Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 639/2021-T
Data da decisão: 2022-03-22  IMT  
Valor do pedido: € 362.866,36
Tema: Inutilidade superveniente da lide.
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Sumário:

 

Tendo a Autoridade Tributária deferido o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo contribuinte, visando a anulação dos atos tributários de liquidação, já após a interposição do pedido de constituição do tribunal arbitral, verifica-se a inutilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC.

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A... S.A, com sede social na ..., ..., ..., ...-... Quarteira, com o NIPC..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de reliquidação de imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis (IMT) e de imposto do selo (IS) n.º .../2018, bem como do despacho de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra ele deduzido, requerendo ainda a anulação dos processos de execução fiscal n.ºs ...2019... e ...2019..., e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 53.º da LGT.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente, em 6 de outubro de 2018, adquiriu um prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo..., freguesia de..., município de Sintra, e descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o registo n.º... .

 

De acordo com a escritura de compra e venda, a aquisição ocorreu no âmbito do processo de insolvência pessoal do alienante, ao qual foi atribuído o n.º de processo .../15...T8LSB, e beneficiou de isenção de IMT e IS por se tratar de transmissão integrada no âmbito  da liquidação da massa insolvente.

 

Vem o Serviço de Finanças de ... alegar que não se encontram reunidos os  pressupostos de aplicação dessa isenção, pois que a massa insolvente apenas era titular do direito de superfície do imóvel alienado.

 

Ora, nos termos do artigo 269.º, alínea e), do Código da Insolvência e da Recuperação de empresas (CIRE), a venda de elementos do ativo praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente está isenta do imposto do selo, e, nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do mesmo diploma, estão igualmente isentos de IMT, os atos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

Com efeito, o normativo aplicável não faz qualquer distinção entre o direito de propriedade total, o direito de superfície ou qualquer outro direito de natureza real, pelo que a Autoridade Tributária extravasa a sua competência, o que consubstancia o exercício indevido da função legislativa,  usurpação de poderes e violação do princípio da legalidade.

 

Acresce que, nos termos dos artigos 21.º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e do artigo 23.º, n.º 4, do Código do Imposto do Selo, o Serviço de Finanças da área da situação dos prédios é o competente para a promoção oficiosa da liquidação do IMT e do IS, e, situando-se o imóvel em ..., no município de Sintra, não competia ao Serviço de Finanças de ... proceder às liquidações em causa.

 

A Autoridade Tributária, na resposta, refere que no Serviço de Finanças de Sintra..., foram apresentados dois procedimentos de revisão oficiosa, referentes à liquidação do IMT n.º..., no valor de € 305.500,00, e à liquidação do Imposto do Selo, no valor de € 37.600,00, ambas em cobrança coerciva, a que correspondem respetivamente os processos de execução fiscal n.º ...2019... (IMT) e n.º ...2019... (IS).

 

Os referidos pedidos de revisão foram objeto de decisão de deferimento por despacho de 29 de outubro de 2021, da Subdiretora Geral, exarado na informação n.º ..., que foi notificado à interessada e de que resultou a anulação dos atos tributários de liquidação do IMT e do IS, verificando-se, por conseguinte, a situação de inutilidade da lide. 

 

Em sede de impugnação, alega a Requerida que o pedido formulado de “juros indemnizatórios nos termos do artigo 53.º da LGT”, que consta do n.º 4 do petitório, apenas poderá referir-se à indemnização por prestação indevida de garantia, sendo que não se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 53.º da LGT, as garantias prestadas sob a forma de hipoteca voluntária e de caução, não tendo sido também efetuada qualquer prova da prestação da garantia.

 

Conclui pela inutilidade da lide e pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios.

 

2. Por despacho de 7 de fevereiro de 2022, a Requerente foi notificada para se pronunciar, querendo, sobre a inutilidade superveniente da lide, suscitada pela Autoridade Tributária na sua resposta. A Requerente não respondeu no prazo cominado.

 

No seguimento do processo, por despacho de 16 de março de 2022, o tribunal dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas por considerar ao existirem quaisquer novos elementos sobre que as partes se devessem pronunciar.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21 de Dezembro de 2021.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a inutilidade superveniente da lide como causa de extinção da instância.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A) Em 6 de outubro de 2018, a Requerente adquiriu um prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo..., freguesia de ..., município de Sintra, a B..., e descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o registo número ....

B) A aquisição ocorreu no âmbito do processo de insolvência pessoal do alienante, ao qual foi atribuído o número de processo .../15...T8LSB e beneficiou de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis e de Imposto do Selo por se tratar de transmissão integrada no âmbito  da liquidação da massa insolvente.

C)  Por ofício de 17 de julho de 2019, o Serviço de Finanças de ... comunicou à Requerente que iria proceder a um procedimento de liquidação da aquisição segundo o regime regra de tributação, por não se encontrarem reunidos os  pressupostos de aplicação da isenção, por considerar que o insolvente apenas era titular do direito de superfície entre 2011 e 2018.

D)           Em 11 de março de 2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa, visando a anulação da liquidação do IMT n.º ..., no valor de € 305.500,00, e a anulação da liquidação do IS, no valor de € 37.600,00, bem como a anulação os processos de execução fiscal n.º ...2019... (IMT) e n.º ...2019... (IS) respeitantes a esses atos de liquidação.

E)            O pedido de revisão foram foi deferido por despacho de 29 de outubro de 2021, da Subdiretora Geral, com base na Informação n.º ....

F)            A informação dos serviços, que aqui se dá como reproduzida, na parte que releva é do seguinte teor:

 

IV.APRECIAÇÃO

            Questão a analisar

Em face do alegado e atenta a factualidade supra identificada, a questão a analisar consiste em aferir se na concreta e precisa situação dos autos se verifica existir erro imputável aos serviços nos termos previstos no segundo segmento da norma prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, referente às liquidações do IMT e do IS, emitidas em 19/11/2019, a que correspondem, respetivamente, o DUC..., na importância de € 305.500,00 e do DUC ..., na importância de € 37.600,00, ambas objeto do presente pedido de revisão oficiosa.

Vejamos então:

Da factualidade supra identificada resulta inequívoco que a aquisição do direito da propriedade plena do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo o artigo..., localizado na freguesia de ..., concelho de Sintra, operou-se através da escritura pública do contrato de compra e venda daquele prédio, outorgada pelo ora Requerente em 06/09/2018.

Resulta igualmente da factualidade supra identificada que a aquisição do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo o artigo ..., melhor supra identificado ocorreu no âmbito do processo de insolvência de Pessoa Singular de B... (Processo n.º .../...T8LSB que transitou em julgado em 30/03/2017). E que, a venda do referido prédio foi efetuada através do respetivo contrato de compra e venda realizada pelo Administrador de insolvência no âmbito do referido processo de insolvência, através do qual o ora Requerente adquiriu a propriedade plena;

Com referência ao prédio em questão consta, ainda, junto aos autos um registo da conservatória a que corresponde a inscrição "Ap. 2986 de 06/09/2018," a qual corresponde à compra em processo de Falência pelo Sujeito Ativo A... S.A NIF:..., e Sujeito Passivo – B... .

Assim,

Resulta inequívoco dos autos ter ocorrido a transmissão plena do direito de propriedade.

Consequentemente, verificando-se que as notificações das liquidações ora controvertidas foram emitidas em razão de “o insolvente apenas ser titular do direito de superfície entre 2011 e 2018", factualidade que não se encontra demonstrada nos autos, cabe concluir que as mesmas enfermam de erro nos seus pressupostos imputável aos Serviços.

Deste modo, por se verificar existir erro imputável aos serviços, encontra-se verificado o fundamento legal para a revisão oficiosa em conformidade com o disposto no segundo

Pelo que,

Atento o exposto afigura-se-nos que as liquidações ora controvertidas padecem de erro imputável aos Serviços.

V.CONCLUSÃO/PROPOSTA

Nestes termos, atento tudo o que vem de se expor, afigura-se-nos que o pedido de revisão oficiosa deve ser deferido e em consequência anuladas as respetivas liquidações do IMT e do Imposto do Selo a que correspondem, respetivamente, o DUC..., emitido na importância de € 305.500,00 e do DUC..., emitido na importância de € 37.600,00, e por consequência anulados os correspondentes processos de execução fiscal, o que superiormente se propõe.

G)           A Requerente foi notificada do despacho de deferimento por ofício de 2 de novembro de 2021.

H)           O pedido arbitral deu entrada em 2 de outubro de 2021.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Matéria de direito

5. A Autoridade Tributária suscitou, na sua resposta, a questão da inutilidade superveniente da lide, por considerar que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, visando a anulação da liquidação do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, no valor de € 305.500,00, e a anulação da liquidação do Imposto do Selo, no valor de € 37.600,00, bem como a anulação os processos de execução fiscal entretanto instaurados, foi objeto de deferimento por despacho de 29 de outubro de 2021, da Subdiretora Geral.

 

Notificado para se pronunciar sobre essa questão prévia, a Requerente nada disse no prazo cominado.

 

Como resulta da matéria de facto dada como assente, o pedido de revisão dos atos tributários impugnados, apresentado pela Requerente em 11 de março de 2021, foi deferido por despacho de 29 de outubro de 2021, da Subdiretora Geral.

 

A informação dos serviços em que se fundamenta o despacho de deferimento é considera que a decisão do serviço de finanças de proceder à liquidação do imposto com base no argumento de que o insolvente era apenas titular do direito de superfície do prédio adquirido enferma de erro nos pressupostos, e, nesse sentido, propôs a anulação das liquidações do IMT e do IS, bem como a anulação dos processos de execução fiscal.

 

                A Requerente foi notificada do despacho de deferimento do pedido de revisão oficiosa por ofício de 2 de novembro de 2021, ao passo que o pedido arbitral deu entrada em 2 de outubro desse ano.

 

Verifica-se, por conseguinte, uma situação de inutilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, nos termos previstos no artigo 277.º, alínea e) do CPC.

 

A inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, por virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer em juízo, ou porque essa pretensão se encontra já salvaguardada por via extraprocessual, havendo de ter-se em atenção, para efeito, aos interesses inerentes à posição substantiva do demandante.

 

Se a Requerente obteve, por via do deferimento do pedido de revisão oficiosa, o efeito de direito que pretendia alcançar através do pedido de constituição do tribunal arbitral, é claro que não existe motivo para o prosseguimento do processo por inutilidade da lide.

 

6. A Requerente pede a anulação dos atos tributários impugnados com as “necessárias consequências legais, designadamente, acrescido dos juros indemnizatórios nos termos do artigo 53.º da LGT”.

 

Neste ponto, a petição inicial é inepta porquanto a invocada norma do artigo 53.º da LGT se reporta, não aos juros indemnizatórios que sejam devidos por indevido pagamento de prestação tributária, mas à indemnização por prestação indevida de garantia, além de que a petição é inteiramente omissa quanto à alegação dos factos que pudessem justificar o pagamento de indemnização com base na referida disposição do artigo 53.º

 

Acresce que, como resulta do disposto no artigo 171.º do CPPT, a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, podendo sê-lo no procedimento tributário ou em impugnação judicial. E, sendo assim, constitui um pedido meramente acessório e condicionado à declaração de ilegalidade dos atos tributários impugnados. Tendo sido declarada a inutilidade superveniente da lide, com a consequente  extinção da instância, sem que o tribunal se tenha pronunciado sobre o objeto do pedido, fica necessariamente prejudicado o conhecimento desse outro pedido, que sempre estaria dependente da apreciação, em sede do processo arbitral, do mérito da causa.

 

III – Decisão

Termos em que se decide declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 362.866,36, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 6.120,00, que fica a cargo da Requerida, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, in fine, do CPC, por ter dado origem à inutilidade da lide.

 

Notifique.

 

Lisboa, 22 de março de 2022

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

José Nunes Barata

 

O Árbitro vogal

Joaquim Silvério Dias Mateus