Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 380/2021-T
Data da decisão: 2022-04-08  IRC  
Valor do pedido: € 33.854,18
Tema: IRC - Perdas por imparidade em inventário; Desconsideração de gastos com referência a depreciações; Exclusão da hipoteca como garantia equivalente a garantia bancária – art.º 53º da LGT.
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DECISÃO ARBITRAL

              

1 – RELATÓRIO

A-PARTES

 

A..., LDA., a seguir designada por Requerente, com o NIPC..., e sede na Rua ..., nº ... , ...-..., Guimarães, apresentou, em 25 de Junho de 2021, pedido de  constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito no art. 10°, nº 1, alínea a) do Decreto - Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico de Arbitragem Tributária - RJAT, com a redacção introduzida pelo art. 228º da Lei nº 66-B, de 31 de Dezembro e pelo art. 12º da Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.

 

B. - CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL

 

1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerente e à Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira em 28/06/2021, após o que a Requerente juntou documentos em 29/06/2021 e a Requerida designou juristas para a representar por despacho comunicado em 22/07/2021, tendo o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6°, nº 1, do RJAT, em 12/08/2021, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.

 

2. Em 12/08/2021, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11°, nº 1, alínea b) do RJAT e dos artigos 6° e 7° do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

 

3. Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 31/08/2021, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11° do Decreto-Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.

 

C. - PRETENSÃO

 

A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral proceda à anulação do acto tributário de liquidação de IRC nº 2020..., referente ao ano de 2016, por ilegal, e respectivos juros compensatórios, no montante global de 33.854,18 euros, com pagamento de juros indemnizatórios e de uma indemnização de 1.022,59 euros pela prestação de garantia indevida, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

D. - TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

 

Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 31/08/2021, seguiram-se:

 

- Em 31/08/2021 - Foi notificada a Requerida para nos termos dos nºs 1 e 2 do 17º do RJAT, apresentar Resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e juntar o processo administrativo.

 

- Em 06/10/2021 -A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral e inseriu na "Plataforma" on line do CAAD o processo administrativo, tendo sido, de tudo, notificada a Requerente.

 

  - Em 07/10/2021 – A Requerente foi notificada para se pronunciar sobre a resposta dada a título de excepção pela Requerida, em execução de despacho arbitral desta data.

 

  - Em 03/11/2021 – O Tribunal Arbitral exarou um despacho, que foi notificado às Partes, marcando a reunião a que alude o art. 18º do RJAT para o dia 26/11/2021, para inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, determinando que a Requerente indicasse os factos em relação aos quais pretendia ouvir as testemunhas e fixando as regras a que formal e materialmente estaria sujeita.

 

  - Em 22/11/2021 – A Requerente apresentou um requerimento a indicar os factos que a prova testemunhal se destinava a comprovar.

 

  – Em 26/11/2021 – Realizou-se a reunião a que alude a art. 18º do RJAT, em que foram inquiridas as testemunhas, fixado o prazo de 10 dias para apresentação pelas Partes de alegações escritas, facultativas e sucessivas, e fixado o prazo para a prolação da decisão arbitral por remissão para o art. nº 21º, nº 1 do RJAT.

 

- Em 07/12/2021 - A Requerente apresentou alegações escritas, tendo a Requerida optado por não apresentar alegações.

 

- Em 20/02/2022, por despacho arbitral desta data, foi prorrogado por dois meses o prazo para a decisão arbitral, derivado da tramitação arbitral, da interposição de períodos de férias judiciais e das consequências da situação pandémica.

 

- Em 08//04/2021 - Prolação da decisão arbitral.

 

E. - PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

 

A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

  - Foi a Requerente notificada do acto de Liquidação de IRC em epígrafe identificado, referente a IRC do ano de 2016 e respectivos juros compensatórios no montante global de €33.854,18.

  - Inconformada com tal ilegal acto de liquidação, a Requerente apresentou a competente Reclamação Graciosa, tendo sido notificada do seu indeferimento expresso, por via ao Ofício n.º ... de 10.05.2021.

  - Assim, e conforme estatui a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, está a Requerente em tempo para requerer a constituição do tribunal arbitral – o que faz - com o presente pedido de pronuncia arbitral, para o qual tem legitimidade.

  - Sendo este Tribunal Arbitral competente face ao preceituado na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT.

  - A Requerente, alega ter sido violado o direito à audição prévia, dizendo que não se conformando com o projecto de correcções em sede IRC, notificado na sequência da finalização da acção de inspecção externa, veio em sede de Direito de Audição alegar que o mesmo enfermava de diversos vícios, tendo arrolado duas testemunhas cuja audição requereu, de modo a comprovar os factos por si alegados.

  - Com efeito, o projecto de relatório da inspecção tributária, colocava em causa a aceitação fiscal das perdas por imparidade contabilizadas pela Requerente, alegando-se no referido projecto de decisão, que “O sujeito passivo não demonstrou que o preço de venda estimado no decurso normal da actividade deduzido dos custos necessários de acabamento e venda do inventário à data do balanço era inferior ao respectivo custo de aquisição”..

  - Ou seja, a correcção proposta assentou, exclusivamente, no facto de a Requerente não ter – no entender da AT – demonstrado que o preço estimado de venda dos inventários era inferior ao custo de aquisição.

  - Ora, confrontada com esta afirmação vertida no projecto de relatório, a Requerente, em sede de direito de audição, arrolou duas testemunhas que poderiam comprovar, inequivocamente, que o valor dos referidos inventários era, de facto, inferior ao custo de aquisição.

  - De facto, a Requerente, em 31.12.2016, tinha em armazém um conjunto de artigos de vestuários, cuja listagem individualizada consta na sua contabilidade - e foi junta em sede de direito de audição - os quais se encontravam deteriorados e, por isso, não apresentavam qualquer valor comercial.

  - Isto porque, como é consabido, os artigos de vestuários poderão sofrer rápidas deteriorações, devido a diversos tipos de fenómenos, que resultam em rompimento, picadas, aparecimento de manchas, perda de cor ou desgaste generalizado.

  - Ou seja, confrontada com o argumento apresentado pela AT, de que a Requerente não teria comprovado que o valor dos referidos inventários era inferior ao custo de aquisição, a Requerente arrolou testemunhas que poderiam, inequivocamente, comprovar os factos que a AT alegava carecerem de comprovação.

  - Sucede que, surpreendentemente, veio a AT negar a sua audição alegando, para tanto, que “No exercício do direito de audição, o sujeito passivo solicitou ainda a audição de duas testemunhas, sendo que aqui se considera a sua audição dispensável face a toda a factualidade demonstrada.

  - Ora, quanto a esta questão da não aceitação das perdas com imparidade de inventários, a verdade é que a AT se limitou a alegar que a Requerente não teria – na sua opinião - logrado demonstrar os factos de que a lei faz depender a sua aceitação para efeitos fiscais.

  -Veja-se que, a AT – quer em sede de projecto de relatório, quer em sede de Relatório Final – não alega que não estavam cumpridos os referidos pressupostos legais para a aceitação fiscal das perdas por imparidade.

  - Alega, somente, que a Requerente não logrou demonstrar que esses pressupostos legais estariam verificados – ónus que, de facto, impende sobre a Requerente.

  - Por isso, não se compreende a razão que levou a AT a negar a audição das testemunhas arroladas, quando estas se destinavam a demonstrar aquilo que a AT alegava que a Requerente não tinha demonstrado.

  - A AT começa por alegar que a Requerente não comprova determinados factos.

  - Confrontada com esta posição da AT, a Requerente arrola testemunhas para comprovar os factos que a AT alegava não terem sido demonstrados.

  - Perante o pedido de audição das testemunhas, a AT nega-se a inquirir as testemunhas - por ser “…dispensável face a toda a factualidade demonstrada” - num silogismo aristotélico que não tem, como se percebe, enquadramento legal.

  - De modo a poder demonstrar que os inventários se encontravam deteriorados e, por isso, não apresentavam qualquer valor comercial, a Requerente alegou, em sede de direito de audição, que “tanto assim era que, até à presente data, a Requerente não logrou vender quaisquer desses artigos de vestuário, os quais ainda se encontram nos seus armazéns.” e que “poderá a AT confirmar a avaliação efectuada pela Requerente, podendo inspeccionar todos os artigos de vestuário relativamente aos quais foram constituídas as perdas por imparidade e, assim, confirmar a legalidade da actuação a Requerente.” – ut. art.ºs 35.º e 36.º do Direito de Audição.

  - Ora, na verdade, a AT ignorou completamente estas alegações da Requerente, negando-se a inspeccionar “in loco” os inventários objecto da contabilização de perdas por imparidade, impedindo, na prática, que a Requerente demonstrasse o cumprimento dos pressupostos de que a lei faz depender a aceitação fiscal das perdas por imparidade.

  - Assim, ainda que, formalmente, se tenha, aparentemente, concedido a possibilidade de a Requerente participar no procedimento, na prática, a actuação da AT – negando-se a inquirir das testemunhas e a inspeccionar os inventários objecto da contabilização das perdas por imparidade - impediu a mesma de o fazer.

  - Coarctando-se assim a possibilidade de a Requerente intervir no procedimento de decisão de um acto que atingiu a usa esfera jurídica.

  - Por todo o exposto, é inequívoco que ocorreu violação o Direito de Audição – previsto no art.º 60.º da LGT – direito constitucionalmente protegido de que gozam todos os contribuintes.

  - Com efeito, o n.º 6 do art.º 60.º da LGT, consagra a exigência de que os elementos suscitados na audição dos contribuintes deverem ser tidos obrigatoriamente em conta na decisão.

  - Face ao projecto de relatório que lhe foi remetido, a ora Requerente suscitou elementos que não foram tidos em conta na decisão, sendo certo que o exercício da audição prévia terá que ter um tratamento de facto e de direito por parte da AT.

  - O que significa que, na fundamentação do relatório de inspecção final, terão que estar invocadas as razões que justificam a improcedência da motivação invocada pelo contribuinte em sede de audição prévia.

  - Na verdade, exigia-se a sua análise pela AT, por forma a tomar visível que a decisão do procedimento resulta de uma transparente ponderação dos elementos de facto e de direito submetidos à sua apreciação.

  - Sob pena de o direito de audiência se transformar num ritual, no qual recai, sobre os argumentos apresentados pelo contribuinte, sobranceira indiferença.

  - Para além disso, deveria a AT ter procedido à audição das duas testemunhas arroladas e deveria ter procedido à inspecção “in loco” dos inventários, diligências que se afiguravam essenciais para a descoberta da verdade, ou seja, para a demonstração inequívoca do valor pelo qual foram contabilizadas as perdas por imparidade.

  - No entanto, preferiu a AT nada fazer, atirando para os ombros da Requerente a responsabilidade de se desenvencilhar desta situação em que se viu colocada.

  - Na verdade, este tipo de actuação por parte da AT é violador do princípio do inquisitório, previsto no art.º 58.º da LGT, o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação.

  - Este dever de imparcialidade reclama que a AT procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais do Estado.

  - Este princípio, obriga, ainda, a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.

  - E, tratando-se de elementos novos atinentes à matéria de facto, justificava-se a realização de novas diligências – até em cumprimento do supra referido dever legal da AT de procura da verdade material – uma vez que estes elementos seriam essenciais para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão. – Cfr. Art.º 58.º e art.º 60.º n.º 7 da LGT.

  - Assim, deveria a AT ter procedido à inquirição das testemunhas e à inspecção dos inventários. O que não fez.

  - E, em desprezo absoluto pelas mais elementares regras de Direito, ainda tem o desplante de dizer “A Prova fiável deve estar feita no momento em que o contribuinte regista contabilisticamente o ajustamento ao inventário e não é susceptível de prova testemunhal à posterior ou mesmo de inventariação física dos inventários efetuada em 2020.” – Cfr. Pág. 3 da informação anexa ao despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa.

  - Como se não bastasse, acrescenta-se, ainda, que “... não se vislumbra que esclarecimentos poderiam ser prestados por aquelas pessoas que pusessem em causa os concretos factos apurados no Relatório de Inspecção Tributária, com a testemunhas não é suscetível de alterar a decisão, pelo facto da prova da imparidade dos inventários dever estar feita no momento em que o contribuinte regista contabilísticamente o ajustamento ao inventário e não é suscetivel de prova testemunhal à posterior.”

  - Ora, o que a AT parece não entender é que, os pressupostos para a contabilização da imparidade é que têm que estar verificados no momento da sua contabilização.

  - Já a prova de que esses pressupostos se encontravam verificados no momento da contabilização pode, obviamente, ser feita à posteriori.

  - De outro modo, nunca poderia ser admitida qualquer prova requerida em sede de Reclamação Graciosa ou mesmo Impugnação Judicial, o que, obviamente, seria uma violação dos mais elementares direitos de defesa dos contribuintes.

  -Na verdade, a prova requerida – designadamente a prova testemunhal e a prova por inspecção - servia, precisamente, para demonstrar que os pressupostos para a contabilização das imparidades de inventários se encontravam verificados na data em que foram contabilizados e, por isso, deveriam ser aceites fiscalmente.

  - Por tudo isto, as liquidações ora postas em crise enfermam de ilegalidade, por violação do Direito de Audição e violação do princípio do inquisitório, impondo-se a sua inexorável anulação, o que, aqui e agora, com esses fundamentos, expressamente se Requer.

  - Aliás, a AT – desde o início do procedimento de inspecção - viola o princípio da cooperação entre os contribuintes e a AT e, bem assim, da boa-fé da actuação da AT.

  - Com efeito, alegou-se no projecto de decisão que “ o documento suporte para o registo da Imparidade consiste numa lista onde são mencionados quais os montantes globais de mercadorias, matérias e produtos que estão deteriorados ou desvalorizados nas instalações do sujeito passivo em Guimarães e Lisboa, sem qualquer descrição detalhada do inventário” – ut. pág 14/16 do Projecto de Relatório. 

  - Sucede que, tal afirmação não corresponde minimamente à verdade.

  - Na verdade, o documento junto como Anexo IV (tanto do Projecto de relatório, como do Relatório Final) é uma folha resumo, sendo certo que, da contabilidade da Requerente, constava (e consta) uma indicação detalhada e individualizada de todas as referências sobre as quais foi efectuada a contabilização da perda por imparidade e, bem assim, os respectivos montantes e documentos de prova.

  - E, estavam disponíveis para consulta por parte da AT.

  - Aliás, a Requerente, só após notificada do Projecto de Relatório é que tomou conhecimento dessa putativa ausência de documentação porquanto, nunca foi notificada – ou o seu contabilista certificado - para apresentar quaisquer documentos relacionados com as perdas por imparidade.

  - Dando a ideia – que se quer crer, errada – de que a AT presente à “viva força” (perceba-se, sem cumprir as diligências e informações completas e necessárias) ter argumentos para poder tributar as perdas por imparidade em inventários.

  - Sintomático disto mesmo é o facto de, no Relatório de Inspecção, se continuar a alegar que “o documento suporte para o registo da Imparidade consiste numa lista onde são mencionados quais os montantes globais de mercadorias, matérias e produtos que estão deteriorados ou desvalorizados nas instalações do sujeito passivo em Guimarães e Lisboa, sem qualquer descrição detalhada do inventário”  - ut. pág. 14/20 do RIT – quando, mais adiante se acaba por conceder que “O sujeito passivo, só em sede de direito de audição é que apresentou as listagens discriminadas das mercadorias, matérias e produtos sobre os quais constituiu imparidades” - ut. pág. 19/20 do RIT

  - A liquidação ora posta em crise, enferma de ilegalidade, por vício de violação de lei.

  - Isto porque, as perdas por imparidade aqui em apreço, foram constituídas pela diferença entre o preço de custo e o preço que, em 31.12.2016, era corrente no mercado (para bens com aquele tipo de danos).

  - Sendo certo que, tal preço é de inequívoco controlo, através da sua inspecção directa, uma vez que dado o estado de deterioração, a Requerente continua, até hoje, sem vender esses artigos, os quais ainda se encontram nos seus armazéns.

  - De facto, reitera-se, os artigos de vestuários poderão sofrer rápidas deteriorações, devido a diversos tipos de fenómenos, que resultam em rompimento, picadas, aparecimento de manchas, perda de cor ou desgaste generalizado.

  - Nesta conformidade, mesmo para alguém com reduzidos conhecimentos na área, facilmente se compreenderá que as peças de vestuário que apresentem tais condições, não têm qualquer valor comercial, especialmente se tivermos em consideração que a Reclamante desenvolve a actividade no segmento de alta costura.

  - Na verdade, a Requerente enquadra-se no segmento da alta costura, pelo que, sob pena de perda irrecuperável da sua reputação, não poderia vender artigos que apresentem defeitos.

  - Especialmente, quando apresentam significativa deterioração e, por isso, não apresentavam qualquer valor comercial para a Reclamante.

  - Veja-se, inclusive, que – tal como já alegado em sede de direito de audição - em alguns desses artigos, a Reclamante decidiu, por uma questão de prudência, constituir uma imparidade sobre 50% do seu preço de custo, não obstante ser manifesto que o seu valor comercial era zero.

  - Aliás, tanto assim era que, até à presente data, a Reclamante não logrou vender quaisquer desses artigos de vestuário, os quais ainda se encontram nos seus armazéns.

  - Em conclusão, a liquidação ora em crise é manifestamente ilegal, por violação de lei, na medida em que, as perdas por imparidade, registadas pela Requerente no montante de € 116.044,28, foram constituídas pela diferença entre o preço de custo e o preço que, em 31.12.2016, era corrente no mercado (para bens com aquele tipo de danos), impondo-se, por isso, a sua inexorável anulação.

  - Alega, ainda, a Requerente que, no decurso da acção de inspecção em apreço, entendeu a AT desconsiderar um gasto suportado no montante de € 18.146,08 que a Requerente tinha registado como depreciações.

  - Na verdade, como se assinala no Relatório de Inspecção aqui em apreço, a Reclamante registou em 2016, um gasto no montante de € 19.546,25, sendo que a AT entendeu não aceitar o montante de € 18.146,08.

  - Ora, para determinar o valor aceite fiscalmente, a AT começou por determinar dos terrenos para construção subjacentes aos edifícios adquiridos na Rua ... tendo, para o efeito, utilizado as regras de deterninação do VPT previstas no Código do IMI. – ut. pág. 13/20 e Anexo III do Relatório de Inspecção.

  - Ulteriormente, a AT determinou o valor das contruções edificadas, por diferença entre o valor de aquisição e o valor atribuído aos terrenos. – ut. pág. 13/20 do Relatório de Inspecção.

- Por fim, entendeu a AT considerar que o valor aceite para efeitos fiscais corresponderia à percentagem da área bruta privativa das lojas face à área bruta total.

  - O procedimento adoptado pela AT configura, na verdade, uma correcção por métodos indirectos e não uma correcção meramente aritmética.

  - Isto porque, in casu, a AT, apesar de configurar as correções efetuadas como correções meramente aritméticas, lança mão da avaliação por métodos indiretos, uma vez que parte de realidades desconhecidas – o valor do terreno e o valor das construções edificadas - para chegar a um concreto valor de gasto não aceite fiscalmente e, consequentemente, de imposto a pagar.

  - Desde logo, na determinação do VPT dos terrenos para construção a AT determina o valor da área de implantação através da aplicação da percentagem de 35% - ut. Anexo III do Relatório de Inspecção - sendo que o n.º 2  do art.º 45.º do CIMI estipula que a referida percentagem varia entre 15% e 45%.

  - Por outro lado, a AT decidiu artitrariamente considerar que valor aceite para efeitos fiscais corresponderia à percentagem da área bruta privativa das lojas face à área bruta total quando anteriormente, no próprio Relatório de Inspecção, também se referiu à fachada. – ut pág 13/20 do Relatório de Inspecção.

  - Ora, atento o descrito nos artigos anteriores, não se vislumbra como qualificar o procedimento da AT senão como uma actividade de inferência a partir de um dado conhecido (o valor de aquisição dos prédios), para extrapolar o valor das construções edificadas e, consequentemente, do gasto aceite fiscalmente.

  - Assim, para lá da questão de saber se tal juízo de inferência se mostra adequado ao facto-índice pressuposto, o certo é que o procedimento descrito consubstancia uma verdadeira presunção, própria da metodologia indiciária.

  - Contudo, a ser assim, então era essa a metodologia de que a AT haveria de ter lançado mão, facultando, desde logo, a abertura do procedimento de revisão, por banda da Requerente, antes da efectivação do acto tributário de liquidação consequente à fixação da matéria colectável.

  - Não tendo sucedido assim, isto é, tendo a AT se socorrido de meras correcções aritméticas como expressamente se dá conta no Relatório de Inspecção, forçoso se torna concluir que a utilização de tal metodologia, no caso vertente, se mostrava eivada de ilegalidade na medida em que para apurar o “quantum” tributável, a AT não parte de factos certos e efectivos, mas sim de juízos de inferência a partir de outros que sendo-o, lhe permitiram ficcionar o montante de gasto aceite para efeitos fiscais.

  - Ou seja, resulta claro que a AT se serviu de juízos presuntivos sem, contudo, ter lançado mão da metodologia indirecta, o que tanto basta para concluir pela ilegalidade da liquidação reclamada sem se mostrar, sequer, necessário ir aferir da justeza ou não, dos factos-índice a que se ancorou a AT, para chegar ao resultado final a que chegou.

  - Concluindo, ao designar como “correcções meramente aritméticas” as correcções que na realidade resultam de aplicação de métodos indirectos de avaliação, a AT acabou por postergar garantias procedimentais atribuídas por lei aos contribuintes, cuja violação determina a anulação do acto de liquidação reclamado.

  - Ainda que assim não se entenda, sempre a liquidação reclamada enferma de manifesta falta de fundamentação. 

  - De facto, não se descortina em termos claros qual o iter cognoscitivo que levou a AT a decidir aplicar o coeficiente de 35% na determinação área de implantação, no n.º 2 do art.º 45.º do CIMI.

  - Sendo que, a AT omite completamente qual o critério utilizado para concluir por esse valor e não outro, situado no intervalo de valores previsto legalmente (entre 15% e 45%).

  - Do mesmo modo, não se descortina por que razão entendeu a AT apenas relevar a área bruta das lojas, “esquecendo-se” da fachada.

  - Não se descortinando em termos exactos e suficientes o alcance dos fundamentos invocados, no Relatório de Inspecção ora em apreço.

  - Assim, não pode a AT partir para uma conclusão, sem indicar quais os pressupostos que a levaram a concluir em tal sentido e não num outro.

  - Ora, a fundamentação dos actos constitui uma garantia de natureza substantiva prevista no nosso ordenamento jurídico.

  - Cuja preterição cerceia a possibilidade de a Requerente se defender, pois, não tem instrumentos que permitam uma defesa séria, tal qual a lei obriga.

  - Por não habilitar a sua compreensão, este Relatório de Inspecção impossibilita, de forma irremediável, a Requerente de elaborar convenientemente a sua defesa.

  - Violando, de forma grave e inaceitável, o direito à fundamentação do ato de que gozam todos os Contribuintes, o que acarreta a inexorável anulação da liquidação reclamada.

  - A AT incorreu em manifesto erro no cálculo do VPT dos terrenos para construção.

  - De facto, para esse cálculo, a AT utilizou a fórmula prevista no n.º 1 do art.º 38.º do CIMI, quando, na verdade deveria ter utilizado a fórmula prevista no art.º 45.º do CIMI.

  - Com efeito, a determinação do VPT dos terrenos para construção é operada nos termos do nº 1 do art. 45º do CIMI, sendo que o respectivo valor patrimonial resulta da soma de dois outros valores: do valor da área de implantação do edifício a construir e do valor do terreno adjacente à implantação.

  - Pelo que, na sua determinação, não poderão ser utilizados os coeficientes de afectação e de localização.

  - Este é, aliás, entendimento unânime na doutrina e na jusrisprudência, a qual tem vindo a propugnar que na determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção, não tem aplicação o coeficiente de qualidade e conforto (Cq) o coeficiente de localização (Cl) e o coeficiente de afectação (Ca).

  - Neste sentido, veja-se o acórdão do Pleno da Secção Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.09.2016, proc. n.º 01083/13, se acentuou que a regra específica constante do art.º 45.º do CIMI, onde “se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, mas não outras características ou coeficientes”, só pode significar “que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38.º do CIMI...”.

  - Assim, a liquidação ora em crise relativa à não aceitação das depreciações contabilizadas pela Requerente, no montante de €18.146,08, é manifestamente ilegal, por violação de lei, impondo-se a sua anulação.

  - Ao actuar como actuou, a AT incorreu em manifesto erro de apreciação da matéria de facto e, bem assim, erro na interpretação e aplicação do direito.

  - Erro esse, imputável aos seus serviços.

  - Ora, no seguimento da liquidação ora posta em crise, foi a Requerente citada para o processo de execução fiscal n.º ...2020... para cobrança do referido imposto e acrescidos. – Cfr. Doc n.º 5 ao deante junto e aqui dado por integrado para todos os legais efeitos.

  - Nesta conformidade, no sentido de conferir efeito suspensivo ao referido processo de execução fiscal na pendência da apreciação da legalidade da liquidação, a Requerente constituiu hipoteca voluntária sobre dois imóveis.

 - Tendo, para tanto, incorrido em custos com a celebração da respectiva escritura, que ascendem a € 1.022,59.

  – Conclui, dizendo que deve o presente pedido de pronúncia ser considerado inteiramente procedente, por provado, e em consequência, ser anulado o acto tributário de liquidação de IRC, identificado pelo Doc. n.º 2020..., por ilegal, com todas as consequências legais, incluindo o pagamento à Requerente de juros indemnizatórios ainda, ser a Requerida condenada a pagar à Requerente o montante de  € 1.022,59 (mil e a título de indemnização pela prestação de garantia indevida.

 

F- RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

Em resposta veio a Requerida alegar o seguinte:

 

- A Requerente é uma sociedade inscrita no cadastro desde 14-09-1999, com as seguintes CAE:

CAE Principal 68200 ARRENDAMENTO DE BENS IMOBILIÁRIOS

CAE Secundário 1 041100 PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA (DESENVOLVIMENTO PROJECTOS EDIFÍCIOS)

CAE Secundário 2 014132 CONFECÇÃO DE OUTRO VESTUÁRIO EXTERIOR POR MEDIDA

CAE Secundário 3 047711 COM. RET.VESTUÁRIO PARA ADULTOS, ESTAB. ESPEC.

CAE Secundário 4 055201 ALOJAMENTO MOBILADO PARA TURISTAS

 

- Trata-se de uma pessoa coletiva, sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto artigo 2.º, n.º 1, alínea b) do CIRC.

 

- Para efeitos de IRC, encontra-se enquadrada no regime geral de tributação e em sede de IVA encontra-se no regime normal trimestral.

 

- Tem como sócio gerente B..., NIF ... .

 

- Em 2011 deixou de ser sociedade anónima e passou a ser sociedade por quotas.

 

- Relativamente ao período tributário em causa, foi publicada em 29.12.2016 a fusão e a transferência global de património da sociedade C..., Lda para a sociedade Requerente.

 

- Tem como atividade efetiva, o arrendamento de espaços em Lisboa, exploração em regime de alojamento local de um edifício em Guimarães e venda de vestuário de produção própria e de outro vestuário em loja situada em Guimarães

.

- Com referência ao período tributário de 2016, a contabilidade da Requerente foi objeto de uma ação inspetiva ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019..., levada a efeito pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga.

 

- A ação inspetiva externa, de âmbito parcial, teve início em 15-10-2019, incidiu sobre o período Tributário de 2016, visando o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e teve como fim a comprovação e confirmação do cumprimento das obrigações tributárias do SP e demais obrigados tributários.

 

- Culminou com correções em sede de IRC no montante de €144.541,44.

 

- No decurso da ação inspectiva verificaram que:

 

- O SP suportou encargos com aparcamento de viaturas que não pertenciam ao seu ativo fixo tangível e que não são elegíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

 

- Os gastos desconsiderados, nos termos do disposto no art.º 23.º, n.º 1 do CIRC, isto é, por não existir uma correlação entre aqueles e o exercício da atividade, ascendem a € 3.727,08.

 

- Registou gastos (€ 6.624,00) de compensação por utilização de viatura própria, referentes ao período de 2015.

 

- Conforme o n.º 1 do art.º 18.º do CIRC, os rendimentos e gastos são imputáveis ao período de tributação em que são obtidos ou suportados, independentemente do recebimento ou pagamento, pelo que não são elegíveis para determinação do lucro tributável.

 

- A Requerente adquiriu em finais de 2014 e início do ano de 2015, quatro edifícios, três dos quais contíguos, em Lisboa.

 

- Os edifícios em questão encontravam-se praticamente devolutos, com exceção de duas lojas situadas na Rua ..., que já estavam arrendadas para o exercício da atividade de cafetaria e restauração quando o sujeito passivo as adquiriu.

 

- Em 30.04.2015, o sujeito passivo apresentou na Câmara Municipal de Lisboa um projeto de reabilitação dos edifícios adquiridos na Rua de ... e na Rua ..., pelo que o intuito do SP na aquisição dos edifícios seria a sua demolição e reconstrução.

 

- Apenas no caso dos edifícios contíguos da Rua ..., o SP refere no projeto de reabilitação entregue na Câmara Municipal de Lisboa que pretende reabilitar a fachada.

 

- O SP aplicou ao valor de aquisição dos referidos imóveis a percentagem de 25% para determinar o valor dos terrenos, sem ter em consideração que a valorização dos terrenos nunca poderia ser inferior ao determinado no CIMI e que apenas poderia depreciar a parte dos imóveis que estava em condições de poder ser utilizada, nomeadamente as lojas arrendadas, uma vez que a parte restante dos edifícios não estava em condições utilização (cf. nº 4 do artigo 29º do CIRC e a alínea a) do nº 2 do artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 25/2009).

 

- O SP depreciou os referidos edifícios adquiridos, sem reunir os requisitos legais para efeito, determinamos o valor das depreciações não elegíveis para efeitos fiscais no valor de €18.146,08.

Registou na subconta 652 – Perdas por imparidade em inventários, o valor de € 116.044,28, sendo que o documento suporte para o registo da imparidade consiste numa lista onde são mencionados quais os montantes globais de mercadorias, matérias e produtos que estão deteriorados ou desvalorizados nas instalações do sujeito passivo em Lisboa e em Guimarães, sem qualquer discriminação detalhada do inventário (conforme anexo IV).

 

- O sujeito passivo não demonstrou que o preço de venda estimado no decurso normal da atividade deduzido dos custos necessários de acabamento e venda do inventário à data do balanço era inferior ao respetivo custo de aquisição.

 

- O sujeito passivo não identificou quais os bens do seu inventário é que pretendeu desvalorizar.

 

- Ou seja, não se comprovou a necessidade de se efetuar um ajustamento ao valor do inventário, não sendo por isso aceite para efeitos fiscais, nos termos do artigo 28º do CIRC.

 

- Tendo em consideração os valores apurados nos pontos anteriores deste capítulo, foi corrigido o lucro tributável no valor de € 144.541,44, nos termos do artigo 17º do CIRC.

 

- Em 22-03-2020 apresentou reclamação graciosa, instaurada com o n.º ...2020..., alegando violação do direito de audição, na medida em que arrolou testemunhas para comprovação dos factos, nomeadamente no que toca a perdas por imparidade contabilizadas, tendo a sua audição sido negada.

 

- Em 22-01-2021, foi proferido o respetivo projeto de despacho no sentido do indeferimento do pedido.

 

- Notificada para exercer, querendo, o direito de audição prévia, em cumprimento do disposto no art.º 60.º da LGT, não se pronunciou.

 

- Desta feita, foi convertida em definitiva a decisão de indeferimento com data de 10-05-2021, devidamente notificada à entidade interessada.

1.º         

- Inconformada com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente apresentou o presente PPA.

 

- Passando a pronunciar-se sobre matéria de direito, a Requerida invocou a seguinte excepção:

 

- A Requerente, no seu PPA, vem solicitar a condenação da AT ao pagamento de € 1.022,59 a título de juros (quantum) pela prestação de garantia indevida, contudo;

 

A ocorrer tal condenação, que aqui não se concede, a determinação de tal montante deve ser determinada pela própria AT em de execução de sentença, neste caso de decisão arbitral.

Acresce a isto que,

 

- Quanto ao próprio direito a juros pela prestação de garantia, não pode o PPA proceder, isto porque quer o artigo 53.º, n.º 1, da LGT, quer o artigo 171.º, n.º 1, do CPPT ao aludirem a “garantia bancária ou equivalente” estão a excluir a hipoteca do seu campo de aplicação.

 

- Com efeito, como refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume III, 6ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 242), “equivalente à garantia bancária”, para efeitos do artigo 171.º do CPPT, “serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida”, apontando, como exemplo, o “seguro- caução”;

 

- Neste mesmo sentido, tendo por referência a fiança, decidiu recentemente o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão, de 04-11-2020, proferido no processo n.º 018/20.7BALSB, assim sumariado: “Para os efeitos indemnizatórios previstos no artigo 53.º da L.G.T., não é de considerar a fiança entre as garantias (“bancária ou equivalente”) de que depende a sua aplicação.”.

 

- Nesta conformidade, tendo a Requerente prestado garantia sob a forma de hipoteca, tal significa a improcedência do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, pois, como decorre do citado aresto do STA, a garantia assim prestada “não se encontr[a] abrangida por estes preceitos legais que atribuem e fixam um direito indemnizatório de forma praticamente automática num procedimento simplificado”.

 

- Passando a responder por impugnação,

 

- A Requerida iniciou a mesma pronunciando-se sobre a alegada violação de audição prévia à liquidação, dizendo

 

 - A Requerente alegou em sede de direito de audição diversos vícios, tendo arrolado duas testemunhas que poderiam comprovar que o valor dos inventários era, de facto, inferior ao custo de aquisição.

 

- A Requerente tinha em armazém um conjunto de artigos de vestuário os quais se encontravam deteriorados e por isso não tinham valor comercial.

 

- A AT negou a sua audição por considerar a mesma dispensável face à factualidade demonstrada.

 

- A AT não alega que não estavam cumpridos os pressupostos legais para aceitação das perdas por imparidade, alega somente que a Requerente não logrou demonstrar que esses pressupostos estariam verificados.

 

- A Requerente não compreende a razão da não audição das testemunhas quando estas se destinavam a demonstrar aquilo que a AT alegava que a Requerente não tinha demonstrado.

 

- Alega ainda que, a AT ignorou as alegações da Requerente negando-se a inspecionar in loco os inventários objeto da contabilização de perdas por imparidade impedindo que demonstrasse os pressupostos de que a lei faz depender a aceitação fiscal de perdas por imparidade.

 

- Também a não inquirição de testemunhas o impediu.

 

- Ficou coartada a possibilidade de a Requerente intervir no procedimento de decisão de um ato que atingiu a sua esfera jurídica.

 

- Ocorreu violação do direito de audição previsto no art.º 60.º da LGT.

 

- Na fundamentação do relatório inspetivo terão de ser invocadas razões que justifiquem a improcedência da motivação invocada pelo contribuinte em sede de audição.

 

- A AT violou o princípio do inquisitório, pois deve realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à descoberta da verdade material.

 

- Assim, deveria ter procedido à audição das testemunhas e à inspeção dos inventários.

 

- Os pressupostos para a contabilização da imparidade é que têm de ser verificar no momento da sua contabilização.

 

- Já a prova de que estes se verificavam no momento da contabilização pode ser feita a posteriori.

 

- A AT viola o princípio da cooperação e da boa-fé.

 

- Não é verdade que o documento de suporte para o registo da imparidade consista numa lista onde são mencionados montantes lobais de mercadorias, matérias e produtos que estão deteriorados ou desvalorizados nas instalações do SP em Lisboa e Guimarães;

 

- Da contabilidade da Recorrente constava uma indicação detalhada e individualizada de todas as referências sobre as quais foi efetuada a contabilização da perda por imparidade e bem assim respetivos montantes e documentos de prova.

 

- Só após a notificação do projeto de relatório a Recorrente se deu conta da putativa ausência de documentação, nunca antes tendo sido notificada para apresentar documentação.

 

- A Requerida passou, de seguida a responder à invocada ilegalidade da liquidação, dizendo que a liquidação em causa enferma de ilegalidade por vício de violação de lei.

 

- As perdas por imparidade foram constituídas pela diferença entre o preço de custo e o preço corrente no mercado em 31-12-2016, sendo certo que tal preço é inequívoco através da sua inspeção direta.

 

- Em alguns artigos decidiu por uma questão de prudência constituir uma imparidade sobre 50% do seu preço de custo, não obstante ser manifesto que o seu valor comercial era zero.

 

- A Requerente não logrou vender tais artigos, que ainda se encontram nos seus armazéns.

 

- A liquidação é manifestamente ilegal, por violação de lei, na medida em que, as perdas por imparidade, registadas pela Requerente no montante de € 116.044,28, foram constituídas pela diferença entre o preço de custo e o preço que em 31-12-2016 era corrente no mercado (para bens com aquele tipo de danos), impondo-se a sua inexorável anulação.

 

- Por outro lado, entendeu desconsiderar um gasto suportado no montante de € 18.146,08 que a Requerente tinha registado como depreciações.

 

- A Requerente registou € 19.546,25 sendo que a AT entendeu não aceitar o valor anteriormente referido.

 

- A AT para determinar o valor aceite fiscalmente, começou por determinar dos terrenos para construção subjacentes aos edifícios adquiridos na Rua ... tendo utilizado as regras de determinação do VPT previstas no CIMI.

 

- Determinou o valor das construções edificadas, por diferença entre o valor de aquisição e o valor atribuído aos terrenos.

 

- Por fim, entendeu considerar que para efeitos fiscais o valor aceite corresponderia à percentagem da área bruta privativa das lojas face à área bruta total, quando anteriormente no próprio relatório também referiu a fachada.

 

- Tal procedimento configura uma correção por métodos indiretos, uma vez que parte de realidades desconhecidas (o valor do terreno e o valor das construções edificadas) para chegar a um concreto valor de gasto não aceite fiscalmente.

 

- Na determinação do VPT dos terrenos para construção a AT determina o valor da área de implantação através da aplicação de 35% sendo que o n.º 2 do art.º 45.º do CIMI estipula que a percentagem varia entre 15% e 45%.

 

- O procedimento consubstancia uma verdadeira presunção, própria da metodologia indiciária, pelo que deveria a AT ter facultado a abertura do procedimento de revisão.

 

- Acabou assim por postergar garantias procedimentais, atribuídas por lei aos contribuintes, cuja violação determina a anulação do ato de liquidação reclamado.

 

- A liquidação enferma de falta de fundamentação, pois não se descortina em termos claros qual o iter cognoscitivo que levou a AT a aplicar o coeficiente de 35%, na determinação da área de implantação, sendo o intervalo de valores entre 15% e 45%.

 

- Não se descortina porque razão entendeu relevar a área bruta das lojas, esquecendo a fachada.

 

- Ainda que assim não se entenda, a AT incorreu em manifesto erro de cálculo do VPT dos terrenos, ao utilizar a fórmula prevista no n.º 1, do art.º 38.º do CIMI quando deveria ter utilizado a fórmula prevista no art.º 45.º do mesmo.

 

- Na sua determinação não serão utilizados os coeficientes de localização e afetação.

 

,

 - Passando a pronunciar-se sobre o que respeita à prestação de garantia indevida:

 

- No seguimento da liquidação em crise, a Requerente foi citada para o processo de execução fiscal (PEF) para cobrança do imposto e acrescidos.

 

- Para conferir efeito suspensivo ao PEF constituiu hipoteca legal sobre os 2 imóveis, tendo incorrido em custos, pelo que requer indemnização no valor de € 1.022,59 por prestação de garantia indevida.

 

- Solicita o pagamento de juros indemnizatórios face à anulação da liquidação em causa.

 

- Relativamente à posição da AT no que respeita à alegada violação do direito de audição prévia à liquidação

 

  - O direito de audição de que gozam os contribuintes, consignado no art.º 60ª da LGT constitui um direito constitucional aplicado ao procedimento tributário, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses, de acordo com o disposto no art.º 267º, nº 5 da CRP.

 

- Impõe o art.º 60.º da LGT e o art.º 60.º, n.º 1 do RCPITA, a participação do contribuinte caso os atos de inspeção possam originar atos tributários ou em matéria tributária que lhes sejam desfavoráveis.

 

- Ora, no caso em apreço, a sociedade Requerente foi notificada para se pronunciar em sede de inspeção, com a notificação do projeto de relatório, através do ofício n.º ... de 18-03-2020, da Direção de Finanças de Braga – Serviços de Inspeção Tributária.

 

- A Requerente veio a exercer o direito de audição em 13-04-2020.

 

- No que à inquirição de testemunhas diz respeito, alega a Requerente que arrolou duas testemunhas que não foram ouvidas.

 

- A Administração Tributária deve realizar todas as diligências necessárias á satisfação do interesse público e à descoberta da verdade.

 

- Para essa averiguação pode utilizar todos os meios de prova admitidos em direito, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido, em conformidade com o art.º 58º da LGT.

 

- Não obstante este princípio da plenitude probatória é ao órgão instrutor que cabe escolher quais os meios de prova a utilizar para prova dos factos.

 

- Pelo que, o órgão instrutor poderá não realizar as diligências requeridas – art.º 88º, nº 2 do CPA.

 

- Verifica-se que a diligência em causa – inquirição de testemunhas - não é imposta, isto é, prescrita por lei.

 

- Ela encontra-se sim sujeita a avaliação, segundo critérios de oportunidade, por parte do órgão

instrutor.

 

- Na verdade, este tem a faculdade de segundos juízos de oportunidade, poder dispensar a produção da prova testemunhal arrolada, se considerar, segundo o seu prudente juízo valorativo, que os autos disponibilizam os elementos de facto necessários e bastantes à decisão de mérito a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

 

- Descendo ao caso concreto, concluíram os SIT que a produção de prova testemunhal não era suscetível de alterar a decisão, porquanto a mesma deve ser feita no momento em que o contribuinte regista contabilisticamente o ajustamento ao inventário.

 

- Mais, não basta ao sujeito passivo a sua convicção de que os preços correntes no mercado são inferiores aos custos de aquisição, é necessária à sua comprovação de forma idónea ou de controlo inequívoco e não seria a inquirição de testemunhas o meio de efetuar tal prova.

 

- E, assim sendo, é manifesto que, a dispensa de produção prova testemunhal, não consubstancia nenhuma violação de qualquer ato/formalidade imposta por lei, já que é a própria lei que expressamente atribui ao órgão instrutor a faculdade de dela poder prescindir.

 

- E, não se vislumbra compatível que, de um passo, se confira o poder de não produzir prova requerida pelo sujeito passivo, designadamente a testemunhal e, de outro e em simultâneo, se sancione a utilização de tal poder com um vício de forma.

 

- Finalmente, no que toca à perda por imparidade em inventários, alega, em suma, a Requerente que os SIT não se deslocaram ao local para efetivamente comprovar a deterioração dos inventários objeto de contabilização de perdas por imparidade.

 

- Mais entende que a AT parece não perceber que os pressupostos para a contabilização da imparidade é que têm que estar verificados no momento da sua contabilização, já que a prova de que os pressupostos se encontravam verificados no momento da contabilização pode ser feita à posteriori

.

- Vejamos,

 

- No decurso da ação inspetiva verificaram os SIT o seguinte, no que concerne a esta questão:

III- 1.4 – Imparidades de inventários não elegíveis para efeitos fiscais

O sujeito passivo registou na subconta 652 – Perdas por imparidade em inventários, o valor de 116.044,28 EUR. O documento suporte para o registo da imparidade consiste numa lista onde são mencionados quais os montantes globais de mercadorias, matérias e produtos que estão deteriorados ou desvalorizados nas instalações do sujeito passivo em Lisboa e em Guimarães, sem qualquer discriminação detalhada do inventário (conforme anexo IV).

(…)

Desta forma, podemos concluir que o sujeito passivo não demonstrou que o preço de venda estimado no decurso normal da atividade deduzido dos custos necessários de acabamento e venda do inventário à data do balanço era inferior ao respetivo custo de aquisição. Aliás, o sujeito passivo nem sequer identificou quais os bens do seu inventário é que pretendeu desvalorizar. Ou seja, não se comprovou a necessidade de se efetuar um ajustamento ao valor do inventário, não sendo por isso aceite para efeitos fiscais, nos termos do artigo 28º do CIRC.

-Fim de transcrição-»

 

- Para efeitos de prova, numa primeira fase a Requerente nada juntou.

 

- Apenas em sede de direito de audição apresentou listagens discriminadas das mercadorias, matérias e produtos desvalorizados ou deteriorados, sobre os quais constituiu imparidades.

 

- Não obstante, não demonstrou/comprovou que os preços correntes no mercado com referência aos artigos desvalorizados, à data de 31-12-2016, correspondiam aos apresentados nos ficheiros em Excel enviados, isto é, 50% do seu preço de custo.

 

- Ora, para efeitos contabilísticos, concluíram os SIT estar perante um inventário, uma vez que as

mercadorias, matérias ou produtos acabados são um ativo da empresa, detidos para venda no decurso ordinário da sua atividade, nos termos do § 6 alínea a) da NCRF 18 - Inventários.

 

- Nos termos desta NCRF (§28), o valor realizável líquido é o preço de venda estimado no decurso ordinário da atividade empresarial menos os custos estimados necessários de acabamento e os custos estimados necessários para efetuar a venda.

 

- O § 9 da NCRF 18 indica que os inventários devem ser mensurados pelo custo ou pelo valor realizável líquido, dos dois o mais baixo.

 

- O custo dos inventários pode não ser recuperável se os seus preços de venda tiverem diminuído (§ 28 da NCRF 18).

 

- As estimativas do valor realizável líquido são baseadas nas provas mais fiáveis disponíveis no momento em que sejam feitas as estimativas quanto à quantia que se espera que os inventários venham a realizar (§30).

 

- O § 34 indica que a quantia de qualquer ajustamento do inventário para o valor realizável líquido deve ser reconhecida como um gasto do período em que o ajustamento ocorra.

 

- Para efeitos fiscais, nos termos do nº 1, do artigo 28º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, são dedutíveis no apuramento do lucro tributável: “(…) as perdas por imparidade em inventários, reconhecidas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.”

 

- Sendo que para efeitos do n.º 1, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda.

 

- Assim, em matéria fiscal, o CIRC, prevê que, no caso da desvalorização dos inventários, possam ser dedutíveis fiscalmente no apuramento do lucro tributável os ajustamentos em inventários, reconhecidos no período de tributação, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido a data do balanco, quando este for inferior aquele.

 

- A este propósito refere CARLOS ALBERTO DA SILVA CUNHA que “... a lei fiscal vai assim de encontro das normas contabilísticas ao admitir o valor realizável líquido como método de valorização dos inventários”.

 

- Deste modo, pela regulamentação fiscal e contabilística, retira-se que o registo das perdas por imparidade nos inventários (os ajustamentos de inventários) depende da identificação das causas que contribuem para a verificação de uma perda de valor e de um processo de quantificação da perda através de estimativas do valor realizável líquido, ou como afirma J.A.

PINHEIRO PINTO, “Os problemas que se antecipam em relação aos ajustamentos de inventários – porque ja existiam relativamente as provisões para depreciação de existências – decorrem da prova quanto aos preços de mercado.”

 

- Naturalmente que a comprovação dos ajustamentos e feita com documentos cujo conteúdo deve proporcionar informação clara sobre a origem, natureza, estimativas dos preços tidos como relevantes e quantificação dos ajustamentos em inventario.

 

- Tal como ensinava ROGERIO FERNANDES FERREIRA “(...)a documentação constitui a base em que assentam os lançamentos nos livros e registos de escrita, (...) todo o facto a contabilizar deve apoiar-se em documento justificativo”, pois, este e um princípio básico a observar na elaboração e execução da contabilidade regularmente organizada).

 

- A Requerente apresentou listagens em Excel, as quais não cumprem o cumpre os requisitos formais para efeitos do disposto no n.º 1 do Art.º 23.º.

 

- Efetivamente, a prova dos ajustamentos em inventários nunca poderá – sob pena de contraria a lei e aos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva – ser efetuada através de um mero documento interno.

 

- Com efeito, sendo embora certo que as estimativas do valor realizável liquido e o calculo da quantia dos ajustamentos tenham de ser feitas em documentos internos, criados na própria empresa, e inegável que devem ser apoiadas em documentos externos, in casu, faturas de compras (matérias-primas) faturas de vendas (produtos acabados), contratos, estimativas sobre custos de acabamento e venda, ou outros elementos idóneos, suscetíveis de justificar quer a necessidade do reconhecimento dos gastos com os ajustamentos em inventários, quer o seu quantitativo e ainda dar a conhecer os eventos e as circunstancias suscetíveis de determinar o apuramento de uma perda de valor potencial nos inventários.

 

- Alias, a doutrina administrativa construída com base no parecer do CEF n.º 3/92, de 06-01-1992, indica que “Um documento interno carece de meios adicionais de prova que demonstrem de forma inequívoca a materialidade da operação que lhe esta subjacente.”

 

- Idêntico entendimento tem TOMAS CANTISTA TAVARES sobre a noção de documento justificativo, a qual é mais ampla que a noção de fatura, podendo abranger uma qualquer forma externa de representação da operação sem especificas solenidades da fatura “desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço a data e o objeto da transação”).

 

- Ora, são esses elementos adicionais que levam a apreender as causas da depreciação dos inventários e os parâmetros que servem de referência para a sua quantificação, e que a Requerente não logrou apresentar, tal como disposto nos art.º 28º e 23.º, n.º 3 al. g, ambos do CIRC.

-

 - Desta feita, não podem as listagens em Excel apresentadas relevar como documentos justificativos dos gastos para efeitos de determinação do lucro tributável, uma vez que estes só são dedutíveis do ponto de vista fiscal, quando se encontram devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que a ausência dos requisitos implica a não consideração dos gastos.

 

- Os documentos apresentados não preenchem os requisitos, em termos da sua suficiência de conteúdo, bem como quanto a sua origem, suscetíveis de comprovar o valor realizável líquido das matérias-primas (preço de reposição) e dos produtos acabados (preço de venda deduzido dos custos de acabamento e de venda) e os acontecimentos que determinaram a potencial perda de valor traduzida pelas perdas por imparidade.

 

- Tal como referem os SIT, que não basta ao sujeito passivo a sua convicção de que os preços correntes no mercado são inferiores aos custos de aquisição, é necessária a comprovação de forma idónea ou de controlo inequívoco.

 

– Passando a pronunciar-se sobre a alegada ilegalidade da liquidação.

 

- Defende a Requerente a ilegalidade da liquidação por vício de violação de lei reportando-se à questão das perdas por imparidade em inventários e a errónea desconsideração de gastos no montante de € 18.146,08, com referência a depreciações registadas.

 

- Ora, quanto aos inventários já a Requerente se pronunciou no ponto anterior, pelo que será inútil a repetição dos argumentos já explanados.

 

- No tocante aos gastos, alega a Requerente que a AT entendeu desconsiderar o montante de € 18.146,08 registado como depreciações, sendo que para determinar o valor aceite fiscalmente utilizou as regras de determinação do VPT previstas no CIMI, isto é, determinou o valor das construções edificadas, por diferença entre o valor de aquisição e o valor atribuído aos terrenos.

 

- O valor aceite corresponderia à percentagem da área bruta privativa das lojas face à área bruta total, quando anteriormente no próprio relatório também referiu a fachada.

 

- Sendo assim há uma correção por métodos indiretos, uma vez que parte de realidades desconhecidas (o valor do terreno e o valor das construções edificadas) para chegar a um concreto valor de gasto não aceite fiscalmente.

 

- Além disso, para determinação do VPT dos terrenos para construção, a AT determina o valor da área de implantação através da aplicação de 35%, sendo que o n.º 2 do art.º 45.º do CIMI estipula que a percentagem varia entre 15% e 45%.

 

- A liquidação enferma assim de falta de fundamentação, pois não se descortina em termos claros qual o iter cognoscitivo que levou a AT a aplicar o coeficiente de 35%, na determinação da área de implantação tendo em conta o intervalo de valores.

 

- Ainda que tal não se entenda, a AT incorreu em manifesto erro de cálculo do VPT dos terrenos, ao utilizar a fórmula prevista no n.º 1, do art.º 38.º do CIMI, quando deveria ter utilizado a fórmula prevista no art.º 45.º do mesmo. Na sua determinação não serão utilizados os coeficientes de localização e afetação.

 

- No decurso da ação inspetiva verificaram os SIT:

«-Inicio de transcrição-

“O sujeito passivo adquiriu em finais do ano de 2014 e início do ano de 2015, quatro edifícios, três dos quais contíguos, em Lisboa. Os edifícios em questão encontravam-se praticamente devolutos, com exceção de duas lojas situadas na Rua ..., que já estavam arrendadas para o exercício da atividade de cafetaria e restauração quando o sujeito passivo as adquiriu.

Em 2015-04-30, o sujeito passivo apresentou na Câmara Municipal de Lisboa um projeto de reabilitação dos edifícios adquiridos na Rua de ... e na Rua ..., que veio dar origem ao processo nº .../EDI/2015 (conforme anexo II). Nas fotografias apresentadas pelo sujeito passivo, no referido processo, é perfeitamente visível que os edifícios já se encontravam devolutos, com exceção das duas lojas arrendadas, conforme se pode verificar nas imagens infra.

(…)

Desta forma, parece evidente que a intenção do sujeito passivo na aquisição dos edifícios não era a da sua utilização, mas sim a sua demolição e reconstrução. No caso dos edifícios contíguos da Rua ..., o sujeito passivo refere no projeto de reabilitação entregue na Câmara Municipal de Lisboa que pretende reabilitar a fachada. Enquanto que o edifício da Rua ... já estava praticamente demolido, nem mesmo a fachada teria qualquer interesse em ser reabilitada.

(…) -Fim de transcrição-»

 

- Vejamos, a Requerente adquiriu 4 (quatro) edifícios em Lisboa:

LOCALIZAÇÃO         ARTIGO          VALOR AQUISIÇÃO

R....,... ...                            ...                            193.140,00

Prédios contíguos

(dois são lojas            R..., ...                                   ...                           1 60.950,00

arrendadas)               R..., ...                                    ...                             557.960,00

R..., ...                                   ...                            107.300,00

 

- Analisados os elementos ao dispor, designadamente o projeto de reabilitação entregue na Câmara Municipal de Lisboa (Projeto n.º .../EDI/2015) e respetivas fotografias em anexo, constataram os SIT que os edifícios se encontravam devolutos, com exceção de duas lojas na Rua ..., arrendadas para cafetaria e restauração.

 

- Da análise do projeto concluíram os SIT que a intenção da Requerente é a demolição e reconstrução, sendo que, apenas no caso dos edifícios contíguos pretende reabilitar a fachada.

 

- Nos termos do disposto no art.º 23.º, n.º 1, n.º 2 al. g) e 29.º, n.º 1, al. a), todos do CIRC, são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo SP para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, nomeadamente os relativos a depreciações e amortizações dos ativos fixos tangíveis (NCRF 7).

 

- O CIRC define de forma bastante desenvolvida os elementos essenciais do regime de depreciações e amortizações, nomeadamente os elementos depreciáveis e amortizáveis, a respetiva base de cálculo e os métodos aceites para efeitos fiscais, permitindo uma grande flexibilidade aos agentes económicos.

 

- Definido este quadro de referência, o CIRC continua a remeter para diploma regulamentar o desenvolvimento deste regime, dando cumprimento, por um lado, à preocupação de aproximação entre fiscalidade e contabilidade e à necessidade de evitar constrangimentos à plena adoção das Normas Internacionais de Contabilidade, e, por outro, ao intuito reformador que presidiu à alteração do quadro jurídico nacional em matéria contabilística.

 

- Deste modo, no caso dos imóveis, nos termos do art.º 10.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, do valor a considerar para efeitos de depreciação é excluído o valor do terreno, sendo que quando tal não for individualizado expressamente, o valor a atribuir a estes é de 25% do valor global, (sendo esta a percentagem utilizada pelos SIT e não 35% como refere a Requerente).

 

- Não obstante, não pode o Requerente esquecer que o valor assim determinado não pode ser inferior ao determinado nos termos do CIMI, tal como salvaguardado pelo n.º 4 do artigo referido.

 

- No caso em apreço, a Requerente aplicou a percentagem de 25% ao valor de aquisição dos referidos imóveis para determinar o valor dos terrenos, olvidando que a valorização destes nunca poderia ser inferior ao determinado no CIMI e que apenas poderia depreciar a parte dos imóveis que estava em condições de poder ser utilizada, nomeadamente as lojas arrendadas, uma vez que a parte restante dos edifícios não estava em condições de ser utilizada, conforme prevê o nº 4 do artigo 29º do CIRC, bem como a alínea a) do nº 2 do artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 25/2009.

 

- Deste modo, como no que toca ao edifício da Rua .., não existia edifício para ser valorizado, o valor de aquisição deveria ter sido atribuído na sua totalidade ao terreno.

 

- A percentagem a que a Requerente alude, prevista no n.º 2 do art.º 45.º do CIMI (entre 15% e 45%), respeita ao cálculo da área de implantação, que aqui não terá interesse, face ao estado do edifício, conforme referido no parágrafo anterior.

 

- Já quanto aos edifícios da Rua ..., existindo duas lojas arrendadas e uma fachada a ser preservada, e tendo em consideração as regras do CIMI vigentes à data da aquisição dos prédios, determinaram os SIT que os valores dos terrenos para construção subjacentes seriam calculados de acordo com a fórmula VPT = Vc x A x Ca x Cl, chegando ao valor dos edifícios pela diferença, tal como refletido a fls. 13 do RIT.

 

- Posteriormente e atendendo a que apenas uma parte dos edifícios é que estava em condições de ser utilizada, houve que calcular a área bruta privativa (ABP) de cada uma das lojas arrendadas em relação ao total da ABP de cada um dos artigos matriciais.

 

- Chegados aí, puderam determinar o valor dos edifícios sujeitos a depreciação, em função da ABP de cada uma das lojas arrendadas e assim calcular a depreciação dos respetivos edifícios em condições de ser utilizados. (vide quadros de fls. 13 e 14 do RIT)

 

- Desta feita, entendemos que seguiram os SIT as regras de cálculo legalmente previstas nos respetivos diplomas legais, não partindo de valores desconhecidos para encontrar outros, como alega a Requerente.

 

Perante isto, afigura-se à Requerida não padecer a liquidação de qualquer ilegalidade, pelo que a prestação de garantia é devida, nos termos prestados, e os juros indemnizatórios não se mostram devidos, face ao previsto no art.º 43.º, n.º 1 da LGT, conforme supramencionado.

 

- A Requerida conclui dizendo que entende que devem ser mantidas as correções supra mencionadas, devendo-se concluir pela improcedência do PPA.

 

G. - QUESTÕES A DECIDIR

 

Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:

 

1 -Questões Principais:

 

- Saber se a liquidação do IRC padece de ilegalidade, por vício de violação de lei, reportando-se à questão das perdas por imparidade em inventários e à questão da desconsideração de gastos, com referência a depreciações;

 

- Saber se, neste processo, é devida indemnização pela prestação de hipoteca para suspender a execução fiscal;

 

2 -Imputação de outros vícios;

 

3 - Juros indemnizatórios - Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, no caso de anulação da liquidação;

 

4 – Valor do processo;

 

5 - Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

H. - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

1.            O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro)

.

2.            As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.

 

       3. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

I - MATÉRIA DE FACTO

 

 I. 1 - FACTOS PROVADOS

 

Com relevância para a apreciação e decisão das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

 

1)            - A Requerente é uma sociedade inscrita no cadastro desde 14/09/1999, com as seguintes CAE:

CAE Principal 68200 ARRENDAMENTO DE BENS IMOBILIÁRIOS

CAE Secundário 1 041100 PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA /DESENVOLVIMENTO PROJECTOS EDIFÍCIOS)

CAE Secundário 2 04132 CONFECÇÃO DE OUTRO VESTUÁRIO EXTERIOR POR MEDIDA

CAE Secundário 3 047711 COM. RET. VESTUÁRIO PARA ADULTOS, ESTB. ESPEC.

CAE Secundário 4 055201 ALOJAMENTO MOBILADO PARA TURISTAS

 

2)            – É uma pessoa colectiva, sujeito passivo de IRC, enquadrada no regime geral de tributação e, em sede de IVA, encontra-se no regime normal trimestral.

 

3)            – Em 29/12/2016, foi publicada a fusão e transferência global de património da sociedade C..., Lda para a Requerente.

 

4)            – A sua actividade efectiva é o arrendamento de espaços em Lisboa, a exploração em regime de alojamento local de um edifício em Guimarães e venda de vestuário de produção própria e de outro vestuário em lojas situadas em Guimarães e em Lisboa (Avenida ...), no segmento de alta costura. Cf. art.     do PPA, art.   da Resposta e depoimento das testemunhas.

 

5)            – Com referência ao período tributário de 2016, a contabilidade da Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, ao abrigo da Ordem de Serviço nº O12019..., levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga

 

6)            – Esta acção inspectiva externa, de âmbito parcial, teve início em 15/10/2019, incidiu sobre o período tributário de 2016, visando o IRC e teve por fim a comprovação e confirmação do cumprimento das obrigações tributárias da Requerente e demais obrigados tributários, tendo a Requerente sido notificada do projecto do Relatório (RIT), em 18/03/2020, para efeitos do exercício do direito de audição.

 

7)            – A acção inspectiva culminou com a correcção do lucro tributável no valor de 144.541,44 euros.

 

8)            – A Requerida procedeu à liquidação de IRC nº 2020... referente ao exercício de 2016 e respectivos juros compensatórios, no montante global de 33.854,18 euros.

 

9)            Relativamente às perdas por imparidade em inventário

 

a)            - Consta do Relatório da acção inspectiva o seguinte:

                                

III- 1.4 – Imparidades de inventários não elegíveis para efeitos fiscais

O sujeito passivo registou na subconta 652 – Perdas por imparidade em inventários, o valor de 116.044,28 EUR. O documento suporte para o registo da imparidade consiste numa lista onde são mencionados quais os montantes globais de mercadorias, matérias e produtos que estão deteriorados ou desvalorizados nas instalações do sujeito passivo em Lisboa e em Guimarães, sem qualquer discriminação detalhada do inventário (conforme anexo IV).

(…)

Desta forma, podemos concluir que o sujeito passivo não demonstrou que o preço de venda estimado no decurso normal da atividade deduzido dos custos necessários de acabamento e venda do inventário à data do balanço era inferior ao respetivo custo de aquisição. Aliás, o sujeito passivo nem sequer identificou quais os bens do seu inventário é que pretendeu desvalorizar. Ou seja, não se comprovou a necessidade de se efetuar um ajustamento ao valor do inventário, não sendo por isso aceite para efeitos fiscais, nos termos do artigo 28º do CIRC.

 

(….)

“O sujeito passivo só em sede de direito de audição é que apresentou as listagens discriminadas das mercadorias, matérias e produtos sobre os quais constituiu imparidades”

b)           – No projecto de decisão da liquidação:

 

“O sujeito passivo não demonstrou que o preço de venda estimado no decurso normal da actividade deduzido dos custos necessários de acabamento e venda do inventário à data do balanço era inferior ao respectivo custo de aquisição”

 

c)            – Em sede de direito de audição, a Requerente alegou:

 

“..Tanto assim era que, até apresente data, a Requerente não logrou vender quaisquer desses artigos de vestuário, os quaisainda se encontram nos seus armazéns” e que “poderá a AT confirmar a avaliação efectuada pela Requerente, podendo inspecionar todos os artigos de vestuário relativamente aos quais foram constituídas as perdas por imparidade e, assim, confirmar a legalidade da actuação da Requerente”

 

d)           – A Requerida não fez a inspecção “in loco” solicitada pela Requerente, nem inquiriu as testemunhas por esta indicadas.

 

e)           – As perdas por imparidade registadas pela Requerente são no montante de 116.044,28 euros.

 

f)            – Em 31/12/2016, a Requerente tinha em armazém um conjunto de artigos de vestuário, cuja listagem individualizada consta da sua contabilidade e que indicou em documento que juntou em sede de direito de audição, mostrando estarem deteriorados. Cf. art. 9 PPA e depoimento das testemunhas.

 

g)            – Ao tempo dos autos estes artigos não tinham sido vendidos e permaneciam em armazém, Cf. arts. 56 e 61 PPA e depoimento das testemunhas.

 

h)           – Estes artigos de vestuário perderam valor comercial, atento o segmento de alta costura em que a Requerente desenvolve a sua actividade, a qual constituiu perdas por imparidade, nalguns artigos, sobre 50% do seu preço de custo. Cf. arts. 57 e 60 do PPA e depoimento das testemunhas

 

10)         – Em matéria da consideração de gastos com referência a depreciações:

 

a)            - Consta do RIT, o seguinte:

 

“O sujeito passivo adquiriu em finais do ano de 2014 e início do ano de 2015, quatro edifícios, três dos quais contíguos, em Lisboa. Os edifícios em questão encontravam-se praticamente devolutos, com exceção de duas lojas situadas na Rua ..., que já estavam arrendadas para o exercício da atividade de cafetaria e restauração quando o sujeito passivo as adquiriu.

Em 2015-04-30, o sujeito passivo apresentou na Câmara Municipal de Lisboa um projeto de reabilitação dos edifícios adquiridos na Rua ... e na Rua ..., que veio dar origem ao processo nº.../EDI/2015 (conforme anexo II). Nas fotografias apresentadas pelo sujeito passivo, no referido processo, é perfeitamente visível que os edifícios já se encontravam devolutos, com exceção das duas lojas arrendadas, conforme se pode verificar nas imagens infra.

(…)

Desta forma, parece evidente que a intenção do sujeito passivo na aquisição dos edifícios não era a da sua utilização, mas sim a sua demolição e reconstrução. No caso dos edifícios contíguos da Rua ..., o sujeito passivo refere no projeto de reabilitação entregue na Câmara Municipal de Lisboa que pretende reabilitar a fachada. Enquanto que o edifício da Rua ... já estava praticamente demolido, nem mesmo a fachada teria qualquer interesse em ser reabilitada.

 

b)           – A Requerente adquiriu em finais do ano de 2014, início de 2015, quatro edifícios em Lisboa:

Um na Rua ..., ..., art. nº ...pelo valor de 193.140,00 euros;

 

         E os seguintes outros três, contíguos:

         -  na Rua ..., ..., art. nº..., pelo valor de 160.950,00 euros;

         -  na Rua ..., ..., art. nº ..., pelo valor de 557.960,00 euros;

         -  na Rua ..., ..., art. nº ..., pelo valor de 107.300,00 euros.

 

c)            – Estes edifícios estavam devolutos com excepção de duas lojas na Rua ... .

          

11)         - No seguimento da liquidação, a Requerente foi citada para o processo de execução fiscal (PEF), para cobrança do imposto e acrescidos.

 

            12) - Para conferir efeito suspensivo ao PEF, a Requerente constituiu em 22/07/2020, hipoteca legal sobre dois prédios, tendo incorrido em custos no montante de 1.022,59 euros.

 

13)- Em 22/03/2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa, instaurada com o nº ...2020...,

 

14) - Em 22/01/2021, foi proferido projecto de despacho no sentido do indeferimento do pedido, não se tendo a Requerente pronunciado em sede de audiência prévia, convertendo-se em definitiva a decisão de indeferimento, comunicada através do ofício nº..., com a data de 10/05/2021.

 

15) - – Em 25/06/2021, a Requerente apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

I. 2 - FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

Os factos dados como provados, que foram selecionados por terem importância para a decisão da causa, estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada, e, ainda, no testemunho prestado pelas testemunhas arroladas pela Requerente – D... e E...– que demonstraram perfeito conhecimento dos factos sobre que testemunharam de forma credível.

 

I.3 - FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se provou que a Requerente tivesse efectuado o pagamento da quantia que foi liquidada, pois,  embora a Requerente tivesse formulado o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, não apresentou qualquer prova, designadamente, não juntou qualquer documento comprovativo, quando a eventual restituição da quantia paga, em resultado da anulação do acto tributário de liquidação e a responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios, dependem, naturalmente, do pagamento ter sido efectuado.

 

J. - MATÉRIA DE DIREITO

 

Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

 

As orientações arrogadas pela Requerente e pela Requerida e a sua fundamentação estão expostas, em síntese, ou com parcial transcrição, em E. e F. do Relatório desta Decisão.

 

I - Dado que a Requerida na sua Resposta defendeu-se, ao que alega, a título de excepção e que o Tribunal, para garantia da observância do princípio do contraditório, determinou a notificação da Requerente para se pronunciar, e nada disse, começa-se, por esta, a análise das questões a apreciar.

 

Em primeiro lugar, cabe dizer que, contrariamente ao sustentado pela Requerida no art. 36º da Resposta, a quantia de 1.022,59 euros não foi peticionada a título de juros, mas sim enquanto custo suportado pela constituição da hipoteca, como resulta do art. 99º do PPA e consta do pedido.

 

De qualquer modo, não estamos perante qualquer excepção, uma vez que não foi invocado pela Requerida, nem tal decorre do alegado, qualquer facto impeditivo, modificativo, ou extintivo do direito invocado pelo Requerente, como preceitua o art. 576º, nº 3 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do nº 1, do art. 29º do RJAT.

 

Com efeito, a Requerida, na sua Resposta, limitou-se a afirmar a inexistência do direito que era invocado pela Requerente, questão que respeita à apreciação do mérito da causa, e que, posteriormente, em devido tempo, será analisada.

 

II - Passemos, agora à apreciação da questão de se saber se o acto de liquidação de IRC nº 2020 ..., referente ao ano de 2016, e respectivos juros compensatórios, no montante global de 33.854,18 euros, padece de ilegalidade por vício de violação de lei.

 

Esta liquidação foi consequência de uma acção inspectiva externa, de âmbito parcial, que teve o seu início em 15/10/2019, que culminou com a correcção do lucro tributável da Requerente no valor de 144.541,44 euros.

 

Esta correcção foi o resultado da Requerida ter considerado constarem da contabilidade da Requerente, imparidades de inventário não elegíveis para efeitos fiscais e ter desconsiderado depreciações.

 

Vejamos, então, por esta ordem, as duas questões em apreço:

 

III - O regime das perdas por imparidade em inventários, a que se reporta a situação vertente, está estabelecido no art. 28º do CIUC, nos seguintes termos:

 

Art. 28º

Perdas por imparidade em inventários

1 – São dedutíveis no apuramento do lucro tributável as perdas por imparidade em inventários, reconhecidas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respectivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo, nos termos do nº 4 do artigo 16º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda.

3 – A reversão, parcial ou total, das perdas por imparidade previstas no nº 1 concorre para a formação do lucro tributável.

( …)

 

Por sua vez, o nº 4 do art. 26º, dispõe:

 

Art. 26º

Inventários

(…)

4 – Consideram-se preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controle inequívoco.

(….).

 

A questão essencial a apreciar nesta situação concreta, consiste em saber se se comprovaram os requisitos substantivos do reconhecimento fiscal de perdas por imparidades.

 

Conforme consta do Relatório inspectivo, ficou demonstrado que o Requerente, em sede do exercício do direito de audição “apresentou listagens discriminadas das mercadorias, matérias e produtos sobre os quais constituiu imparidades”.

 

Mas, segundo a Requerida, a Requerente não demonstrou os factos capazes de serem considerados como perdas por imparidade, designadamente, os preços correntes no mercado, com referência à data de 31/12/2016, uma vez que a prova que fez desses factos foi através de documentos internos, nomeadamente, os que foram apresentados nos ficheiros Exel enviados, quando seria necessário que essa comprovação fosse efectuada através de documento externo, uma vez que as referidas listagens, como documentos internos, não relevam como documentos justificativos para determinação do lucro tributável.

 

Ora, a tal exigência só é possível dar satisfação, nos casos em que é natural haver documento externo comprovativo, o que não se passa na situação vertente, pelo que a comprovação através de documento interno, desde que não seja passível de ser posta em dúvida, como resulta dos autos, é suficiente para os efeitos em causa.

 

Outra questão respeita à alegada pela Requerida não comprovação de forma idónea ou de controle inequívoco, que os preços correntes no mercado são inferiores aos custos de aquisição.

 

Também aqui a Requerida carece de razão, pois teve condições e oportunidade de efectuar tal comprovação.

 

Com efeito, em sede de audição prévia, a Requerente solicitou à Requerida que, para comprovação destes e de outros factos,  realizasse uma inspecção “in loco”, designadamente, aos inventários objecto da contabilização das perdas por imparidade, onde constava que as mesmas eram constituídas pela diferença entre o preço de custo e o preço que, em 31/12/20016, era corrente no mercado para bens com aquele tipo de danos,  ou ouvisse as testemunhas por si indicadas para o seu esclarecimento, no que não foi atendida.

 

A Requerida impediu, assim, que a Requerente demonstrasse o cumprimento dos pressupostos de que a lei faz depender a aceitação das perdas por imparidade.

 

Com esta actuação, a Requerida não actuou em conformidade com o princípio do inquisitório, consagrado no art. 58º da LGT, que exige que: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.

 

Ao nada fazer com o fim de reunir todos os elementos informadores de uma decisão com repercussão na esfera jurídica da Requerente, alguns deles que, conforme se verificou, revestiam essencialidade, não procedeu como lhe exigia o seu dever de imparcialidade, que enforma o mencionado princípio, visando alcançar a verdade material.

 

Nesta conformidade, e sendo indubitável que o seu conhecimento e consideração seriam decisivos na decisão, que determinou o acto tributário da liquidação em apreço, tem de se concluir que, por ter havido violação do princípio do inquisitório, o acto em apreço padece deste vício.

 

Sobre a questão do ónus da prova, aduzida pela Requerida, que vincularia a Requerente à demonstração dos factos que alega, nos termos estabelecidos no art. 74º da LGT,  há que dizer que o ónus da prova se coloca a jusante da observância do princípio do inquisitório, pelo que, não tendo sido este observado, não será possível invocá-lo para sustentar o acto tributário de liquidação.

 

Termos em que, este Tribunal, fundado, também, no que à apreciação da matéria diz respeito, nas regras da experiência do homem comum, para o que está habilitado pelo princípio do processo arbitral estabelecido na alínea e) do art.16º do RJAT, que prescreve “A livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros”, e, face à violação do princípio do inquisitório na formação do acto tributário em apreço, de que decorre uma dúvida fundada do Tribunal por não terem sido efectuadas as diligências visando a descoberta da verdade material e, sustentado, por essa razão, no prescrito no nº 1 do art. 100º do CPFF (ex vi art. 29º, nº 1 do RJAT), que estabelece que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”, procede à anulação parcial da liquidação em apreço, no segmento relativo às perdas por imparidade em inventário, abrangendo a liquidação de juros compensatórios respectivos, que têm como pressuposto a liquidação anulada, por violação da lei.

 

Fica, assim, prejudicado o conhecimento de outros vícios invocados pela Requerente quanto a esta matéria

 

IV - No que respeita ao segmento da liquidação em apreço relativo à desconsideração de gastos, com referência a depreciações, há que dizer o seguinte:

 

Conforme consta do RIT, a Requerente registou, em 2016, um gasto no montante de 19.546,25 euros, não tendo a Requerida aceite o montante de 18.146,08 euros.

 

Não se conformando, a Requerente veio pedir, também, a anulação da liquidação, no que a esta matéria respeita, por vício de violação de lei, invocando ser errónea a desconsideração do referido montante, ter a Requerida recorrido a métodos indirectos de avaliação e o respetivo acto tributário carecer de fundamentação.

 

Vejamos, então:

 

Nos termos do disposto no art. 23º, nº 1, nº 2, alínea g) e 29º , nº 1, alínea a) do CIRC, são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, nomeadamente, os relativos a depreciações e amortizações dos activos fixos tangíveis, estando o desenvolvimento deste regime regulado no Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro.

 

Estabelecem, com efeito, estes normativos:

 

Art. 23º

Gastos e perdas

1 – Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantis os rendimentos sujeitos a IRC.

2 – Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(…..)

g) Depreciações e amortizações;

(….).

 

Art. 29º

Elementos depreciáveis ou amortizáveis

1 – São aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais:

a) Os ativos fixos tangíveis e os ativos intangíveis;

(….).

4 – Salvo razões devidamente justificadas e aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira, os elementos do ativo só se consideram sujeitos a deperecimento depois de entrarem em funcionamento ou utilização.

(…..)

 

Na situação em apreço, trata-se de um caso de imóveis, cuja disciplina está fixada no art. 10º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, em termos do valor do terreno estar excluído do valor a considerar para efeitos de depreciação e, ainda, se tal não for individualizado expressamente, o valor a atribuir aos terrenos ser de 25% do valor global.

 

Dispõe, com efeito, o art. 10º do Decreto Regulamentar nº 25/2009:

 

Art. 10º

Depreciações de imóveis

1 – No caso de imóveis, do valor a considerar nos termos do art. 2º, para efeitos do cálculo das respetivas quotas de depreciação, é excluído o valor do terreno ou, tratando-se de terrenos de exploração, a parte do respetivo valor não sujeita a deperecimento.

2 – De modo a permitir o tratamento referido no número anterior, devem ser evidenciados separadamente, no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130º do Código do IRC:

a)            O valor do terreno e o valor da construção, sendo o valor do primeiro apenas o subjacente à construção e o que lhe serve de logradouro;

b)           A parte do valor do terreno de exploração não sujeita a deperecimento e a parte desse valor a ele sujeita.

3 – Em relação aos imóveis adquiridos sem indicação expressa do valor do terreno referido na alínea a) do número anterior, o valor a atribuir a este, para efeitos fiscais, é fixado em 25% do valor global, a menos que o sujeito passivo estime outro valor com base em cálculos devidamente fundamentados e aceites pela Direcção-Geral dos Impostos.

4 -O valor a atribuir ao terreno, para efeitos fiscais, nunca pode, porém, ser inferior ao determinado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro.

5 – O valor depreciável de um imóvel corresponde ao seu valor de construção ou, tratando-se de terrenos para exploração, à parte do respectivo valor sujeita a deperecimento.

 

É perante este quadro jurídico que se procede à apreciação do procedimento da Requerida para aquilatar da legalidade da referida desconsideração de gastos, com referência a depreciações, na liquidação em apreço.

 

Segundo a Requerida, no caso sub judice, a Requerente aplicou ao valor de aquisição a referida percentagem de 25% para calcular o valor dos terrenos, mas não terá considerado que o valor destes nunca poderia ser  inferior ao determinado no CIMI e que apenas poderia depreciar a parte dos imóveis que estaria em condições de ser utilizada, conforme se encontra legalmente estabelecido no nº 4 do art. 29º do CIRC (acima transcrito) e no art. 1º, nº 2, alínea a) que a seguir se transcreve:

 

Art. 1º

Condições gerais de aceitação das depreciações e amortizações

(….)

2 – Salvo razões devidamente justificadas e aceites pela Direcção-Geral dos Impostos, as depreciações só são consideradas:

a)            Relativamente a activos fixos tangíveis e a propriedades de investimento, a partir da sua entrada em funcionamento ou utilização;

(…..).

 

Ora, analisado o teor teor do RIT, verifica-se que a Requerida desconsiderou o edifício sito na Rua ..., por ter sido demolido, razão pela qual, o valor de aquisição se resumia ao valor do terreno e que,  quanto aos três edifícios sitos na Rua ..., em que unicamente estavam arrendadas duas lojas (restaurante e cafetaria) e havia uma fachada a ser preservada, com observância das regras do CIMI vigentes à data da aquisição dos imóveis, calculou os valores dos terrenos subjacentes de acordo com a fórmula VPT=Vc*A*Ca*Ci,, fixando o valor dos edifícios pela diferença, tal como consta no RIT, a fls. 13, não se justificando a aplicação da percentagem a que a Requerente alude (entre 15% e 45%), prevista no nº 2 do art.45º do  CIMI, face à situação em que se encontrava o edifício.

 

Assim sendo, a Requerida  calculou a ABP´(área bruta privativa) de cada uma das lojas, que era a parte dos edifícios que estava a ser utilizada, em relação ao total da ABP de cada um dos artigos matriciais, determinando, de seguida, o valor dos edifícios sujeitos a depreciação, em função da ABP de cada uma das lojas arrendadas e, deste modo, a depreciação dos edifícios em condições de serem utilizados, conforme consta dos quadros do RIT, a fls. 13 e 14.

 

Em face do exposto, feita a análise ao procedimento adoptado pela Requerida, verifica-se que o mesmo se conformou com o que está prescrito na lei, não sendo, neste aspecto, merecedor de censura.

 

A Requerente impugna, também, as correcções, operadas a este título pela Requerida e que resultaram no não reconhecimento de gastos no montante de 18.146,08 euros, dos 19.546,08 euros contabilizados pela Requerente, invocando ter havido recurso por esta a métodos indirectos e, ainda, por o acto tributário não estar fundamentado.

 

Quanto à alegação do recurso a métodos indirectos, cuja previsão se encontra no art. 87º da LGT, está este Tribunal impossibilitado de se pronunciar, dado que o conhecimento de actos praticados por recurso a métodos indirectos não está na competência deste Tribunal Arbitral, nos termos do disposto no art. 2º, alínea b) da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, que expressamente excepciona do quadro das competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD,  referidas no nº 1 do  art. 2º do RJAT, as “Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.

 

Quanto à alegada falta de fundamentação, a Requerente carece de razão.

 

É verdade que a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (art. 268º da CRP) e legal (art. 77º da LGT).

 

Relativamente a esta matéria há que dizer que se considera que a fundamentação exigível a um acto tributário é aquela que funcionalmente é necessária para que o mesmo não seja encarado comofruto de mero arbítrio da Administração, em consequência de não serem apreensíveis os motivos de facto e de direito em que assenta.

 

Da análise do teor do RIT resulta, de modo claro e compreensível para um destinatário médio, a motivação e asrazões que determinaram o comportamento da Requerida, bem como estão explicadas as correcções efectuadas, em condições de permitir à Requerente conhecer todo o caminho até à decisão final, de modo a aceitar ou contestar tais correcções, dispondo, assim, a Requerente de todas as condições para verificar a correcção dos valores.

 

E tanto assim é, que a fundamentação foi clara, suficiente e congruente, que a Requerente contestou os argumentos da AT, na reclamação graciosa e no presente processo arbitral, demonstrando ter conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela AT, ora Requerida.

 

Termos em que improcede o pedido de declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação, no segmento em apreço, por falta de fundamentação.

 

Por tudo o exposto, o Tribunal julga improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRC em apreço, na parte relativa à que resulta do não reconhecimento de gastos, com referência à depreciação.

 

V - De seguida, procede-se à análise e apreciação da questão relativa ao pedido da condenação da Requerida a pagar o montante de 1.022,59 euros, a título de indemnização pela prestação de garantia indevida.

 

Entende a Requerida que inexiste tal direito, dado que o  art. 53º da LGT, ao remeter para a garantia equivalente à garantia bancária, não contempla a hipoteca, uma vez que a Requerente não suportou uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual é mantida

 

E tem razão. Com efeito, o único custo que suportou é o da constituição da hipoteca e respectivo registo, que não se altera com o decurso do tempo, como resulta claramente do texto da lei e dos arestos jurisprudenciais, alicerçados, também na melhor doutrina.

 

Na verdade, estabelece o art.. 53º da LGT:

 

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

Sendo, também de considerar o Acórdão do STA, Pleno da Secção do CT, de 11-04-2020, Paulo Antunes, proc. n.º 018/20.7BALSB – que versa sobre fiança – que diz que:

Por outro lado, é inequívoco, perante o teor do art.º 53º da LGT e do art.º 171º do CPPT, que para os efeitos indemnizatórios aí previstos apenas são consideradas as "garantias bancárias ou equivalentes".

O que se compreende, na medida em que nas garantias bancárias e equivalentes (como é o seguro-caução) o contribuinte suporta forçosamente uma despesa, cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual é mantida, e, portanto, a presença de prejuízos é certa e infalível, porque inerente a este tipo de garantia. E porque a sua quantificação é fácil de fazer, o legislador quis dar ao lesado a possibilidade de obter, de forma imediata e praticamente automática, o reconhecimento do direito indemnizatório, ainda que limitado ao montante máximo previsto no nº 3 do art.º 53º da LGT. Como refere A. LIMA GUERREIRO, em anotação ao art.º 53º na sua "Lei Geral Tributária Anotada", «o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (como o seguro-caução). Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais» - pág. 245.

Também JORGE LOPES DE SOUSA, na obra "Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais - Notas Práticas", refere que equivalente à garantia bancária «serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida. Dos meios de garantia expressamente previstos no art.º 199º do CPPT, será o caso do seguro-caução, cujo regime está previsto nos arts 6º e 7º do DL nº 183/88, de 24 de Maio». E, como adianta no seu "Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", voI. III, 6ª ed., pág. 346, a restrição do dever de indemnização aos casos de prestação de garantia bancária e garantias equivalentes, como o seguro-caução, vale, tão-somente, quanto a esta indemnização automática, derivada da mera verificação dos pressupostos previstos no artigo 53º nºs 1 e 2 da LGT, independentemente da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, regulada pela Lei nº 67/2007. E daí que a garantia prestada sob a forma de fiança não se encontre abrangida por estes preceitos legais que atribuem e fixam um direito indemnizatório de forma praticamente automática num procedimento simplificado, o que se justifica por a fiança ser, por regra, prestada gratuitamente, isto é, sem qualquer contraprestação especial destinada a retribuir a obrigação assumida pelo fiador, ainda que nada impeça que seja remunerada (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol.I, pág.617.).

O que não significa que o lesado nos seus direitos patrimoniais pela prestação desta garantia (ou de outras, como a hipoteca e penhor), não possa exigir a reparação dos prejuízos que efectivamente sofreu, por se tratar de direito que lhe é assegurado não só pelo art.º 22º da Constituição como pela Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (Lei nº 67/2007, de 31.12). Terá, porém, de intentar para o efeito acção judicial para efectivar essa responsabilidade civil da administração tributária, onde terá de invocar e provar todos os danos que sofreu, tal como se deixou, aliás, frisado na sentença recorrida.”

Acresce referir que no mesmo sentido decidiu o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2012, proferido no processo n.º 0528/12, no que respeita à garantia na modalidade de hipoteca, a qual também não foi tida por equivalente a garantia bancária.

 

Também, tem-se presente o Acórdão do STA, de 24-10-2012, Ascensão Lopes, proc. n.º   0528/12 – que versa sobre hipoteca – segundo o qual:

 

Dispõe, o artigo 53.º da L.G.T: o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação em proporção do vencimento em impugnação judicial que tenha como objecto a dívida garantida. Esta indemnização terá como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na L.G.T.

Deste dispositivo legal resulta, para o que aqui releva, que o direito à indemnização pela garantia indevidamente prestada, a atribuir sem dependência do prazo a que alude o n.º 1 artigo supra citado, depende da verificação, dos seguintes pressupostos de facto: a) a prestação da garantia bancária ou equivalente (com vista à suspensão da execução fiscal que tenha por objecto a cobrança de dívida emergente da liquidação impugnada, ainda que a execução fiscal seja questionada através de oposição - assim se decidiu no Ac. do STA de 02/11/2011 no recurso nº 0208/11-; b) a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia; c) o vencimento na reclamação graciosa, impugnação judicial, ou oposição onde seja verificado o erro imputável aos serviços.

Sobre o conceito de garantia equivalente a garantia bancária pode ver-se Jorge de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011, a pag. 242, onde defende que “Equivalente à garantia bancária, para efeitos deste artigo, serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida. Dos meios de garantia expressamente previstos no artº 199º do CPPT, será o caso seguro-caução (…)”.

No caso dos autos está em causa uma hipoteca voluntária que em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.

É no entanto certo que o recorrido pode ter outros danos para além dos prejuízos decorrentes do pagamento de emolumentos. Temos de admitir a possibilidade de o pedido indemnizatório ser efectuado em processo autónomo onde se possam averiguar com mais acuidade os danos que o interessado possa ter sofrido. Assim, cremos que o artº 171º do CPPT não pode ser interpretado no sentido de excluir a possibilidade do pedido de indemnização ser feito num processo autónomo aliás à semelhança do que estipula o artº 53º nº 3 da LGT para a garantia bancária e seguro caução ao dispor: “a indemnização referida no nº 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”

 

Neste sentido refere António Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária, p. 245) que “o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente(seguro-caução).

Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (…) o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais.”.

Aqui chegados temos de concluir que a prestação de hipoteca legal para suspender a execução confere o direito a indemnização ao revertido que a prestou na sequência de exigência indevida da Administração Fiscal. Não podia ser de outra forma por atenção desde logo ao disposto no artº 22º da CRP.

Mas não o poderá fazer sem a especificação dos concretos prejuízos (o que não foi feito no caso dos autos).

Também não podia, ser requerida a fixação da indemnização ao abrigo da norma quantificadora do artº 53º nº 3 da LGT pois esta é inaplicável ao caso dos autos, como vimos.

Assim sendo, e sem prejuízo do direito que ao contribuinte assiste de fazer valer os seus direitos nesta matéria, caso o faça em devido tempo, temos de concluir que não podia a sentença recorrida ao abrigo do artº 53º nº3 da LGT condenar a fazenda pública no pagamento da indemnização peticionada.

O recurso da Fazenda Pública merece provimento e a sentença recorrida deve ser revogada nesta parte”.

 

Isto exposto e transcrito, não subsistem dúvidas, que, no caso em apreço, inexiste o direito a indemnização, uma vez que o art. 53º da LGT, ao remeter para garantia equivalente à garantia bancária, não contempla a hipoteca, já que a Requerente não suporta uma despesa, cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual é mantida.

 

Na verdade, o único custo que suporta é o da constituição da hipoteca e respectivo registo, que não se altera com o decurso do tempo.

 

Por outro lado, caso o pedido procedesse, não haveria que relegar a sua fixação para execução de sentença, como pretende a Requerida, por o pedido corresponder a quantia certa, já liquidada: o custo da constituição da hipoteca.

 

Isto, contudo, não significa que o lesado nos seus direitos patrimoniais pela prestação da garantia – no caso a hipoteca – não possa exigir a reparação dos prejuízos que tenha sofrido.

 

Para esse efeito, e, se assim o entender, deverá mover uma acção judicial visando efectivar a responsabilidade civil da AT, onde, necessariamente, terá que invocar e demonstrar todos os danos que suportou.

 

Termos em que, pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente o pedido de indemnização pela prestação de garantia indevida.

 

VI - Finalmente, procede o Tribunal à correcção do valor do processo.

 

Na verdade, a Requerente indicou como valor da acção o montante de 33.854,18 euros, que é o valor apenas de um dos pedidos – o referente à anulação do acto tributário de liquidação de IRC nº 2020... – não considerando o montante de 1.022,59 euros, que é o valor do pedido de condenação da Requerida no pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida.

 

Nesta conformidade, e, em obediência ao prescrito no art. 297º do CPC (aplicável ex vi art. 29º nº 1 do RJAT), designadamente, no seu nº 2 que estabelece que “….conhecendo-se na mesma acção vários pedidos, o valor (da acção) é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles……”, fixa-se o valor do processo em 34.876,77 euros, que é o que resulta da soma dos dois valores dos pedidos em apreço.

 

L.-DECISÃO

 

Atento o exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

 - Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC nº 2020..., referente ao exercício de 2016, e respectivos juros compensatórios, no segmento relativo às perdas por imparidade em inventário, e anulá-la parcialmente, no montante que lhe corresponda.

.

- Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRC nº 2020..., referente ao exercício de 2016, e respectivos juros compensatórios, no segmento relativo à desconsideração de gastos, com referência a depreciações.

 

- Julgar improcedente o pedido relativo à condenação da Requerida no pagamento da quantia de 1.022,59 euros, a título de indemnização pela prestação de garantia indevida.

 

- Fixar o valor da acção em 34.876,77 euros, que é a soma dos valores dos pedidos (33.854,18 euros e 1.023,59 euros).

 

 - Condenar a Requerente a pagar 15% das custas do processo e a Requerida a pagar 85% das mesmas (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), atendendo ao decaimento.

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 297º do CPC (ex.306º) e 97º -A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 34.876,77 euros.

 

Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.836,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar 15% pela Requerente e 85% pela Requerida.

 

Notifique-se,

 

Lisboa, 8 de Abril de 2022

 

O Árbitro

 

(José Nunes Barata)

(Redacção pela ortografia antiga)