DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
1. A..., com o NIF ..., residente..., ..., ...-... Almancil, veio deduzir impugnação das liquidações do IUC e do ISV, tendo apresentado em 26.10.2021 um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante «RJAT», com as alterações subsequentes, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
2. O pedido de pronúncia arbitral visa a anulação parcial da liquidação do IUC e do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no artigo 11.º do CISV à componente ambiental com a AT a ser condenada a proceder à restituição de 3 474,30 €, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à taxa de 4%
3. Nos termos do disposto nos artigos 6.º n.º 1 e 11.º n.º 1 alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro singular em 14.12.2014.
4. Na referida data foram as Partes notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alínea b) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD, não tendo as mesmas manifestado a intenção de recusar a designação do árbitro.
5. Nessa mesma data a Requerida comunicou nos termos do artigo 13.º n.º 1 do RJAT a revogação parcial dos atos tributários impugnados, conforme Despacho do Subdiretor-Geral, Miguel Gonçalves Correia, de 19.11.2021, exarado em informação de serviço, em que foi proposto a aplicação à desvalorização comercial dos veículos a componente ambiental do ISV, procedendo-se ao reembolso dos montantes pagos em excesso.
6. O Requerente notificado do facto veio solicitar o prosseguimento do processo, dado não estar claro o montante a devolver e subsistir a ilegalidade do IUC
7. Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 03 de janeiro de 2022.
8. Nos termos do artigo 17.º n.ºs 1 e 2 do RJAT foi a AT notificada, enquanto parte requerida, para no prazo de 30 dias apresentar resposta e, caso entendesse, solicitar a produção de prova adicional, devendo no mesmo prazo ser remetida cópia do processo administrativo, o que fez em 07.02.2022.
9. Nessa resposta, a Requerida sustentou a legalidade das liquidações efetuadas, concluindo pela improcedência total do pedido. Alegou também estar em causa somente matéria de direito, e requereu a dispensa da produção da prova testemunhal, indicada pela Requerente na petição inicial.
10. No exercício do contraditório, o Tribunal Arbitral notificou o Requerente para se pronunciar sobre a dispensa da audição das testemunhas, bem como, atento o facto de estar em apreciação unicamente matéria de direito, sobre o seu juízo sobre a realização da primeira reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
11. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, sendo legítimas, à luz dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
12. O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver nem questões prévias sobre as quais o Tribunal Arbitral se deva pronunciar.
III – DA POSIÇÃO DAS PARTES
13.1 O Requerente, na petição inicial, a fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, no essencial, e no que respeita estritamente ao IUC, alegou o seguinte:
- É proprietário de um veículo automóvel adquirido na República Federal da Alemanha em 2008, no estado de usado, com o n.º de chassis e que teve a primeira matrícula no referido país em 28.02.1967.
- Procedeu à sua introdução no consumo, em 20.12.2018, tendo o IUC, nos anos de 2019 e 2020, sido liquidados em função do ano de matrícula em Portugal, ou seja 2018.
- Afirma que, como já foi reconhecido pela AT – Despacho da Diretora Geral de 04.11.2019 e pelo legislador na última alteração ao CIUC, tal liquidação foi ilegal, por violar o artigo 110.º do TFUE.
- Pede a restituição de 1086,06 €
13.2 No que respeita ao ISV, o Requerente tinha inicialmente requerido a revisão da liquidação junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, mas não tendo o referido pedido sido objeto de decisão atempada por parte do referido serviço aduaneiro, foi considerada tacitamente indeferida.
Em apoio da sua pretensão, o Requerente, no essencial, veio dizer o seguinte:
- Em 11.07.2018 e 05.11.2019, respetivamente, introduziu no consumo em Portugal dois veículos automóveis usados provenientes da Alemanha, tendo procedido ao pagamento, respetivamente, de 14 651,94 € e 18 081,74 €.
- Do total dos montantes pagos, 19 697,51 € correspondeu à componente cilindrada, tendo havido uma redução em função da antiguidade dos veículos de 10% e 20%, respetivamente.
- Do total do montante de 16 841,85, correspondente à componente ambiental dos dois veículos, não houve qualquer redução do imposto em função da antiguidade dos veículos.
O Requerente depois de fazer uma retrospetiva histórica do percurso legislativo do artigo 11.º do CISV em matéria de tributação dos veículos usados desde a sua publicação em 29 de junho de 2007 e das desconformidades efetivas e aparentes que a sua redação teve com o ordenamento comunitário por via das interpretações da Comissão e do Tribunal de Justiça da União Europeia, veio concluir que a norma do artigo 11.º do CISV, ao não ter levado em consideração o número de anos do veículo na sua componente ambiental, violou diretamente o disposto no artigo 110.º do TJUE, pelo que a liquidação está ferida de ilegalidade.
Corrobora esta conclusão com a invocação do acórdão do TJUE proferido no Processo C-169/20, em 02.09.2021, em que ficou acordado que «Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE».
A redução da componente ambiental em função dos anos de uso dos veículos, de 20% e 10%, respetivamente, deveria ter determinado uma liquidação de 13 243,83 e 17 101,61 €, ou seja, em sede de ISV foi pago a mais os montantes de 1408,11 € e 980,13 €.
Pede a restituição de 2388,24 € acrescido de juros indemnizatórios.
13.3. No total, considerando IUC e ISV, o Requerente pede a condenação da AT na restituição de 3474,30 €, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal de 4%, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição.
13.4 Requereu a produção de prova testemunhal.
14. Por seu turno, a Requerida em resposta à impugnação, em sede de contestação, estratifica a sua resposta em matéria de ISV e de IUC, vindo dizer, no essencial, o seguinte:
14.1 Em matéria de ISV:
A Requerida esclareceu que o ato tributário foi revogado parcialmente a coberto de um despacho do Subdiretor Geral da AT, no sentido pedido pelo Requerente, mas este declarou pretender o prosseguimento do pedido de pronúncia arbitral.
Confirma os factos alegados mas refere que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos, (artigo 2.º n.º 1) não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV.
Sobre o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à luz do n.º 1 e da alínea c) do artigo 43.º da LGT, entende não serem os mesmos devidos, por um lado, porque a AT agiu no estrito cumprimento da lei em vigor, a que estava vinculada, e por outro o pedido de revisão não foi efetuado mais de um ano após o pedido deste, invocando jurisprudência assente no ST, mormente a vertida nos Acórdãos de 11.12.2019 no Processo 058/19.9BALSB e de 20.05.202020 no Processo 05/19.8BALSB, além da jurisprudência arbitral decorrente dos processos 296/2020-T e 413/2021-T.
14.2 Em matéria de IUC:
A Requerida, além de se defender por Impugnação, defende-se igualmente por exceção, por um lado em razão da sua ilegitimidade passiva e, por outro, em razão da caducidade da ação. Assim:
14.2.1 Em matéria de ilegitimidade, refere o facto dos IUC dos anos de 2018 e 2019 terem sido liquidados com base no facto da viatura ter sido erroneamente enquadrada na categoria B, quando deveria ter sido enquadrada na categoria A, pelo que há um premente interesse em agir – contradizer do IMTT, pois só o IMT dispõe do conhecimento relativo à integração dos veículos nas diferentes categorias, sendo certo que um eventual erro lhe deve ser imputado.
Em face da relação jurídica que se mostra configurada, mas igualmente por força do interesse pessoal e direto em contradizer do IMT, é manifesta, como é inequívoca, a ilegitimidade da AT para se encontrar em juízo, o qual aqui deveria estar representado, mas, não estando, submetido à jurisdição arbitral há uma impossibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva através de um incidente de intervenção principal provocada, face à não vinculação do IMT à jurisdição do CAAD.
Assim, ao abrigo dos artigos 89.º n.º 1 alínea d) do CPTA e do artigo 576.º n.º 2 do CPC deve a Requerida ser absolvida da instância.
14.2.2 Em matéria de caducidade do direito de ação entende que procede a extemporaneidade do pedido arbitral, com base na extemporaneidade do pedido de revisão das liquidações efetuadas.
O prazo de apresentação da reclamação administrativa é de 120 dias e a utilização do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) na parte em que prevê a revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços, surge apenas como forma de aproveitamento do prazo de 4 anos, pelo que inexistindo erro imputável aos serviços, uma vez que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente do que decidiu, por estar sujeita ao princípio da legalidade, não há fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário. Em abono desta tese, invoca as decisões arbitrais proferidas nos processos 345/2017 e 114/2019 e 250/2021 que, não obstante respeitarem a outros tributos, indeferiram por extemporaneidade os respetivos pedidos.
Reportando esta última Decisão Arbitral, ainda não publicitada, a Requerida faz uma extensa transcrição da mesma, concluindo que o Requerente deixou precludir tal prazo, uma vez que apresentou o pedido de revisão oficiosa decorrido mais de um ano sobre a data limite para pagamento voluntário da liquidação do ano de 2019, encontrando-se igualmente ultrapassado o prazo de 90 dias para apresentação do pedido arbitral, o que determina a verificação da exceção de caducidade do direito de ação, devendo em consequência a Requerida ser absolvida.
14.2.3 Em termos impugnatórios, a Requerida enuncia excertos da Exposição de motivos constante da Proposta de Lei n.º 118/X que procedeu à reforma global da tributação automóvel, explicita as regras de aplicação do imposto e as bases em que a mesma se apoiou, designadamente a proposta de Comissão de harmonização de tributação dos veículos ligeiros e o Protocolo de Kioto, procurando-se uma harmonização dos princípios e conceitos fiscais a aplicar sobre a compra e circulação dos veículos, tendo também como preocupação a adequação às imposições europeias relativas á proteção do meio ambiente.
A matéria factual revela que o veículo teve uma primeira matrícula na Alemanha em 1967. A este propósito o Certificado de Registo (...) documento junto à DAV consta o primeiro registo nos Países Baixos em 2013.08.07.
A Requerida considera que a DAV apresentada pelo sujeito passivo goza nos termos do artigo 75.º n.º 1 da LGT de presunção de verdade, mas essa presunção cede face a elementos que não reflitam ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, havendo diversos elementos juntos à DAV, designadamente o certificado de registo holandês, donde se pode retirar que o veículo teve efetivamente uma primeira matrícula, mas daí não se pode retirar que essa primeira matrícula, cujos efeitos se haveriam de repercutir em sede de IUC, tenha sido proveniente de um país da UE ou do EEE.
Conclui pela improcedência da alegação do Requerente quanto à antiguidade e origem da matrícula, não podendo as liquidações de IUC ser anuladas, por não se verificar preenchido por provado, o fundamento para a classificação do veículo na categoria A.
Sobre o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, a Requerida considera que à luz dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, inexistem fundamentos pois esse direito depende da verificação dos seguintes pressupostos: (i) estar pago o imposto (ii) ter a respetiva liquidação sido anulada, total ou parcialmente, em processo gracioso ou judicial (iii) determinação, em processo gracioso ou judicial, qua a anulação se funda em erro imputável aos serviços.
Sobre o oferecimento de prova testemunhal pela Requerente, a Requerida opõe-se a essa inquirição, defendendo que atentos os princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo bem como da livre determinação das diligências de prova necessárias, consagradas no artigo 16.º alíneas c) e e) e n.º 2 artigo 29.º do RJAT, a prova testemunhal deverá ser considerada desnecessária e em consonância ser dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º também do RJAT.
Em conclusão, requer que as exceções invocadas, por provadas, devem ser julgadas procedentes, e subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se no ordem jurídica os atos tributários de liquidação, absolvendo-se a Requerida dos pedidos.
15. Notificado o Requerente para se pronunciar sobre as exceções e sobre a manutenção do interesse processual na prova testemunhal, o mesmo não se pronunciou, tendo o Tribunal Arbitral prescindido da audição das testemunhas e da reunião a que se refere o artigo 18.º n.º 1 do RJAT, uma vez que para a decisão arbitral foi considerada suficiente a prova documental existente.
16. A ação tal como foi configurada pelo Requerente cumulou pedidos que não dependem das mesmas circunstância de facto e da interpretação dos mesmos princípios ou regras de direito, todavia, conforme Despacho do Subdiretor-Geral, comunicado nos termos do artigo 13.º n.º 1 do RJAT, houve uma revogação parcial dos atos tributários impugnados em sede de ISV, em abstrato mas na medida do pedido, pelo que no âmbito da gestão processual, o pedido acaba por subsistir apenas relativamente em sede de IUC.
Assim, o Tribunal Arbitral, muito embora não deixe de se pronunciar sobre as questões suscitadas pela aplicação do artigo 11.º do CISV, consolidando os fundamentos da decisão administrativa de revogação parcial, elege o IUC como tema da pronúncia arbitral.
IV - DOS FACTOS
17. Não há factos que sejam declarados não provados, salvo a referência pela Requerente de pedir a restituição em sede de IUC de 1086,06 €, quando se mostra provado que a restituição deve abranger unicamente 1056,06 € (524,62 + 531,44).
18. Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá este Tribunal Arbitral como provado, face aos elementos constantes dos autos, os seguintes factos:
19.1 O Requerente procedeu à introdução no consumo por via da apresentação na Alfândega do Jardim do Tabaco da DAV n.º 2018/..., de 12.07.2018, do veículo da marca «... », modelo..., com o n.º de chassis WD..., de ... centímetros cúbicos de cilindrada e de 151 g/Km de emissão de dióxido de carbono, com a anterior matrícula definitiva alemã..., atribuída pela primeira vez em 03.07.2017 e a que veio a ser atribuída a matrícula nacional... .
19.2 O referido veículo foi sujeito à liquidação do ISV de 14 651,94 €, em 11.07.2018, tendo a respetiva importância sido paga na mesma data.
19.3 O imposto foi formado a partir do cálculo das taxas em vigor para a cilindrada, com uma redução de 20% em função da antiguidade, no montante de 7611,37, e do cálculo das taxas em vigor para a componente ambiental, sem qualquer redução, no montante de 7040,56 €.
20.1 O Requerente procedeu à introdução no consumo por via da apresentação na Alfândega do Jardim do Tabaco da DAV n.º 2019/..., de 08.11.2019, do veículo da marca «...», modelo..., com o n.º de chassis WD..., de 2925 centímetros cúbicos de cilindrada e de 165 g/Km de emissão de dióxido de carbono WLTP após redução, com a anterior matrícula definitiva alemã ..., atribuída pela primeira vez em 25.03.2019 e a que veio a ser atribuída a matrícula nacional ... .
20.2 O referido veículo foi sujeito à liquidação do ISV de 18 081,74 €, em 05.11.2019, tendo a respetiva importância sido paga em 06.11.2019.
20.3 O imposto foi formado a partir do cálculo das taxas em vigor para a cilindrada, com uma redução de 10% em função da antiguidade, no montante de 8280,55 € e do cálculo das taxas em vigor para a componente ambiental, sem qualquer redução, no montante de 9801,29 €.
21.1 O Requerente é titular da propriedade do veículo de marca «... », com a matrícula nacional ... .
21.2 Procedeu ao pagamento do Imposto Único de Circulação do referido veículo, identificado pelos Documentos 2018..., correspondente ao ano de 2019, no montante de 524,62 €, e 2019..., correspondente ao ano de 2020, no montante de 531,44 €, totalizando 1056,00 €.
21.3 Da DAV de introdução no consumo n.º 2018/..., de 21.12.2018, tramitada na Alfândega do Jardim do Tabaco, consta em «Matrículas anteriores», no campo 60, a data de primeira matrícula 1967-02-28.
21.4 Do certificado de matrícula emitido pelo IMT consta a data de atribuição de matrícula nacional 2018-12-20 e a data da primeira matrícula do veículo 1967-02-28. Em anotações especiais, o certificado de matrícula refere «Teve antes matrícula ... de Países Baixos, Prim..Matr.. em ... Lot + 2 crianças».
V - QUESTÕES A DECIDIR:
22. No entendimento do Tribunal Arbitral as questões a decidir são as seguintes:
1 – Questão das exceções da ilegitimidade da Requerida e da caducidade do exercício da ação.
2 – Questão da legalidade dos atos de liquidação efetuados em sede de ISV.
3 – Questão da legalidade dos atos de liquidação efetuados em sede de IUC.
VI - DAS EXCEÇÕES
23. Uma vez que a Requerida na sua Resposta suscita duas exceções, importa antes de tudo, proceder à sua apreciação, dado que a sua procedência implica a absolvição da instância e o não conhecimento do pedido.
23.1 A primeira respeita à ilegitimidade da AT para apreciar um eventual erro no enquadramento das viaturas na categoria B pois defende que só o IMT dispõe do conhecimento relativo à integração dos veículos nas diferentes categorias, sendo certo que um eventual erro lhe deve ser imputado.
Sobre esta questão importa referir que a classificação de veículos constante do artigo 2.º do CIUC não se confunde com as classes, tipos ou categorias constantes do artigo 106.º do Código da Estrada e de legislação complementar, e a única exceção, quer no IUC, quer no CISV, é a respeitante aos motociclos, ciclomotores, triciclos e quadriciclos.
Enquanto a definição de veículos ligeiros de passageiros, constante do Código da Estrada, estabelece um peso bruto até aos 3500 Kg e a lotação até 9 lugares, critério que é seguido no âmbito do CISV para a definição de ligeiro de passageiros, no que respeita à legislação fiscal do IUC os critérios respeitam, por um lado a um peso bruto que não pode ser superior a 2500 Kg e, por outro, à data da sua primeira matrícula nacional ou à data da sua primeira matrícula noutro Estado da União Europeia.
São classificações com um propósito estritamente fiscal, cuja aplicabilidade é retirada da base informativa dos modelos com homologações europeia requeridas pelos fabricantes de veículos e rececionadas pelo IMT e dos dados constantes dos certificados de matrícula dos veículos. No caso dos autos essa aplicabilidade é, aliás, de grande simplicidade, correspondendo a uma função diária dos serviços aduaneiros incumbidos de aceitar as DAV, se bem que haja casos de classificação fiscal complexos como sejam determinar dimensões interiores de caixas de carga, (ex: artigo 7.º, n.º 2, alínea a) do CISV) cuja informação não consta da documentação usualmente apresentada nem de catálogos e é necessário aos respetivos serviços fiscais proceder a medições.
Donde este Tribunal Arbitral concluir que, independentemente do contributo que o IMT possa fornecer ao legislador sobre conceitos e caraterísticas dos veículos e dos seus componentes, não cabe a essa entidade pronunciar-se formalmente sobre matéria do domínio estritamente fiscal, no caso classificações fiscais dos veículos, dado não lhe estar atribuída tal competência.
23.2 A segunda exceção invocada pela Requerida tem a ver com a caducidade.
O artigo 78.º, n.º 1 da LGT prevê que a revisão dos atos tributários pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
De facto o Requerente no prazo de 120 dias não apresentou qualquer reclamação administrativa da ilegalidade das liquidações, por estar convencido da legalidade das normas que lhe foram aplicadas ou, não estando convencido, por ter avaliado os riscos da relação custo/benefício em matéria de suscitar a sua apreciação jurisdicional, uma vez que saberia que no âmbito administrativo a sua reclamação não teria procedência.
Como salienta a Requerida, não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente do que decidiu, por estar sujeita ao princípio da legalidade, não estando na disponibilidade de qualquer funcionário ou de qualquer agente do Estado recusar a aplicação de uma lei ou de uma determinada norma por muito que entenda que a mesma é ilegal, no caso desconforme com o direito comunitário, cabendo tal tarefa aos Tribunais.
Todavia, à administração tributária não está vedada a possibilidade de oficiosamente poder rever os atos tributários, com o fundamento em erro imputável aos serviços, havendo, por razões que se prendem com uma certa estabilidade orçamental e financeira, prazos para o fazer, até quatro anos, quando o tributo já foi pago, e sem prazo, porque, neste caso, já haverá poucas expetativas de o poder vir a cobrar e não afeta essa estabilidade orçamental.
23.3 O cerne da questão está assim em determinar se a aplicação pela AT de uma norma declarada desconforme com o direito comunitário ou declarada judicialmente ilegal configura um erro imputável aos serviços, e a nosso ver, a resposta é afirmativa.
O Governo e a Assembleia da República, tomam decisões políticas e adotam a legislação que acham mais conveniente à luz do interesse nacional e dos programas políticos definidos pelos partidos que integram tais poderes, mas não lhes cabe a eles proceder à sua execução, a qual é atribuída à administração tributária.
Se na sua execução, se vem a apurar, dentro do princípio da separação de poderes, que a mesma enferma de determinado tipo de ilegalidades, aos órgãos legislativos cabe retirar consequências exclusivamente políticas, normalmente modificando a legislação, mas não são eles que respondem pelas consequências práticas que resultaram para os contribuintes da adoção desse tipo de ilegalidades, as quais responsabilizam unicamente os órgãos que as executaram, ou seja alfândegas e serviços de finanças.
Poderão os funcionários intervenientes ter tido a perceção de que a liquidação que efetuaram estava envolta numa circunstância de direito com um longo historial a nível da jurisprudência comunitária que a tornava suscetível de comprometer a sua validade, consubstanciando o chamado erro vício, ainda assim, fazendo parte de um corpo genericamente obrigado a atuar em conformidade com a lei (artigos. 266°, n.º 1 da CRP e 55° da LGT), a culpa da prática de alguma ilegalidade não lhes pode ser assacada, antes devendo ser imputada à entidade que aplicou direito que violava direito superior àquele firmado pelos órgãos legiferantes, constituindo um erro imputável aos serviços.
23.4 No Acórdão do STA, de 11 de Maio de 2005, (Processo n.º 0319/05), citando o Acórdão de 12 de dezembro de 2001 (re, 26.233), a propósito da interpretação do artigo «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (artigos. 266°, n.. 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprio serviços ». Cfr., no mesmo sentido e por todos, os Acds. de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668,
nem contrariam o exposto os n.°s 3 e 4 daquele art. 78°, uma vez que ressalva «o disposto nos números anteriores». Ou seja: pode ser efetuada essa revisão, por iniciativa da Administração Tributária.
Para mais adiante afirmar que o «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie - artigo 78°, n.°2 in fine. É o que este STA tem uniforme e reiteradamente afirmado, a propósito do artigo 43° da LGT.»
23.5 No Acórdão do STA de 29.10.2014, proferido no processo 1540/13, disponível em www.dgsi.pt, é afirmado que « …o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa não impede o impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o ato de indeferimento desta – cf. entre outros, por mais recentes, os seguintes acórdãos que se citam sem pretensões de exaustão: de 29.05.2013, recurso 140/13, de 12.09.2012, recurso 476/12, de 14.06.2012, recurso 259/12, de 14.03.2012, recurso 1007/11, de 14.12.2011, recurso 366/11, de 20.11.2007, recurso 536/07, e de 2-2-2005, recurso nº 1171/04, todos in www.dgsi.pt.».
23.6 Donde, no entendimento deste Tribunal Arbitral, a invocação da caducidade na apresentação do pedido de revisão não procede.
VII - DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Em termos de ISV
24.1 O artigo 11.º do CISV, na redação da Lei 42/2016, de 28 de dezembro, aplicada na liquidação do veículo, diz o seguinte:
«1. O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:
TABELA D
Tempo de uso Percentagem de redução
Até 1 ano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
Mais de 1 a 2 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Mais de 2 a 3 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Mais de 3 a 4 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Mais de 4 a 5 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Mais de 5 a 6 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Mais de 6 a 7 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Mais de 7 a 8 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Mais de 8 a 9 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Mais de 9 a 10 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Mais de 10 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3 —
4 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .»
Em termos de IUC
24.2 Estabelece o artigo 2.º do CIUC, na redação dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, em matéria de «Incidência objetiva», o seguinte:
«1 – O imposto único de circulação incide sobre os veículos das categorias seguintes, matriculados ou registados em Portugal:
a) Categoria A: Automóveis ligeiros de passageiros e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2.500 kg que tenham sido matriculados, pela primeira vez, no território nacional ou num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde 1981 até à data da entrada em vigor do presente código; b) Categoria B: Automóveis de passageiros referidos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre Veículos e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2.500 kg, cuja data da primeira matrícula, no território nacional ou num Estado-Membro da União Europeia, seja posterior à da entrada em vigor do presente código;»
Até então, a redação era a seguinte:
«1 - O imposto único de circulação incide sobre os veículos das categorias seguintes, matriculados ou registados em Portugal:
a) Categoria A: Automóveis ligeiros de passageiros e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg matriculados desde 1981 até à data da entrada em vigor do presente código;
b) Categoria B: Automóveis de passageiros referidos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre Veículos e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg, matriculados em data posterior à da entrada em vigor do presente código;»
VIII - DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO
a) Da liquidação do ISV
25. Em termos de ISV, em matéria de tributação dos veículos usados provenientes de outros países da União Europeia pode considerar-se que há atualmente uma jurisprudência consolidada sobre tal questão.
No momento da adesão à Comunidade Económica Europeia a legislação portuguesa era objetivamente desconforme com o direito comunitário, uma vez que tributava todos os veículos usados, independentemente da sua antiguidade, como se fossem veículos novos, mas já nessa altura se começava a desenhar o quadro interpretativo que viria a ser adotado. No processo C-47/88, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias proferiu um acórdão em 11.12.1990 em que assinalava a desconformidade da legislação dinamarquesa na matéria ao afirmar que ao ser aplicada uma taxa de matrícula sobre os veículos usados importados baseada num valor forfetário superior ao valor real do veículo os veículos usados importados eram taxados de uma forma muito mais gravosa que os veículos usados vendidos na Dinamarca que tinham sido previamente lá sido matriculados.
A partir daí, e cingindo-nos apenas à legislação portuguesa, nestes últimos trinta anos, a mesma foi objeto de diversas apreciações de conformidade, caso do acórdão de 9 de março de 1995 – Processo C-345/93, acionado por Nunes Tadeu, do acórdão do Tribunal de Justiça de 22.02.01, proferido a título prejudicial, em que foi recorrente no processo principal António Gomes Valente, que forçou a romper o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função dos anos de uso, e que se tornou emblemático para a conformação do imposto em diversos países da União Europeia com impostos de registo semelhantes ao português, do Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal (C-200/15) e finalmente do Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Seção) de 2 de setembro de 2021, que serve de referência jurisprudencial interpretativa para os presentes autos.
Decidiu o Tribunal de Justiça neste último acórdão que «Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE».
26. O acórdão do Tribunal de Justiça pronuncia-se sobre a redação dada pela Lei n.º 71/2018, se bem que esta lei que aprovou o OE para 2019 não tenha qualquer disposição que exclua a desvalorização da componente ambiental, parecendo-nos antes que terá pretendido visar a redação do artigo 11.º do CISV, na redação dada pela Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro, essa sim, excluindo a componente ambiental de qualquer desvalorização.
Foi esta a legislação aplicada na tributação dos veículos, e em consonância com a referida jurisprudência, o pedido do Requerente foi objeto de uma revogação parcial por despacho de 19.11.2021 do Subdiretor Geral da AT, Miguel Gonçalves Correia, nos termos e com os fundamentos constantes na informação 1261/2012, de 16/11/2021 da DSIECIV) com a subsequente liquidação de substituição e aplicação da desvalorização comercial dos veículos à componente ambiental, incidindo exclusivamente no ISV.
A pretensão do Requerente é, assim, satisfeita na exata medida do pedido, ou seja concretizou-se pelo reconhecimento pela AT do direito de lhe ser restituído o montante de 2388,24 €.
b) Da liquidação do IUC
27. Todavia, o pedido é mais amplo, e abrange igualmente a liquidação em IUC que incidiu nos anos de 2019 e 2020, sobre um veículo da propriedade do Requerente, e relativamente ao qual a AT não veio a reconhecer a procedência do seu pedido, razão pela qual o mesmo veio declarar pretender a sua apreciação nos autos.
28.1 Importa referir que o Requerente limita-se a afirmar que «como já foi reconhecido pela AT – Despacho da Diretora Geral de 04.11.2019 e pelo legislador na última alteração ao CIUC, tal liquidação foi ilegal, por violar o artigo 110.º do TFUE», não tendo fundamentado devidamente as razões de direito que sustentam o pedido.
28.2 Ainda assim, este Tribunal Arbitral irá apreciar a mera enunciação feita, e no que respeita à violação do artigo 110.º do TFUE, refere que o Despacho do Tribunal de Justiça (Oitava Seção), de 17 de abril de 2018, declarou que o «Artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro por força do qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse Estado-Membro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado-Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado-membro ser superior à dos veículos não importados similares».
28.3 A Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, veio acolher a referida orientação, dilatando, no entanto, no tempo a sua entrada em vigor para 1 de janeiro de 2020, dando nova redação à alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIUC nos termos já atrás mencionados no n.º 20.2.
28.4 O Despacho da Diretora-Geral de 04.11.2019 transmitiu orientações aos serviços tributários para o deferimento de reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou revisões oficiosas cujo escopo fosse liquidações do IUC em que a AT tivesse considerado a data de atribuição da matrícula em território nacional e não a data da atribuição da primeira matrícula noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.
28.5 A Declaração Aduaneira de Veículo foi criada como elemento instrumental de aplicação do CISV, visando a respetiva liquidação e cobrança do imposto. Mediante um Protocolo estabelecido com a então Direção Geral de Viação, ficou assegurado o envio diário por via eletrónica de toda a informação constante de DAVs, cujo imposto nesse dia tivesse sido recebido, reconhecida a isenção ou a exclusão da incidências, tendo em vista a atribuição de matrícula e o seu retorno e disponibilização no próprio dia nos terminais próprios dos operadores e outros agentes interessados no despacho automóvel.
28.6 No entanto, por via das alterações em sede de IUC a informação das DAV passou igualmente a ser elemento instrumental com relevância para a cobrança do IUC.
29. Da análise da DAV que viabilizou a introdução no consumo do veículo cujo IUC se impugna, constata-se no campo 60 a menção de que a data da primeira matrícula foi 28.02.1967. Por outro lado, o veículo foi procedente dos Países Baixos, tendo sido apresentado a instruir a declaração um Certificado de Registo (...) onde consta que o primeiro registo na Holanda ocorreu em 07.08.2013.
30. No Certificado de Matrícula emitido pelo IMT foi feito constar no certificado de matrícula emitido pela autoridade competente, em anotações especiais, o seguinte: «Teve antes matrícula ...de Países Baixos, Prim.Matr.. em ... Lot + 2 crianças». .
31. A identificação de um veículo é efetuada a partir da atribuição de um número pelo fabricante, o chamado número de quadro ou de chassis, que tem 17 caracteres e referencia, de imediato, a marca, o modelo e o número de série de produção do veículo, e pelo número de matrícula dado pela administração rodoviária de cada país. Enquanto o primeiro se mantém constante ao longo da vida útil do veículo, o segundo varia de país para país, consoante o país onde for registado, Aliás, no próprio país, pode vir a ter outra matrícula (no caso do veículo do Impugnante há procedimentos de certificação de veículos históricos que se traduzem em vantagens nos atos inspetivos e outras, podendo mesmo ser solicitada uma matrícula portuguesa da época).
32. A Requerida considera que a DAV goza nos termos do disposto no artigo 75.º n.º da LGT de presunção de verdade, mas que essa presunção cessa quando nos termos da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo haja omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados, que não reflitam ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
Em seu entender o certificado de registo holandês confirma que o veículo teve efetivamente uma primeira matrícula mas daí não se pode retirar que essa primeira matrícula tenha sido proveniente de um país da EU ou do EEE, ou seja a pretensão e alegação do interessado não está devidamente fundamentada pelos elementos que apresentou, assim como pelos elementos conhecidos oficiosamente pela administração tributária ao abrigo do princípio do inquisitório.
33. O Tribunal Arbitral não vislumbra razões para por em causa a autenticidade dessa informação mencionada na DAV e que a entidade competente em matéria de matrículas, o IMT, fez constar num documento autêntico, como é o certificado de matrícula.
34. A Requerida não identifica as diligências que possa ter realizado junto do IMT ao abrigo da aplicação dos protocolos previstos no artigo 5.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, que aprovou o ISV e o IUC, para efeitos de liquidação do IUC, nem se refere à, faculdade de que, nos termos do artigo 31.º n.º 5 do Regulamento de Atribuição de Matrícula a Automóveis, Seus Reboques, Motociclos, Ciclomotores, Triciclos e Quadriciclos e Tratores Agrícolas ou Florestais e Seus Reboques, aprovado através do Decreto-Lei n.º 152-A/2017, de 11 de dezembro, dispõe de obter a informação contida na base de dados do Registo Nacional de Matrículas ou de a ela aceder, desde que tais dados sejam indispensáveis ao destinatário para cumprimento das suas competências próprias e desde que a finalidade da recolha ou do tratamento dos dados pelo destinatário não seja incompatível com a finalidade determinante da recolha na origem ou com obrigações legais do IMT, I. P.
35. Este Tribunal Arbitral conclui que, não sendo apresentados os resultados conhecidos oficiosamente, não existem provas de que a presunção de verdade decorrente da DAV e da autenticidade do certificado de matrícula emitido pelo IMT reportem factos falsos ou inexatos na determinação para a liquidação do IUC, do elemento relevante, antiguidade da primeira matrícula, pelo que, para efeitos de tributação, se considera que a primeira matrícula do mencionado veículo ocorreu em 28 de fevereiro de 1967.
36. Posto isto, em função da primeira matrícula que o veículo teve, em 28.02.1967, este Tribunal considera que o veículo se encontra fora da incidência do IUC pelo que não é sujeito a imposto, sendo irrelevante a invocação do direito comunitário como fundamento da anulação da liquidação, uma vez que a exclusão da incidência para os veículos anteriores a 1981 não distingue entre veículos que tenham tido anterior matrícula comunitária (no caso teria sido da Alemanha) ou de país terceiro, encontrando-se todos excluídos. O vício que afeta o ato de liquidação não determina a sua anulabilidade mas a sua nulidade, podendo ser invocado a todo o tempo.
37. A não inclusão na incidência a que o legislador procedeu por via da aprovação do CIUC, dando lugar a que os veículos fabricados nos primeiros oitenta anos do século passado não fiquem sujeitos a imposto, presume-se que tenha correspondido à vontade do legislador em facilitar a circulação na via pública de veículos que representaram na época um prodigioso avanço na mobilidade e que se distinguiram pela inovação de soluções de sistemas e componentes, baseados na pura mecânica automóvel e no design, de modo a que as novas gerações possam visualizar e compreender melhor a evolução histórica do automóvel, a forma de viver e de circular naqueles tempos, de que o veículo do Requerente, enquanto veículo considerado clássico, não deixa de estar incluído, isto em contraposição aos atuais automóveis em que a padronização e as soluções tecnológicas e eletrónicas são a nota dominante.
38. Muito embora o legislador do IUC para o futuro tenha seguido a orientação que já provinha do regime de isenções constante do Decreto-Lei n.º 116/ 94, de 3 de maio, que aprovou o Regulamento do Imposto de Circulação e Camionagem (artigo 4.º n.º 2, alínea a)), e do Decreto-Lei n.º 143/78 de 12 de junho, que aprovou o Imposto Municipal de Veículos (artigo 6.º, n.º 1, alínea b)) e que abrangia apenas peças de museus públicos, relativamente ao passado fez um corte na incidência para todos os veículos anteriores a 1981.
39. Finalmente, importa referir que o pedido do Requerente se apresenta incongruente, uma vez que, por um lado, pede a restituição da quantia de 3474.30 €, correspondente ao ISV e ao IUC, de forma a aplicar-se a redução prevista no artigo 11.º do CISV à componente ambiental mas, por outro lado, pede a anulação parcial da liquidação do IUC e do ISV. Ora, relativamente ao IUC, se o Requerente pede a restituição dos montantes pagos nos anos 2019 e 2020 não poderá pedir uma anulação parcial, mas sim a sua anulação total.
40. A Decisão Arbitral dá como procedente a Impugnação na medida do pedido, já corrigido no seu valor, ou seja na restituição de 3444,30 €, ainda que, no caso do IUC, a procedência, tendo por base a matéria de facto dada por provada, assente em diferente fundamento, uma vez que a anulação das liquidações não decorre de razões de direito que se prendem com a violação do artigo 110.º do TFUE mas de razões de direito que se relacionam com a não incidência ditada pelo direito interno, representada pelo recorte normativo do artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CIUC.
IX - DO PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
41. O artigo 100.º da Lei Geral Tributária, (LGT), estabelece que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”, o qual, tem aplicabilidade nos presentes autos por força do disposto na alínea a), do nº 1, do art.º 29º, do RJAT
Por sua vez, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
O nº 3 deste mesmo artigo preceitua: “São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…)
a) ..
b) ..
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”
42. Por sua vez, o artigo 61.º do CPPT estabelece: «
1 — O direito aos juros indemnizatórios é reconhecido pelas seguintes entidades:
a) Pela entidade competente para a decisão de reclamação graciosa, quando o fundamento for erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido;
b) …
c) …
d) …
2 — … .
3 — …
4 — …
5 — Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.
6 — … »
43. Decorre da matéria de facto dada como provada, que o veículo cujo IUC foi cobrado nos anos de 2019 e 2020 teve uma primeira matrícula em 28.02.1967, a qual foi feita constar na DAV, e foi acolhida pela entidade competente em matéria de atribuição de matrículas, que a fez constar em «Anotações Especiais» do respetivo certificado de matrícula, pelo que a Requerida ao considerar uma data de primeira matrícula nos Países Baixos como fundamento para a tributação do IUC, praticou um erro imputável aos serviços, pois consideraram que o veículo estava incluído na incidência quando o mesmo estava fora dela.
Por outro lado, em matéria de ISV, conforme se refere no n.º 23.3, os serviços tributários representaram de forma inexata ou não tiveram conhecimento de que a norma sobre a qual processaram a liquidação que efetuaram estava envolta numa circunstância de direito com um longo historial a nível da jurisprudência comunitária que a tornava suscetível de comprometer a sua validade, consubstanciando o chamado erro vício, como veio de facto a acontecer, por via do reconhecimento pelo Tribunal de Justiça da sua desconformidade com o direito comunitário, pelo que, enquanto intérpretes e executantes da referida norma, praticaram um erro de direito, pois aplicaram legislação que contrariava direito superior.
44. No entanto, para efeitos de juros indemnizatórios, o legislador faz uma distinção entre as situações de reclamação graciosa ou impugnação judicial e as revisões dos atos tributários por iniciativa do contribuinte, estabelecendo, neste último caso, o dever desse pagamento, quando a mesma se efetuar mais de um ano após o pedido deste, e não a partir do momento em que o Impugnante desembolsou os referidos montantes.
Donde o Tribunal Arbitral concluir que, independentemente da natureza e da responsabilidade pelo erro, estando em curso uma impugnação gerada pela revisão dos atos de liquidação por iniciativa do sujeito passivo, e não se processando a mesma após um ano do pedido, não são devidos juros indemnizatórios a pagar pela Requerida, pelo que nesta parte o pedido improcede.
X - DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
-
Julgar improcedentes a exceção dilatória da ilegitimidade da Requerente e a exceção da caducidade da ação;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral relativo à anulação parcial das liquidações do ISV processadas nas DAV 2018/... e 2019/... que correram termos na Alfândega do Jardim do Tabaco, com a consequente restituição à Requerente de 2388,24 € (dois mil trezentos e oitenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos);
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral relativo à anulação das liquidações do IUC processados nos ´DUC n.º 2018... e 2019..., com a consequente restituição à requerente de 524,62 € e 531,44 €, respetivamente, totalizando 1056,06 (mil e cinquenta e seis euros e seis cêntimos);
-
Julgar improcedente o pedido da Requerente de pagamento de juros indemnizatórios;
-
Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
Valor do Processo:
Em conformidade com os artigos 306.º n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário e 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária é fixado como valor do processo a quantia de 3444,30 € (três mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e trinta cêntimos), e não a quantia de 3474,30, como, por erro, foi indicado pelo Requerente, matéria sobre a qual, na Resposta, a Requerida não deduziu qualquer contestação.
Custas:
Ao abrigo do artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em 612 €, (seiscentos e doze euros) a cargo da Requerida. Notifique-se o Ministério Público, nos termos do artigo 17.º n.º 3 do RJAT.
Lisboa, 31 de março de 2022
O Árbitro Singular
António Manuel Melo Gonçalves