Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 613/2021-T
Data da decisão: 2022-03-18  IMT  
Valor do pedido: € 62.041,53
Tema: IMT – isenções (artº 7º do CIMT e artº 270º do CIRE)
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SUMÁRIO:

1- O caráter automático de uma isenção de IMT não exclui o ónus de o interessado, relativamente a determinada operação, declarar à AT a verificação dos respetivos pressupostos.

2- Tal declaração deve ser feita, o mais tardar, até ao momento da liquidação (art. 10º, nº 1, do CIMT).

3- Não enferma de ilegalidade a liquidação que não considerou factos que o sujeito passivo tinha o ónus de declarar.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

A..., LDA., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ...‐..., Lisboa, apresentou, nos termos legais, pedido de constituição de tribunal arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I - RELATÓRIO

 

  1. O pedido

 

 

 

A Requerente pede a anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) nº ... e nº..., emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante total de € 62.041,53, cuja restituição peticiona, acrescida de juros indemnizatórios.

Rigorosamente, estão em causa as liquidações de IMT n.º ... (2021), emitida em 13-08-2021, no valor global de € 52.862,83 (€ 43.940,00 de imposto e € 8.922,83 de juros compensatórios), a que corresponde o DUC ..., e a liquidação de IMT n.º..., emitida em 09-09-2021, no valor global de € 10.178,70 (€ 7.488,88 de imposto e € 1.689,82 de juros compensatórios), a que corresponde o DUC ... .

 

B) Posição das partes

 

A Requerente entende, em suma, que as aquisições de imóveis que estão na origem das liquidações que impugna beneficiam da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e que a tal não obsta o facto de, aquando da declaração de tais aquisições, ter invocado a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT (prédios para revenda), cujo condicionalismo não preencheu no prazo legal.

 

A Requerida, na sua resposta, sustenta que “a Requerente optou, no ato translativo do prédio, por invocar outra isenção de IMT para impedir a tributação”, “ conformou-se com a aplicação da isenção prevista no art.º 7.º do CIMT e com os efeitos daí decorrentes, designadamente a caducidade da isenção e a aplicação do regime regra de tributação, caso o imóvel não fosse revendido no prazo de 3 anos”, pelo que conclui que “caducou o direito de ação, e a situação tributária da Requerente, relativamente à isenção aplicada estabilizou, consolidando-se na ordem jurídica (…)”.

 

  1. Tramitação processual

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 27/09/2021.

 A Requerente não procedeu à indicação de árbitro, tendo a nomeação dos membros deste coletivo arbitral competido ao Conselho Deontológico do CAAD, a qual não mereceu oposição.

Os árbitros designados aceitaram tempestivamente as nomeações.

 O tribunal arbitral ficou constituído em 06/12/2022.

A Requerida apresentou resposta.

Por despacho arbitral de 22/02/2022, foi decidido prescindir, por falta de objeto, da realização da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT e não haver lugar à produção de alegações, por manifestamente desnecessárias. Nenhuma das partes se opôs a este despacho arbitral.

 

 

II - SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades, sendo admissível a cumulação de pedidos porque verificados os requisitos legais.

Não existem exceções de que cumpra conhecer.

 

III – PROVA

 

III.1 - Factos provados:

 

  1. A Requerente adquiriu, em 20-12-2012, a fração autónoma U-...-C do prédio inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de... e ...,Vila Nova de Gaia, e, em 13-06-2013, o imóvel U-..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., Vila Nova de Gaia.
  2. Tais aquisições ocorreram no âmbito dos processos de insolvência n.º .../12...TYVNG e n.º .../11...TYVNG.
  3. Relativamente as ambas as aquisições, a Requerente declarou que os prédios se destinavam a revenda,
  4. Tendo beneficiando, em ambos os casos, da isenção de IMT prevista no n.º 1 do artigo 7.º do CIMT.
  5. A Requerente não logrou vender os referidos imóveis no prazo de 3 anos fixado por lei.
  6. Pelo que solicitou, em 09-08-2021, a liquidação dos respetivos IMT, o que deu origem aos atos tributários ora impugnados.
  7. A Requerente procedeu ao pagamento dos impostos liquidados.

 

Os factos dados por provados resultam de documentação junta aos autos, não tendo sido objeto de controvérsia.

 

 

III.2 - Factos não provados

 

Não existem factos não provados relevantes para a decisão a causa.

 

 

IV- O DIREITO

 

Em primeiro lugar, há que salientar não estarmos perante um caso em que o legislador conferiu um direito de opção aos interessados[1].

Estaremos sim perante um concurso aparente de normas, pois a factualidade em causa (as aquisições de imóveis) é subsumível às hipóteses de dois tipos legais de isenção, as quais tutelam interesses extrafiscais diferentes (não originar uma cascata de tributações em IMT, no caso do art. 7º do CIMT; facilitar, não onerando com a incidência de imposto, a aquisição de bens integrantes de massas insolventes, de modo a permitir uma mais cabal satisfação dos credores, no caso do artº 270º do CIRE).

Num concurso aparente de normas só uma, a apurar em sede interpretativa atentos os objetivos prosseguidos por cada uma delas, resultará aplicável.

Não sendo necessário prosseguir nesta senda, fica apenas o entendimento de que a questão nunca poderia ser decidida à luz do exercício de uma opção entre duas isenções, como pretende a Requerida.

 

Segunda nota para salientar que, em ambos os casos, estamos perante benefícios fiscais automáticos, pois que resultam diretamente da lei. Mas haverá que atentar no significado da expressão “benefícios fiscais automáticos”: são aqueles que não pressupõem a existência de um procedimento, que culminará na prática de um ato administrativo que concluirá pela verificação ou não dos pressupostos legais da sua concessão (art. 5º, nº 1 e 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

 

Porém, o caráter automático de um benefício fiscal não desonera o interessado de o invocar perante a administração. Aliás, nem poderia ser de outro modo, pois sistemas de “tributação em massa”, como são os atuais, assentam nas declarações dos contribuintes – a obrigação de imposto é, num primeiro momento, apurada face ao por eles declarados, até pela impossibilidade prática de ser a administração a conhecer e apurar oficiosamente cada situação tributária. Isto sem prejuízo da possibilidade de posterior correção do declarado, por não correspondência à verdade ou à legalidade, a iniciativa da administração e, também, por iniciativa dos próprios, os quais se podem insurgir, através das vias procedimentais ou processuais adequadas, contra liquidações fundadas em erróneas declarações por si apresentadas.

 

Este princípio da declaração – estrutural do sistema fiscal, como vimos - aparece expressamente afirmado para casos como os em análise pela al. d) do nº 8 do art.º 10 do CIMT - são de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções: d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código (no presente caso, o CIRE).

 

Está em causa um ónus, a exigência legal que o interessado pratique determinada conduta, juridicamente relevante, sob pena de não alcançar um benefício, ou, eventualmente, suportar uma desvantagem.

Neste caso, o ónus de declarar que as aquisições efetuadas preenchiam os pressupostos da isenção prevista no artº 270º, nº 2, do CIRE.

Ónus que, por regra, deveria ser cumprido antes dos atos translativos dos imóveis, como dispõe a citada norma do CIMT.

 

Mas tal não parece ser impeditivo de que a declaração seja apresentada em momento posterior, desde que antes da liquidação (cfr. parte final do nº 1 do art. 10º do CIMI).

 

No presente caso, a apresentação tardia da declaração seria justificável, uma vez que o direito à isenção de IMT na aquisição de prédios adquiridos no quadro de processos de insolvência apenas se afirmou, numa interpretação administrativa que abrange as aquisições em causa, em momento posterior àquele em que as aquisições em causa neste processo ocorreram[2].

 

Ora, a Requerente nunca declarou à AT que tais aquisições estavam abrangidas pelo artº 270º, n.º 2 do CIRE, nunca substituiu ou tentou substituir a declaração inicial (na qual invocou a aplicabilidade da isenção prevista no artº 7ª do CIMT) por outra em que invocasse a aplicabilidade desta outra isenção.

 

Se a sua pretensão tivesse sido negada, teria, então, a possibilidade de a tentar fazer valer judicialmente pelo meio processual adequado. Mas não o fez. Aliás, como dado provado, foi a Requerente quem “provocou” as liquidações que ora impugna.

 

Assim sendo, as liquidações impugnadas não podem ser havidas por ilegais, uma vez que a Requerida mais não fez que aplicar a lei aos factos declarados pelo sujeito passivo (os que tinha obrigação legal de conhecer), o qual violou – com prejuízo para si próprio, é certo – o dever de colaboração que sobre ele impendia (art. 59º, nº 4 da LGT). E o processo de impugnação é, no essencial, um contencioso de mera anulação, dirigido à aferição da legalidade de um ato tributário nas circunstâncias em que foi praticado.

 

Em mero obiter dictum, sempre se acrescentará que a Requerente ainda estará em tempo para, através de meio procedimental próprio, pedir a revisão das liquidações que ora impugna[3].

 

Em razão da improcedência do pedido principal, fica prejudicado o conhecimento do pedido acessório, relativo ao direito a juros indemnizatórios.

 

V - Decisão Arbitral

Conclui-se pela improcedência total do peticionado.

 

 

VALOR: € 62.041,53

CUSTAS, que se fixam em € 2.448,00, pela Requerente dada a total improcedência do pedido.

 

18 de março de 2022

 

 

Os árbitros

 

Rui Duarte Morais

 

 

(Presidente e relator)

 

 

António Pragal Colaço

 


Augusto Vieira (vencido conforme declaração em anexo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Consideramos os seguintes factos:

Face à prova junta pela Requerente, ou seja, face ao Documento nº 2 junto com o PPA:  escritura de compra e venda de 13.06.2013 e título de transmissão, neles consta com alguma evidência que, em ambos os casos, as aquisições decorreram no âmbito de processos falimentares, o que desde logo se retira (1) da qualidade de quem outorga a escritura: o administrador da insolvência do processo .../11...TYVNG (Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – 1º Juízo) e (2) da qualidade de quem emite o título de transmissão: administrador da insolvência do processo .../12...TYVNG – 1º Juízo – Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.

Quer o teor da escritura pública, quer o teor do título de transmissão, em princípio, terão sido enviados à Autoridade Tributária, como se pode retirar do artigo 49º - 4 – alínea c) do CIMT e nº 4 do artigo 48º do CIMT. A AT não referiu na sua Resposta ao PPA que lhe não foram enviados estes documentos e, num caso como o deste processo, afigura-se-nos que seria essencial.

No que concerne à isenção propriamente dita de IMT:

quanto ao bem imóvel adjudicado pelo título de transmissão, na alínea g) dos documentos a ele juntos refere-se “declaração para liquidação do IMT, acompanhada do respectivo DUC nº ... e comprovativo da isenção do imposto do selo, conforme guia emitida em 14.12.2012, nos termos dos artigos 269º e 270º do CIRE”. Ou seja, dando a entender que a isenção, quer de IMT, quer de imposto do selo, foram aí consideradas e verificadas, por serem de funcionamento “ope legis”, ou seja, automáticas, porque resultam directa e imediatamente da lei; quanto aos bens imóveis objecto de transmissão por escritura notarial, refere-se: “a) IMT com o nº ... (isento nos termos do artigo 7º do CIMT); b) comprovativo da liquidação do imposto do selo referente à verba 1.1 do respectivo código, isento nos termos da alínea d) do artigo 269”. Ou seja, percebe-se que a Senhora Notária terá olvidado colocar que a isenção do imposto do selo era do artigo “269º do CIRE”. E se o comprovativo o imposto do selo (isenção) era relativo ao artigo 269º do CIRE, naturalmente o DUC da alínea a) não seria relativo à isenção do artigo 7º do CIMT, mas sim relativo à isenção do artigo 270º do CIRE.

A Requerente refere nos artigos 14º a 17º do PPA que as aquisições beneficiaram de isenção de IMT ao abrigo do artigo 7º do CIMT, e junta para o comprovar documentos datados de 2021 – documentos 1.1 e 1.2, o que não está de acordo com o teor dos documentos juntos com a designação de Documento nº 2 (de 2012 e 2013) conforme acima se explanou. Acresce que a afirmação da Requerente no artigo 18º do PPA também não confere com o que se pode inferir do Documento nº 2 que juntou.

Em termos de julgamento da matéria de facto relevante para uma mais correcta e assertiva composição do litígio, será de prevalecer os factos que resultam da prova documental, face ao que as partes alegam, até porque o ilustre mandatário da Requerente não tem poderes especiais para confessar, como se retira da procuração junta ao processo.

Consequência que retiramos dos factos indicados:

Afigura-se-nos que seria de aplicar o princípio do nº 1 do artigo 100º do CPPT, perante a dúvida fundada de que a isenção de IMT do artigo 270º do CIRE, foi apreciada e verificada, antes da transmissão dos bens imobiliários aqui em causa (como resulta do nº 3 do artigo 48º e nº 1 do artigo 49º,ambos do CIMT), e por isso vigora “ab initio” na ordem jurídica, enquanto acto que conferiu um direito à Requerente, o que é consentâneo com tipo de isenção fiscal que aqui está em causa (automática) e de funcionamento “ope legis” e por isso nem consta o seu código para ser indicada na declaração Modelo 1 do IMT.

Mesmo que assim não fosse, a AT, enquanto entidade a quem legalmente são comunicados todos os actos sujeitos a IMT relativos a transmissão de imóveis, não cumpriu o ónus de impugnação especificada, negando que as obrigações legais das entidades que os têm que comunicar, o não fizeram.

E tendo recebido as cópias dos títulos translativos da propriedade dos imóveis, como será de presumir, não vislumbramos como se poderá alegar falta de conhecimento porque o sujeito passivo o não comunicou, uma vez que se tratou de aquisições no âmbito de processos falimentares cujos números estão indicados nos documentos enviados. Ou seja, não poderá referir-se, consequentemente, que a isenção de funcionamento “ope legis” de IMT relativa a esses actos se “perdeu à data dos atos translativos dos imóveis”.

Pelas razões e com os fundamentos atrás descritos, afigura-se-nos, salvo o devido respeito pela muito douta decisão adoptada, que o PPA merecia acolhimento.

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Augusto Vieira



[1]Direito de opção” que a lei frequentemente concede aos interessados, nomeadamente em sede de IRS. P. ex., optar por sujeitar a englobamento os rendimentos de determinadas categorias, em princípio sujeitos a taxas liberatórias ou especiais; optar pela tributação conjunta, no caso dos casados ou unidos de facto.

[2] Até à publicação da Circular n.º 4/2017, o entendimento da administração tributária era que esta isenção de IMT não se aplicava à transmissão isolada de bens imóveis da empresa insolvente, mas apenas à venda, permuta ou cessão que abrangesse a universalidade da empresa ou um seu estabelecimento.

O novo entendimento refletiu a jurisprudência reiterada e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (STA) sobre a questão.

[3] Com Sara Luis Dias, O crédito tributário no processo de insolvência e nos processos judiciais de recuperação, Almedina, 2021, pág. 245, entendemos que “nos termos do artigo 14º do EBF é proibida a renúncia aos benefícios fiscais automáticos, pelo que a não entrega dos documentos necessários à aplicação das isenções não pode ser entendida como renúncia às mesmas”.