Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 614/2021-T
Data da decisão: 2022-03-23  IMI  
Valor do pedido: € 267.044,01
Tema: AIMI – Revisão do ato tributário. Impugnação do valor patrimonial tributário. Efeitos da intempestividade da impugnação de atos de fixação do valor patrimonial.
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Sumário:

  1. Os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.
  2. Os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais não podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de AIMI que os têm como pressupostos.
  3. A não impugnação tempestiva dos referidos atos de avaliação conduz à formação de caso decidido ou resolvido sobre a avaliação do prédio em causa.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Francisco Nicolau Domingos e Martins Alfaro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

 

I. Relatório

 

  1.  Os Requerentes, Fundo Aberto de Investimento Imobiliário A..., titular do  número de identificação fiscal...; Fundo de Investimento Imobiliário Fechado -B..., titular do número de identificação fiscal...; C...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, com o número de identificação fiscal ...; D...– Fundo Especial  de Investimento Imobiliário Fechado, com o número de identificação fiscal  ...;E...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, com o número de identificação fiscal...; Fundo de Investimento Imobiliário Fechado F..., com o número de identificação fiscal...; Fundo de Investimento Imobiliário Fechado  - G..., com o número de identificação fiscal ...;H...–..., S.A., com o número de identificação fiscal ... (“Requerentes), representados por I...  - Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S.A., com o número de identificação fiscal ... e com sede na Avenida ...,  ..., ...– ... ... vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 janeiro (“RJAT”), tendo em vista a anulação das decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa  e as liquidações do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) que dele foram objeto com os números 2017 ... (ano de 2017; 2018 ... (ano de 2018); 2019 ... (ano de 2019); 2020 ... (ano de 2020;  2017 ... (ano de 2017); 2018 ... (ano de 2018); 2019  ... (ano de 2019); 2020 ... (ano de 2020); 2017 ... (ano de 2017); 2018 ... (ano de 2018); 2019 ... (ano de 2019); 2020 ... (ano de 2020); 2017 ... (ano de 2017); 2017 ... (ano de 2017);  2018 ... (ano de 2018); 2019 ... (ano de 2019); 2020 ...; 2017 ... (ano de 2017); 2018 ... (ano de 2018);  2019 ... (ano de 2019); 2020 ... (ano de 2020); 2017 ... (ano de 2017); 2018 ... (ano de 2018); 2019 ... (ano de 2019); e 2020 ... (ano de 2020).

 

Alegam, em resumo, o seguinte:

- O indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa e subjacentes liquidações de AIMI dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 são ilegais, pois os coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto e de vetustez não eram, à data dos factos tributários,  relevantes para o cálculo do valor patrimonial tributário (“VPT”) dos prédios urbanos “terrenos para construção”;

- Peticionam, por isso, a anulação dos atos de indeferimento expresso dos pedidos de revisão oficiosa e a anulação parcial das liquidações de AIMI; o reembolso da parcela de AIMI  paga em excesso (a que resulta da desconsideração dos aludidos coeficientes na determinação do VPT dos prédios) –  € 267 044,01;  e a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) no pagamento de juros indemnizatórios, por “erro imputável aos serviços”.

 

 

  1. A AT, na sua resposta, invoca matéria de exceção e, em segundo lugar, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese, o seguinte:

 

- O Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar os vícios de atos de fixação de valores patrimoniais, pois são (atos) destacáveis e autonomamente impugnáveis;

 

- O Tribunal responsável pelo controlo da legalidade de atos da administração não pode praticar atos tributários de deferimento dos pedidos de revisão oficiosa em concorrência com a AT;

 

- Os pedidos de revisão oficiosa são intempestivos, pois o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável é de 3 anos – artigo 78.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (“LGT”), prazo esse que já se encontrava esgotado à data de apresentação;

 

- Os atos de liquidação, com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT, integram a categoria de “atos destacáveis” e, como tal, são inimpugnáveis.

 

- As avaliações dos prédios urbanos “terrenos para construção” em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do VPT, efetuadas há mais de 5 anos, já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal – artigo 168.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).

 

- Não pode ser assacada à AT a prática de qualquer erro que tenha justificado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido e, como tal, deve improceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 26-09-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-09-2021. Em 15-11-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 15-11-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 06-12-2021, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

A AT apresentou Resposta, em tempo, em 21-01-2022.

 

Em 31-01-2022 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

«Notifique-se o Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida.

Notifiquem-se, ainda, ambas as partes da intenção de o Tribunal Arbitral dispensar a reunião prevista, bem como da dispensa de produção de alegações, conforme previsto no art. 18.º do RJAT, por desnecessidade, para se pronunciarem, querendo.

Prazo: 5 (cinco) dias.»

 

A Requerente apresentou a resposta à exceção em 08-02-2022, com requerimento retificativo datado de 10-02-2022.

 

 

II. Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

As partes formulam o pedido em coligação de autores nos termos permitidos pelo n.º 1 do artigo 3.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

 

Em face das questões prévias colocadas (relativas à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral e à competência material do tribunal arbitral), impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas. Seguir-se-á – se a resposta àquelas o permitir – a análise do mérito do pedido.

 

 

IV. Fundamentação

 

IV.1. Matéria de facto

 

Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente Fundo Aberto de Investimento A... era proprietário, à data dos factos tributários (1 de janeiro de 2017; 1 de janeiro de 2018; 1 de janeiro de 2019; e 1 de janeiro de 2020), dos seguintes terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:
    1. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Gondomar;
    2.  Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    3. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    4. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    5. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    6. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    7.  Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    8. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    9. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    10. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    11. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    12. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    13. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    14. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    15. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
    16. Artigo ..., união das freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto.

 

  1. O Requerente Fundo de Investimento Imobiliário Fechado – B... era proprietário, à data dos factos tributários (1 de janeiro de 2017; 1 de janeiro de 2018; 1 de janeiro de 2019; e 1 de janeiro de 2020), dos seguintes terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:

 

  1. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Oeiras;
  2. Artigo..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  3. Artigo..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  4. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  5. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  6. Artigo..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  7. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  8. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  9. Artigo..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  10. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  11. Artigo..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  12. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  13. Artigo..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  14. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  15. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  16. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  17. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  18. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  19. Artigo ..., freguesia de..., concelho de Lisboa;
  20. Artigo..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  21. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  22. Artigo ..., freguesia de..., concelho de Palmela;
  23. Artigo ..., freguesia de..., concelho de Palmela;
  24. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  25. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  26. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  27. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  28. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  29. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  30. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa;
  31. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa;
  32. Artigo ..., freguesia de ..., concelho de Palmela;
  33. Artigo ..., união de freguesias de ... e ..., concelho de Cascais.

 

  1. O Requerente C...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado era proprietário, à data dos factos tributários (1 de janeiro de 2017; 1 de janeiro de 2018; 1 de janeiro de 2019; e 1 de janeiro de 2020), dos seguintes terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:

 

  1.  Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Vila Franca de Xira;
  2. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Vila Franca de Xira.

 

 

  1. O Requerente D...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado era proprietário de 1/2, à data dos factos tributários (1 de janeiro de 2017; 1 de janeiro de 2018; 1 de janeiro de 2019; e 1 de janeiro de 2020), dos seguintes terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:
    1. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Lisboa;
    2. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Lisboa.

 

  1. O Requerente E...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado era proprietário de 1/2 , à data dos factos tributários( 1 de janeiro de 2017; 1 de janeiro de 2018; 1 de janeiro de 2019; e  1 de janeiro de 2020), dos seguintes terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:

 

  1. Artigo..., freguesia do ..., concelho de Lisboa;
  2. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Lisboa.

 

 

  1. O Requerente Fundo de Investimento Imobiliário Fechado F... era proprietário, à data dos factos tributários (1 de janeiro de 2017; 1 de janeiro de 2018; 1 de janeiro de 2019; e 1 de janeiro de 2020), do seguinte terreno para construção inscrito na matriz predial urbana:

 

  1. Artigo ..., união das freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto.

 

  1. O Requerente Fundo de Investimento Imobiliário Fechado –G... era proprietário, à data dos factos tributários (1 de janeiro de 2017; 1 de janeiro de 2018; 1 de janeiro de 2019; e 1 de janeiro de 2020), dos seguintes terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:

 

  1. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Vila Nova de Famalicão;
  2. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Vila Nova de Famalicão;
  3. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  4. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  5. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  6. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  7. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  8. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  9. Artigo..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  10. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  11. Artigo..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  12. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  13. Artigo ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Matosinhos;
  14. Artigo ..., união das freguesias de ... e..., concelho de Matosinhos;
  15. Artigo ..., freguesia de ..., concelho da Moita;
  16. Artigo ..., freguesia de ..., concelho da Moita;
  17. Artigo ..., freguesia de ..., concelho da Moita;
  18. Artigo ..., freguesia de ..., concelho da Moita.

 

  1. O Requerente H..., S.A. era proprietário, à data dos factos tributários (1 de janeiro de 2017; 1 de janeiro de 2018; 1 de janeiro de 2019; e 1 de janeiro de 2020), dos seguintes terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:

 

  1. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  2. Artigo..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  3. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  4. Artigo..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  5. Artigo..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  6. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  7. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  8. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  9. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  10. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  11. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  12. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  13. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  14. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  15. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  16. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  17. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  18. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  19. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  20. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  21. Artigo ..., freguesia do..., concelho de Santa Cruz;
  22. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz;
  23. Artigo ..., freguesia do ..., concelho de Santa Cruz.

 

  1. O Requerente Fundo de Investimento A... foi notificado das seguintes liquidações:

 

  1. A que corresponde o documento n.º 2017 ... respeitante ao ano de 2017, datada de 30/06/2017, no montante de € 33 750,04;
  2. A que corresponde o documento n.º 2018 ... respeitante ao ano de 2018, datada de 30/06/2018, no montante de € 63 136,30;
  3. A que corresponde o documento n.º 2019 ... respeitante ao ano de 2019, datada 30/06/2019, no montante de € 44 657,09;
  4. A que corresponde o documento n.º 2020 ... respeitante ao ano de 2020, datada de 30/06/2020, no montante de € 37 543,31.

 

  1.  O Requerente Fundo de Investimento Imobiliário Fechado –B...foi notificado das seguintes liquidações:
    1. A que corresponde o documento n.º 2017 ... respeitante ao ano de 2017, datada de 30/06/2017, no montante de € 65 613,06;
    2. A que corresponde o documento n.º 2018 ... respeitante ao ano de 2018, datada de 30/06/2018, no montante de € 26 104,99;
    3. A que corresponde o documento n.º 2019 ... respeitante ao ano de 2019, datada de 30/06/2019, no montante de € 83 999,54;
    4. A que corresponde o documento n.º 2020 ... respeitante ao ano de 2020, datada de 30/06/2020, no montante de € 22 692,94.

 

  1. O Requerente C... – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado foi notificado das seguintes liquidações:

 

  1. A que corresponde o documento n.º 2017 ... respeitante ao ano de 2017, datada de 30/06/2017, no montante de € 32 658,23;
  2. A que corresponde o documento n.º 2018 ... respeitante ao ano de 2018, datada de 30/06/2018, no montante de € 26 451,01;
  3. A que corresponde o documento n.º 2019 ... referente ao ano de 2019, datada de 30/06/2019, no montante de  € 25 101,52;
  4. A que corresponde o documento n.º 2020 ... referente ao ano de 2020, datada de 30/06/2020, no montante de € 25 264,20.

 

  • O Requerente D...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado  foi notificado da liquidação a que corresponde o documento n.º  2017 ... respeitante ao ano de 2017, datada de 30/06/2017, no montante de € 54 419,29.

 

  1. O Requerente E...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado foi notificado da liquidação a que corresponde o documento n.º 2017 ... respeitante ao ano de 2017, datada de 30/06/2017, no montante de € 54 419,29.

 

  • O Requerente Fundo de Investimento Imobiliário Fechado F... foi notificado das seguintes liquidações:
    1. A que corresponde o documento n.º 2018 ... referente ao ano de 2018, datada de 30/06/2018, no montante de € 21 414,46;
    2. A que corresponde o documento n.º 2019 ...referente ao ano de 2019, datada de 30/06/2019, no montante de € 21 416,35;
    3. A que corresponde o documento n.º 2020 ... referente ao ano de 2020, datada de 30/06/2020, no montante de € 1374,08.

 

  • O Requerente Fundo de Investimento Imobiliário Fechado  –  G... foi notificado das seguintes liquidações de AIMI:

 

  1. A que corresponde o documento n.º 2017 ... referente ao ano de 2017, datada de 30/06/2017, no montante de € 122 438,12;
  2. A que corresponde o documento n.º 2018 ... referente ao ano de 2018, datada de 30/06/2018, no montante de € 119 492,65;
  3. A que corresponde o documento n.º 2019 ... referente ao ano de 2019, datada de 30/06/2019, no montante de € 96 090,18;
  4. A que corresponde o documento n.º 2020 ... referente ao ano de 2020, datada de 30/06/2020, no montante de € 26 432,29.

 

  1. O Requerente H..., S.A. foi notificado das seguintes liquidações:

 

  1. A que corresponde o documento n.º 2017 ... referente ao ano de 2017, datada de 30/06/2017, no montante de € 8 043,09;
  2. A que corresponde o documento n.º 2018 ... referente ao ano de 2018, datada de 30/06/2018, no montante de € 5 567,54;
  3. A que corresponde o documento n.º 2019 ... referente ao ano de 2019, datada de 30/06/2019, no montante de € 5 640,40;
  4. A que corresponde o documento n.º 2020 ... referente ao ano de 2020, datada de 30/06/2020, no montante de € 5 651,05.

 

  1. As liquidações foram integralmente pagas pelos Requerente.

 

  1. Os Requerentes apresentaram os pedidos de revisão de atos tributários no dia 14/05/2021 no qual suscitaram questões de ilegalidade (errónea aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e/ou de qualidade e conforto no âmbito da fixação de valores patrimoniais dos terrenos para construção objeto das liquidações) e, em consequência, a anulação parcial das liquidações controvertidas.

 

 

  1. Os Requerentes não foram notificados das decisões dos pedidos de revisão até à data em que apresentaram o pedido de pronúncia arbitral – 29/06/2021.

 

Factos provados e fundamentação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelos Requerentes.

 

A AT não apresentou processo administrativo.

 

 

Questões a decidir

 

Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições dos Requerentes e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar [sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT]:

  1. Se as invocadas exceções – incompetência do Tribunal Arbitral, exceção dilatória inominada e intempestividade – procedem;

 

  1. Se os atos de indeferimento silente dos pedidos de revisão oficiosa apresentados no dia 29/06/2021 devem ser anulados, bem como as subjacentes liquidações de AIMI, por aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto na determinação do VPT dos terrenos para construção;

 

  1. Se os Requerentes têm direito ao reembolso do imposto pago em excesso - € 267 044,01;
  2. Se os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado e pago.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

  1. Quanto às exceções invocadas

 

  1. Incompetência do Tribunal

 

Seguindo de perto o Processo 540/2020-T, deste Centro[1], a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

 

Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

Para além da apreciação direta da legalidade de atos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) - que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «atos suscetíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico».

 

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constituir «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias suscetíveis de serem objeto de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas.

 

De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º, ao fazer referência aos «atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de atos que, nos termos do CPPT, não podem ser objeto de impugnação judicial. Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de atos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou ação administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – “CPTA”) conforme esses atos comportem ou não a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação. (   )

Porém, como exceção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa, poderão considerar-se os casos de impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto de a utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, atualmente revogado, em de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. No mesmo sentido aponta a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários».

No caso em apreço, a Requerente não apresentou uma reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, que não foi apreciado no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito.

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade do ato de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de ato destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objeto um ato de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

No caso de impugnação administrativa direta de um ato de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do ato de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido, por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito do meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objeto direto o ato de liquidação que se baseia em razões substantivas e não por razões formais.

Diferente é a situação nos casos em que se está perante o indeferimento tácito de um recurso hierárquico, subsequente a indeferimento expresso de reclamação graciosa, pois este não tem por objeto direto um ato de liquidação, mas sim um anterior ato de indeferimento da impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa). Se o ato expresso proferido na impugnação administrativa não conheceu da legalidade do ato de liquidação (por ter entendido existirem obstáculos formais, como a ilegitimidade ou a intempestividade), o indeferimento tácito presume-se ter mantido o ato anterior e, por isso, se este não comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação, o indeferimento tácito do recurso hierárquico também não a comporta.

 

Com efeito, nos casos de recurso hierárquico, em que é impugnado um anterior ato expresso, existe já um anterior ato impugnável, pelo que, no caso de indeferimento tácito do recurso hierárquico, é esse anterior ato expresso e não o indeferimento tácito o objeto da impugnação, como resulta do preceituado no artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária (“LGT”): o decurso do prazo para decisão do recurso hierárquico «sem que haja sido tomada uma decisão, confere ao interessado a possibilidade de impugnar contenciosamente o ato do órgão subalterno ou de fazer valer o seu direito ao cumprimento, por aquele órgão, do dever de decisão». Assim, o ato do subalterno, que se presume confirmado tacitamente, no caso de o recurso hierárquico não ser decidido no prazo legal, é o relevante para aferir a idoneidade do meio processual. É neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre o indeferimento tácito de recurso hierárquico (à face do artigo 175.º, n.º 3, do CPA de 1991, que, para este efeito, tem alcance substancialmente idêntico ao artigo 198.º, n.º 4, do CPA de 2015), como pode ver-se pelo acórdão de 21-11-2007, processo n.º 0444/07, em que se entendeu: «Nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico considera-se indeferido o recurso (art. 175.º, n.º 3, do CPA), pelo que, quando a decisão da reclamação graciosa impugnada conheceu da legalidade de ato de liquidação (no caso, deferindo parcialmente a pretensão formulada), aquele indeferimento tácito considera-se também ter por objeto a legalidade do ato de liquidação cuja legalidade foi apreciada na decisão da reclamação.»

Assim, nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto de ato expresso, é à face do conteúdo deste ato recorrido que se afere se foi ou não apreciada a legalidade do ato de liquidação.

De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante o indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa, que têm por objeto direto atos de liquidação, é de considerar que o ato ficcionado conhece da legalidade dos atos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o processo arbitral.

 

Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

– de 06-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como um ato que comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação»;

– de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o ato silente atribuído a diretor-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um ato de liquidação de um tributo é a impugnação judicial».

Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o ato ficcionado quando ocorre indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa é um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.

 

Nestes termos, improcede a exceção invocada.

 

 

  1. Exceção dilatória inominada - ilegalidade do pedido e tempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

Com efeito, se a tempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral depende da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de AIMI em causa (dado que a data de apresentação desses pedidos de revisão serviu para os Requerentes presumirem, por transcurso do prazo constante do n.º 1 do art. 57.º da LGT, que se tinha formado a presunção de indeferimento tácito – a partir do qual os ora Requerentes contaram o prazo de 90 dias do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), é necessário fazer a demonstração da mesma.

 

Nesse sentido, alegaram os Requerentes que: os pedidos de revisão oficiosa sub iudice foram submetidos tempestivamente, i.e., dentro do prazo legal de quatro anos consagrado no artigo 78.º da LGT – em 14 de maio de 2021.

 

Por seu lado, a Requerida entendeu que “face às datas em que foram formulados os pedidos de revisão oficiosa dos atos de avaliação, tem necessariamente de se concluir que os pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários impugnados na presente ação são intempestivos.”

 

Ao que acresce que a Requerida também alega a inexistência do indeferimento tácito na origem do presente processo arbitral.

 

Vejamos, então.

 

Os pedidos de revisão oficiosa foram apresentados em 14 de maio de 2021.

 

Podiam os Requerentes interpor pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, como alegam?

 

A resposta a dar à questão é negativa. Como bem refere a Decisão arbitral de 09/11/2021, proferida no processo n.º 40/2021-T: “Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as referidas nos n.ºs 1 e 6 reportam-se a atos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1). Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 se referem a atos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais. Ora, analisando estas normas, é manifesto que não foi observado pela Requerente o prazo de três anos fixado no n.º 4 deste artigo 78.º.” (Sublinhados nossos.)

 

Com efeito, o prazo aplicável é, pelas razões supra citadas, o de 3 anos, constante do n.º 4 do artigo 78.º da LGT (e não o prazo de 4 anos alegado pelos Requerentes). E, como se observa pela leitura dos autos, estão em causa, várias liquidações do AIMI dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020.

Assim sendo, e tendo presente que os pedidos de revisão das liquidações foram apresentados pelos ora Requerentes em 14/05/2021, e tendo também presente que “[o]s «três anos posteriores ao do ato tributário» terminam no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário” (vd. Decisão arbitral de 10/05/2021, proferida no proc. n.º 487/2020-T), mostra-se evidente que, à data dos pedidos de revisão, ainda não tinha expirado o “prazo de três anos posteriores ao do ato tributário” (n.º 4 do art. 78.º da LGT) em que podia ser autorizada a revisão do mencionado ato de fixação de valores patrimoniais, com “fundamento em injustiça grave ou notória” (vd., também, n.º 5 do referido art. 78.º da LGT), quanto às liquidações de 2018, 2019 e 2020.

 

Considera-se que as liquidações de 2017 seriam já insindicáveis pela intempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e consequente inexistência do indeferimento tácito na origem do presente processo arbitral quanto a este ano.

 

Improcede a instância quanto ao ano de 2017. Analisemos o pedido quanto aos anos de 2018, 2019 e 2020, quanto às liquidações de AIMI sindicáveis.

 

  1. Questão de fundo

 

Os Requerentes vêm impugnar atos de liquidação de AIMI de 2018, 2019 e 2020, com fundamento em erros dos atos de fixação dos VPTS dos prédios sobre que incidiu o imposto, pelo que é necessário averiguar os seguintes pontos:

 

  1. Questão da possibilidade de impugnar liquidações AIMI com fundamento e vícios de atos de fixação de valores patrimoniais;
  2. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais.

 

 

  1. Questão da possibilidade de impugnar liquidações de IMI e de AIMI com fundamento e vícios de atos de fixação de valores patrimoniais

 

Antes de mais, é necessário esclarecer se os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de AIMI que os têm como pressupostos.

 

A AT defende globalmente o seguinte: “não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação, ou da decisão de indeferimento tácito que não se pronuncie sobre o ato de liquidação”.

 

Afigura-se correto este entendimento da AT.

 

Na verdade, podemos até acrescentar, e seguindo de perto o Processo 540/2020-T, deste Centro[2], por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, ela é «suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

 

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

 

Os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT em que se estabelece que:

 

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).

 

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indireta, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI ou de AIMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

 

No âmbito do AIMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

 

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial, nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

 

Isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

 

Assim, o sujeito passivo de AIMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[3], desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI, quer de IMT.

 

Podemos até citar a decisão proferida no Processo 540/2020-T, deste Centro[4]:

 

«Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de ação derivada da inércia do lesado por atos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos atos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, atos de avaliação praticados até 2015, muito depois do prazo legal de impugnação de três meses e mesmo depois do decurso do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT).

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adotaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.»

 

Pelo exposto, os alegados vícios dos atos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação da liquidação de AIMI, pelo que improcede necessariamente pedido de pronúncia arbitral quanto aos anos de 2018, 2019 e 2020.

 

Por isso, as liquidações de AIMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.

 

  1. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais

 

 

A possibilidade de revisão oficiosa de atos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI. Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão.

 

Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as dos n.ºs 1 e 6 reportam-se a atos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).

 

Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a atos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais. Por isso, só dentro do condicionalismo previsto nestes n.ºs 4 e 5 se pode aventar a possibilidade de revisão oficiosa.

 

No entanto, é manifesto que não foi observado pelos Requerentes o prazo de três anos fixado no n.º 4 deste artigo 78.º.

 

Na verdade, todas a liquidações de AIMI se baseiam nos valores inscritos nas respetivas matrizes e fixados por avaliações realizadas entre 2012 e 2017 (conforme resulta das cadernetas prediais, juntas sob o Doc. n.º 10 a 17 pelos Requerentes), pelo que todos os atos de fixação de valores patrimoniais são anteriores a essa data.

 

Por isso, quando os Requerentes apresentaram os pedidos de revisão oficiosa, em 14/05/2021, há muito que havia expirado o prazo em que podia ser autorizada a revisão dos atos de fixação de valores patrimoniais.

 

Pelo exposto, por intempestividade está afastada esta possibilidade de revisão oficiosa.

 

 

V. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa e, bem assim, a anulação das liquidações de AIMI respeitantes, respetivamente, aos períodos de tributação de 2018 e 2019 e 2020;

 

  1. Julgar improcedente o pedido de reembolso da quantia de € 267 044,01 com as demais consequências legais;

 

  1. Absolver a AT do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 267.044,01 (duzentos e sessenta e sete mil e quarenta e quatro euros e um cêntimo), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 4.896,00 (quatro mil oitocentos e noventa e seis euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de março de 2022.

 

Os Árbitros,

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(Francisco Nicolau Domingos – com declaração de voto)

 

 

(Martins Alfaro – com declaração de voto)

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art.º. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

 

Votamos a decisão, embora com uma fundamentação diversa. Vejamos.

O artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) é fonte de múltiplas divergências jurisprudenciais e tem a seguinte redação:

 

1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)
3 - A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.  (Redação da  
Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. (Redação do n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro)

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. (Redação da  Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) (Anterior n.º 4.)

6 - A revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta pode efetuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização. (Redação da  Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) (Anterior n.º6 .)

 

Já o artigo 115.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“CIMI”)  prevê o seguinte:

 

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

a) Quando, por atraso na atualização das matrizes, o imposto tenha sido liquidado por valor diverso do legalmente devido ou em nome de outrem que não o sujeito passivo, desde que, neste último caso, não tenha ainda sido pago;

b) Em resultado de nova avaliação;

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido;

d) Quando, havendo lugar, não tenha sido considerada, concedida ou reconhecida isenção.

2 - A revisão oficiosa das liquidações, prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, é da competência dos serviços de finanças da área da situação dos prédios.

3 - Não há lugar a qualquer anulação sempre que o montante do imposto a restituir seja inferior a (euro) 10.

 

O legislador consagrou, no sistema fiscal, o instituto da revisão dos atos tributários, com vista ao reforço das garantias dos contribuintes e dos meios de tutela das posições jurídicas substantivas, sem ofender o princípio (constitucional) da segurança jurídica, pois, nomeadamente, o legislador circunscreve a utilização do instituto ao prazo de quatro anos (artigo 78.º, n.º 1 da LGT) ou três anos (artigo 78.º, n.º 4 da LGT).

O artigo 115.º do CIMI reporta-se a atos de liquidação (atos tributários stricto sensu)  e não à fixação de valores patrimoniais, pois estes (atos de fixação de valores patrimoniais) constituem atos administrativos em matéria fiscal. Paralelamente, o normativo remete expressamente para o artigo 78.º da LGT, por conseguinte, quando pedido de revisão não é apresentado no prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efetuada se existir “erro imputável aos serviços”

A fundamentação de direito do presente acórdão participa da linha interpretativa descrita na decisão arbitral n.º 40/2021-T, de 9 de novembro de 2021, quando sustenta que:

 

Como resulta do teor expresso deste artigo 115.º, ele reporta-se a revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI e não a atos de avaliação de valores patrimoniais. Para além disso, como estas normas especiais são aplicáveis “sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária”, a possibilidade de revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efetuada se existir erro imputável aos serviços. No caso em apreço, os atos de liquidação de IMI não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”.

(…)

Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as referidas nos n.ºs 1 e 6 reportam-se a atos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1). Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 se referem a atos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais. Ora, analisando estas normas, é manifesto que não foi observado pela Requerente o prazo de três anos fixado no n.º 4 deste artigo 78.º.

Na verdade, todas a liquidações de IMI se baseiam nos valores inscritos as respetivas matrizes em 31-12-2015, pelo que todos os atos de fixação de valores patrimoniais são anteriores a essa data. Por isso, quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa, em 27-02-2020, já havia necessariamente expirado o prazo em que podia ser autorizada a revisão dos atos de fixação de valores patrimoniais.

 

 O Tribunal Arbitral concluiu, nomeadamente, que: i) o artigo 115.º do CIMI constitui uma norma especial em  relação ao artigo 78.º da LGT; ii) quando o pedido de revisão oficiosa não é apresentado no prazo da reclamação administrativa, a revisão só poderá ser realizada se não  existir “erro imputável aos serviços”; e iii) não existirá “erro imputável aos serviços” se as liquidações forem praticadas com base nos valores patrimoniais inscritos na matriz.

Destaca-se na aludida decisão arbitral a circunstância de se concluir que o direito à revisão não opera se as liquidações se realizam de acordo com os valores patrimoniais tributários inscritos na matriz e, à data do pedido de revisão, já  tiver decorrido o prazo previsto no artigo 78.º, n.º 4 da LGT.

            Já, em sentido distinto, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31/10/2019, proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS propugna que o artigo 78.º, n.º 1 da LGT abrange, igualmente, os atos de fixação de valores patrimoniais. Defende o seguinte: se as liquidações foram praticadas com base em valor patrimonial tributário ilegal, não há fundamento para não lhe atribuir idêntico grau de tutela. Ou seja, os atos de avaliação repercutem-se em liquidações de valor  superior àquele que resultaria da correta aplicação da base de incidência.

            Esta posição de enquadramento da questão no artigo 78.º, n.º  1 da LGT não é pacífica na jurisprudência, escreveu-se no referido aresto:

 

De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação.

 

Vejamos a nossa posição: o “erro imputável aos serviços” densifica qualquer ilegalidade relevante, embora não possa ser imputável ao sujeito passivo por conduta negligente[5].  A jurisprudência[6] suporta a aplicação do dever de colaboração do sujeito passivo com a Autoridade Tributária e Aduaneira, quando sustenta que:

 

Para a questão se subsumir no “erro imputável aos serviços”, constante no artigo 78.º, nº 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi. (nosso sublinhado)

 

Ora, na situação que nos ocupa, existem, nomeadamente, valores patrimoniais tributários fixados em 20/04/2006; 14/03/2006; 31/03/2006; 04/04/2006; 28/04/2006; 08/08/2006; 11/03/2007; 11/01/2008; 30/10/2009; 15/02/2010; 21/11/2012; 09/01/2013; 10/01/2013; 11/01/2013; 26/01/2013; 27/01/2013; 13/02/2013; 23/02/2013; 24/02/2013; 01/03/2013; 03/03/2013; 11/03/2013;  25/03/2013; 24/06/2013; 20/07/2013; 21/07/2013; 01/09/2013; 14/10/2013;  07/12/2013; 11/01/2014; 08/05/2014; e 04/02/2015.

Contudo, os Requerentes não utilizaram a habilitação normativa descrita no artigo 130.º, n.º 1, n.º 3, alínea a) e n.º 4 do CIMI para discutir o valor patrimonial tributário.

Poder-se-á argumentar, em sentido contrário, com o facto de existirem valores patrimoniais tributários dos prédios fixados há menos de três anos, em relação às primeiras liquidações de AIMI (diga-se, em abono da verdade, que não são a maioria dos prédios); todavia, mesmo em relação a esse segmento, os Requerentes conformaram-se com o valor patrimonial tributário fixado em cada um dos prédios e não solicitaram a segunda avaliação.

Não é, assim, necessário apurar se há “erro imputável aos serviços”, pelo facto de a Administração Tributária ter efetuado as liquidações com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios que constavam das matrizes à data dos factos tributários.

Diversamente, o artigo 78.º, n.º 4 da LGT abrange os atos de fixação de valores patrimoniais, todavia o direito à revisão já não exige o erro “imputável aos serviços”, mas – pelo contrário – a ocorrência de “injustiça grave ou notória”.

            Quando o erro é, nesta modalidade de revisão, imputável ao próprio contribuinte, não pode operar-se a revisão extraordinária da matéria tributável, pois não se verifica uma das condições de que o normativo faz depender a revisão, a “injustiça grave ou notória”. A jurisprudência sustenta que a mesma verificar-se-á quando[7]:

 

O último requisito da revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de o apuramento da matéria tributável consubstanciar «injustiça grave ou notória».

O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».

Aquele requisito é exigido em alternativa, como se depreende do uso da conjunção «ou».

No caso em apreço, afigura-se ser manifesta a natureza «grave» da injustiça gerada com as erradas avaliações, pois (mesmo sem considerar os efeitos da errada majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do CIMI), a tributação em IMI dos prédios referidos foi agravada  em 90% quanto aos prédios sitos no município de Albufeira com os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., e U-..., agravada em 131% quanto ao prédio com o artigo matricial U-... e agravada em 82%  e 52% quanto às partes destinadas a comércio e habitação, respetivamente, do terreno para construção sito no município de Sesimbra.

 

Sucede que, esta modalidade de revisão extraordinária fica condicionada à inexistência de comportamento negligente do próprio contribuinte[8].

            Afirma a doutrina[9]:

 

Compreende-se esta solução legislativa, uma vez que  nesse caso não se verifica  em bom rigor uma situação de injustiça grave ou notória. Por outro lado,  a solução contrária colidiria com o princípio da colaboração que também impende sobre o próprio contribuinte (artigos 59.º, da LGT, 9.º, do RCPIT e 60.º, n.º 2, do NCPA). Será, por exemplo, o caso em que não seja apresentada declaração de rendimentos pelo contribuinte.

 

            Na hipótese sub iudice a existência de comportamento negligente por parte dos Requerentes que não reclamaram, apesar da legitimidade, dos valores patrimoniais tributários após o decurso do prazo estatuído no artigo 130.º, n.º 4 do CIMI e, concomitantemente, não apresentaram pedidos de segundas avaliações, impede a revisão da matéria tributável.

            Em resumo, são estes os fundamentos que nos levam a votar o sentido decisório do presente acórdão (decisão) arbitral.

 

O árbitro,

 

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Discordo da tese que fez vencimento, atendendo ao seguinte:

 

Quanto ao ano de 2017, entendo que o pedido de revisão oficiosa se encontra em tempo.

 

Com efeito, no artigo 26.º, do requerimento para constituição do Tribunal Arbitral, os Requerentes, sob a epígrafe «identificação do pedido arbitral», escreveram que «pretendem os Requerentes que seja declarada a ilegalidade dos atos de indeferimento tácito das revisões oficiosas supra referidas e, bem assim, dos atos de liquidação de AIMI que lhes subjazem» e, a final, formularam o pedido de que sejam «anulados parcialmente os atos tributários de liquidação de AIMI sub judice».

 

Nos presentes autos, o objeto do pedido de pronúncia arbitral recai, assim, nos atos de liquidação, sendo que o erro na determinação da matéria coletável - no caso, do valor patrimonial tributário - integra o fundamento do pedido, e é meramente instrumental, enquanto pressuposto dos atos tributários impugnados.

 

Dito de outro modo, no pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes não pretenderam, não visaram a declaração de ilegalidade ou a revisão dos valores patrimoniais tributários, mas apenas que o Tribunal controle instrumentalmente a conformidade da determinação daqueles valores com a lei, uma vez que estes, constituindo a base tributável, fazem parte integrante da liquidação em sentido estrito e contribuem para a legalidade desta.

 

Não posso, por isso, acompanhar a decisão que fez vencimento, quando refere que apenas são aplicáveis os nrs. 4 e 5, do artigo 78.º, da LGT, na medida em que apenas estes números se referem a atos de fixação da matéria tributável.

 

Assim seria, caso o objeto do pedido de pronúncia arbitral consistisse na impugnação direta - e não meramente instrumental - do valor patrimonial tributário, no sentido de que os Requerentes visariam, mediante a arbitragem, modificar um valor patrimonial tributário anteriormente determinado.

 

Contudo, não foi isso que os Requerentes fizeram, antes questionaram expressamente a legalidade dos atos tributários impugnados e não requereram, em parte alguma, «a revisão da matéria tributável apurada» - artigo 78.º, n.º 4, da LGT.

 

De resto, também em sede de pedido de revisão oficiosa, os Requerentes identificaram, como objeto do pedido, a «revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação do Adicional ao IMI» e requereram «a anulação parcial dos atos tributários de AIMI».

 

E assim sendo, considero plenamente aplicável à presente situação o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, pelo que teria decidido pela improcedência da exceção suscitada pela Requerida, também quanto ao ano de 2017.

 

Relativamente aos restantes anos em causa nos autos, teria igualmente decidido pela improcedência da exceção suscitada pela Requerida, com fundamento no n.º 1, do artigo 78.º, da LGT e não, como foi decidido, com fundamento no n.º 4, do artigo 78.º, da LGT.

 

Apreciando agora a questão de saber da possibilidade de impugnar as liquidações de AIMI com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação de valores patrimoniais, a decisão que fez vencimento parte da consideração de que, constituindo o ato de fixação do valor patrimonial tributário, um ato destacável, objeto de impugnação autónoma, não é possível, na impugnação dos atos de liquidação que com base nele sejam efetuadas, discutir-se a legalidade daquele ato de fixação.

 

Com o devido respeito, que é muito, também aqui discordo da tese que fez vencimento, louvando-me essencialmente nos fundamentos que constam na decisão arbitral, de 02-07-2021, proferida no processo n.º 760/2020-T, do CAAD e prolatada pelo Prof. Doutor Rui Duarte Morais.

 

Com efeito, é indisputável que o ato de fixação do valor patrimonial tributável constitui um ato destacável, sujeito a impugnação autónoma.

 

A decisão que fez vencimento, considerou que a natureza de ato destacável, atribuída ao ato de fixação do valor patrimonial tributável, implica incontornavelmente a respetiva insindicabilidade, mesmo na impugnação do ato de liquidação em que seja invocado erro na determinação da matéria coletável como causa de pedir e o erro no valor patrimonial tributável consista, assim, em questão que é suscitada a título meramente instrumental.

 

E instrumental porque - como no caso dos presentes autos - a Requerente não visa modificar os actos de fixação do valor patrimonial tributário, mas sim que o Tribunal aprecie se a determinação da matéria coletável cumpre com os requisitos legais, afinal, se a base tributável obedece à Lei, enquanto pressuposto da legalidade do ato tributário impugnado.

 

Nesta matéria, perfilho o que, a propósito, se escreveu na já referida decisão arbitral, prolatada pelo Prof. Doutor Rui Duarte Morais, no sentido de que:

 

«[…] a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê.

Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso - como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação)».

 

E tal asserção encontra-se, de resto, plenamente conforme uma interpretação e uma aplicação mais favoráveis ao acesso ao direito e à tutela judicial efetiva, a fim de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.

 

Considero, assim, que de tudo isto decorre que, para efeitos de sindicabilidade da legalidade dos pressupostos legais dos atos tributários impugnados, era legítimo ao Tribunal Arbitral apreciar os vícios atinentes à determinação da matéria coletável,

 

Vícios esses a conhecer a título incidental, enquanto vícios que se projetam nos atos tributários impugnados.

 

Por estas razões teria apreciado o invocado erro na determinação da matéria coletável.

 

 

O árbitro,

 

(Martins Alfaro)

 

 



[1] Disponível em: https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=540%2F2020&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=5428.

[2] Disponível em: https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=540%2F2020&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=5428.

[3] Conforme podemos consultar nos seguintes processos:  de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; de 5-2-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/16; de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

[4] Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=540%2F2020&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=5428.

[5] PAULO MARQUES, A revisão do ato tributário. Da mea culpa à reposição da legalidade, Cadernos IDEFF, n.º 19, 2.ª edição revista e atualizada, Almedina, 2017, p. 218.

[6] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 05/11/2020, proferido no âmbito do processo n.º 328/05.3BEALM.

[7] Decisão arbitral, de 10/05/2021, proferida no âmbito do processo n.º 487/2020-T.

[8] PAULO MARQUES, cit., p. 283.

[9] PAULO MARQUES, cit., p. 283.