SUMÁRIO:
1. O artigo 45.º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção.
2. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação o coeficiente de qualidade e conforto (Cq) previsto no artigo 43.º do CIMI, devendo a avaliação ser efetuada nos estritos termos do artigo 45.º do mesmo código que dispõe sobre o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
3. Não tem aplicação no cálculo do VPT dos terrenos para construção a aplicação do coeficiente de localização (Cl), na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIMI.
4. Sem prejuízo de ao abrigo do n.º 4 do 78.º da LGT ser excecionalmente autorizada a revisão do valor da matéria tributável – conceito que integra o valor patrimonial tributário – a revisão dos atos tributários de liquidação, quando na base da sua realização esteja uma matéria tributável, quantificada ou determinada de forma ilegal, por erro imputável aos serviços, a revisão dos atos de liquidação é enquadrável no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Professor Doutor Fernando Araújo (árbitro-presidente), Dra. Adelaide Moura e Dr. Jesuíno Alcântara Martins, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31.08.2021, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A sociedade A..., SA., (antes designada por B..., SA), com o número de identificação de pessoa coletiva..., e com sede em Rua..., n.º..., ...-... ..., (doravante designada por Requerente), apresentou em 28.06.2021, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante designado por RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. A Requerente formula pretensões no sentido de obter pronúncia arbitral em que o Tribunal declare
a) a anulação do indeferimento tácito resultante da não apreciação do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente junto do Serviço de Finanças de...;
b) a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 e de AIMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, infra deviamente identificados;
c) A restituição à Requerente do valor de IMI e de AIMI indevidamente pagos.
3. Com efeito, a Requerente pede a anulação do ato de indeferimento tácito resultante da não apreciação do pedido de revisão oficiosa apresentado em 30.11.2020, nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, no Serviço de Finanças de ..., através do qual solicitou a anulação dos atos de liquidação de IMI, relativos aos anos de 2015 a 2019, e de AIMI referentes aos anos de 2017 a 2020, no valor total de € 345.473,65.
4. A Requerente pede a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2015 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020, com fundamento na circunstância da liquidação destes ter tido por base um valor patrimonial tributário ilegal, visto que teve na sua conformação coeficientes que, nos termos da lei, são aplicáveis aos prédios edificados, mas não são aplicáveis aos terrenos para construção. Outrossim, pede a restituição dos valores pagos indevidamente e o pagamento de juros indemnizatórios nos termos da lei.
5. Os atos de liquidação de IMI e de AIMI foram pagos pela Requerente, conforme se comprova através do documento 2 anexo ao pedido de pronúncia arbitral (ppa).
6. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD em 30 de junho de 2021 e automaticamente notificado à AT.
7. Atento o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou os árbitros, que de imediato aceitaram o encargo. As Partes, devidamente notificadas, não manifestaram qualquer oposição à designação dos árbitros feita pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
8. Em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 8.º e na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação que lhe foi dada pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 31 de agosto de 2021.
9. Em 13 de setembro de 2021 foi notificada a Exm.ª Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT.
10. Em 04 de outubro de 2021, a Requerente apresentou nos autos de arbitragem um requerimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a informar que, em 11.08.2021, foi notificada através do Ofício n.º ..., de 2021.08.05, da Direção de Serviços de Avaliações – Divisão de Avaliação da Propriedade e Estudos, no sentido de que, na sequência do Despacho proferido em 29.07.2021 pela Sra. Subdiretora-Geral da área dos Impostos sobre o Património, aquele serviço procederá à anulação administrativa das avaliações efetuadas aos terrenos para construção identificados através dos artigos U ... da freguesia de ... e U ... da freguesia de ... . Por despacho da mesma data do Presidente do coletivo foi ordenada a junção do requerimento aos autos de arbitragem tributária e ordenada a notificação da Requerida para efeito de efetivação do respetivo contraditório.
11. Em 18 de outubro de 2021, a Requerida apresentou a sua resposta e, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT, remeteu para ser junto aos autos o processo administrativo (PA).
12. A Requerida na sua resposta, que aqui se dá por integralmente reproduzida, defendeu-se por exceção e por impugnação, tendo invocado as exceções seguintes:
a) Da inexistência dos atos de avaliação cuja fórmula de cálculo é objeto dos presentes autos, por lhe ter sucedido outra avaliação, ou pelo decurso do prazo de cinco anos desde a sua emissão;
b) Da inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação valor patrimonial tributário;
c) Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
13. Em cumprimento do despacho de 20 de outubro de 2021 do Presidente do Coletivo, a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida, tendo a Requerente aduzido as suas razões em resposta às exceções através de documento apresentado aos autos em 05 de novembro de 2021, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido.
14. Em 08 de novembro de 2021, foi proferido despacho arbitral, que foi devidamente notificado às Partes, e em que o Tribunal arbitral determinou: i) Dado que já foi exercido o contraditório quanto à matéria de exceção, que será apreciada a final, dado que as questões que subsistem são essencialmente de direito, e dado que não foi requerida qualquer prova testemunhal, dispensa-se a reunião do art.º 18.º do RJAT, podendo as partes apresentar alegações escritas, a Requerente no prazo de 10 dias contados da notificação do presente despacho, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas. ii) Nos termos do art.º 21.º, 1, do RJAT, a decisão final será proferida e comunicada até 28 de fevereiro de 2022, devendo a Requerente pagar o remanescente da taxa de arbitragem até essa data, dando cumprimento ao disposto no art.º 4.º, 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. (…). Por razões pessoais inerentes a um membro do Tribunal Coletivo, em 18.02.2022 foi proferido despacho pelo seu Presidente a prorrogar para 28.04.2022 a data para prolação da decisão arbitral.
15. A Requerida optou por não apresentar alegações, tendo a Requerente procedido à apresentação das suas alegações em 23 de novembro de 2021.
II. RAZÕES ADUZIDAS PELAS PARTES
II.1 Pela Requerente
16. A Requerente considera que as liquidações de IMI e de AIMI emitidas pelos serviços da AT, referentes aos anos de 2015 a 2020, e relativamente aos oito lotes de terreno infra identificados, padecem de ilegalidade, em virtude de terem por base um valor patrimonial tributário (VPT) determinado através da aplicação de uma fórmula manifestamente ilegal, por duplicação de critérios.
17. Em concreto, a Requerente alega que a AT não efetuou uma avaliação nos termos da lei, nomeadamente, em virtude da aplicação dos coeficientes de afetação e de localização, constantes do artigo 38.º do Código do IMI, – especificamente aplicáveis a prédios edificados – na determinação do VPT dos terrenos para construção, duplicando, assim, os critérios utilizados, o que resulta na determinação de um VPT excessivo e, consequentemente, na emissão de liquidações de IMI e de AIMI igualmente excessivas e ilegais.
18. A Requerente considera que no cálculo do VPT dos terrenos para construção, ao contrário do que tem sido a prática da AT, não podem aplicar-se os coeficientes que constam da fórmula geral de determinação do VPT previstos no artigo 38.º do Código do IMI, porquanto, este se destina a ser aplicado a prédios edificados, sob pena de existir uma dupla incidência de critérios na determinação do VPT e, consequentemente, se verificar uma manifesta ilegalidade na determinação do VPT relativo aos terrenos para construção.
19. A Requerente invoca que, ao contrário do que sucede na avaliação dos prédios da espécie “Outros”, em que existe uma remissão expressa para a fórmula geral de avaliação prevista no artigo 38.º do Código do IMI, a avaliação dos terrenos para construção é feita nos termos do artigo 45.º do Código do IMI, não existindo qualquer remissão para o disposto no artigo 38.º do mesmo código.
20. Em face das diversas decisões jurisprudenciais, quer dos tribunais judiciais, quer dos tribunais arbitrais, a Requerente conclui ser inequívoco que os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, previstos na fórmula geral do artigo 38.º, n.º 1 do Código do IMI, não podem ser aplicados à determinação do VPT dos terrenos para construção, sob pena de ilegalidade e duplicação de critérios, na medida em que esses coeficientes estão especificamente destinados à avaliação de prédios edificados.
21. A Requerente refere, outrossim, ser evidente que o valor a considerar na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção deve ser o do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração (i.e., € 482,40 em 2015, 2016, 2017 e 2018 e € 492,00 em 2019 e 2020) ao invés do valor base dos prédios edificados (603, em 2016, 2017 e 2018 e 615 em 2019 e 2020) indevidamente aplicados pela AT no cálculo do VPT dos terrenos para construção.
22. Por fim, a Requerente alega que a majoração de 25% estabelecida no artigo 39.º do Código do IMI aplica-se exclusivamente aos prédios edificados, não devendo ser considerada na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção. A aplicação da majoração de 25% aos terrenos para construção é inteiramente desprovida de suporte legal na medida em que o artigo 39.º do Código do IMI se refere expressamente a prédios edificados, de forma que é evidente a intenção do legislador de não aplicar esta majoração aos terrenos para construção.
23. A confirmar esta asserção está a circunstância do legislador ter reconhecido este entendimento e ter aprovado a alteração do artigo 39.º do Código do IMI, através da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado 2021), e ter eliminado do n.º 1 do artigo 39.º do CIMI a expressão “edificados”, precisamente para passar a dar cobertura legal ao comportamento que a AT vinha adotando, isto é, a aplicação da majoração de 25% à determinação do VPT dos terrenos para construção, o que demonstra que à data dos factos tal opção era ilegal.
24. A Requerente conclui que a consideração dos coeficientes de localização e afetação e da majoração de 25% do valor médio de construção, mediante aplicação analógica dos artigos 38.º e 39.º, n.º 1 do Código do IMI implica a determinação de um VPT excessivo e ilegal, sendo, consequentemente, ilegais os atos de liquidação de IMI e de AIMI impugnados através do presente pedido de pronúncia arbitral.
II.2 Pela Requerida
25. A Requerida começa por referir que, em relação à avaliação dos terrenos para construção, a jurisprudência tem entendido que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 01 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização, pelo que a aplicação dos referidos coeficiente avaliativos acarretam a ilegalidade do ato de fixação de valores patrimoniais.
26. A Requerida refere, ainda, que, nos termos do artigo 79.º da Lei Geral Tributária (LGT), os atos de fixação de valores patrimoniais podem ser objeto de anulação administrativa nos termos do Código de Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável por força da alínea b) do artigo 2.º da LGT, quando verificadas as condições legais e dentro dos prazos legais consignados, aplicando-se, para o efeito, o regime jurídico previsto no artigo 168.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
27. Todavia, a Requerida sublinha que, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 168.º do CPA, os atos administrativos não constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa, com fundamento em invalidade, “no prazo de seis meses, a contar do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos a contar da respetiva emissão”.
28. A Requerida reconhece que pela análise às avaliações dos terrenos para construção subjacentes aos atos de liquidação de IMI e de AIMI, os atos de fixação dos valores patrimoniais tiveram em consideração os coeficientes de localização e de afetação, pelo que, em face da jurisprudência consolidada, por se tratar de avaliações referentes a modelos 1 de IMI entregues anteriormente a 31 de dezembro de 2020, as mesmas não estão de acordo com a mais recente corrente jurisprudencial.
29. Nesta conformidade, a Requerida considera que os atos de fixação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção inscritos nos artigos matriciais n.º ... da freguesia de ..., n.ºs ... e ... da freguesia de ..., e o n.º ... da União das freguesias de ..., ... e ..., não são passíveis de anulação com fundamento em invalidade nos termos do artigo 168.º do CPA, porquanto o prazo legal para os anular administrativamente encontra-se precludido.
30. E no que concerne aos terrenos para construção inscritos no artigo n.º ... da freguesia de ... e no artigo ... da freguesia de ..., os mesmos foram avaliados em 2017 e em 2019, pelo que, em virtude de terem sido considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação dos valores patrimoniais dos terrenos em causa, e por ainda não estar ultrapassado o prazo de cinco anos para a anulação destes atos, foram os mesmos anulados administrativamente pelos serviços da AT.
31. A Requerida conclui que, com exceção das avaliações dos terrenos para construção inscritos no artigo matricial n.º ... da freguesia de ... e no artigo ... da freguesia de ..., todas a avaliações relativas aos restantes terrenos para construção subjacentes aos atos de liquidação de IMI e de AIMI foram efetuadas há mais de 5 anos, e não obstante ter sido considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributário dos referidos terrenos para construção, os atos de fixação do VPT já não podem ser anulados administrativamente, conforme decorre do artigo 168, n.º 1, do CPA, visto que já decorreu o prazo de cinco anos desde a realização das referidas avaliações patrimoniais.
32. A Requerida considera que os eventuais vícios que inquinam os atos das avaliações já se encontram sanados, pelo decurso do prazo de cinco anos ou pela cessação dos respetivos efeitos, e, nessa medida, se encontram consolidados juridicamente. Isto é, em síntese, a Requerida considera que
a) Os atos de avaliação impugnados, nalguns casos, já não existem na ordem jurídica, pois foram substituídos por outros;
b) Os atos de avaliação impugnados, noutros casos, já se encontram consolidado na ordem jurídica, não sendo passíveis de anulação;
c) O ato de fixação do valor patrimonial tributário é um ato destacável autonomamente impugnável que se consolida nos termos legais caso o mesmo não seja impugnado.
d) Os vícios do valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
33. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, e a haver lugar ao seu pagamento, a Requerida considera que uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30.11.2020, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, o pagamento de juros indemnizatórios apenas será devido um ano após a data da apresentação do pedido de revisão, isto é, 30.11.2021, sobre as importâncias do imposto indevidamente pagas.
III. – EXCEÇÕES INVOCADAS PELA REQUERIDA
34. A Requerida na sua resposta invoca exceções que importa analisar em ordem a tomar sobre elas uma decisão. Vejamos, então, as razões invocadas:
a) Da inexistência dos atos de avaliação cuja fórmula de cálculo é objeto dos presentes autos, por lhe ter sucedido outra avaliação, ou pelo decurso do prazo de cinco anos desde a sua emissão
35. A Requerida alega que as avaliações relativas aos terrenos para construção inscritos na matriz predial com o artigo n.º... da freguesia de ... e nos artigos n.ºs ... e ... da freguesia de..., já não estão em vigor em virtude de, posteriormente, terem sido realizadas outras avaliações. Foi praticado um novo ato de fixação de valor patrimonial realizado nos termos do artigo 130.º do CIMI, que substituiu o anteriormente efetuado e, nesta medida, o ato de avaliação em crise já cessou a sua eficácia, o que impede a respetiva anulação administrativa, visto que o ato já não existe na ordem jurídica.
36. Quanto aos atos de fixação do valor patrimonial dos terrenos para construção inscritos nos artigos n.º ... (freguesia de ...), n.ºs ... e ... (freguesia de ...), n.º... (União das freguesias de..., ... e ...), n.º ... (freguesia de ...) e n.º ... (freguesia de ...) foram todos realizados há mais de cinco anos, estando, assim, precludido o prazo de cinco anos previsto no artigo 168.º, n.º 1 do CPA, para proceder à sua anulação administrativa. E. nesta medida, em face do decurso do tempo, os vícios de que padeciam os atos de avaliação já se encontram sanados e os mesmos encontram-se consolidados juridicamente.
b) Da inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação valor patrimonial tributário
37. A Requerida considera que o Tribunal Arbitral está limitado pelo princípio do pedido, vide art.º 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT e que a Requerente vem pedir a anulação dos atos de liquidação de IMI e AIMI impugnados com base na impugnação do Valor Patrimonial Tributário (VPT), nomeadamente, invocando erros na fórmula de cálculo que foi utilizada pela AT para efeitos de determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção.
38. Nesta medida, e uma vez que constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável, os vícios de que enfermam os atos de fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade dos atos de liquidação, porquanto, os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica. Aliás, ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação do ato de liquidação.
c) Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa
39. A Requerida considera que o pedido de revisão oficiosa do ato de avaliação dos imóveis só seria possível através do disposto no artigo 78.º da LGT e apenas no âmbito dos normativos dos n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º da LGT, que se referem à revisão da matéria tributável apurada, onde se inclui a fixação do valor patrimonial dos imóveis, por via da respetiva avaliação.
40. Contudo, em face do normativo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT o pedido de revisão tem de ser formalizado no prazo de três anos posteriores ao do ato tributário, o que não se verifica em relação ao ato de liquidação de IMI do ano de 2015, razão pela qual em relação a este ato de liquidação o pedido de revisão é intempestivo.
41. Em face das razões aduzidas pela Requerida em sede de defesa por exceção, importa, portanto, o Tribunal pronunciar-se sobre esta temática.
a) Em temos de competência material dos tribunais arbitrais, e à luz dos normativos do artigo 2.º do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 31 de dezembro, compete ao tribunais arbitrais pronunciar-se sobre pretensões que visem a declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, bem como a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais. Estes normativos têm de ser articulados com o artigo 4.º do RJAT e com os normativos dos artigos 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2021, de 22 de março.
b) Importa sublinhar que, ainda que por via indireta, porquanto lhe precede um pedido de revisão oficiosa, o presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2015 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020, objeto que se integra plenamente no âmbito de competência material dos tribunais arbitrais.
Importa, todavia, referir que os atos que decidem reclamações graciosas e recursos hierárquicos das decisões sobre reclamações graciosas serão, neste contexto, atos de segundo e terceiro grau, respetivamente, em que pode ser apreciada a legalidade de atos de liquidação, que são atos de primeiro grau. O mesmo se poderá dizer relativamente aos atos que procedem à revisão de atos de liquidação de tributos, no âmbito do artigo 78.º da LGT. – Cfr. comentário de Jorge Lopes de Sousa à Lei da Arbitragem Tributária, págs. 102/103, Almedina, 2.ª Edição.
A restrição de competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD à declaração de ilegalidade de atos, tem como corolário que os seus poderes de cognição sejam limitados aos que os tribunais tributários podem exercer no processo de impugnação, ao qual o processo de arbitragem se configura como alternativa.
O indeferimento tácito não é um ato, mas uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação administrativos e contenciosos, como decorre do preceituado do n.º 5 do artigo 57.º da LGT. Apesar de o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT fazer referência apenas a declaração de ilegalidade de atos, é inequívoco que nela se abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos, pois, o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT faz referência aos “factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” e a “formação da presunção de indeferimento tácito” vem indicada na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. O indeferimento tácito presume-se que se baseia em razões de mérito e não em obstáculos processuais. Ao deixar de se pronunciar sobre a pretensão do contribuinte em que imputa ilegalidades ao ato impugnado, a administração tributária indeferiu-a, presumindo-se que não reconheceu nesse ato as ilegalidades que lhe foram imputadas.
c) Na verdade, em regra, a decisão de avaliação constitui ato destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respetiva. Acresce que no âmbito do IMI, se o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que a primeira tenha sido notificada (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI). Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI). Isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos. Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamento de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT. Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” - (artigo 113.º do CIMI).
d) Todavia, apesar da não impugnabilidade normal de atos de liquidação com fundamento em vícios dos atos de avaliação de valores patrimoniais, os n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”. Por isso, invocando a Requerente que os erros na aplicação do direito (exclusivamente imputáveis à AT) resultou em uma coleta em IMI excessiva e superior àquela que seria devida nos termos legais, o que é igualmente suscetível de configurar uma injustiça grave ou notória nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 4, da LGT.
e) Considerado que da norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI resulta que, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da LGT, as liquidações são oficiosamente revistas quando tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido. Ora, in casu, houve erro na determinação do valor patrimonial tributário, que se traduziu em erro de direito imputável aos serviços da AT. Porém, tendo por base a estrutura normativa do artigo 78.º da LGT, apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a atos de fixação da matéria tributável, categoria em que se integram os atos de fixação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, no caso, terrenos para construção.
f) Sendo certo que a norma do n.º 4 do artigo 78.º da LGT refere que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente” a “revisão da matéria tributável”, tal possibilidade configura um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no processo n.º 0476/09, de 07.10.2009, em que se disse que “O facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever. Com efeito, como escreve Jorge de Sousa, in Lei Geral tributária, Encontro da Escrita, págs. 706 e segs., “esta autorização apenas pode ser concedida excecionalmente. Esta restrição, porém, deve ser entendida como reportando-se às características incomuns da situação em que se verifica uma injustiça dos tipos referidos e não como permitindo ao dirigente máximo do serviço, perante situações que mereçam aquela qualificação, deixar de autorizar, em todos os casos, a efetivação da revisão. Com efeito, este dever de rever os atos injustos é um corolário do dever de atuação segundo o princípio da justiça, constitucionalmente consagrado (art.º 266.º, n.º 2, da CRP), pelo que não é constitucionalmente admissível o estabelecimento, pela lei ordinária, de casos de dispensa de observância de tal diretriz de atuação”. Pelo que, estando perante um poder estritamente vinculado, o Tribunal pode ordenar a convolação do procedimento de reclamação graciosa em pedido de revisão por injustiça grave ou notória - cuja alegação se retira, por interpretação, da petição de reclamação.”
g) In casu, o que está em causa é uma situação de erro de direito na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção por aplicação indevida dos coeficientes de localização, afetação, qualidade e de conforto, estando, assim, em causa um erro na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes atos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas que se esteja perante “injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”. Por outro lado, como é referido na doutrina e corroborado no Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0578/18, de 17.02.2021 “A previsão constante do dito art.º 78.º n.º 4, como excecional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos – cfr, entre outros, acórdão do STA de 02.11.2011, proc. 0329/11, acessível em www.dgsi.pt e Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed., Encontro de escrita, 2012, pág. 710.”
h) No presente processo de arbitragem os atos impugnados são os atos de liquidação do IMI dos anos de 2015 a 2019 e os atos de liquidação de AIMI dos anos de 29017 a 2020, cujo procedimento de liquidação teve por base um valor patrimonial tributário que enferma de ilegalidade por errada aplicação do direito, situação que configura uma inequívoca situação de ilegalidade e, outrossim, de injustiça grave e notória, devendo, consequentemente, a pretensão da contribuinte ser enquadrada no âmbito dos normativos do artigo 78.º da LGT e não no quadro dos normativos do artigo 168.º do CPA, tanto mais que os referidos atos de avaliação do valor patrimonial tributário continuam a produzir efeitos jurídicos, em concreto, os atos de liquidação de IMI e de AIMI e, não obstante os serviços da AT terem procedido à revogação de alguns atos de fixação do valor patrimonial tributário (artigo ... da freguesia de ... e artigos n.ºs ... e ... da freguesia de ...), até data não foi concretizada qualquer anulação dos atos de liquidação motivados pelos referidos valores patrimoniais tributários.
i) Importa ainda trazer aqui à colação a jurisprudência firmada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido no processo n.º 2765/12.8BELRS, de 31.10.2019, em que se disse que “A fixação do VPT constitui, como se disse, um ato administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos atos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projetam no ato final do procedimento ou em atos externos a este.
A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o ato final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos atos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do ato final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os atos prévios a essa liquidação (atos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final). Como assim, sendo a fixação do VPT um ato destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação, impugnação essa que no caso era permitida pelo artigo 20.º do Dec-Lei 287/2003.
Portanto, não tendo sido impugnada a fixação do VPT, facto que a recorrida aceita, parece que a consequência seria a de aceitar que as liquidações feitas a coberto desse VPT, enquanto não fosse alterado, não podiam também ser alteradas com tal fundamento.
Mas o problema pode ser olhado de outro prisma.
Em regra, os atos da Administração, com exceção dos atos viciados de nulidade, consolidam-se juridicamente se não forem impugnados nos prazos estabelecidos na lei. Todavia, mesmo fora das situações de nulidade o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afetam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.
É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos atos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.
O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um ato ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respetivos montantes, que não estejam previstos na lei. Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos atos de fixação do VPT (atos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os atos tributários stricto sensu, incluindo o ato de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo. O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida. Ora, ultrapassada que está atualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.
O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.
Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável.”
42. Importa agora cuidar da eventual caducidade do direito de ação, em concreto, da tempestividade do pedido de revisão oficiosa.
a) A Requerente apresentou em 30.11.2020 o pedido de revisão oficiosa a solicitar a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2015 a 2019 e de AIMI de 2017 a 2020. Visto que estão em causa atos de liquidação que tiveram por base um valor patrimonial tributário ilegal, por aplicação indevida dos coeficientes de localização, afetação, qualidade e de conforto, isto é, foi aplicada a fórmula matemática prevista no artigo 38.º do CIMI, quando os terrenos para construção devem ser avaliados à luz dos normativos do artigo 45.º do CIMI, in casu, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
b) A Requerente solicitou a revisão dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2015 a 2019 e de AIMI dos anos 2017 a 2020, e não a revisão do valor da matéria tributável – valor patrimonial tributário – dos terrenos para construção, pedido de revisão que, esse sim, apenas poderia, à luz do normativo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, ser formulado nos três anos posteriores ao do ato tributário, pedindo a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
c) O que esteve em causa no pedido de revisão apresentado ao abrigo do artigo 78.º da LGT foi a anulação dos atos de liquidação de IMI e de AIMI compreendidos entre os anos de 2015 e 2020, e não a revisão da matéria tributável apurada – valor patrimonial tributário, pelo que a matéria controvertida é enquadrável no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, visto que os atos de liquidação são ilegais, porquanto tiveram por base um valor patrimonial tributário que enferma de vícios por errada aplicação da lei, em concreto, aplicação da fórmula matemática prevista no artigo 38.º do CIMI, quando a avaliação dos terrenos para construção deve ser realizada com base nos normativos do artigo 45.º na redação vigente à data dos factos. Nesta medida, importa concluir pela tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.
d) Com efeito, o presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato o pedido de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e este visava a anulação dos atos de liquidação de IMI e de AIMI dos anos de 2015 a 2020, pelo que assim, sendo o objeto mediato do ppa é a apreciação da legalidade dos atos de liquidação, sobre cujo mérito nos pronunciaremos infra.
e) Com efeito, em face da jurisprudência do STA, não apenas o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa, mas também o pedido de revisão oficiosa da liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços apresentado no prazo de 4 anos, aproveitam ao sujeito passivo para efeitos de lançar mão da impugnação judicial em caso de indeferimento tácito – (cfr. proc.º 01950/13, de 02.06.2014). O pedido de revisão oficiosa do ato tributário constitui um meio de garantia que acresce aos demais, nomeadamente à reclamação graciosa. Sendo tempestiva a utilização de tal, a decisão sobre ele proferida ou a omissão de decisão, decorrido o prazo legal, abrem a possibilidade de recurso contencioso/arbitral, desde que respeitado o referido prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, conjugado com a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.
f) Portanto, visto que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente tem por objeto a anulação de atos de liquidação e não a revisão dos atos de fixação do valor patrimonial tributário, aliás, em relação a estes os serviços da AT já reconheceram que os mesmos enfermam de ilegalidade por erro na aplicação no direito, pelo que, à luz da lei, podia/devia ter procedido à revisão oficiosa dos respetivos atos de liquidação, sendo irrelevante que, para suporte do seu entendimento, a AT se escude na doutrina e na jurisprudência. Importa, portanto, concluir pela tempestividade do pedido de revisão oficiosa em relação a todos os atos de liquidação impugnados.
43. Assim, pelas razões supra enunciadas improcedem todas as exceções invocadas pela Requerida.
IV - SANEAMENTO
44. Em face da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) é subsidiariamente aplicável aos processos de arbitragem tributária, pelo que é legítima e legal a cumulação de pedidos feita pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral que deu lugar ao presente processo de arbitragem tributária.
45. O tribunal arbitral é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
46. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
47. O processo não enferma de nulidades.
48. Em face do disposto no normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente.
49. Não se verificam quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa ou que impeçam o tribunal de apreciar e de decidir.
V. MATÉRIA DE FACTO
V.1. Factos provados
50. Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:
50.1 Em 30.11.2020, a Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, um pedido de revisão oficiosa a solicitar a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2015 a 2019 e de AIMI de 2017 a 2020, com fundamento em erro imputável aos serviços, em virtude de existir erro na fixação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção que constituem o objeto da relação jurídica tributária.
50.2 A Requerente é proprietária dos lotes de terreno para construção seguintes:
50.3 Os atos de liquidação de IMI impugnados são os seguintes:
50.4 Os atos de liquidação de AIMI impugnados são os a seguir indicados:
50.5 As liquidações de IMI dos anos de 2015 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020 foram realizadas pelos serviços da AT e notificadas à Requerente, e esta procedeu ao seu pagamento nos termos previstos na lei, conforme decorre dos documentos integrados nos autos – Docs 2 e 3 juntos ao ppa.
50.6 O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30.11.2020 (Doc. 4 junto ao ppa) e data do registo da peça integrado no PA, pelo que, à face do normativo dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT, o ato de indeferimento tácito constitui-se em 30.03.2021.
50.7 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 28.06.2021.
50.8 Através do Requerimento apresentado pela Requerente em 04.10.2021 e, ainda, através do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, verifica-se que a AT procedeu à anulação dos autos de fixação do valor patrimonial tributário dos terrenos seguintes:
a) Avaliação (ficha de avaliação nº...) realizada em 20.11.2017 ao terreno para construção inscrito na matriz predial sob artigo ... da freguesia de ...;
b) Avaliação (ficha de avaliação nº ...) realizada em 28.02.2019 ao terreno para construção inscrito na matriz predial sob artigo ... da freguesia de ... .
V.2. Factos não provados
51. Não há factos essenciais com relevo para apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.
VI. MATÉRIA DE DIREITO
52. Em ordem a decidir sobre a matéria controvertida nos presentes autos de arbitragem tributária, importa elencar e escalpelizar o direito aplicável.
53. A Requerente vem impugnar atos de liquidação de IMI e de AIMI com fundamento em erros nos atos de fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de prédios urbanos – terrenos para construção – sobre os quais incidiram os referidos impostos.
A Requerente constatou que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, o qual serviu de base às liquidações de IMI dos anos de 2015 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020 objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, a AT aplicou indevidamente uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente, os coeficientes multiplicadores de VPT (i.e. os coeficientes de localização, afetação, de qualidade e de conforto).
O erro que a Requerente imputa à fixação dos valores patrimoniais tributários é o de ter sido aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados.
54. Em face das normas do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI os prédios urbanos são divisíveis nas espécies seguintes: i) Habitacionais; ii) Comerciais, industriais ou para serviços; iii) Terrenos para construção, e iv) Outros.
Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
55. O n.º 2 do artigo 15.º do CIMI estabelece que a avaliação dos prédios urbanos é direta, normativo que articula com os n.ºs 1 e do artigo 86.º da LGT e com o artigo 134.º do CPPT. Quanto à iniciativa do procedimento de avaliação dispõe o n.º 1 do artigo 37.º do CIMI que “a iniciativa da primeira avaliação de um prédio urbano cabe ao chefe de finanças, com base na declaração apresentada pelos sujeitos passivos ou em quaisquer elementos de que disponha”. A avaliação reporta-se à data do pedido de inscrição ou atualização do prédio na matriz e para o efeito, em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projeto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva.
56. Nos presentes autos o que está em causa não são os aspetos formais relativos ao procedimento de avaliação, mas sim questões de natureza substantiva atinentes à aplicação da lei no tocante a identificação e aplicação de critérios para efeitos de atribuição do valor patrimonial tributário aos terrenos para construção.
57. No capítulo VI do CIMI, secção II, constam as normas jurídicas aplicáveis às operações de avaliação com vistas à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos.
Os normativos do artigo 38.º do CIMI estabelecem que
“1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv, em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.
3 - Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º (Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)
4 - A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos. (Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)”.
58. Os normativos dos artigos 39.º a 44.º do CIMI definem, estabelecem e regulamentam os aspetos e critérios a ter em consideram na avaliação dos prédios urbanos edificados, cujas espécies estão fixadas no n.º 1 do artigo 38.º do CIMI (habitação, comércio, indústria e serviços), sendo que, sem prejuízo das remissões legalmente consagradas, as regras e critérios para avaliação dos terrenos para construção constam do artigo 45.º do CIMI, cujos normativos, na sua redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, estabeleciam que:
Artigo 45.º do CIMI (Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
“1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12)”
O artigo 42.º, para que remete o n.º 3 deste artigo 45.º, em relação ao que aqui interessa, estabelece o seguinte:
Artigo 42.º (Coeficiente de localização)
(...)
“3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º “
59. Sem prejuízo das inúmeras referências jurisprudenciais, quer dos tribunais judiciais, quer dos tribunais arbitrais, feitas quer pela Requerente, quer pela Requerida, importa destacar o que é dito no Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23.10.2019, proferido no processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, em que se disse que
“I. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).
II. O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
III. O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser suscetível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”
Na fundamentação deste acórdão é referido o seguinte:
“O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:
(…) Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afetação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.
A aplicação destes fatores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI. Mas porque a aplicação desses fatores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT por se refletir na norma de incidência na medida em que é suscetível de alterar o valor patrimonial tributário.
A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103.º n.º 2 da CRP.
A própria remissão para os artigos 42.º e 40.º do CIMI constante do artigo 45.º e mesmo a redação dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38.º com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros fatores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
É que mesmo a remissão feita para os artigos 42.º e 40.º do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respetivamente as características que hão de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.
O que se compreende face à definição de terrenos para construção do n.º 3 do artigo 6.º do C.I.M.I. (…)”.
Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2.ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.
Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no art.º 6.º n.º 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projeto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efetuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projeto e por outro lado, nos casos em que existe esse projeto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efetivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objetivamente, só é palpável e medível se efetivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projeto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.
Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência
(…) Efetivamente o coeficiente de afetação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não fatores ainda não materializados (…).
Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38.º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial fatores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (art.º 45.º n.º 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projeto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc., se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.”
60. Esta jurisprudência foi posteriormente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, conforme se pode constar pelos segmentos dos vários acórdãos infra indicados:
o Processo n.º 01107/16, de 05.04.2017 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art.º 45.º do CIMI»);
o Processo n.º 0897/16, de 28.06.2017 («II – Os coeficientes de afetação e conforto, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do art.º 45.º do CIMI»).
o Processo n.º 0986/16, 16.05.2018 («O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;
o Processo n.º 0133/18, 14.11.2018 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art.º 45.º do CIMI»;
o Processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, de 23.10.2019 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»
o Processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, 13.01.2021 («Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art.º 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».
o Processo n.º 0653/09.4BELLE, de 23.03.2022 («III. O método de determinação do valor patrimonial (VPT) dos terrenos para construção adotado pelo CIMI, e que constava do art.º 45.º, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012), era muito semelhante ao dos edifícios construídos, partindo-se da avaliação das edificações autorizadas ou previstas. IV - No entanto, na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção, era de afastar a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, previstos na fórmula do art.º 38.º do CIMI, relacionados com o prédio a construir.»).
61. Na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efetuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação.
62. Importa sublinhar que os atos de liquidação de IMI e de AIMI impugnados nos presentes autos de arbitragem, e identificados nos pontos 50.3 e 50.4 (Matéria de facto fixada), no valor total de € 345.473,65, são incidentes sobre terrenos para construção (identificados no ponto 50.2 da Matéria de facto fixada), em cuja avaliação foram considerados os coeficientes de localização, afetação, qualidade e de conforto.
63. Assim, em face da jurisprudência supra enunciada, tem de se concluir que a fixação do valor patrimonial tributário destes terrenos para construção enferma de erros que, tal como a Requerente refere, são exclusivamente imputados á Autoridade Tributária e Aduaneira, visto que a realização dos atos de avaliação são da sua responsabilidade.
64. Importa, ainda, analisar a questão atinente ao erro verificado pela aplicação da majoração de 25% prevista o artigo 39.º, n.º 1, do CIMI.
O artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, na redação anterior à Lei n. 75-B/2020, de 31 de Dezembro, estabelece que “o valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor”.
A Requerente imputa aos atos de avaliação ainda erro por a fórmula de cálculo utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na avaliação dos terrenos para construção considerar indevidamente o valor base dos prédios edificados (€ 603,00) ao invés do valor médio de construção, por metro quadrado, de € 482,40, nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, e de € 492,00, nos anos de 2019 e 2020, sem aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.
O valor médio da construção por metro, para efeitos do artigo 39.º do CIMI, manteve-se em € 482,40 entre os anos de 2015 a 2018, (Portarias n.ºs 280/2014, de 30 de dezembro, 419/2015, de 31 de dezembro, 345-B/2016, de 30 de dezembro, 379/2017, de 19 de dezembro) e em € 492,00, nos anos de 2019 e 2020 (Portarias n.ºs 330-A/2018, de 20 de dezembro, e 3/2020, de 13 de janeiro), anos de referência a que são aplicadas as avaliações em causa.
Como resulta do teor do n.º 1 do 39.º CIMI, na reação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, a majoração de 25% nele prevista reporta-se apenas a “prédios edificados”.
65. Por outro lado, o artigo 45.º do CIMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que estabelece as regras de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não remete para o artigo 39.º nem contém qualquer alusão ao “valor base dos prédios edificados”, expressão (epígrafe do artigo) que apenas veio a ser eliminada com a entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
66. Assim, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre os coeficientes, é de entender que não havia suporte legal para aplicar a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI no procedimento de avaliação para determinação do VPT dos terrenos para construção. Nesta medida, importa concluir que o VPT dos terrenos para construção supra identificados são também ilegais por violação dos artigos 39.º, n.º 1 e 45.º do CIMI, nas redações vigentes à data dos factos.
67.º Em face do exposto, importa concluir pela não aplicação dos coeficientes de localização, afetação, qualidade e conforto na avaliação e determinação do VPT dos terrenos para construção. Em concreto, em relação ao coeficiente localização previsto no artigo 38.º do CIMI, uma vez que este coeficiente de localização já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIMI, a sua consideração e aplicação da fórmula prevista no artigo 38.º do CIMI levaria â consideração, por duas vezes, deste coeficiente na determinação do VPT do terreno para construção. Os restantes coeficientes não se adequam à tipologia de prédio urbano que reveste o terreno para construção, razão pela qual o legislador estabeleceu no artigo 45.º do CIMI as regras e critérios específicos aplicáveis na determinação do VPT dos terrenos para construção.
68.º Acresce sublinhar que o artigo 39.º do CIMI, à data dos factos e conexos com as liquidações de IMI e de AIMI impugnadas, tinha por base a epígrafe “valor base dos prédios edificados” e o seu n.º 1 dispunha que:
“1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.”
É, assim, inequívoco que à data dos factos esta norma apenas abrangia os prédios edificados, sendo que o artigo 45.º do CIMI, que estabelece as regras da determinação do valor patrimonial tributário dos terreno para construção, na redação então vigente, não remetia para o artigo 39.º nem integrava qualquer alusão ao “valor base dos prédios edificados”, pelo que consubstancia uma ilegalidade a consideração da “majoração” prevista no artigo 39.º do CIMI no cálculo do VPT do terrenos para construção.
69. Assim, em face de todas as razões enunciadas, impõe-se concluir que o VPT fixado para os terrenos para construção supra identificados enferma de ilegalidades, por violação do artigo 45.º do CIMI, atenta a aplicação indevida de critérios fixados nos artigos 38.º e 39.º do CIMI e a duplicação do coeficiente de localização previsto no artigo 42.º do CIMI, razão pela qual os VPTs fixados para os terrenos em causa não podem fundar a realização dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2016 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020, tendo estes de ser anulados, o que se determina.
VII. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
70. Conjuntamente com a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2015 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020, e o consequente reembolso do valor pago indevidamente, a Requerente pede, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.
71. Nos termos da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."
72. Há que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.
73. O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
74. No caso dos autos, na fixação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção - prédios urbanos – verificou-se a prática de erro de direito, porquanto, foram aplicados os coeficientes de localização, afetação, qualidade e de conforto, o que se traduziu na aplicação da fórmula aritmética prevista no artigo 38.º do CIMI, bem como foi efetuada a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI, quando os terrenos para construção deviam ter sido avaliados em função das normas específicas do artigo 45.º do CIMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
75. Em face do erro praticado foi fixado um valor patrimonial tributário de valor excessivo, o que motivou que a Requerente se visse obrigada a ter de pagar IMI e AIMI em valor superior ao que seria exigível se o VPT tivesse sido corretamente fixado, erro que a própria AT já reconheceu.
76.Em face das razões enunciadas, e porque a Requerente efetuou um pagamento de IMI e de AIMI, referentes a períodos de tributação compreendidos entre 2015 a 2020, de valor superior ao que, nos termos da lei, deveria de ter efetivamente pago, circunstância que fundou o pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º da LGT, é inequívoco que estamos perante um pagamento de imposto indevido. Assim, em face das normas do n.º 1 e da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT, reconhece-se à Requerente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal sobre o montante indevidamente pago, desde a data de 30.11.2021, isto é, um ano posterior à apresentação do pedido de revisão oficiosa (30.11.2020), e até ao momento do processamento da nota de crédito.
VIII. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Revogar o ato de indeferimento tácito constituído ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT e incidente sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 30.11.2020;
c) Anular os atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2015 a 2019 e de AIMI referentes aos anos de 2017 a 2020, supra identificados, no valor total de € 345.473,65;
d) Julgar procedente o pedido de restituição de IMI e de AIMI, no valor total de € 345.473,65 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, à taxa legal, desde 30.11.2021 e até à emissão a nota de crédito.
IX. Valor do processo
De harmonia com o disposto o normativo do n.º 2 do artigo 305.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 345.473,65.
X. Custas
O valor das custas é fixado em € 5.814,00 (cinco mil oitocentos e catorze euros), ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.
Lisboa, 19 de abril de 2022
Os Árbitros
Fernando Araújo
Adelaide Moura
Jesuíno Alcântara Martins