DECISÃO ARBITRAL
I - Relatório
1. A... contribuinte fiscal n.º..., com domicilio fiscal na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designado por “Requerente) apresentou, em 15-11-2021, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação adicional de IRS com o n.º 2020..., referente ao ano de 2016, acrescido ainda de juros indemnizatórios, bem como do ato de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada.
3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).
4. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
5. O Requerente foi notificado, em 05-01-2022, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25-01-2022.
7. A Requerida foi notificada através do despacho arbitral, de 25-01-2022, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.A Requerida não apresentou Resposta.
8. A Requerida, em 14-02-2022, requereu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
9. O Tribunal Arbitral por despacho, de 18-02-2022, notificou o Requerente para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre o requerimento apresentado pela AT. O Requerente não se pronunciou.
10. Tribunal Arbitral por despacho, de 25-03-2022, determinou: (i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade processuais, de acordo com o disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, tendo em conta que não foi invocada matéria de excepção, requerida a produção de prova testemunhal nem outras diligências probatórias adicionais, nem existem questões que obstem ao conhecimento do pedido; (ii) dispensar as partes de proferirem alegações escritas; (iii) indicar o dia 8 de abril de 2022 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral; (iv) notificar o Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada na alínea anterior.
II – Saneamento
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O pedido de pronuncia arbitral é tempestivo.
Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer.
Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
III - Matéria de facto
12. Factos dados como provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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A mãe do Requerente, B..., cidadã de nacionalidade alemã subscreveu um Seguro de Capitalização (“...”), em 01-08-2001, junto da entidade C... S.A tendo aplicado a quantia de €40.903,36.
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A mãe do Requerente faleceu, em 14-04-2016, e o referido seguro foi resgatado tendo sido entregue ao Requerente, na qualidade de herdeiro e beneficiário, o valor de € 51 364,02
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O Requerente entregou, em 26-05-2017, a declaração de rendimentos Modelo 3-IRS, identificada com o n.º ....
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No âmbito da troca automática internacional de rendimentos financeiros entre Luxemburgo e Portugal, foi comunicado à AT que o Requerente havia auferido em 2016 rendimento de capitais proveniente do Luxemburgo, tendo AT face à omissão declarativa do Requerente elaborado o apuramento oficioso do IRS.
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O Requerente foi notificado da liquidação n.º 2020..., de 20-11-2020, relativa ao ano de 2016, nos termos da qual foi apurado um montante de imposto a pagar de € 15.374,67;
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O Requerente foi notificado da demonstração de acerto de contas (compensação n.º 2020..., de 25-11-2020) no qual foi apurado o saldo de € 16.187,89, com data limite de pagamento de 04-01-2021.
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O Requerente, em 04-01-2021, procedeu ao pagamento da importância identificada na alínea anterior.
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O Requerente apresentou, em 13-12-2020, reclamação graciosa contra a referida liquidação que recebeu o n.º ...2020... .
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A AT, em 29-04-2021, notificou o Requerente do projeto de decisão de indeferimento, em sede de audição prévia, e, em 19-08-2021, notificou o Requerente da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa.
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O Requerente apresentou, em 15-11-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
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Por despacho da Subdiretora Geral do Rendimento, por delegação de competências, datado de 08-02-2022, foi dado provimento ao pedido do Requerente e revogado o ato contestado, entendendo a AT não sujeitar a tributação, em sede de IRS, as quantias em causa, com todas as consequências legais, conforme
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A Informação n.º 69/2022, de 08-02-2022, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que fundamenta o despacho identificado na alínea anterior, afirma:
“xi) Atenta a conclusão de que não se mostra legalmente correto o enquadramento jurídico-tributário que o rendimento decorrente do resgate mereceu por parte da AT e, consequentemente a sujeição da totalidade do montante resgatado, à taxa liberatória de 28% nos termos previstos no art.º 71º, nº 1 – al. a) CIRS, parece assistir ao requerente o direito a juros ao abrigo da previsão do art.º 43º LGT.
IV – Conclusão
Após apreciação do pedido de pronuncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser aceite o pedido do contribuinte de correção da liquidação oficiosa contestada, não devendo ser sujeito a tributação o rendimento a que tem direito o contribuinte, quer enquanto beneficiário do seguro de vida, quer enquanto herdeiro do tomador (descendente), porquanto não se enquadra o mesmo numa norma de sujeição do CIRS.”
13. Factos dados como não provados
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
14. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.
Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental, junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Na formação da convicção do Tribunal quanto à prova foram ainda relevantes os documentos juntos aos autos e que o Tribunal analisou criticamente em conjugação com a posição da Requerente expressa no pedido de pronuncia arbitral e a posição da Requerida constante dos documentos apresentados com o requerimento de 14-02-2022.
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil (vd., artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
IV. Matéria de Direito
15. Nos presentes autos arbitrais está em causa a tributação da quantia recebida pelo Requerente proveniente do resgate, por óbito da sua mãe, de um seguro de capitalização (ramo Vida) contratualizado com a C... S.A.
16. Conforme resulta da matéria provada (vd., alíneas K) e L) do n.º 12 supra) a AT revogou o ato objeto dos presentes autos e o Requerente obteve plena satisfação do seu pedido. Este facto, que ocorreu na pendência do processo arbitral, torna inútil o prosseguimento da lide relativamente ao mérito das pretensões formuladas pelo Requerente.
A este respeito o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, afirmou “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea c), do CPC. Sendo o CPC de aplicação subsidiária em relação ao processo arbitral tributário, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Nestes termos, este Tribunal julga verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que respeita ao pedido de anulação do ato tributário objeto do presente processo, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
17. Importa, por fim, analisar a questão da responsabilidade pelas custas do presente processo arbitral.
17.1. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
17.2. Nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC, de aplicação subsidiária em relação ao processo arbitral tributário nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, no caso de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, “(…) a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”. De acordo com o disposto no n.º 4 do mesmo artigo “Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente (…)”.
17.3. Dos presentes autos arbitrais resulta que a liquidação de IRS objeto do presente pedido de pronúncia arbitral só foi revogada pela Requerida, através do despacho datado de 08-02-2022, ou seja, após a entrada no CAAD do pedido de constituição do tribunal arbitral, que ocorreu em 15-11-2021. Assim, o presente pedido de pronuncia arbitral foi, de forma causalmente adequada, consequência do ato de liquidação que constitui o seu objeto, ato esse revogado pela própria AT, que, ao fazê-lo, deu igualmente causa à extinção da lide. Em consequência, entende-se que é a Requerida quem deve ser responsabilizada pelas correspondentes custas, nos termos do artigo 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC.
17.4. Atendendo ao exposto, deve ser imputada à Requerida a responsabilidade pelas custas, na sua totalidade, para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
V – Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, absolvendo a Requerida da instância;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.
VI - Valor do Processo
Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 16.187,89 (dezasseis mil cento e oitenta e sete euros e oitenta e nove cêntimos).
VII - Custas
O montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 8 de abril de 2022
O Árbitro
(Olívio Mota Amador)