Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 134/2021-T
Data da decisão: 2023-05-03  IRC  
Valor do pedido: € 187.146,00
Tema: Reforma de decisão arbitral (anexa à decisão). Juros indemnizatórios.
*Substitui a decisão arbitral de 26 de abril de 2022, na parte relativa à condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
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Sumário:

Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a reclamação graciosa, o erro passa a ser imputável à Autoridade Tributária com a decisão expressa ou tácita de indeferimento, constituindo a data da decisão o termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

1. A... GMBH, já identificada nos autos, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), a título definitivo, sobre rendimentos de capitais de fonte portuguesa pagos nos anos de 2018 a 2020, bem como da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Por decisão arbitral de 26 de abril de 2022, o tribunal arbitral decidiu:

a)  Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação de IRC impugnados, referentes aos anos de 2018 a 2020, no montante global de € 187.146,00, bem como a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida;

b) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no que diz respeito à condenação no pagamento de juros indemnizatórios “desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito”, por contradição com o acórdão do STA de 7 de abril de 2021 proferido no Processo n.º 0360/11.

 

Por acórdão de 22 de março de 2023, transitado em julgado em 17 de abril de 2023, o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA julgou procedente o recurso e anulou a decisão arbitral recorrida no segmento considerado e deliberou que são devidos juros indemnizatórios contados desde 1 de dezembro de 2020 e até à data do processamento da nota de crédito.

 

Para assim concluir, o STA considerou que em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do ato tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à Administração Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artigo 43.º, nºs. 1 e 3, da LGT.

 

No caso, a Requerente apresentou, em 31 de julho de 2020, reclamação graciosa contra os atos tributários de retenção na fonte, que não foi objeto de decisão administrativa no prazo cominado, pelo que a reclamação graciosa se presume indeferida no dia 1 de dezembro de 2020.

 

Há assim que reformar a decisão arbitral na parte referente à alínea b) do dispositivo, em conformidade com o julgado em acórdão de uniformização de jurisprudência, nos seguintes termos:

 

  1. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data de 1 de dezembro de 2020 até à do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Notifique.

 

Lisboa, 3 de maio de 2023,

 

 

O Presidente do Tribunal Arbitral,

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

Luís Menezes Leitão

 

A Árbitro vogal

 

Adelaide Moura

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 134/2021-T

Tema: IRC. Benefício fiscal. Fundo de investimento imobiliário não residente. Liberdade de circulação de capitais.

 

*Substituída pela decisão arbitral de 03 de maio de 2023 na parte relativa à condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO:

As normas do n.º 1, parte final, e n.º 3 do artigo 22.º  do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

     1. A... GMBH, na qualidade de entidade gestora do fundo de investimento imobiliário B..., com sede em ..., ..., ..., Alemanha, titular do Número de Identificação Fiscal alemão..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), a título definitivo, sobre rendimentos de capitais de fonte portuguesa pagos nos anos de 2018 a 2020, no montante global de € 187.146,00, bem como da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Especial, equiparado a um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), que atua a coberto de um contrato celebrado entre a sua entidade gestora, o A... GmbH, os investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários.

 

A Requerente não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais na Alemanha, e aí se encontrando sujeita e não isenta ao imposto alemão sobre o rendimento de sociedades.

 

Entre 2018 e 2020, a Requerente detinha as seguintes participações sociais na sociedade comercial portuguesa C..., S.A.:

 

Data

Ações

2018

50.000 (100%)

2019

50.000 (100%)

2020

50.000 (100%)

 

 

Por força de contrato de financiamento celebrado com a C..., a Requerente auferiu juros no montante total bruto de € 1.247.639,98 no período compreendido entre 1 de agosto de 2018 e 5 de maio de 2020.

 

Os juros recebidos foram sujeitos a tributação em Portugal, e a importância correspondente a € 187.146,00 foi objeto de retenção na fonte a título de IRC com carácter definitivo aquando do respetivo pagamento/vencimento, efetuada à taxa de 25%, nos termos do artigo 87.º, n.º 4, do CIRC.

 

Enquanto as entidades residentes sofrem uma retenção na fonte não-liberatória à taxa de 25%, de acordo com o disposto nos artigos 94.º, n.º 4, do CIRC, que assume a natureza de imposto por conta do imposto devido a final, nos termos do artigo 94.º, n.º 3, do CIRC, e é posteriormente relevada na liquidação de IRC.

Acresce que o artigo 22.º, n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), estipula uma exclusão de tributação para “os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, relativamente a rendimentos obtidos em território nacional que correspondam a rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias.

 

O que configura uma divergência no tratamento fiscal entre contribuintes domiciliados na União Europeia em função da residência fiscal do beneficiário, que afronta de forma direta e injustificada a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

Em 31 de julho de 2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra aqueles atos tributários de retenção na fonte, que não foi objecto de decisão administrativa no prazo cominado.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere que a redação do artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias e uma isenção das derramas municipal e estadual, deslocando a tributação para a esfera do imposto do selo, além de que sujeita os OIC às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC.

 

Por outro lado, a tributação de rendimentos de Organismos de Investimento Coletivo residentes e não residentes estão sujeitos modalidades diferentes, não podendo afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, e nada indica que a carga fiscal que onera os rendimentos de capitais auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os mesmos rendimentos auferidos em Portugal pela Requerente.

 

A Autoridade Tributária requer ainda a suspensão do processo até decisão do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no Processo n.º 93/2019-T do CAAD, que se encontram em análise pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo n.º C-545/19.

 

2. No seguimento do processo, por despacho de 7 de setembro de 2021, o tribunal arbitral determinou a notificação da Requerente para se pronunciar sobre a suspensão da instância requerida pela Autoridade Tributária, com fundamento na pendência de reenvio prejudicial no âmbito de um outro processo arbitral.

 

Por requerimento apresentado no dia 17 de setembro de 2021, a Requerente veio opor-se à suspensão da instância por considerar não subsistirem dúvidas quanto à interpretação do direito europeu aplicável.

Quanto a essa questão, em 21 de setembro seguinte, o tribunal arbitral proferiu o seguinte despacho:

Tendo sido requerida pela Autoridade Tributária, na sua resposta, a suspensão da instância até à decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça no âmbito do reenvio prejudicial suscitado no Processo n.º 93/2019-T, em que se colocam as mesmas questões que constituem objeto do litígio, a Requerente, notificada para se pronunciar, veio opor-se à suspensão da instância por considerar não subsistirem dúvidas quanto à interpretação do direito europeu e constituir o prosseguimento do processo a única solução consentânea com o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Ora, tendo sido suscitado por um tribunal arbitral, num outro processo, o reenvio prejudicial sobre a mesma questão, por ter considerado que uma decisão sobre a interpretação ou a validade do direito europeu pelo TJUE era necessária para a apreciação do caso, não se vê motivo fundado para não se determinar a suspensão da instância, no presente processo, como é requerido, até para evitar uma eventual contradição de julgados. E, por outro lado, sendo esse um procedimento previsto no TFUE para assegurar uma melhor aplicação do direito europeu, não parece que possa ocorrer, com a suspensão da instância, uma qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Face ao exposto, determina-se a suspensão da instância no presente processo até à decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça no reenvio prejudicial, nos termos previstos nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do CPC.

 

Em 17 de março de 2022, foi notificado o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no âmbito do Processo n.º C-545/19, em que se extrai a seguinte conclusão:

 

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

 

 

Por despacho do dia imediato, o tribunal arbitral determinou o prosseguimento do processo para alegações escritas, por prazo sucessivo, e fixou o limite do prazo para a prolação da decisão arbitral em 18 de junho de 2022, tendo em conta o período de tempo em que o processo se encontrou suspenso aguardando a pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

Em alegações, face ao acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, as partes reiteraram as suas anteriores posições.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.


          As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 22 de junho de 2021.

 

O processo esteve suspenso a aguardar a decisão do TJUE, em reenvio prejudicial, entre os dias 21 de setembro de 2021 e 17 de março de 2022.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

  1. A Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Especial, equiparado a um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), que atua a coberto de um contrato celebrado entre a sua entidade gestora, o A... GmbH, os investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários.
  2. A Requerente não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais na Alemanha, e aí se encontrando sujeita e não isenta ao imposto alemão sobre o rendimento de sociedades.
  3. Entre 2018 e 2020, a Requerente detinha as seguintes participações sociais na sociedade comercial portuguesa C..., S.A.:

 

Data

Ações

2018

50.000 (100%)

2019

50.000 (100%)

2020

50.000 (100%)

 

 

  1. Por força de contrato de financiamento celebrado com a C..., a Requerente auferiu juros no montante total bruto de € 1.247.639,98 no período compreendido entre 1 de agosto de 2018 e 5 de maio de 2020.
  2. Os juros recebidos foram sujeitos, aquando do respetivo pagamento/vencimento, a retenção na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, no montante de € 187.146,00.

  F) Em 31 de julho de 2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos tributários de retenção na fonte, que não foi objecto de decisão administrativa no prazo cominado.

J) A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 1 de março de 2021.

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.

 

Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

            Matéria de direito

 

5. Sustenta a Requerente que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º  do EBF, implicando a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

A Autoridade Tributária contrapõe que o artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias e uma isenção das derramas municipal e estadual, deslocando a tributação para a esfera do imposto do selo, além de que sujeita os OIC às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC. Não podendo afirmar-se, neste condicionalismo, que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos rendimentos de capitais opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os rendimentos de capitais auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os rendimentos de capitais auferidos em Portugal pela Requerente.

 

A questão que nestes termos vem colocada foi analisada no citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19, e que determinou a suspensão da instância no presente processo arbitral, em que se extrai a seguinte conclusão:

 

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

Esse entendimento é aplicável a outros rendimentos de capitais que se encontram abrangidos pelo disposto no artigo 22.º, n.º 3, do EBF, e vem na linha de anterior jurisprudência do TJUE, ainda que não sobre a específica questão que está em análise nos presentes autos.

 

O citado artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante  de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

            (…).

 

Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.  Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno, mas tenham sido constituídos segundo a legislação de um outro Estado-membro da União Europeia.

 

A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais.

 

6. No caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, a Requerente é um organismo de investimento coletivo imobiliário constituída segundo o direito alemão, desempenhando em Portugal o mesmo papel económico que as sociedades de investimento imobiliário de capital variável heterogeridas, efetuando a angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.

 

Alega a Requerente, neste contexto, que a norma do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF, se torna incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia apenas deve ser objeto de aplicação autónoma quando esse mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito à livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cfr. Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254).

 

O artigo 63.º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

 

Em relação à liberdade de circulação de capitais, o citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19, de 10 de Abril de 2014, esclarece o âmbito de aplicação desse princípio, formulando, na parte que mais interessa reter, os seguintes considerandos:

 

36      Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (-).

37      No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38      Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39      Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (-).

40      Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41      Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» (-).

42      O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (-).

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis, o Tribunal de Justiça da União Europeia concluiu que o “critério de distinção a que se refere a legislação nacional (…), que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes” (considerando 73), havendo de entender-se que, “no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis” (considerando 74).

E não há motivo para que o tribunal arbitral, face aos elementos factuais conhecidos, deva dissentir do entendimento formulado, quanto a esta matéria, em sede de reenvio prejudicial.

Em relação à possibilidade de uma restrição à livre circulação de capitais ser admitida por razões imperiosas de interesse geral, o Tribunal de Justiça declarou que, para esse efeito, “é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (considerando 78). Concluindo que, no caso, “não há uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” e a “necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional (…)” (considerandos 80 e 81).

Em todo este contexto, a doutrina fixada pelo TJUE, que é aplicável a outros rendimentos de capitais, é a seguinte:

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

7. Revertendo à situação do caso, e como resulta do ponto II e notas explicativas da nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE, o conceito de movimentos de capitais, para efeito da liberdade de circulação a que refere o artigo 63.º do TFUE, abrange os investimentos imobiliários (cfr. considerandos 21 e 22 do acórdão do TJUE de 16 de março de 1999, no Processo C-222/97).

 

O artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento imobiliário que constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional, mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.

 

Segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, os Estados-Membros podem estabelecer distinções em matéria fiscal entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação em função do lugar da nacionalidade ou residência desde que não implique uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

 

Havendo de entender-se, tal como refere o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. ainda considerando 58 do acórdão de 10 de fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).

 

De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 1 de julho de 2015, Processo n.º 0188/15).

 

Os atos de liquidação em IRC impugnados e a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles apresentada são assim ilegais por assentarem em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.

 

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

Sendo que, como resulta da jurisprudência do STA, a diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento de juros indemnizatórios, a que se refere o artigo 43.º, n.º 1, alínea c), da LGT, apenas tem lugar quando tenha sido deduzido pedido de revisão oficiosa, o que não é aplicável ao caso (cfr. acórdãos de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, de 27 de fevereiro de 2019, Processo n.º 022/18) e de 3 de julho de 2019, Processo n.º 04/19).

 

III - Decisão

Termos em que se decide:

a)  Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação de IRC impugnados, referentes aos anos de 2018 a 2020, no montante global de € 187.146,00, bem como a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida;

b) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 187.146, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de abril de 2022,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro Vogal

 

Luís Menezes Leitão

 

A Árbitro Vogal

 

Adelaide Moura