que toca à licença de maternidade, disse-se: ‘Pretender fazer valer uma igualdade formal em matéria de uma regalia específica ou norma específica, desconsiderando todo o universo de diferenças que a justifica, bem como o sentido da própria regulamentação globalmente considerada que a impõe (diverso, como se disse, perante relações de direito privado e no domínio público), seria desconsiderar o próprio sentido do princípio da igualdade, que exige o tratamento diferenciado do que é diferenciado tanto quanto exige o tratamento igual do que é igual. Sendo certo, aliás, que a igualação de uma circunstância pode, no conjunto, agravar a desigualdade – basta que tal igualização se faça a favor da parte mais favorecida em todas as outras circunstâncias, menos naquela.’””

Aliás, o próprio Tribunal de Justiça também já o afirmou (vg, no n.º 25 do Acórdão de 16 de Dezembro de 2008 [EU:C:2008:728]: “A violação do princípio da igualdade de tratamento através de um tratamento diferenciado pressupõe que as situações em causa sejam comparáveis no que respeita a todos os elementos que as caracterizam.” - destaque aditado).

Ainda que me parecesse, em conformidade, que o método de comparação de regimes com base na autonomização ad hoc de alguns dos seus traços específicos é eminentemente falacioso (no caso concreto porque a solução imposta passa a colocar os OIC não residentes numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa ); e embora também me parecesse que, para efeitos de garantia da livre circulação de capitais, releva menos saber se um imposto incide sobre o património ou sobre o rendimento do que saber se há equivalência económica entre eles , o facto é que, reconhecendo que é ao TJUE que cabe a opinião decisiva nesta matéria, a decisão que me competia propor, enquanto árbitro vinculado à aplicação do Direito tal como resulta das decisões dos tribunais superiores, não podia ser outra.

 

Victor Calvete

Declaração de voto

                1. Votei favoravelmente a decisão do colégio arbitral quanto à questão de fundo discutida no presente processo não sem grandes reservas quanto à solução adotada — de um modo geral, e sem necessidade de maiores aprofundamentos, pelos motivos elencados no Parecer de 6/5/2021 da Advogada-Geral JULIANE KOKOTT (ECLI:EU:C:2021:372) para os quais remeto brevitatis causa.

A verdade é que a resposta da jurisprudência à questão decidenda é hoje, em face do Acórdão do TJUE de 17/3/2022 no Proc.º C-545/19 (ECLI:EU:C:2022:193), absolutamente clara e inequívoca, não se antevendo qualquer razão ou fundamento para agora divergir dela, sobretudo tendo presente o preceituado no art. 8.º, n.º 3, in fine, do Código Civil.

Com efeito, as exigências de uniformidade na interpretação e aplicação do Direito da União Europeia impõem que seja o Tribunal de Justiça da União Europeia o único intérprete das normas dos tratados constitutivos e do direito derivado. Nessa medida, a jurisprudência do TJUE a propósito da interpretação das normas e princípios de Direito Europeu tem carácter obrigatório e é vinculativa para os tribunais nacionais. E acerca da questão decidenda nos presentes autos o Tribunal do Luxemburgo já deixou bem claro que “[o] artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

Assim, nada mais resta do que aderir aos fundamentos deste aresto e, subsumindo nesse precedente jurisdicional a factualidade dada como provada na presente arbitragem, concordar com a conclusão a que se chegou na Decisão Arbitral.

2. Discordo, porém, da solução encontrada na Decisão Arbitral para o enquadramento jurídico da desconformidade do direito nacional face ao art. 63.º do TFUE.

De acordo com o artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o Direito Europeu é aplicável na ordem interna nos termos previstos pelo próprio Direito da União — isto é, neste preceito constitucional está implícita a assunção do denominado princípio do primado do Direito da União sobre o direito interno. Na verdade, “[é] a regra básica do Direito Comunitário que [...] uma norma de Direito Comunitário com efeito direto prevalece sempre sobre uma norma de direito nacional. Esta regra, que não se encontra consagrada em nenhum dos Tratados mas que tem sido invocada com grande ênfase pelo Tribunal, aplica-se independentemente da natureza da norma comunitária (tratado constitutivo, ato comunitário ou acordo com um Estado terceiro) ou da norma nacional (Constituição, norma legislativa ou normação derivada); aplica-se da mesma forma quer a norma comunitária seja anterior ou posterior a uma norma nacional: em todos os casos a norma nacional cede perante o Direito Comunitário” (T.C. HARTLEY, Foundations of European Community Law, Oxford University Press, 2003, p. 228, tradução livre). Entendimento que, de resto, corresponde à jurisprudência longamente consolidada do TJUE — assim, cfr. Ac. TJUE 15-7-1964, COSTA c. ENEL, C-6/64, EU:C:1964:66; Ac. TJUE 9-3-1978, SIMMENTHAL, C-106/77, EU:C:1978:49, par. 24. Também na doutrina portuguesa é consensual a ideia de que “a uniformidade do Direito Comunitário impõe o primado de todo o Direito Comunitário (originário, isto é, os tratados, e derivado, quer dizer, as normas e os atos emanados dos órgãos comunitários) sobre todo o direito estadual (inclusive a Constituição), seja este anterior ou posterior aos tratados comunitários ou à norma comunitária concretamente em causa” (GONÇALVES PEREIRA / FAUSTO DE QUADROS, Manual de Direito Internacional Público, Almedina, 1997, pp. 125 e 126).

Como bem sintetiza ALBERTO XAVIER, agora já no plano da aplicação deste princípio no domínio específico do Direito Fiscal (Direito Tributário Internacional, Almedina, 2007, p. 216):

O Direito Comunitário (tratados institutivos e disposições dotadas de aplicabilidade direta) tem prevalência ou primazia de aplicação (Anwendungsvorrang) relativamente à legislação nacional dos Estados- Membros. Esta primazia traduz-se na desaplicação da lei nacional e consequente aplicação da norma comunitária com ela colidente, mas não necessariamente abrogação.

Conforme o Tribunal do Luxemburgo deixou bem explícito no cit. Ac. SIMMENTHAL (cit., par. 24), “[o] juiz nacional responsável, no âmbito das suas competências, por aplicar disposições de direito comunitário, tem obrigação de assegurar o pleno efeito de tais normas, decidindo, por autoridade própria, se necessário for, da não aplicação de qualquer norma de direito interno que as contrarie, ainda que tal norma seja posterior, sem que tenha de solicitar ou esperar a prévia eliminação da referida norma por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional.”

Em conclusão, do princípio do primado não decorre que as normas de Direito Europeu tenham natureza paramétrica sobre as normas de direito interno: contrariamente ao que se decidiu na Decisão Arbitral, não há lugar a um juízo de invalidação ou de revogação enquanto manifestação de uma hierarquia normativa strictu sensu. No que interessa à economia da presente arbitragem, o efeito prático do princípio do primado é a desaplicação das normas de direito interno que sejam contrárias a, ou incompatíveis com, o Direito da União Europeia. E tanto bastaria ter-se decidido.

3. Voto vencido quanto à decisão acerca do pedido acessório de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, que o colégio arbitral entendeu serem devidos apenas a partir do trânsito em julgado da Decisão Arbitral.

Antes de mais não posso subscrever a tese que fez vencimento de que não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro com referência ao ato de liquidação agora anulado. O erro que está em causa — e que determina a ilegalidade do ato tributário impugnado — é o erro nos pressupostos de direito gerador de vício de violação de lei. E esse erro é diretamente imputável ao autor do ato assim viciado. Se esse erro é, ou não, censurável é já outra questão que não releva para a exigibilidade de juros indemnizatórios. Houve erro nos pressupostos de direito e esse erro é imputável à AT (em termos que melhor explicarei de seguida) de que resultou o pagamento de dívida tributária em montante superior ao devido.

Quanto à imputabilidade do erro à AT sou de opinião de esta se verifica apenas a partir da decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Por duas ordens de razão: i) a retenção na fonte resulta de um comportamento da entidade pagadora dos rendimentos que não pode ser diretamente imputável à AT e apenas após a decisão de manutenção do ato tributário, em sede de decisão da reclamação graciosa, se pode formular com segurança esse juízo de imputação; e ii) não tendo sido alegada nem demonstrada a existência de orientações genéricas da AT quanto a esta questão jurídica, sou de opinião que a reclamação graciosa era, no caso, necessária e funcionava como condição de acesso à via da impugnação contenciosa, pelo que só com a sua decisão se consolidou uma situação de pagamento indevido da prestação tributária suscetível de impugnação jurisdicional (art. 132.º, n.os 3, 4 e 6, do CPPT).

Teria assim reconhecido o direito a juros indemnizatórios desde a data de indeferimento da reclamação graciosa e até ao processamento da correspondente nota de crédito.

4. Renovo a minha posição — já manifestada na declaração de voto que subscrevi aquando da decisão de suspensão da instância arbitral — de que o prazo de caducidade da presente arbitragem já terá decorrido, não podendo aceitar a posição segundo a qual o prazo máximo de duração previsto no art. 21.º do RJAT pode ser suspenso por determinação de um tribunal arbitral tributário com fundamento em conveniência processual, mesmo sob a guisa de uma decisão de suspensão da instância por ocorrência de “motivo justificado.” Entendo, por isso, que em sede de saneamento deveria ter-se concluído pela caducidade da presente arbitragem.

5. Finalmente, por razões puramente metodológicas teria preferido levar expressamente ao dispositivo da Decisão Arbitral a decisão de desaplicação da norma tributária de direito nacional por desconformidade com o Direito da União Europeia, nos exatos e precisos termos em que o Colégio Arbitral o decidiu, e teria ainda feito incluir a final menção expressa a ordenar a notificação ao M.º P.º nos termos do art. art. 252.º, n.º 1, do CPC, por referência ao disposto no art. 72.º, n.º 3, da LTC. Não sendo obrigatórias, tais referências correspondem àquelas que me parecem as melhores práticas e evitam que a necessidade de interposição de recurso possa passar despercebida.

 

CAAD, 28 de abril de 2022.

 

Gustavo Gramaxo Rozeira.