Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 384/2014-T
Data da decisão: 2015-02-08  Selo  
Valor do pedido: € 27.469,62
Tema: IS - verba 28.1 da TGIS – terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 384/2014 – T

Tema: Imposto de Selo – verba 28.1 da TGIS – terreno para construção

 

Autoras / Requerentes: A

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante ATA)

 

1. Relatório

Em 20-05-2014, a sociedade anónima A, pessoa coletiva n.º ..., com sede na …, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação do ato tributário de liquidação de Imposto de Selo da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), referente ao ano de 2013 e relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de .... A liquidação cuja anulação se requer é no valor de 27.469,62 €.

A Requerente alega que o imóvel a que se refere a liquidação de Imposto de Selo é um terreno para construção, e por isso, não tem afetação habitacional, pelo que a liquidação em causa padece de vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos de direito de aplicação da verba 28.1 da TGIS.

A Requerente pede ainda a devolução do valor do imposto de selo pago, no valor de 9.156,54 €, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Foi designada como árbitro único, em 08-07-2014, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 25-07-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 30-09-2014 (dentro do prazo legal para o efeito), referindo desde logo que o pedido não pode extravasar o documento de cobrança que foi junto, no valor de 9.156,54 €, respeitante à primeira prestação.

A ATA defende que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas deveria ser julgado improcedente, uma vez que as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, já que o referido prédio tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional.

A ATA requereu ainda, na mesma data, a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária.

Notificada a Requerente sobre este pedido da ATA, a mesma veio informar, em 09-10-2014, que não se opunha ao proposto pela ATA. No mesmo requerimento, a Requerente juntou aos autos um documento emitido pela ATA, que lhe terá sido notificado após a entrada do pedido arbitral.

Em 14-10-2014, foi proferido despacho a ordenar a junção aos autos do referido requerimento, e a solicitar a notificar da ATA para se pronunciar no prazo de 10 dias, sobre o documento junto pela Requerente e confirmar se a liquidação objeto do pedido arbitral se encontrava anulada, como referia a Requerente. No entanto, a ATA não se pronunciou sobre o assunto.

E em 18-11-2014, foi proferido despacho a agendar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT e a produção de alegações verbais, para o dia 05-12-2014 pelas 16:30 horas.

Não compareceu à reunião a jurista designada em representação do Diretor Geral da ATA.

Na reunião decidiu-se notificar novamente a ATA para em 10 dias informar o tribunal se o ato objeto do pedido arbitral foi efetivamente anulado e juntar o processo administrativo.

Determinou-se ainda na reunião, a notificação da Requerida para em 10 dias se pronunciar sobre a dispensa de alegações, considerando-se dispensadas na ausência de resposta.

Decidiu-se também fixar como data para a prolação da decisão arbitral o dia 08-01-2015.

Em 08-01-2015, tendo-se verificado que a ATA ainda não tinha sido notificada do teor da ata da reunião, foi nessa data notificada, e decidiu-se prorrogar por um mês o prazo para a prolação da decisão.

A ATA não se pronunciou no prazo designado para o efeito.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de ..., e que tem um valor patrimonial tributário de 2.746.961,85 €, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 2;
  2. O prédio acima identificado é um terreno para construção e tem um valor patrimonial de 2.746.961,85 €, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral;
  3. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo do ano de 2013, no valor de 27.469,62 €, notificação que incorporava também documento de cobrança da primeira prestação do imposto, no valor de 9.156,54 €, a pagar até 30-04-2014, conforme documento 1 junto ao pedido arbitral.
  4. A Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação do Imposto de Selo no valor de 9.156,54 €, em 30-04-2014, conforme documento 1 junto ao pedido arbitral.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel que foi objeto da liquidação de imposto de selo, sendo terreno para construção, tem afetação habitacional e se lhe é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).

Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 53/2013-T, 49/2013-T, 42/2013-T, 180/2013-T, 75/2013-T, 215/2013-T, 240/2013-T, 310/2013-T e 284/2013-T, 12/2014-T, 151/2014-T, 202/2014-T, 210/2014-T e 276/2014-T.

O Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou sobre esta questão, designadamente nos acórdãos dos processos n.º 0467/14 de 02-07-2014, n.º 0676/14 de 09-07-2014, n.º 0395/14 de 28-05-2014, n.º 01871/13 de 14-05-2014 e n.º 055/14 de 14-05-2014, n.º 0425/14 de 28-05-2014, n.º 0396/14 de 28-05-2014, n.º 0274/14 de 14-05-2014 e n.º 046/14 de 14-05-2014. A título de exemplo, o sumário do acórdão do processo n.º 0676/14 de 09-07-2014 refere: “Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba n.º 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) como prédios urbanos com afetação habitacional.”

3.2. Questão do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência daquele n.º 28.1 da TGIS

3.2.1. Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

 c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

Vejamos:

3.2.2. Conceito de prédios utilizados no CIMI

No CIMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º. Não se vislumbra em qualquer destes artigos o conceito de “prédio com afetação habitacional”.

A noção mais aproximada do teor literal desta expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

3.2.3. Conceito de «prédio com afetação habitacional»

A verba 28.1 da TGIS referia-se em 2013 “prédio com afetação habitacional”.

A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «ação de destinar alguma coisa a determinado uso».

Como se lê no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 53/2013-T, em que foram árbitros o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Sra. Dra. Conceição Pinto Rosa e o Sr. Dr. Alberto Amorim Pereira:

”é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.

São classificados como terrenos para construção, e atento o disposto no artigo 6º n.º 3 do Código do IMI, aqueles em que o proprietário tenha adquirido o direito de neles construir ou de proceder a operações de loteamento, bem como os que tenham sido adquiridos expressamente para esse efeito. Neste sentido veja-se JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES in Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, página 97.

Note-se que na classificação como terreno para construção é irrelevante a afetação que as futuras construções venham a ter, designadamente habitacional, comercial, industrial ou para serviços.

Por sua vez, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-07-2014, do processo n.º 0676/14, em que é relatora a Conselheira Dulce Neto, refere-se que “a afetação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).“

Da mesma forma, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-05-2014, processo n.º 046/14, em que é Relator Ascenção Lopes, refere-se que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.”

Podemos assim concluir que os “terrenos para construção”, não podem ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

 

Proibição da analogia e da interpretação da extensiva

Poder-se-á, por outro lado, colocar a questão da possibilidade de aplicação da analogia à verba prevista na verba 28.1 da TGIS. Ora, sobre esta matéria dispõe o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual: 

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”

Quanto às matérias abrangidas pela reserva de lei, atente-se ao artigo 103.º, n.º 2 da CRP e ao artigo 8.º da LGT. Segundo estas normas o princípio da legalidade fiscal abrange a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Isto é também referido na obra “O Princípio da Legalidade Fiscal” de Ana Paula Dourado, Almedina, 2007, página 106.

Sendo a verba 28.1 TGIS uma norma de incidência, abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, é proibida a sua aplicação analógica a situações aí não expressamente previstas.

Da mesma forma, também não será de admitir uma interpretação extensiva da referida verba que permitisse incluir na expressão constante da lei os terrenos para construção. Sobre interpretação rege o artigo 11.º, n.º 1 a 3 da LGT e o art.º 9.º do Código Civil. Entendemos que não é possível uma interpretação extensiva da referida verba que inclua na mesma os terrenos para construção, já que a mesma sempre teria que ter um mínimo de correspondência na letra da lei, o que não ocorre.

Relativamente ao elemento histórico, o facto de a verba 28.1 TGIS ter sido entretanto expressamente alterada, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, permite também concluir que esses prédios não eram tributados na redação vigente até 31.12.2013.

 

Aplicação do regime à situação da Requerente

O prédio da Requerente é um terreno para construção detido por uma empresa. Pelo que se referiu, não se está perante um prédio com afetação habitacional, pelo que não incide sobre esse prédio o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.

Por este facto, a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).

O pedido arbitral identifica de forma clara a liquidação cuja anulação se requer, e que consta do documento 1 junto ao pedido arbitral. Dita liquidação é no valor de 27.469,62 €. 

No entanto como o documento de cobrança que consta da mesma notificação só inclui a primeira prestação só se determinará a devolução da quantia paga no valor de 9.156,54 €.

4.    Dos juros indemnizatórios

Enfermando de ilegalidade a liquidação de Imposto de Selo, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento da primeira prestação, no valor de 9.156,54 €, até ao integral reembolso por parte da ATA, nos termos dos artigos 43º da LGT e 61º n.º 2 do CPPT.

 

5. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

- julgar procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto de Selo do ano de 2013, no valor total de 27.469,62€;

- julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente, o valor do imposto indevidamente pago, no valor de 9.156,54 €, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.

 

6. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 27.469,62 €.

 

7. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.530,00 € devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique.

 

Lisboa, 8 de fevereiro de 2015.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

Suzana Fernanda Costa