Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 406/2021-T
Data da decisão: 2022-04-19  IRC  
Valor do pedido: € 52.107,67
Tema: IRC - Dedução à colecta de pagamentos por conta – Custos e perdas de exercício – Indemnização por garantia indevida.
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SUMÁRIO:

I - É ilegal a não dedução à colecta  de pagamentos especiais por conta realizados nos últimos 3 anos anteriores à liquidação pela sociedade dominante e pelas sociedades suas participadas.

2 - Deve ser considerado custo de exercício da alienação dos créditos sobre empresa participada por € 1,00, juntamente com a cessão de participações sociais dessa empresa não rentável para a sociedade dominante e que a obriga a despesas vultuosas.

3 - Constitui perda do exercício e como tal dedutível o perdão do crédito de prestações suplementares da sociedade dominante relativamente à sociedade sua participada.

4 - São custo de exercício o valor das deslocações e viagens realizadas por administradores de uma sociedade ao serviço da mesma, sem que se demonstre que não foram efectuadas no interesse da sociedade.

5 - Não podem ser aceites como custos as perdas de capital da requerente, com a dissolução de sociedades em que participava ou com a redução do capital social de outra sociedade, ocorridas há mais de sete anos, por deliberação societária, para a qual a sociedade dominante teria legalmente de ser convocada.

6 - Improcede o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, no caso de hipoteca constituída há menos de um ano para suspensão de execução, por essa garantia real também não ser equivalente a garantia bancária, para efeitos do artº. 53º, nº. da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                O árbitro Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 28 de Setembro de 2021, profere a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:

1. Relatório

A..., S.A., com sede na ..., ...-..., ...-... Carnaxide, com o número único de matrícula, de identificação de pessoa colectiva e de identificação fiscal (“NIPC”) ..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral e a respectiva pronúncia arbitral pretendendo a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2021..., de 15.03.2021, liquidação de juros compensatórios correspondentes e demonstração de acerto de contas, o qual apresenta um valor total a pagar de €38.851,00, com data limite de pagamento de 4.05.2021, referente ao exercício de 2016, e da liquidação adicional de IRC n.º 2021..., de 15.03.2021, e demonstração de acerto de contas, sem valor a pagar, referente ao exercício de 2017.

                Para tanto, invoca a ilegalidade das correcções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária, nas seguintes situações:

-  Não relevação dos pagamentos especiais por conta na liquidação adicional referente a 2016;

- Desconsideração fiscal da perda no valor de € 665.729,81, na cessão de créditos detidos sobre a sociedade B..., S.A. (exercício de 2016), ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC;

- Desconsideração fiscal do perdão de prestações suplementares à sociedade C..., S.A., por tratar-se, alegadamente, de menos-valia não dedutível, ao abrigo do artigo 51.º-C, n.º 2, do Código do IRC;

- Desconsideração fiscal de gastos com deslocações, viagens e outras despesas, no montante de €14.709,03 (exercício de 2016) e €13.256,67 (exercício de 2017), ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC;

- Desconsideração fiscal de perdas no montante de € 606.651,79 (exercício de 2016), referentes ao desreconhecimento de participações de capital – sociedades insolventes -, por alegada violação do princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do Código do IRC.

A Requerente pede ainda o pagamento de indemnização com os encargos com a prestação por hipoteca de garantia indevida.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-07-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 09-09-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 28-09-2021.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

 

2. Despacho saneador:

                Por despacho de 03-12-2021, foi o requerente notificado para em 10 dias informar os pontos concretos por referência aos artigos do requerimento inicial e da resposta sobre as quais pretendia a realização dessas diligências de prova, mas nada disse ou requereu.

Por despacho de 11-01-2022, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18º. do RJAT e, entendendo-se que não havia diligências de prova a realizar, foram as partes notificadas para apresentar alegações escritas no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, tendo alegado tanto o requerente, como a requerida.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades, que sejam de conhecimento oficioso.

 

3. Matéria de facto:

Considerando os articulados das partes, os documentos juntos e o processo administrativo junto, bem como o relatório da inspecção tributária e seus anexos, junto pela requerente e depois pela requerida, são considerados provados os factos que a seguir se elencam, com a menção da razão por que são considerados provados.

 

3.1 Factos provados:

Mostram os autos o seguinte:

a) A ora requerente é a sociedade dominante de um grupo de empresas sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) previsto e regulado no artigo 69.º e seguintes do Código do IRC. (Processo administrativo)

b) A requerente dedica-se à “administração de prédios e sua construção em terrenos que possua ou adquira para o efeito, compra, venda, gestão de bens imóveis imobiliários”, bem como à gestão das suas participações sociais. (acordo das partes).

c) A requerente foi objecto de acções inspetivas externas em cumprimento das ordens de serviço OI2019..., de 2019-10-07, com data de despacho de 2019-10-09, para o ano de 2016 e OI2019..., de 2019-05-28, com data de despacho de 2019-06-12, para o ano de 2017. (cfr. Relatório da Inspecção Tributária, pág. 8)

d) Em consequência dessas acções inspectivas, foram efectuadas correcções à matéria colectável da requerente, no montante de €1.843.319,04 para o ano de 2016 e no montante de €58.107,59 para o ano de 2017. (docs. 1 e 2 juntos com o requerimento inicial)

e) A requerente, em termos de enquadramento fiscal relativamente e IRC, está sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades nos termos do art.º 70º do CIRC, sendo a Sociedade Dominante do mesmo e, em sede de IVA, está enquadrada no Regime “Normal Trimestral Misto com afectação real de todos bens”. (acordo das partes)

f) Não foram considerados os pagamentos por conta constantes do quadro a seguir e no valor de €18.294,78, que deviam ter sido deduzidos à colecta total, valores que constam no seu sistema (acordo das partes):

 

g) A requerente controlava 100% do capital social da sociedade anónima B..., S.A. (B...), NIPC..., sendo 40% detidos directamente e os restantes 60% do capital social eram detidos pela D..., SGPS, SA., com o NIPC..., a qual a requerente detinha 100% do capital social. (acordo das partes e Relatório da Inspecção Tributária, pág. 17)

h) A requerente, por contrato de compra e venda de ações e de cessão de créditos, datado de 15 de maio de 2015, adquiriu, pelo preço de € 19.999,00, 4.000 ações, representativas de 40% do capital social do B..., à Massa Insolvente da E..., SA, NIPC..., da qual a requerente detinha, na data, 51% do capital

social. (Relatório da Inspecção Tributária, pág. 17 e acordo das partes)

i) Ainda pelo mesmo contrato, e pelo preço de € 1,00, “são também cedidos (à requerente) todos os créditos que a Segunda Contraente [E...] detém sobre o B..., “nomeadamente os créditos resultantes das prestações suplementares de capital prestadas no montante de € 1.000.000,00”.

j) A requerente fez transferências para o B... e procedeu a pagamentos em nome deste, no valor de € 2.213.918,99 até início de 2010, tendo nesse ano sido constituída uma imparidade na conta # 269002 B..., SA, naquele valor, a qual foi tributada no exercício de 2010”. (Relatório da Inspecção Tributária, pág. 17 e acordo das partes).

k) A Requerente, por ter o domínio e ser responsável, solidariamente, pelas obrigações da referida participada B..., efectuou depois de 2010 e até 2016, pagamentos, por conta da sociedade B..., S.A., sub-rogando-se, legalmente, na posição de credora (v.g. pagamento de leasing, prestações em amortização de empréstimo contraído junto do Instituto de Turismo de Portugal, facturas do IPTM – Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, etc.). (acordo das partes).

l) Além disso, nesse período, a requerente, procedeu a transferências de fundos para que a participada solvesse algumas dívidas. (acordo das partes)

m) Esses pagamentos e transferências de fundos totalizavam, em 2016, o valor €665.729,81, pelo que o saldo devedor da conta # 262024 – B..., SA, em 30 de Novembro de 2016, era de € 2.879.648,80. (acordo das partes).

n) Em 30 de Novembro de 2016, a requerente transmitiu a sua participação directa no B..., S.A. à entidade F..., Lda., com o NIPC...., ou seja, 4.000 acções, pelo preço acordado entre as partes de € 1,00. (cfr. contrato no anexo V do Relatório da Inspecção Tributária, fls. 13/68 a 22/68 e acordo das partes)

o) Pelo mesmo contrato “são também cedidos todos os créditos que a Primeira e Segunda contraente [G..., SGPS, SA.] detêm sobre o B..., nomeadamente os créditos resultantes das prestações suplementares de capital prestadas e outros créditos” (cfr. contrato citado contrato no anexo V do Relatório da Inspecção Tributária)

p) Consta do contrato referido nas alíneas anteriores, que “O B... tem apresentado prejuízos sistemáticos, tendo sido apurada no final do exercício de 2015 uma situação líquida negativa de € 2.093.847,19 (dois milhões noventa e três mil oitocentos e quarenta e sete euros e dezanove cêntimos), demonstrando não ser um activo rentável para os seus accionistas”. “Além disso, existe uma listagem de créditos de cobrança duvidosa, que representavam um custo muito elevado para tentar a recuperação judicial” (cf. contrato citado contrato no anexo V do Relatório da Inspecção Tributária).

q) É reconhecido nesse contrato, pelos outorgantes do mesmo que a entidade F..., Lda.  tem conhecimentos e “know how” na prestação de serviços jurídicos, designadamente, na recuperação de créditos, sendo que tal actividade não acarretará qualquer custo adicional” (cfr. contrato citado contrato no anexo V do Relatório da Inspecção Tributária)

r) Consta do Relatório da Inspecção Tributária, na sua versão inicial, o seguinte:

Pelo que se torna necessário avaliar se tal operação anteriormente descrita é suscetível de dedução para efeitos fiscais.

Importa relembrar que a sociedade tem como atividade principal a Compra e Venda de Bens Imobiliários, enquadrada no Código de Atividade Económica (CAE) 68100 e como atividade Secundária 1 a Promoção Imobiliária com o CAE 041100. E que de acordo com a Certidão Permanente o seu objeto social consiste na "Administração de prédios e sua construção em terrenos que possua ou adquirida para o efeito, compra, venda, gestão ou fruição de bens imóveis e imobiliários".

Pelo que caso tivesse constituído uma imparidade, de acordo com o previsto no artigo 28.º-A do CIRC, esta não seria dedutível para efeitos fiscais, pois pelo exposto na alínea a), n.º 1, apenas são aceites as imparidades que estejam relacionadas com a atividade normal do sujeito passivo:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

Ou seja, para efeitos fiscais, uma perda associada a créditos concedidos, não decorrendo da atividade normal da A..., não seria dedutível. Pelo que a própria perda por imparidade constituída em 2010, foi acrescida pelo sujeito passivo, ao resultado liquido no exercício na respetiva declaração modelo 22.

A cedência de fundos por parte da A... ao B..., já era anterior a 2010, altura em que a A... constituiu uma imparidade, no valor de € 2.213.918,99, de valor equivalente a totalidade dos créditos que detinha sobre o B... à data, na conta # 269002 B..., SA. Reconheceu portanto, que já era improvável recuperar o capital concedido, pois por definição, "perda por imparidade: é o excedente da quantia escriturada de um ativo, ou de uma unidade geradora de caixa, em relação à sua quantia recuperável".

No entanto, e posteriormente a isso, sem qualquer benefício ou contrapartida conhecida, continuou a ceder fundos até 2016, altura em que cedeu os créditos que detinha sobre o B..., no valor de € 2.879.648,80, à sociedade F..., pelo preço de € 1,00.

Pelo que, após a constituição da imparidade (2010), e até à cedência dos créditos (2016), a A... ainda concedeu fundos ao B... no valor de € 665.729,81 (2.879.648,80-2.213.918,99).

Fundos estes, que como reconheceu a A..., conforme se pode consultar pelos documentos de suporte e extratos de conta em anexo, eram "transferências para o  B... ou (na sua maioria) pagamentos a terceiros por conta do B...".

Atendendo à alínea f), n.º 1, do artigo 23.º-A, não são dedutíveis para efeitos fiscais:

Os impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar,

Pelo que a A... deveria ter procedido ao acréscimo de tais valores ao resultado líquido do exercício.

No entanto, o que fez, foi a transformar pagamentos em nome de terceiros em créditos, e a cedência dos mesmos, por um preço ínfimo do seu valor contabilístico. Aceitando receber € 1,00 em troca de créditos no valor de € 2.879.648,80. Quando o que se impunha à A... era acionar os meios judiciais para recuperação dos fundos cedidos, nos termos previstos na alínea b) do nº1 do art 289-B do CIRC.

Ainda quanto à dedutibilidade dos gastos em geral, dispõe o art.º 23.º do CIRC, que os gastos ou perdas relevam se incorridos para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, enunciando-se desde logo, nas diversas alíneas deste normativo, certas despesas que assim devem ser consideradas.

Neste sentido, decorre que um gasto, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afeto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal gasto e os ganhos/réditos da empresa.

A liberalidade exercida consubstancia um "perdão de divida" e à luz do CIRC, operações desta natureza não são aceites fiscalmente por não se encontrar provada a sua conexão com a obtenção dos ganhos sujeitos a Imposto, tal como prevê o disposto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC. Tal situação consubstancia um perdão de divida, na medida em que o credor aceita receber menor importância pelo crédito em mora.

Ora, o perdão de dívida consiste numa situação em que o credor prescinde de receber do devedor a prestação devida, pressupondo, naturalmente, a existência prévia de uma obrigação. Entre as partes, o perdão de divida produz a extinção da obrigação, ficando o devedor liberado e vindo o credor a perder definitivamente o seu direito de crédito. Já na situação de créditos em mora, isto é, de mora do devedor, estamos na presença de um caso em que a prestação, embora ainda possível, não foi realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor. Verificamos, desta forma, que para ocorrer uma situação de mora é necessário que seja ainda possível realizar a prestação em data futura, uma vez que o devedor a ela continua obrigado. É por esta razão que na doutrina que emana da ficha doutrinária/informação vinculativa, proferida no Proc. n.º 1759/93, se refere que "Caso ocorra o recebimento de alguns valores dos créditos anulados, o proveito será relevado contabilisticamente e tributado no exercício em que tal se verifique".

Dito isto, impõe-se concluir que o campo de aplicação da doutrina que deriva da informação vinculativa não comporta a situação de "perdão de divida", pois esta não só determina a perda do direito de crédito, como também desonera, a título definitivo, o devedor do dever de liquidar a sua divida, características que, como se evidenciou, não definem a situação da mora no cumprimento das obrigações.

Por outro lado, tendo a empresa considerado como fiscalmente dedutível a perda equivalente ao perdão de dívida resultante do contrato de cessão, contabilizando-a numa conta de gastos, estes só seriam aceites na justa medida em que o gasto ou a perda fosse fiscalmente dedutível, o que não se verifica.

Pelos fundamentos expostos, é de acrescer ao respetivo resultado líquido do período de 2016 para efeitos de determinação do lucro tributável de IRC, nos termos do artigo 17. do CIRC, o valor de € 665.729,81. (Relatório da Inspecção Tributária, págs. 18/19).

s) Na sua versão final, após o exercício do direito de audição pela requerente, foi acrescentado mais o seguinte:

A AT não coloca em causa os pagamentos realizados em nome do B..., nem o interesse económico dos mesmos. No projeto de relatório, é descrita a operação, desde 2010, por forma a ser possível compreender as motivações da mesma, o que o sujeito passivo vem alegar, em nada altera entendimento anterior, apenas o confirma.

O que se pretendeu evidenciar, no projeto de relatório, é que tais créditos nunca seriam fiscalmente dedutíveis, pelas razões que o próprio sujeito passivo explica nos parágrafos 46. a 48.º da sua petição, nomeadamente, por o B... ser uma empresa detida indiretamente pela A..., pelo que a única opção prevista no CIRC para tais gastos serem fiscalmente dedutíveis é a que se encontra plasmada nas alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 28. -B do CIRC, que, contudo, não se verificou, por não ser do interesse da A..., conforme o próprio sujeito passivo refere no parágrafo 77.º do DA.

A questão ora em análise, para a qual não foram apresentados factos novos, é que aceitou receber € 1,00, por algo que estava contabilizado por € 2.879.648,8, incorrendo assim no respetivo gasto contabilístico e ao qual pretendia dar relevância fiscal.

É o próprio sujeito passivo que refere o seguinte: "91. Na cedência do crédito, o devedor não vê nem viu a sua divida reduzida; o devedor continua a dever exatamente o mesmo valor, mas a um credor diferente...", daqui se reforça a nossa conclusão, que a A... aceitou receber menos do que o valor do seu ativo. Ou seja, ocorreu uma liberalidade, ao aceitar receber menos do que o valor pelo qual um ativo se encontrava reconhecido, sem que tenha esgotado todas as diligencias possíveis e previstas no CIRC (art.º 28°-B n°1 alíneas a) e b) para a sua dedutibilidade fiscal, alegando (§ 77º da sua petição) que tal não era adequado, racional, conveniente ou sequer minimamente útil. Ou seja, não considerando tais diligências adequadas, racionais ou convenientes, seria então mais útil considerar, sem mais a alienação das ações conjuntamente com a cessão de créditos pelo valor global e único de € 1,00.

Comprovou-se neste relatório, que com a transmissão da participação social, o sujeito passivo pretendeu, simultaneamente, desreconhecer um conjunto de créditos que não tinha expetativas de vir a receber e para os quais também não reunia os critérios para constituir uma imparidade fiscalmente dedutível. Isto foi confirmado pelo sujeito passivo no seu DA, a imparidade foi constituída "47.° (...) de acordo com o previsto na alínea d), do n.º 3 do artigo 28.-B". Procedendo à sua transmissão por um valor ínfimo do que se encontrava contabilizado e abdicando de receber qualquer quantia futura pelos créditos concedidos, apurou um gasto não dedutível para efeitos fiscais à luz do artigo 23.º do CIRC. Mais uma vez se reitera e, ao contrário do que pretende afirmar no DA, a atividade de concessão de crédito e a atividade da A... enquanto detentora/gestora de participações sociais são completamente distintas. (Relatório da Inspecção Tributária, pags. 39/40).

t) A requerente é acionista da sociedade C..., S.A., posteriormente redenominada H..., S.A. e era, em 2016, credora da mesma sociedade de prestações suplementares, no valor de € 535.000,00. (Relatório da Inspecção Tributária, pág. 21 e acordo das partes).

u) por deliberação constante da nº. 126 da requerente, foi “aprovado o perdão de prestações suplementares de capital prestadas à participada C..., SA, no valor de € 535.000€ (quinhentos e trinta e cinco mil euros)”. (Relatório da Inspecção Tributária, pág. 21)

v) Como se alcança do IES relativo ao ano de 2016 da sociedade C..., SA, esse perdão foi realizado no ano de 2016, pois essas prestações suplementares são aí mencionadas como “diminuições (de prestações suplementares) ocorridas no período” (Relatório da Inspecção Tributária, pág. 21)

 x) A requerente reconheceu gastos, com deslocações e estadas, nos montantes de € 22.404,68, no exercício de 2016 e de € 32.931,07, no exercício de 2017, que correspondem a passagens aéreas Lisboa-Paris-Lisboa, Lisboa-Bruxelas-Lisboa, Lisboa-Bolonha-Lisboa; estadia em hotel em Paris; aluguer de viatura em Paris, constantes do quadro seguinte:

 

(Relatório da Inspecção Tributária, pág. 21)

y) Segundo o relatório da Inspecção Tributária “os gastos em questão não decorrem do exercício normal da atividade da sociedade, nem o sujeito passivo apresentou elementos que possam comprovar que tais gastos foram incorridos no interesse da A... . Dá, como exemplo, sem o comprovar, a venda de uma participação a uma sociedade portuguesa cujo dono teria nacionalidade Suíça. Conforme os documentos que constam no Anexo X, nenhum dos referidos gastos, objeto de correção, está relacionado com despesas de deslocação/viagens à Suíça, mas sim a Bolonha, Bruxelas e Paris, sendo que, como referido no projeto de relatório, apenas se optou por analisar documentos com maior materialidade, contudo, as respetivas rúbricas continham gastos de valor muito superior.

Pelo que a requerente poderia ter indicado a que título ou interesse da A..., foram realizadas as referidas viagens. Pela consulta aos elementos de índole contabilística disponibilizados, ou por consulta ao património do sujeito passivo, os SIT não vislumbraram quaisquer interesses fora de Portugal que justifiquem tais gastos.” (relatório, págs., 41/42)

z) Nesses documentos de despesas são identificados os administradores que realizaram essas viagens e que constam da relação de órgãos sociais da requerente identificada no ponto II.3.2 do Relatório da Inspecção Tributária, pág. 9 (relatório, pág. 9)

aa) A requerente invocou como perdas de exercício a dissolução e liquidação das seguintes sociedades:

 

bb) Relativamente a essas sociedades, verifica-se que:

- A I... S.A., ocorreu a “DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO AP. 41/...”;

- J... S.A., ocorreu a “DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO AP. 51/...”;

- K... S.A., ocorreu a “DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO AP.06/...”;

- L... S.A., ocorreu a dissolução e encerramento da liquidação, pela AP.12/....

- M... S.A., encontra-se registada a redução de capital para € 0,00, e posterior aumento com entrada em dinheiro de € 9.900.000,00 com emissão de novas ações:

“AP. 1/... - REDUÇÃO DO CAPITAL, AUMENTO DO CAPITAL E ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE

Montante da redução: 3.005.000,00 Euros Finalidade: cobertura de prejuízos Data da deliberação: 29 de Janeiro de 2009 CAPITAL APÓS A REDUÇÃO: 0,00 Euros

Montante do aumento: 9.900.000,00 Euros Montante realizado: 9.900.000,00 Modalidade e forma de subscrição: em dinheiro, mediante a emissão de 9.900.000 novas ações ordinárias no valor nominal de 1,00 Euro cada Capital após o aumento: 9.900.000,00 Euros”

Atualmente a sociedade tem a designação de N... S.A. (acordo das partes e relatório, pág. 32)

cc) A AT não aceitou que fossem consideradas perdas do exercício de 2016, a dedução de perdas que ocorreram nos exercícios de 2004 (L...), 2006 (K...) e 2009 (M...), sob pena de não ter em conta a Periodização do Lucro Tributável, definido no artigo 18.º do CIRC, pois na base deste princípio, da especialização dos exercícios, pretende-se que a contabilidade traduza uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa.

dd) A requerente alega que só no exercício de 2016 é que foi possível, por não ser uma prioridade para a empresa, aferir sobre parte das participações detidas, pelo que seria aplicável o n.º 2 do artigo 18.º do Código do IRC, nos termos do qual “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputa eis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifesta nente desconhecidas”.  (exercício do direito de audição, artº. 155º.).

ee) A AT, face à posição da requerente, entendeu que “Atendendo aos documentos de suporte que constam no Anexo XII, referentes à “DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO”, publicados no Portal da Justiça, não pode o sujeito passivo alegar o desconhecimento de tais factos. Nem tão pouco alegar a não transferência de resultados entre exercícios, pois não é apenas o lucro tributável que está em causa, uma vez que eventuais prejuízos fiscais apurados em determinado período, são dedutíveis (por determinado tempo) aos lucros de anos seguintes. Sendo que, se tais perdas tivessem sido reconhecidas nos respetivos períodos, 2004, 2006 e 2009, o eventual reporte de prejuízos fiscais já teria caducado no exercício de 2016. No entanto, nos exercícios de 2004, 2006 e 2009, o sujeito passivo obteve lucros, aos quais deduziu, até à sua concorrência, prejuízos apurados em anos anteriores, que teriam caducado e não seriam utilizados na totalidade caso tivesse reconhecido tais gastos nos anos a que efetivamente se reportam. Pelo que daqui se comprova o benefício que a A... retirou com o reconhecimento posterior, atendendo a definir previamente a “prioridade” de tais perdas em transferi-las para períodos posteriores.” (relatório, pág. 43).

ff) A dissolução e liquidação das sociedades K... S.A. e L... S.A e a redução a zero do capital social da sociedade M..., S. A. foram objecto de deliberação das respectivas assembleias gerais.

gg) Para suspender a execução para cobrança dos tributos liquidados e ora em análise, cobrança essa promovida na execução fiscal processo ...2021..., a correr termos pelo Serviço de Finanças de Oeiras – ... , a requerente deu de hipoteca uma fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente à sub-cave-Estabelecimento comercial ou armazém, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado lote n.º ... - ..., sito em ..., freguesia de ..., concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o ..., daquela freguesia, e Inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de ... ... ... e ... sob o artigo ... (anteriormente artigo ...° da Extinta freguesia de...), por meio de escritura celebrada em 25 de Maio de 2021. (doc. 4 junto com o requerimento inicial).

hh) Com a constituição da garantia referida na alínea anterior, gastou a requerente € 281,26. (factura junta pela requerente em 9-2-2022)

ii) Em 02-07-2021, apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

          Não existem outros factos não provados com i9nteresse para a decisão deste processo.

                Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e nos pontos referidos com base no acordo das partes.

              

4. Matéria de direito

               

1. A Requerente imputa os seguintes vícios aos actos impugnados:

- ilegalidade por não terem sido considerados os pagamentos por conta constantes do quadro referido na al. f) dos factos provados, pagamentos por conta esses realizados por sociedades participadas pela impugnante;

- ilegalidade por não ter sido considerada a perda no valor de € 665.729,81, na cessão de créditos detidos sobre a sociedade B..., S.A. (exercício de 2016), com alegada violação do artigo 23. do Código do IRC;

- ilegalidade por não ter sido considerado o perdão de prestações suplementares à sociedade C..., S.A., por se tratar, alegadamente, de menos valia, não dedutível ao abrigo do artº. 51º.-C, nº. 2 do mesmo diploma legal (CIRC);

- ilegalidade por não terem sido considerados os gastos com deslocações, viagens e outras despesas, no montante de €14.709,03 (exercício de 2016) e €13.256,67 (exercício de 2017), por alegada violação do artigo 23.º do Código do IRC;

- ilegalidade por não terem sido consideradas no exercício de 2016, perdas no montante de € 606.651,79, resultantes da perda de participações de capital em sociedades insolventes, pois alegadamente desconhecia essas insolvências e logo não se aplica o princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do Código do IRC

               

2. Além destes vícios de natureza substancial, invoca ainda vícios de natureza formal, relativamente a uma das questões que são objecto do presente pedido de tribunal arbitral, a saber:

- falta de fundamentação, por ser insuficiente a razão argumentativa da AT relativa à não consideração da renúncia ao reembolso das prestações suplementares à C...;

- falta de audiência prévia do relatório final por, no que respeita à referida renúncia, entender a requerente que houve alteração da sua base (fundamentação de direito) com nova configuração do acto tributário, teria de haver aquela audiência prévia.

- violação da doutrina da AT relativamente a esta mencionada renúncia de prestações suplementares;

 

3. O art. 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), subsidiariamente aplicável à arbitragem tributária ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, estabelece, relativamente à ordem do conhecimento dos vícios na sentença, que, “[n]a sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1 do art. 124.º), sendo que, em cada um dos grupos, a apreciação é feita pela seguinte ordem: “no primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”; “no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art. 124.º).

Dado que os vícios invocados pelo Requerente, a procederem, conduzem, prima facie, à anulação dos atos impugnados, cumpre atender ao disposto na al. b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, pelo que, caso seja estabelecida pelo impugnante uma relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos (vd. o art. 101.º do CPPT que prevê que: “O impugnante pode arguir os vícios do ato impugnado segundo uma relação de subsidiariedade”), deve-se respeitar essa ordem – como se escreveu no acórdão do STA de 18.6.2014, proc. n.º 01942/13, “sempre que o impugnante estabeleça uma ordem de precedência do conhecimento dos vícios geradores de anulabilidade é essa ordem que deve ser seguida pelo juiz, não lhe sendo permitido alterá-la, assim como não lhe é permitido alterar a ordem do conhecimento dos vícios geradores de nulidade ou de inexistência, que se encontra legalmente estabelecida”.

No caso presente, nas suas alegações o requerente começa por atacar os actos impugnados com fundamento na ilegalidade, por errónea interpretação da lei, errónea qualificação do facto tributário, e depois é que suscita os vícios de natureza formal que se deixam indicados, mas apenas relativamente a uma das questões, que pretende que conduzam à anulação dessa parte dos pressupostos das correcções efectuadas das liquidações anteriores, nunca estabelecendo entre eles uma qualquer relação de subsidiariedade.

Por isso, analisaremos cada uma das questões, na perspectiva da sua legalidade, sendo que, ao considerar a questão onde se suscitam os vícios de natureza formal, a elas responderemos incidentalmente.

 

4.1. Questão

                A primeira questão suscitada pela requerente, tendo a vista a anulação das liquidações efectuadas, diz respeito ao facto de não terem sido considerados os pagamentos por conta constantes do quadro referido na al. f) dos factos provados, pagamentos por conta esses realizados não só pela requerente, mas também por sociedades participadas pela impugnante.

                A requerente defende que a AT desconsiderou os pagamentos especiais por conta do Grupo, realizados desde 2013, ao emitir a liquidação adicional de imposto referente ao exercício de 2016, indicando no quadro que apresenta quais foram as sociedades que realizaram esses pagamentos por conta e qual o respectivo valor.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira nada responde a esta questão, limitando-se a anotar a sua existência, pelo que dela tomou conhecimento, não impugnando nem a existência desses pagamentos, nem o seu montante.

                O pagamento especial por conta efetuado num determinado ano pode ser deduzido à coleta do próprio ano e até ao 6.º período de tributação seguinte, nos termos do artº. 93º., nº. 1 do CIRC.

                Não sendo possível a dedução neste prazo, poderá ser pedida a restituição do imposto pago (PEC) e ainda não deduzido, por via de requerimento do sujeito passivo dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede da empresa, apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo do último período em que pode ser deduzido.

                Este prazo era de cinco anos, antes da alteração levada a cabo pela reforma do IRC em 2014, ou seja, o ano do pagamento e mais quatro, tendo a restituição da parte não deduzida que ser solicitada no prazo de 90 dias após o prazo para entrega da modelo

22 relativa ao último período da dedução.

                No caso do presente processo, os PEC pagos em 2013, podem ser deduzidos até

2017, que será o último período de tributação para deduzir, no Modelo 22 entregue em 2018.

                Por outro lado, como foi considerado provado – al. e) dos factos provados -, a ora impugnante está enquadrada fiscalmente no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades nos termos do art.º 70° do CIRC, sendo a Sociedade Dominante do mesmo grupo, pelo que, nos termos do nº. 1 desse artigo e relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

                Por isso, no apuramento do lucro tributável relativamente ao ano de 2016, deveriam ter sido abatidos os pagamentos por conta efectuados pela sociedade dominante e pelas participadas nos anos considerados de 2013 a 2016, por ainda estarem a tempo de ser deduzidos à colecta e os mesmos não terem anteriormente sido deduzidos.

                Procede assim a impugnação nesta parte, pois deviam ter sido deduzidos à colecta o montante de €18.294,78.

 

4.2. Questão

                A segunda questão prende-se com o facto de não ter sido considerada a perda de exercício, no exercício de 2016, o valor de € 665.729,81, que a ora impugnante alegadamente perdeu, na cessão de créditos detidos sobre a sociedade B..., S.A.

                A requerente defende que procedeu à alienação da sua participação no B..., S.A., como forma de evitar mais prejuízos, pois tendo constituído uma imparidade em 2010, devidamente tributada, continuou posteriormente a ceder fundos e a pagar dívidas do B..., S.A., fundos estes que eram “transferências para o B... ou [na sua maioria] pagamentos a terceiros por conta do B...”, de que resultou um total acumulado de € 2.879.648,80 até à sua venda em 2016, tendo celebrado um contrato de compra e venda de ações e de cessão de créditos, datado de 30 de novembro de 2016, por € 1,00. Com efeito, como resulta dos factos provados – als. k) a q) -, a Requerente, por ter o domínio e ser responsável, solidariamente, pelas obrigações da referida participada B..., efectuou depois de 2010 e até 2016, pagamentos, por conta da sociedade B..., S.A., sub-rogando-se, legalmente, na posição de credora (v.g. pagamento de leasing, prestações em amortização de empréstimo contraído junto do Instituto de Turismo de Portugal, facturas do IPTM – Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, etc.) e procedeu à transferências de fundos para que a participada solvesse algumas dívidas.

Acresce que, como consta do contrato de compra e venda de ações e de cessão de créditos, porque o B... “tem apresentado prejuízos sistemáticos …., demonstrando não ser um activo rentável para os seus accionistas”, havendo “além disso, uma listagem de créditos de cobrança duvidosa, que representavam um custo muito elevado para tentar a recuperação judicial”.

Ora, é reconhecido nesse contrato, pelos outorgantes do mesmo que a entidade F..., Lda.  “tem conhecimentos e “know how” na prestação de serviços jurídicos, designadamente, na recuperação de créditos, sendo que tal actividade não acarretará qualquer custo adicional” para a requerente.

Daí que, como acto de gestão tenha procedido à compra e venda de ações e de cessão de créditos nos termos em que o foi por um valor simbólico, como forma de se libertar de uma participação social que só lhe acarretava prejuízos e novos dispêndios de fundos, sem qualquer proveito económico.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira, por sua vez, não colocando em causa os pagamentos realizados em nome do B..., nem os fundos transferidos, nem o interesse económico dos mesmos, entende, numa primeira fase, que estamos perante um perdão de dívida, por o credor prescindir de receber do devedor a prestação devida, sendo que o perdão de divida produz a extinção da obrigação, ficando o devedor liberado e vindo o credor a perder definitivamente o seu direito de crédito. Na doutrina que emana da ficha doutrinária/informação vinculativa, proferida no Proc. n.º 1759/93, se refere que "Caso ocorra o recebimento de alguns valores dos créditos anulados, o proveito será relevado contabilisticamente e tributado no exercício em que tal se verifique". Por isso, tendo a empresa considerado como fiscalmente dedutível a perda equivalente ao perdão de dívida resultante do contrato de cessão, contabilizando-a numa conta de gastos, estes só seriam aceites na justa medida em que o gasto ou a perda fosse fiscalmente dedutível, o que não se verifica.

                Na versão final do Relatório da Inspecção Tributária, após o exercício do direito de audição pela requerente, foi acrescentado mais que “no projeto de relatório, é descrita a operação, desde 2010, por forma a ser possível compreender as motivações da mesma, o que o sujeito passivo vem alegar, em nada altera entendimento anterior, apenas o confirma.

                O que se pretendeu evidenciar, no projeto de relatório, é que tais créditos nunca seriam fiscalmente dedutíveis, pelo facto de o B... ser uma empresa detida indiretamente pela requerente, pelo que a única opção prevista no CIRC para tais gastos serem fiscalmente dedutíveis era a de serem considerados créditos de cobrança duvidosa a ser comprovada por processo de judicial, mesmo de execução nos termos das alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 28. -B do CIRC, pelo que, ao receber, na cedência do crédito, menos do que o valor do seu ativo, ocorreu uma liberalidade por aceitar receber menos do que o valor pelo qual um ativo se encontrava reconhecido, sem que tenha esgotado todas as diligencias possíveis e previstas no CIRC”.

                Convém antes de mais referir que a sociedade requerente enquanto dominante numa relação de grupo é responsável pelas perdas da sociedade dominada e perante os respectivos credores, devendo também ter-se aqui em conta as regras dos concursos a Fundos Comunitários, de que fosse devedora a sociedade participada.

                Dispõe o artº. 23º. do CIRC que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”

                O conceito de dedutibilidade dos gastos é uma das áreas onde o conflito de interesses entre a Autoridade Tributária e o contribuinte acontece com muita frequência, pois o CIRC impõe, no sentido da preservação da base tributária, limites à dedutibilidade de determinados gastos nomeadamente, encargos não devidamente documentados, despesas de carácter confidencial ou ilícito, pagamento de juros sujeitos a taxas superiores à taxa de juro interbancária, etc., ou permite a sua dedutibilidade até determinados limites, ou se preenchidos determinados requisitos. Como já se escreveu “o objetivo principal desta limitação é a tributação do lucro real do contribuinte, evitando-se situações não transparentes, ou desconformes com a prática contabilística, ou disposições fiscais relevantes” .

                Por isso, de acordo com o n.º 1 do referido artigo, atualmente, a Lei prevê que para a determinação de luco tributável são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, ou seja, este número refere que todos os gastos são dedutíveis, o que quer dizer que caberá à Autoridade Tributária, através de uma inspeção tributária, determinar quais os gastos que serão, ou não, considerados como sendo gastos para garantir rendimentos sujeitos a IRC.

                Ora, face ao aumento sucessivo dos débitos da B..., Ldª., os fundos que, no cumprimento de obrigação legal, a requerente tinha de colocar à sua disposição para que esta sociedade pudesse solver os seus compromissos, quando não era a própria requerente que pagava directamente os débitos desta sociedade, pois seria em último caso, a responsável por essas dívidas, era da maior conveniência para a requerente livrar-se desse sorvedouro de recursos.

                Porém, atenta a relação de grupo, teria a requerente de o fazer sem que fosse atingida por qualquer execução, insolvência ou procedimentos judiciais semelhantes.

                Até porque as dificuldades de concorrer a fundos comunitários, limitaria a obtenção de lucros de empresas inseridas no grupo de que a requerente era sociedade dominante, lucros esses tributados em sede de IRC.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira, aceitando as despesas e disposição de fundos feitos pela requerente à B..., Ldª., pelo que estarão devidamente documentadas e nunca lhes atribuindo qualquer animus donandi, apenas as não aceita por razões formais, ou seja, entende que não preenchem os requisitos formais do artº. 28º.-B do CIRC, ou seja, não se verifica a comprovação judicial da situação de imparidade desses créditos, pelo que as qualifica como perdão fiscal.

                Ora, não nos parece que seja minimamente aceitável e racional que a empresa dominante tivesse que propor qualquer procedimento judicial contra a empresa participada, por cujo crédito ela própria também era responsável.

                Acresce que não se demonstra que uma tal iniciativa judicial, para além dos custos que comporta, tivesse possibilidade de êxito e não provocasse até um concurso universal dos outros credores da B..., Ldª., com todas as consequências indirectas que adviriam para a ora requerente.

                Em todo o caso, atento o princípio da substância que deve sobrelevar-se ao mero formalismo, entendemos que, assente a existência dessas situações de crédito da requerente sobre a sociedade por si participada, a libertação pela requerente desse activo tóxico não poderá deixar de considerar-se uma medida de gestão, que foge ao controlo da actividade fiscalizadora da Autoridade Tributária e Aduaneira.

                Aliás, tem sido esta a orientação seguida pelos nossos tribunais fiscais superiores, como o Supremo Tribunal Administrativo e Tribunais Centrais Administrativos.

                Na anterior redacção do artº. 23º. do CIRC, em vigor até Dezembro de 2013, previamente à publicação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, determinava-se que “consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Posteriormente, desde o diploma atrás referido, o nº. 1 do artº. 23º. passou a ter a seguinte redacção: “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”

                Ora, no âmbito da redacção anterior a 2014, era entendido pelos tribunais fiscais que “para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não podia sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade”, pelo que “um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)”

                Por isso, foi decidido no Ac. da 2ª. Secção do STA de 28-06-2017, proferido no processo 0627/16, divulgado em http://www.dgsi.pt/jsta, que

 

 III - Não pode a AT desconsiderar na formação do lucro tributável a menos-valia resultante da venda de participações sociais duma sociedade que se dedica à mesma actividade do sujeito passivo, se não põe em causa que a aquisição e venda dessas participações se insere no escopo societário e se não põe em causa a realidade dos preços de aquisição e de venda nem a sua conformidade aos valores de mercado. Não pode, designadamente, desconsiderar essa menos-valia com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade (cfr. art. 23.º do CIRC na referida redacção) baseada numa inexigível e até impossível falta de identificação dos “proveitos futuros decorrentes dessa menos-valia”.

IV - Ademais, esse entendimento da indispensabilidade reconduz-se à exigência de uma relação de causalidade necessária e directa entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência.”

                Face à nova redacção do artº. 23º. do CIRC em vigor desde 2014, não foi alterada a interpretação do referido artigo, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência e nem havendo razão para a alterar, pois a formulação legal mais recente era perfeitamente compatível com essa interpretação, seguindo os cânones de interpretação da lei fixados no artº. 9º. do Cod. Civil.

                Merece aqui uma referência especial o acórdão do tribunal arbitral do CAAD, sendo árbitro presidente o sr. Cons. Jorge Lopes de Sousa, proferido no processo 37/2016-T, por assentar como uma luva no caso dos presentes autos:

“Com efeito, além da quantia manifestamente simbólica de 1 euro, a Requerente obteve como contrapartida patrimonial, que se produziu na sua esfera jurídica, a desvinculação das obrigações de compensação que assumiu no Acordo Parassocial junto do F… e do G…, designadamente a extinção da obrigação de transmitir um conjunto de  acções da B…, S.A, e das alternativas obrigação de efectuar o pagamento em numerário correspondente ao desvio negativo e da obrigação de adquirir as participações sociais do F… e do G… bem como os respectivos suprimentos.

Por isso, tem de se concluir que o acto impugnado enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, pois não há qualquer fundamento para afirmar que a cessão dos créditos foi efectuada com o intuito de efectuar uma atribuição patrimonial gratuita aos fundos públicos referidos.”

                Também nos presentes autos, ao ceder os seus créditos e a participação directa que detinha no B..., S.A., a requerente libertou-se da obrigação de pagar as obrigações e débitos desta sociedade, como também deixou de responder pelas outras obrigações contraídas pela mesma sociedade perante terceiros, pois essa sociedade manifestamente não tinha nas mãos da requerente a possibilidade de obter proveitos necessários e suficientes para solver as suas obrigações.

                E embora a AT não tenha ido, nos presentes autos, tão longe ao atribuir motivações nos presentes autos como o fora no citado processo, ao atribuir intenção donatária na presente cessão de créditos e de acções, ao exigir um argumento formal de prévia execução judicial, que se não apresenta como razoável, acaba por não referir, nem demonstrar o infundado da justificação da requerente para esse negócio ruinoso, com as vantagens que do mesmo pretendia obter.

                Por isso, tem de entender-se que houve erro sobre os pressupostos de facto na decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira de não considerar como custos do exercício a alienação dos créditos sobre a sociedade B..., S.A., no montante de € 665.729,81, pelo que tem de ser anulado nessa parte o acto de correcção da matéria colectável relativa ao ano de 2016.

 

4.3. Questão

                O terceiro vício imputado pela ora requerente ao acto de correcção da matéria colectável é o de ilegalidade por não ter sido considerado no exercício de 2016, a renúncia às prestações suplementares devidas pela sociedade C..., S.A., por se  tratar, alegadamente, de menos valia, não dedutível ao abrigo do artº. 51º.-C, nº. 2 do mesmo diploma legal (CIRC).

                A requerente defende que que ao renunciar ao reembolso do valor das prestações suplementares de que era credora, enquanto accionista da sociedade C..., S.A., não procedeu a qualquer transmissão onerosa de capital social ou de outros instrumentos de capital associados às partes sociais nesta última sociedade, mas a um perdão puro e simples do seu crédito referido, assim se extinguindo o mesmo.

                Invoca como objectivo para tal renúncia permitir que a sua participada, posteriormente redenominada como H..., conseguisse obter resultados positivos, permitindo-lhe até a obtenção em 2018 de um financiamento bancário, como refere no requerimento apresentado em sede direito de audição, nos artigos 135º. e 136º., que não mereceu no Relatório da Inspecção Tributária qualquer contestação no Ponto III.1.3. C..., SA - Perdão de Prestações Suplementares, na pág. 40 do mesmo.

                Por sua vez, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que, as mencionadas participações suplementares não alteram o capital social da sociedade, pelo que não há

alteração da participação social detida pela requerente na sociedade participada decorrente da prestação, reembolso ou extinção de quaisquer prestações suplementares, pelo que em termos fiscais não se apuram mais ou menos valias, por qualquer ganho ou perda associado a estas. E, reconhecendo que houve “ganho” da empresa participada com o referido perdão, tendo esse ganho sido tributado a esta, como resulta do respectivo IES, não pode ser considerado uma perda dedutível da requerente, pois não consta das perdas dedutíveis previstas no artº. 23º., nº. 2 em qualquer das suas alíneas.

                Face aos factos considerados provados nas alíneas t), u) e v) e aos fundamentos das posições de cada uma das partes, não podemos desde logo deixar de anotar que o fundamento para a correcção do rendimento colectável indicado pela requerida não tem suporte legal, pois não se trata da transmissão de quaisquer participações sociais ou de instrumentos de capital próprio, mas da extinção por remissão de um crédito da requerente sobre a sua participada.

                Portanto, o problema coloca-se única e exclusivamente no âmbito de aplicação do artº. 23º. do CIRC, sendo certo que a enumeração constante do respectivo nº. 2 é meramente exemplificativa, como resulta da utilização do advérbio “nomeadamente”.

                Ora, face aos dados indicados pela requerente no exercício do seu direito de audição, não desmentidos pela requerida, verifica-se que, essa remissão do crédito de prestações suplementares visou a revitalização da sociedade participada, sendo certo que a requerida não só não refere no relatório que tivesse qualquer outro objectivo, como nem sequer refere que esse perdão fosse contrário ao objectivo de obter lucro, que deve ser o objectivo de qualquer sociedade comercial.

                Somos assim regressados à interpretação do artigo 23º. do CIRC, que foi feita na questão anterior e temos de concluir que, mal ou bem, a requerida procedeu a essa remissão do seu crédito sobre a ao tempo sociedade C..., S.A., como acto de gestão, que cabe no âmbito do nº. 1 desse normativo, pois a requerida mantendo a sua participação social na nova sociedade H...  aproveitará dos eventuais lucros que esta venha a obter.

                Ora, nem a requerida, nem este tribunal arbitral deve ou sequer pode analisar a bondade da remissão realizada do crédito de prestações suplementares que, ao tempo, a requerente detinha sobre a sociedade C..., S.A.

                Por isso, com base na violação do artº. 23º., nº. 1 do CIRC entendemos que deve proceder a invocação do vício de erro sobre os pressupostos de direito relativamente à referida correcção da matéria colectável, com exclusão como perda do exercício de 2016, da remissão desse crédito pela requerente

                Com a procedência da arguição do referido vício desta específica correcção da matéria colectável, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que relativamente à mesma correcção são alegados pela requerente, como o vício da deficiente fundamentação, da preterição de audiência prévia do relatório final e da violação de doutrina da própria AT, sendo que os restantes vícios apontados já foram objecto de análise e estão abrangidos pelo erro nos pressupostos de direito, que ditaram a procedência do vício imputado a esta parte do acto impugnado.

 

4.4. Questão

                Relativamente à questão da ilegalidade por não terem sido considerados os gastos com deslocações, viagens e outras despesas, no montante de €14.709,03 (exercício de 2016) e €13.256,67 (exercício de 2017), por alegada violação do artigo 23.º do Código do IRC, a requerente alega que as deslocações e viagens (Bolonha, Bruxelas e Paris) foram viagens de negócios, realizadas por administradores da Requerente e ao serviço da mesma, de prospecção de investimentos imobiliários e mobiliários, alegando ainda que o artigo 23.º do Código do IRC não exige  a demonstração de um nexo directo e imediato entre determinado gasto e determinado proveito empresarial e a AT não alega, nem indicia alguma factualidade no sentido de que os encargos foram incorridos na prossecução de outro interesse que não o empresarial.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que não basta ao contribuinte provar a realidade do gasto e respetiva contabilização. O mero facto de um dado gasto estar alegado pelo contribuinte, e existir um suporte documental, não pode determinar, por si só, a sua aceitação como dedutível. Para que os gastos contabilizados sejam fiscalmente dedutíveis, é necessário que sejam conexos com os rendimentos sujeitos a Imposto. Isto é, a relevância do gasto em análise para efeitos da determinação do resultado fiscal depende da observância de requisitos essenciais, como sejam, a sua ligação aos rendimentos sujeitos a IRC, decorrendo do princípio geral do artigo 23.° do CIRC que as despesas realizadas pelo contribuinte, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas à obtenção dos ganhos sujeitos a Imposto, e à efetividade da realização dos gastos, a qual consiste em várias formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos, ou seja, à sua prova documental, de acordo com os números 3, 4 e 6 do artigo 23.° do CIRC, sob pena de não serem dedutíveis para efeitos fiscais de acordo com a al. c), do n.º1 do artigo 23.º-A do .CIRC:

                Face aos factos constantes das alíneas x), y) e z), a questão resume-se à prova de que as despesas com as viagens referida visaram ou não a satisfação de interesses da requerente, ou seja, cumpre, nesta fase, aferir a quem pertencia, nos termos da Lei, a obrigação de provar que o custo das viagens, consideradas não dedutíveis, tinham por objectivo obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

                Neste contexto, refira-se, em primeiro lugar, que, tal como resulta do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

                Com o propósito de aclarar a aludida norma, recorre-se ao auxílio dos autores Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, que, relativamente àquela premissa, esclarecem que “a administração tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto que os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos”  .

                Note-se que aqueles autores vão ainda mais além ao defender, com base no artigo 58.º da LGT, que a AT não deve apenas “procurar carrear para o procedimento provas dos factos que aproveitem à sua posição, pois, nessa matéria, mantém-se o seu dever, derivado do princípio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade (…)”.

                Importa, assim, referir que aquele parece ter sido o entendimento acolhido pela maioria da doutrina que se debruçou sobre o tema. De facto, veja-se, a título de exemplo, o que preconizou António Lima Guerreiro sobre o presente assunto, “na falta de regras especiais, ou seja, salvo presunção legalmente consagrada, é assim, à administração fiscal que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua atuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo que não tenham sido declarados pelo contribuinte”  .

                E, no mesmo sentido, se tem pronunciado a jurisprudência. Com efeito, atente-se no Acórdão de 12-01-2012, proferido no processo n.º 00624/05, do Tribunal Central Administrativo Norte, no qual se estabeleceu que “cabe à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos”.

                Deste modo e em relação ao caso dos presentes autos, pode, desde já, o presente Tribunal Arbitral concluir que pertencia à AT o ónus de demonstrar, com os meios que tinha, e tem, ao seu dispor, que as deslocações e as viagens contabilizadas pela requerente como custos de exercício tinham como objectivo ou foram para quaisquer eventualidades estranhas à actividade e fins da requerida e note-se, aliás, que a AT teve ampla oportunidade para fazer esta prova, visto que as correções aqui contestadas resultaram de processo inspetivo instaurado e desenvolvido na sede da ora Requerente, no âmbito do qual poderiam ter sido indagados quaisquer factos comprovativos que permitissem demonstrar, inequivocamente, quais as finalidades das referidas viagens e deslocações.

                Por isso, entende este Tribunal Arbitral, que a requerida AT não cumpriu tal obrigatoriedade legal, não se demonstrando capaz de fundamentar com factos, qualquer razão para a não dedutibilidade dos mencionados custos com viagens e deslocações. Acresce que tendo a requerente alegado que as deslocações e viagens aos destinos indicados de Bolonha, Bruxelas e Paris, foram viagens de negócios, realizadas por administradores da Requerente -  o respectivo nome encontra-se nas facturas - e ao serviço da mesma, não carecia de demonstrar que dessas viagens resultassem quaisquer lucros ou proveitos tributáveis em IRC, como efeito de que essas viagens fossem a respectiva causa, bastando a alegação de que com base nelas se pretenderam novos negócios tendo em vista esses proveitos tributáveis.

                Face ao exposto, procede a arguição da requerente da existência do vício de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito no facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter procedido à correcção da matéria colectável dos exercícios de 2016 e 2017, considerando não dedutíveis os custos suportados pela requerente com deslocações e viagens constantes dos documentos referenciados no quadro da al. x) dos factos provados, com violação por disposto no artº. 23º., nº. 1 do Código do IRC.

 

4.5. Questão

                Por fim, impugna igualmente a requerente, com fundamento em vício de ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito, o facto de não por não terem sido consideradas no exercício de 2016, perdas no montante de € 606.651,79, resultantes da perda de participações de capital em sociedades insolventes, pois alegadamente desconhecia essas insolvências e logo não se aplica o princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do Código do IRC

                A requerente impugna o facto de a AT apenas não aceitar a dedução de perdas que ocorreram nos exercícios de 2004 (L...), 2006 (K...) e 2009 (M...), não questionando a razão para serem reconhecidas em 2016 e não em anos anteriores, alegando a requerente que, só no exercício de 2016 é que foi por ela tomado conhecimento da extinção das participações detidas, resultando do Relatório da Inspecção Tributária que a requerente detém participações financeiras consideráveis de cerca de €120.548.320,00, em 2002, na p. 32 do RIT e muitas delas são participações financeiras enquanto accionista muito minoritário.         Por isso, a extinção das três participações financeiras aqui em causa não chegou, de facto, ao conhecimento da Requerente senão no exercício de 2016, entendendo ser aqui aplicável o n.º 2 do artigo 18.º do Código do IRC, nos termos do qual “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.

                Alega ainda que as extinções eram manifestamente desconhecidas, nem nada indicia que o não fossem, pelo que, no seu entender, não há violação do princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do Código do IRC.

                Alega, por fim, que se não for especificamente destinatária de uma notificação, não lhe é exigível que verifique, a todo o tempo, da eventual extinção de participações

financeiras e da preterição de comunicações devidas, por meio de diligências de pesquisa (aliás, a 3.ª série do DR, quanto à publicidade de determinados actos societários, nem sequer era de acesso universal gratuito).

                Por isso, a correcção à matéria colectável do montante em causa, no ano em apreço, seria ilegal por violação do princípio da justiça, o qual constitui um princípio basilar do procedimento e processo tributário, consagrado nos artigos 266.º da Constituição da República Portuguesa e 55.º da LGT, sendo que, não tendo a requerente reconhecido os gastos nos exercícios anteriores de ocorrência das dissoluções por desconhecimento, a única solução que permite uma adequada e justa aplicação da lei é a de a AT se abster de efectuar qualquer correcção em desfavor do contribuinte.

                Por sua vez, a Autoridade Tributária e Aduaneira contrapõe que entre a ocorrência dos factos, não decorreu apenas um exercício, mas doze, dez e sete exercícios, respetivamente, para que o sujeito passivo viesse a considerar tais gastos como “prioridade”, pelo que, mesmo que se admitisse, por hipótese meramente académica, o desconhecimento que a requerente agora invoca, tal desconhecimento seria apenas fruto de uma conduta altamente negligente da requerente, pois que os meios de publicidade estão ao seu dispor, como para os demais contribuintes, que, com um mínimo de zelo cumprem com as suas obrigações.

                Na verdade, atendendo aos documentos de suporte que constam no Anexo XII, referentes à “DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO”, publicados no Portal da Justiça, não pode o sujeito passivo alegar o desconhecimento de tais factos, nem alegar a não transferência de resultados entre exercícios, pois não é apenas o lucro tributável que está em causa, uma vez que eventuais prejuízos fiscais apurados em determinado período, são dedutíveis (por determinado tempo) aos lucros de anos seguintes, sendo que, se tais perdas tivessem sido reconhecidas nos respetivos períodos, de 2004, 2006 e 2009, o eventual reporte de prejuízos fiscais já teria caducado no exercício de 2016.

                Sucede que, no entanto, nos exercícios de 2004, 2006 e 2009, o sujeito passivo obteve lucros, aos quais deduziu, até à sua concorrência, prejuízos apurados em anos anteriores, que teriam caducado e não seriam utilizados na totalidade caso tivesse reconhecido tais gastos nos anos a que efetivamente se reportam, pelo que se demonstra o benefício que a requerente retirou com o reconhecimento posterior, atendendo a definir previamente a “prioridade” de tais perdas em transferi-las para períodos posteriores.

                Face às posições assumidas pelas partes e que se deixam referidas, bem como aos factos provados nas alíneas aa) a ff), há que considerar desde logo que uma das funções do registo comercial é dar publicidade a todos os actos de registo que digam respeito a sociedades comerciais.

                E, se a experiência, nos tem demonstrado que os sócios ou accionistas das sociedades em processo de insolvência raramente são notificados destes eventos, não pode deixar de se referir que, nenhum dessas dissoluções a que se reporta a correcção efectuada pela AT tem subjacente qualquer processo judicial de insolvência, antes se trata de dissoluções deliberadas em assembleia geral, como se alcança das informações juntas com o anexo XII do Relatório da Inspecção Tributária.

                Por isso, a requerente como detentora de participações sociais na K... e na L... tinha forçosamente de ter sido convocada para as assembleias gerais onde foi deliberada a dissolução e o encerramento da liquidação, sob pena de invalidade das correspondentes deliberações. E o mesmo se passando com a redução do capital, aumento de capital e alterações ao contrato de sociedade da sociedade M... .

                Por isso, não é credível a alegação de desconhecimento, pois com a diligencia normal de um acionista a requerente face à convocação que seguramente lhe foi endereçada, poderia ter tido logo conhecimento das deliberações tomadas.

                Acresce que, face aos procedimentos que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere como utilizado pela requerente, no que respeita a reporte de prejuízos, a requerente tinha conhecimento que o artº. 51º., nº. 2 do CIRC estabelece que esse reporte tem um período legalmente fixado para serem deduzidos os prejuízos sofridos em exercícios anteriores, período esse que era, em 2016, de 5 anos.

                Ora, no exercício de 2016, a requerente pretende ver deduzidas perdas de capital ocorridas há doze, dez e sete exercícios.

                Porém, a regra em termos de periodização dos resultados positivos ou negativos é o ano económico, em que os mesmos incorram, assim se cumprindo o princípio da especialização dos exercícios.

                Porém, a lei estabelece excepções, que na possibilidade de reporte de prejuízos, quando os mesmos ocorreram depois, por serem imprevisíveis ou só foram conhecidos depois, por serem desconhecidos.

                Não é manifestamente o caso das dissoluções de duas sociedades, bem como da redução a zero do capital social de uma delas, quando são consequência de deliberações sociais, tomadas em assembleias gerais, para as quais os accionistas terão de ser convocados.      

                Aliás, a jurisprudência citada pela requerente diz respeito a situações em que a lei impõe notificações e é de presumir que não são preteridas, ou seja, se o forem e os sócios não forem chamados nos processos de insolvência ou liquidação e só vêm esses sócios ou accionistas a descobrir postumamente que as participações se extinguiram, não se pode penalizar o contribuinte por pretensa falta de zelo. 

                Mas não é o que sucede no presente caso.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         

                Face ao exposto, bem andou a AT em não aceitar a dedutibilidade das perdas de capital da requerente, por força da dissolução das sociedades K... S.A. e L... S.A. e da redução do capital social da sociedade M... S.A., por não se verificar, nem poder ter ocorrido o vício que lhe é imputado pela requerente, dado que não existe qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito que subjazem a esse acto.

                Improcede assim, nesta parte a impugnação deduzida.

 

5. Indemnização pela garantia prestada:

                Como consta dos factos provados nas alíneas gg) e hh), a requerente, para suspender a execução para cobrança dos tributos liquidados e ora impugnados, cobrança essa promovida na execução fiscal processo ...2021..., a correr termos pelo Serviço de Finanças de Oeiras – ... , prestou garantia por meio da hipoteca de uma fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente à sub-cave-Estabelecimento comercial ou armazém, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado lote n.º...-  ..., sito em ..., freguesia de ..., concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o número ..., daquela freguesia, e Inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de ... ... ... e ... sob o artigo ... (anteriormente artigo ... da Extinta freguesia de ...), por meio de escritura celebrada em 25 de Maio de 2021, tendo, com a constituição da hipoteca referida, gasto € 281,26, conforme factura que juntou.

                Entende a Requerente que, nos termos do artº. 53º., nº. 1 da LGT, por a hipoteca ser equivalente a garantia bancária, tem direito a ser indemnizada pelo valor que despendeu com a constituição dessa hipoteca, invocando para tal que deve prevalecer o princípio da justiça sobre a legalidade estrita, pois não obteve qualquer proveito da suspensão da execução e até foi prejudicado pelo erro dos serviços.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo contrário, entende que, se é verdade que, em caso de procedência da impugnação de liquidação, o impugnante tem direito a indemnização pela garantia prestada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 53º. da LGT e n° 1 do artigo 171 do CPPT, não é menos verdade que, no caso concreto, a suspensão da execução foi conseguida à custa de uma hipoteca voluntária do imóvel inscrito sob o artigo matricial ... da freguesia de ... e não através de garantia bancária, não podendo considerar-se equivalente a garantia bancária essa hipoteca, conforme jurisprudência que cita.

                Cumpre decidir.

                A questão que se coloca tem a ver com a interpretação o artº. 53º., nº. 1 da LGT, onde se determina que “o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.”

                Ora, da análise dos factos provados, resulta desde logo, que o pedido da requerente não tem fundamento legal, pois é pressuposto do direito à indemnização vertido no citado artº. 53º., nº. 1 da LGT, que a garantia se tenha mantido por mais de 3 anos, o que não é o caso, pois a mesma nem sequer tem um ano de existência.

                Acresce, por outro lado, que conjugando os nº.s 1 e 3 daquele artº. 53º., será garantia equivalente à garantia bancária, toda a forma de garantia que implique para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida, como refere o Cons. Lopes de Sousa .

                Ora, a hipoteca voluntária tem um custo que se fixa no momento da sua constituição, não aumentando com o tempo, pois, por exemplo, as eventuais rendas do estabelecimento hipotecado pela requerente, poderão continuar a ser recebidas por ela.

                Deste modo, improcede o pedido de indemnização formulado pela requerente pelo facto de ter constituído hipoteca para efeitos de suspensão da execução instaurada para cobranças das liquidações ora impugnadas, mais exactamente da liquidação referente a 2016.

 

 

6. Decisão

                Nestes termos, julga-se parcialmente procedente e provado, nos termos expostos o pedido de pronúncia arbitral, decidindo este tribunal arbitral:

a) julgar procedentes os vícios de ilegalidade, por não terem sido deduzidos à colecta os pagamentos especiais por conta realizados desde 2013, no montante de €18.294,78, por erro sobre os pressupostos de facto na não aceitação da dedutibilidade como custos do exercício da alienação dos créditos sobre a sociedade B..., S.A., por erro sobre os pressupostos de direito relativamente à exclusão como perda do exercício de 2016, do perdão do crédito de prestações suplementares à sociedade C..., S.A., por erro sobre os pressupostos de facto na não aceitação como ilegíveis o valor das deslocações e viagens (Bolonha, Bruxelas e Paris) em 2016 e 2917, por administradores da Requerente e ao serviço da mesma, com a consequente anulação nessa parte o acto de correcção da matéria colectável relativa ao ano de 2016 e 2017 e declarando-se a anulação das liquidações ora impugnadas.

b) julgar improcedente o vício de ilegalidade pela não aceitação da dedutibilidade das perdas de capital da requerente, por força da dissolução das sociedades K... S.A. e L... S.A. e da redução do capital social da sociedade M... S.A., dele absolvendo a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

c) julgar improcedente o pedido de Indemnização por Prestação de Garantia Indevida, dele absolvendo a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Valor do processo

                De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €52 .107,67, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, na proporção de 2/7 a cargo da requerente e 5/7 a cargo da requerida

Lisboa, 19-04-2022

 

O Árbitro

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)