Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 148/2021-T
Data da decisão: 2022-04-20  IMI  
Valor do pedido: € 23.903,33
Tema: IMI – Errónea fixação do VPT de terrenos para construção
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SUMÁRIO:

  1. A errónea fixação de um valor patrimonial tributário, não obstante a sua previsão legal como ato destacável, pode ser apreciada em processo de impugnação de liquidação que o assumiu como matéria coletável quando esteja em causa erro de direito na determinação da lei aplicável.
  2. Segundo a lei vigente à data dos factos, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não eram aplicáveis os coeficientes previstos na norma do artigo 38.º do CIMI.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

***

Carla Almeida Cruz, árbitro das listas do CAAD, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 22-06-2021, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.

1. RELATÓRIO

A..., S.A. (doravante abreviadamente designado por “Requerente”), com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., n.º..., ...‐..., Lisboa, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade parcial das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) com os nºs. 2019 ... de 10-04, 2019 ... e 2019 ..., referentes ao ano 2019, no montante de € 23.903,33.

O Requerente, no requerimento de pronúncia arbitral, peticiona que:

a) Sejam parcialmente anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;

b) Seja a AT condenada a reembolsar o Requerente do valor do imposto pago em excesso, no montante global de € 23.903,33, relativamente às liquidações sub judice, e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.

A título subsidiário, o Requerente peticiona que:

a) Seja desaplicado, no caso concreto, a norma pretensamente se extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.

O Requerente, para fundamentar o pedido que deduz, alega em síntese, que:

  1. As liquidações cuja declaração de ilegalidade peticiona, tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto.
  2. Posteriormente, na reavaliação realizada em 2020, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, contudo não procedeu à revisão das liquidações de IMI dos anos anteriores, designadamente às referentes ao de 2019.
  3. Relativamente ao conjunto de terrenos para construção objecto dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, se expurgarmos os coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da colecta de IMI das liquidações, resultam diferentes valores patrimoniais tributários em montantes inferiores àqueles que foram efectivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto.
  4. Os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos pelo Requerente no ano 2019 ainda consideravam a aplicação errónea dos coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto, denotando‐se erro na interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, teve repercussões prejudiciais para o Requerente quanto ao IMI devido (e pago) no ano em apreço.
  5. Nos encontramos perante um erro nos pressupostos de facto e direito do qual resulta em ilegais liquidações (parciais) de IMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável deste imposto e da qual resulta uma colecta ilegal de tributo, no montante de € 23.903,33, cuja restituição peticiona.

O Requerente considera ainda que a determinação do VPT de terrenos para construção deverá ser efectuada exclusivamente com base no regime consagrado no artigo 45.º do Código do IMI (à data dos factos tributários), defendendo que a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI (“CIMI”), no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do CIMI deverem atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios, sempre será inconstitucional, por atentar contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.

O Requerente juntou 8 (oito) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outros meios de prova.

É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 09-03-2021 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 15-03-2021.

Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral, com árbitro singular, a signatária, que manifestou a aceitação do encargo, no prazo legal.

Em 31-05-2021 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 22-06-2021.

A Requerida, através de despacho arbitral proferido em de 22-06-2021, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

Em 10-09-2021, a Requerida, apresentou a sua Resposta, na qual se defendeu por exceção, tendo invocado expressamente a exceção da intempestividade/caducidade do pedido de pronúncia arbitral e por impugnação, tendo nesta sede, suscitado a questão da inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação valor patrimonial tributário, peticionando a final, que:

a) Deve ser julgada procedente a exceção de intempestividade do pedido e a Requerida absolvida da instância; Ou, caso assim não se entenda,

b) Deve presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.

Por despacho de 21-09-2021, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas, tendo o Requerente sido também notificado para, em sede de alegações, exercer o contraditório quanto à matéria da exceção invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta.

Em 04-10-2021, o Requerente apresentou alegações escritas, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida na petição inicial e se pronunciou quanto à matéria da exceção invocada pela AT.

A AT não apresentou alegações.

Em 30-11-2021, a AT, ao abrigo do artigo 17º do RJAT, apresentou requerimento com pedido de junção de um documento (tabela contendo as datas das avaliações efetuadas aos prédios).

Em 07-12-2021, foi proferido o seguinte despacho arbitral:

“1. Notifique-se a Requerente para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, quanto ao requerimento apresentado em 30-11-2021, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 2.    Atento o requerimento agora apresentado pela AT, a necessidade de ser assegurado o princípio do contraditório, bem como a necessidade de ajuizar da admissibilidade nesta fase processual e da pertinência para a boa decisão da causa, do requerimento em questão, não se afigura exequível, a prolação da decisão arbitral, na data inicialmente determinada de 21-12-2021.

 3.     Em face do exposto e tendo presente os fundamentos antes enunciados, determina-se, nos termos do disposto na norma do artigo 21º-2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), a prorrogação, pelo período de dois meses do prazo para ser proferida a decisão arbitral, designando-se para o efeito a data de 21-02-2022.

 4.     Considerando que, por despacho datado de 21-09-2021, o Tribunal indeferiu o pedido de dispensa de junção do processo administrativo formulado pela AT, notifique-se, novamente, o dirigente máximo do serviço da administração tributária, para no prazo de 30 dias, remeter ao tribunal arbitral, cópia do processo administrativo.”

O Requerente não se pronunciou quanto ao requerimento apresentado pela AT em 30-11-2021.

Em 03-01-2022 a AT, juntou aos autos sob a designação de “Processo Administrativo”, cópia da petição inicial apresentada pelo Requerente.

Em 07-02-2022, foi proferido o seguinte despacho arbitral:

“1. Considerando que, o documento junto aos autos pela AT em 03-01-2022, não se trata do processo administrativo, notifique-se o dirigente máximo do serviço da administração tributária, para no prazo de 10 dias, remeter ao tribunal arbitral, cópia do processo administrativo.

2. Notifique-se também o Requerente, para até à data previsível para a prolação da decisão arbitral (dia 21-02-2022), juntar aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.”

Em 20-02-2022, foi proferido o seguinte despacho arbitral:

“1. Considerando que a Requerida não procedeu ainda à junção do processo administrativo, como determinado no despacho de 07-02-2022, proceda-se à respetiva notificação para o fazer, no prazo de 10 dias.

2.  Estando em curso, e não terminado, o processo de elaboração da decisão final por este Tribunal, e tendo em conta o determinado no ponto antecedente, determina-se, nos termos do disposto na norma do artigo 21º-2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), a prorrogação, pelo período de dois meses, do prazo para ser proferida a decisão arbitral, designando-se para o efeito a data de 21-04-2022.”

 Em 04-03-2022, a AT apresentou requerimento, onde refere que não foi possível enviar, até àquela data o processo administrativo e que “aceita como bons os Documentos 1 a 7 até à página 819 do processo virtual relativos às notas de cobrança, cadernetas prediais, fichas de avaliação e o Documento n.º 8 relativo à certidão de pagamento emitida pela Autoridade Tributária”.

A AT não remeteu ao tribunal arbitral, cópia do processo administrativo (“PA”).

 

2. SANEAMENTO

A Autoridade Tributária suscitou a exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, matéria que será analisado mais adiante, onde se conclui no sentido da tempestividade do pedido.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. MATÉRIA DE FACTO

3. 1.1. Factos provados

Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. No âmbito da sua actividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, designadamente dos prédios urbanos, que constituem terrenos para construção, inscritos na respetiva matriz, sob os artigos e freguesias que constam detalhadamente identificados nos documentos nºs 4, 5, 6 e 7, juntos com a P.I.[1], cujo teor, atendendo à sua dimensão e detalhe aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
  2. O Requerente, com referência aos referidos terrenos para construção, foi notificado dos seguintes actos tributários de liquidação de IMI referentes a 2019:
  1. A liquidação com o nº 2019 ..., referente à primeira prestação deste imposto, no montante total de € 1.620.881,35, com data limite de pagamento em março de 2020 [cfr. documento n.º 1 junto à P.I.];
  2. A liquidação com o nº 2019 ..., referente à segunda prestação deste imposto, no montante total de € 1.618.479,77, com data limite de pagamento em agosto de 2020 [cfr. documento n.º 2 junto à P.I.];
  3. A liquidação com o nº 2019..., referente à terceira prestação deste imposto, no montante total de € 1.615.941,33, com data limite de pagamento em novembro de 2020 [cf. documento n.º 3, junto à P.I.].
  1. O Requerente procedeu ao pagamento, das liquidações de IMI identificadas no antecedente ponto B) [cfr. documento n.º 8, junto à P.I.];
  2. Em parte, as liquidações de IMI identificadas em B) tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pelo Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adoptada à data pela AT, que considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto [cf. documento n.º 4, junto à P.I.];
  3. Posteriormente às liquidações identificadas em B), a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, nos termos que constam detalhados nos documentos 5 e 6, junto à P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
  4. A AT, relativamente aos terrenos para construção detidos pelo Requerente e que foram objecto da reavaliação em 2020, não rectificou as respectivas colectas de IMI referentes ao ano de 2019, verificando-se as diferenças de IMI, identificadas no documento nº7 junto à P.I. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no montante total de 23.903,33 €;
  5. Relativamente ao conjunto de terrenos para construção objeto dos atos tributários de liquidação de IMI identificados em B), se expurgados os coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos, que serviram de base para cálculo da coleta de IMI destas liquidações, resultam valores patrimoniais tributários de montantes inferiores, àqueles que foram efetivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto [cf. documento n.º 7, junto à P.I.];
  6. Os terrenos para construção objeto dos atos tributários de liquidação de IMI identificados em B), tinham, à data daquelas liquidações, valores patrimoniais tributários, em montantes superiores àqueles que lhe seriam fixados, caso a AT não tivesse considerados na fórmula de cálculo destes valores, os coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto, tendo nesta sequência sido efetuada uma liquidação e pagamento em excesso de IMI, no montante de 23.903,33 €, cujo reembolso é peticionado nesta ação (cf. documento n.º 7, junto à P.I.];
  7. Em 08-03-2021, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].

 

3.1.2. Factos considerados não provados

Não foram considerados como não provados nenhuns dos factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.

 

3.1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto, pelo que no tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pelo Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.

Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pelo Requerente.

 

3.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

3.2.1. Da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral

A Requerida, na sua resposta, invocou a exceção da intempestividade/caducidade do pedido de pronúncia arbitral.

A Requerida, para sustentar a exceção que invoca, alega, em síntese, que:

  1. Os atos de liquidação impugnados respeitam à 1.ª, 2.ª e 3ª prestação do IMI relativo ao ano de 2019.
  2. O termo do prazo de pagamento da última prestação de IMI ocorre a 30 de novembro de 2021.
  3. Nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT o prazo para apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral é de 90 dias contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT1, in caso, termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
  4. Prazo esse que não se suspende em férias judiciais.
  5. No caso em apreço o prazo para impugnação do ato de liquidação termina noventa dias após 30.11.2020, que ocorre a 30.12.2021.
  6. Pelo que o pedido de pronuncia arbitral interposto a 08.03.2021 é claramente intempestivo.

O Requerente, em sede de alegações exerceu o seu contraditório quanto à matéria da exceção da intempestividade/caducidade do pedido de pronúncia arbitral, alegada pela AT, pugnando pela sua improcedência, tendo alegado, em síntese, que:

  1. O entendimento preconizado pela Requerida não pode, de modo algum, proceder por desconsiderar a legislação em vigor à data da apresentação do Pedido de Pronúncia Arbitral, nomeadamente o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais em vigor no âmbito do contexto da pandemia COVID‐19.
  2. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deverá ser apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs. 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
  3. Deste modo, relativamente ao pedido de constituição de tribunal arbitral referente à contestação de actos tributários de liquidação de imposto, o prazo de 90 dias supra referido conta‐se a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
  4. Conforme até referido pela Requerida, no caso sub judice, considerando que os actos tributários objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral em apreço respeitam às três prestações de IMI referentes ao ano de 2019 e que o termo do prazo de pagamento da última prestação de imposto ocorreu a 30 de Novembro de 2020, o prazo de 90 dias para a apresentação deste Pedido dever‐se‐ia contar a partir desta última data.
  5. Não obstante (…)  e, na realidade, a Requerida estar a considerar que o prazo de 90 dias terminaria a 28 de Fevereiro de 2021, de qualquer modo tal entendimento não poderá, igualmente, ser acolhido in casu em resultado de o mesmo violar a legislação vigente à data da apresentação do presente Pedido.
  6. Com efeito, no contexto pandémico de COVID‐19, a Lei n.º 4‐B/2021, de 1 de Fevereiro de 2021, que alterou a Lei n.º 1‐A/2020, de 19 de Março, veio estabelecer um “novo” “regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrentes das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID‐19”.
  7. Uma das alterações introduzidas pela Lei n.º 4‐B/2021, de 1 de Fevereiro, foi o aditamento do artigo 6.º‐ C à Lei n.º 1‐A/2020, de 19 de Março, que estabelece um conjunto de várias normas de suspensão de prazos para a práctica de actos procedimentais.
  8. Especificamente, a alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º‐C do regime em análise estabelece que “[s]são suspensos os prazos para a prática de atos em (…) [p]rocedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares”.
  9. Por sua vez, o n.º 2 deste mesmo artigo 6.º‐C detalha que a suspensão dos prazos em procedimentos tributários acima mencionada na alínea c) do n.º 1 “abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles” (realces nossos).
  10. A produção de efeitos do presente regime de suspensão de prazos, regulado no artigo 6.º‐C da Lei n.º 4‐B/2021, de 1 de Fevereiro, teve início no dia 22 de Janeiro de 2021 (conforme o disposto no artigo 4.º desta Lei), tendo sido revogado com a aprovação da Lei n.º 13‐B/2021, de 5 de Abril (conforme o disposto nos artigos 6.º e 7.º deste diploma legislativo), que ocorreu a 6 de Abril de 2021.
  11. Daqui decorre que o regime de suspensão de prazos previsto para a prática de actos em “[p]rocedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares”, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º‐C da Lei n.º 4‐B/2021, de 1 de Fevereiro, é plenamente aplicável ao prazo de apresentação do Pedido de Pronúncia Arbitral do Requerente, objecto do processo identificado em epígrafe.
  12. Com efeito, o acto de apresentação do pedido de apresentação do pedido de pronúncia arbitral é um acto de “idêntica natureza” ao acto de interposição de impugnação judicial para efeitos do n.º 2 deste artigo 6.º‐C, nos termos dos artigos 10.º e 29.º do RJAT.
  13. Face ao exposto, considerando que o prazo de 90 dias para a apresentação do Pedido teve início a 30 de Novembro de 2020 – que, de facto, em circunstâncias normais, findaria a 28 de Fevereiro de 2021, contudo tal não se aplica in casu – e que o referido regime de suspensão de prazos começou a produzir efeitos a 22 de Janeiro de 2021 (tendo sido revogado apenas no dia 6 de Abril do mesmo ano), dúvidas não remanescem de que, no momento em que o Pedido sub judice foi apresentado pelo Requerente, no dia 8 de Março de 2021, o prazo para a respectiva proposição no CAAD encontrava‐se ainda suspenso ao abrigo do referido diploma legal.”

Cumpre decidir.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deverá ser apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), quanto aos atos suscetíveis de impugnação, i.e., in casu, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias, legalmente notificadas ao contribuinte.

                No caso concreto, considerando que os actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral, respeitam às três prestações de IMI referentes ao ano de 2019 e que o termo do prazo de pagamento da última prestação de imposto ocorreu a 30-11-2020, a contagem do prazo de 90 dias, para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, tem o seu início a partir desta data.

Nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, do CPPT (ex vi art. 29.º do RJAT), na contagem dos prazos é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil, contando-se de forma contínua, com termo inicial no dia seguinte ao termo do prazo para pagamento.

Assim, nos termos conjugados do disposto na alínea a) do artigo 10.º do RJAT, e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT e do artigo 279.º do Código Civil, e considerando que o termo do prazo para pagamento é o dia 30-11-2020 e que o prazo de 90 dias começa a contar no dia seguinte (01-12-2020), a presente ação seria tempestiva se apresentada até ao dia 28-02-2021.

Sucede que, em virtude da situação da pandemia da doença COVID‐19 e por via da vigência, desde 22-01-2021 da Lei nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro, os prazos para a prática de atos em procedimentos tributários, encontravam-se suspensos, assim se tendo mantido até 06-04-2021, data da entrada em vigor da Lei nº 13-B/2021 de 5 de Abril.

Efetivamente, a Lei n.º 4‐B/2021, de 1 de Fevereiro de 2021, veio, por via do aditamento do artigo 6.º‐ C à Lei n.º 1‐A/2020, de 19 de Março, estabelecer a suspensão dos prazos para a prática de actos em procedimentos administrativos e tributários, no que respeita à prática de atos por particulares.

Este regime da suspensão dos prazos para a prática de atos procedimentais, é aplicável, por via do disposto da alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º‐C da referida Lei n.º 4‐B/2021, de 1 de Fevereiro, ao caso sub judicio, no que respeita ao prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral pelo Requerente.

Deste modo, e considerando que o prazo de 90 dias para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral pelo Requerente, teve o seu início no dia 01-12-2020, e que por via do referido regime de suspensão de prazos, este prazo esteve suspenso entre 22-01-2021 e 06-04-2021, à data em que Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (08-03-2021), ainda não tinha decorrido o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Em face do exposto, impõe-se concluir que o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, pelo que improcede a exceção da intempestividade/caducidade do pedido de pronúncia arbitral, invocado pela Requerida.

 

3.2.2. Da Inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação do valor patrimonial tributário

Relativamente à questão da inimpugnabilidade do ato de liquidação, a Requerida defende, em síntese, que:

  1. Os atos de fixação do VPT, regulados no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) visam determinar a base tributável de imóveis, ou seja, determinam o valor de imóveis que posteriormente servirá de base à liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) ou Impostos Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (IMT.
  2. Os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis.
  3. Não é, nem legal nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação, uma vez que nesta sede há-de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.
  4. As liquidações de IMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.

Para sustentar a sua posição, a Requerida, invoca o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 10.05.2017, no processo n.º 0885/16, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.10.20118, proferido no processo n.º 1808/12.0BEPRT, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 25.04.2010, proferido no processo n°03586/09 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 12.02.2008, proferido no processo n°02125/07, e ainda os Acórdãos do Tribunal Arbitral nºs 540/2020-T e nº. 487/2020-T, de 10 de Maio, cujo coletivo foi presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, concluindo que, no caso em apreço os atos de liquidação não podem ser anulados com fundamento em erros nas avaliações dos prédios, por se encontrar consolidada a fixação do respetivo valor patrimonial tributário.

O Requerente, por seu turno, defende que os actos tributários de liquidação de IMI podem ser impugnados com fundamento na errónea fixação dos valores patrimoniais tributários, e que a susceptibilidade de impugnação autónoma dos actos instrumentais / destacáveis de fixação destes valores não obsta à possibilidade de impugnação do acto conclusivo do procedimento assente no fundamento acima referido, tendo em síntese, alegado que:

  1. Um dos exemplos de actos destacáveis – i.e. actos interlocutórios do procedimento tributário susceptíveis de impugnação autónoma (face ao acto final) – é o acto de fixação do valor patrimonial tributário de bens imóveis nos termos das regras de avaliação estabelecidas no Código do IMI. 
  2. Relativamente à avaliação / fixação da matéria colectável, em termos gerais, o artigo 86.º da LGT e o artigo 134.º do CPPT prevêem a possibilidade de impugnação contenciosa directa dos actos de avaliação ou fixação da matéria colectável, concretamente dos actos de fixação dos valores patrimoniais, no prazo de 3 meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade (cf. n.º 1 do artigo 134.º do CPPT).
  3. Um sujeito passivo que não tenha efectuado a impugnação / reclamação dos actos preparatórios ou interlocutórios em apreço, não fica impossibilitado de vir a contestar o acto final/definitivo daquele procedimento tributário (nomeadamente o acto tributário de liquidação de IMI) com fundamento em vícios e/ou ilegalidades que afectem os actos preparatórios ou interlocutórios daquele acto final (e que, consequentemente, também afectem o próprio acto final do procedimento tributário).
  4. A posição defendida pela AT, constitui uma violação crassa do princípio da tutela jurisdicional efectiva, ao impedir um contribuinte de reclamar/ impugnar/ contestar um acto tributário de liquidação de um tributo, acto este, por excelência, que é lesivo na esfera jurídica deste contribuinte, pelo mero facto do contribuinte não se ter socorrido de uma prévia contestação do acto interlocutório, passível de impugnação autónoma nos termos das excepções ao princípio da impugnação unitária, do qual se originou a ilegalidade que vicia o acto de liquidação.
  5. As excepções ao princípio da impugnação unitária foram criadas para assegurar o pleno cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva, sendo contraproducente tais excepções serem indiscriminadamente invocadas de uma forma que possa colocar em causa este mesmo princípio da tutela jurisdicional efectiva.
  6. A legislação procedimental e processual tributária não determina expressamente que um acto de liquidação de um tributo nunca poderá ser contestado pelo contribuinte, quando o fundamento de ilegalidade daquele acto resulte de um vício de um determinado acto prévio / interlocutório que poderia ter sido, mas não o foi efectivamente, objecto de impugnação autónoma por aquele contribuinte.
  7. Jurisprudencialmente, tem sido admitida a contestação de actos tributários de liquidação de IMI com base em ilegalidades que afectam actos interlocutórios, passíveis de impugnação autónoma (i.e. actos destacáveis), do procedimento tributário relevante para aquela liquidação, nomeadamente em resultado de valores patrimoniais tributários cuja determinação padece de ilegalidade.

O Requerente, para contrariar o entendimento da AT e sustentar a posição que defende, invoca a nível de jurisprudência, designadamente, o Acórdão de 31 de Outubro de 2019 do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), em 29 de Março de 2017, no processo n.º 0312/15 e o Acórdão do STA de 27 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 01725/13. Invocando a nível de jurisprudência arbitral, a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, em 02-07-2021, no processo n.º 760/2020‐T.

Importa apreciar.

A propósito desta questão, acompanhamos o entendimento constante do Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 31/10/2019 (Benjamim Barbosa), proferido no processo nº 2765/12.8BELRS, que determinou o seguinte:

“O acto de fixação do VPT não se encaixa neste conceito, visto que é encarado, de forma pacífica, como acto administrativo em matéria tributária, destacável e autonomamente impugnável. É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.

De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir. Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado. Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1].

Acompanhamos também a posição expressa na decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, em 02-07-2021, no processo n.º 760/2020‐T, onde se refere que:

“A nosso ver, a questão não é a de saber se a lei configura a fixação do VPT como um ato destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto - mas sim saber se existem razões que obstem a que tal ato, quando surja como instrumental relativamente a um ato de liquidação, possa, também, ser objeto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta.

Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que prevêem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.

Estas razões serão, essencialmente, três:

  1. O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.
  2. A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.

Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida).

  1. Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).

Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação. Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.

Em resumo, entendemos que a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê.

Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso – como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação). Num quadro interpretativo da lei que procura dar relevância à sua conformidade com os princípios constitucionais, não podemos subscrever, como constituindo uma regra sem exceções, o pensamento do distinto Autor em que a Requerida, no essencial, se louva. Como referido no citado acórdão do TCA, há que não esquecer que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de um tributo, que foi exigido à Requerente.”

Subscrevemos e aderimos na íntegra à douta fundamentação constante da decisão Arbitral citada, sendo assim de concluir que assiste ao Requerente o direito de impugnar com fundamento em qualquer ilegalidade, designadamente na errónea quantificação dos valores patrimoniais tributários dos imóveis em questão, não nos parecendo, em conformidade com o princípio da tutela judicial efectiva que o Requerente fique impedido de invocar a ilegalidade das liquidações, com fundamento no facto de ter ocorrido previamente uma fixação do valor patrimonial.

Termos em que se julga improcedente a exceção da inimpugnabilidade dos atos de liquidação invocada pela AT.

 

3.2.3. Da ilegalidade das liquidações de IMI

As regras para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, têm a sua disciplina na norma do artigo 45º do CIMI.

O artigo 45.º do CIMI, na redação da Lei 64-B/2011, 30 de Dezembro, vigente à data dos factos tributários em apreciação neste processo – ano 2019 ‐ dispunha o seguinte:

“Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.”

Da análise da norma em questão, resulta evidente que esta não prevê a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto aos terrenos para construção, os quais estão apenas previstos no art. 38.º CIMI, como aplicáveis aos prédios urbanos. Assim sendo, a utilização destes coeficientes corresponde a uma aplicação analógica de uma norma de incidência, a qual é vedada pelo princípio da tipicidade fiscal.

Relativamente à aplicação do coeficiente de qualidade e conforto, acompanhamos o Acórdão STA Pleno de 21/9/2016 (Ascensão Lopes), processo 0183/13, que uniformizou a jurisprudência, no sentido de que:

"Na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados".

Essa tem sido a posição unânime da jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo. Veja-se, a título de exemplo e de entre outros, os Acórdãos proferidos no âmbito do processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 13 de janeiro de 2021, do processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, de 23 de outubro de 2019, do processo n.º 0165/14.4BEBRG, de 9 de outubro de 2019, do processo n.º 016/10.9BELLE, de 3 de julho de 2019, do processo n.º 0398/08.2BECTB, de 14 de novembro de 2018, do processo n.º 0986/16, de 16 de maio de 2018, e do processo n.º 01461/17, de 31 de janeiro de 2018.

Todos os acórdãos enumerados, relativos ao tema da avaliação de terrenos para construção, regulado pelo artigo 45.º do Código do IMI, julgam não ser de aplicar os coeficientes ou características que não se encontrem especificamente previstas neste preceito, nomeadamente os contemplados no artigo 38.º deste Código, suscetíveis de alterar a base tributária e de interferir na incidência do imposto, por tal configurar aplicação analógica.

Considera-se, também, ser de afastar o coeficiente de localização, em virtude de este fator já estar contemplado na percentagem prevista no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IMI, pois, de outro modo tal fator [de localização] relevaria, por duas vezes, na determinação do VPT dos terrenos para construção (vide, também neste sentido, a decisão arbitral proferida em 24-06-2021, no âmbito do processo n.º 500/2020-T).

A propósito desta questão, acompanhamos também o entendimento plasmado no acórdão (do Pleno) do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de julho de 2019, proferido no processo n.º 016/10, que refere que:

“Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.”

Em relação ao coeficiente de localização, a mesma posição foi expressa no Acórdão STA de 5/4/2017 (Casimiro Gonçalves), processo 01107/16, onde se considerou que:

"(…) na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n° 3 do art. 45° do CIMI"

Relativamente à aplicação aos terrenos para construção, dos coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI, nos Acórdãos STA de 9/10/2019 (Ascensão Lopes), processo 0165/14.4BEBRG, e de 23/10/2019 (José Gomes Correia), processo 0170/16.6BELRS, considerou-se que:

"(…) os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)".

No mesmo sentido, também na decisão arbitral de 22/7/2021 (Rui Duarte Morais), proferida no processo 760/2020-T, se entendeu que:

"independente das opções legislativas posteriores, também entendemos que a afetação, a qualidade e o conforto são realidades só apreciáveis perante um imóvel construído e não perante um terreno para construção, relativamente ao qual apenas poderão ser tidas em conta expetativas (que poderão não vir a ser concretizadas)".

Nestes termos, e atento todo o exposto, há que concluir pela ilegalidade das liquidações impugnadas, uma vez que a Requerida não devia ter aplicado aos terrenos para construção acima identificados os coeficientes de localização, qualidade e conforto e de afetação que geraram a liquidação de imposto em excesso, pelo que se julga procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, no montante de € 23.903,33, formulado pelo Requerente.

 

3.2.4. Do reembolso do imposto pago em excesso e pagamento de juros indemnizatórios

Quanto ao pedido de reembolso do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afeta as liquidações parcialmente anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que o praticou sem o necessário suporte factual e legal.

Assiste assim, direito ao Requerente a ser reembolsado da quantia de € 23.903,33, que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do ato anulado e, ainda, a ser indemnizado do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

4. DECISÃO

Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar integralmente procedente o pedido formulado pelo Requerente, e em consequência:
  1. Anular parcialmente os actos tributários de liquidação do IMI de IMI de 2019, melhor identificados em B) dos factos provados, respeitantes a terrenos para construção, no montante global de € 23.903,33;
  2. Condenar a Requerida no reembolso ao Requerente do imposto pago em excesso, no montante de € 23.903,33;
  3. Condenar a Requerida no pagamento ao Requerente de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante de € 23.903,33.
  1. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 23.903,33 (vinte e três mil, novecentos e três euros e trinta e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Abril de 2022

 

O Árbitro

 

 

 

___________________________

 

      (Carla Almeida Cruz)

 

 



[1] Petição inicial do Requerente.