Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 644/2021-T
Data da decisão: 2022-03-28  IRS  
Valor do pedido: € 31.983,55
Tema: IRS – Regime simplificado de IRS, aplicação de coeficientes de tributação com o fator 0,75 ou 0,35; Código 1519 “Outros prestadores de serviços”.
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Sumário:

A partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Este normativo não inclui o Código “1519 – Outros prestadores de serviços” e demais prestações de serviços de atividades profissionais não previstas na referida tabela, aplicando-se o coeficiente 0,35, conforme resulta do artigo 31.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS.

Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às atividades aí não especificamente previstas, visto que este coeficiente não evidencia uma atividade profissional de prestação de serviços específica.

A atividade de “assessoria” consubstanciada na prestação de serviços de «apoio à atividade do Gabinete de Apoio ao Presidente, bem como de implementação e suporte da necessária articulação da atividade autárquica desenvolvida», tendo em conta as funções especifica e concretamente exercidas pelo sujeito passivo, tais como resultam descritas no contrato de avença celebrado com a CM..., não é subsumível ao código “1320 – Consultores”, previsto na tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS, sendo enquadrável no código “1519-Outros prestadores de serviços”, e tributada de acordo com o fator 0,35, por remissão desta verba para a tributação prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitro Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído a 06 de agosto de 2020, acorda no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 21 de outubro de 2021, A... e B..., ambos solteiros e residentes em Av. ..., ... -... ... e em Rua ..., ..., ...-... ..., respetivamente, titulares do NIF ... e do NIF..., respetivamente, adiante designados como “Requerentes”, notificados da decisão de indeferimento de reclamação graciosa sobre os atos de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (de ora em diante “IRS”) n.ºs 2020...; 2020...; 2020...; 2020... e das declarações oficiosas de IRS, referentes aos anos de exercício de 2016, 2017, 2018 e 2019, identificadas com os n.ºs 2016..., 2017..., 2018... e 2019..., respetivamente, (cfr. Doc. n.º 1 a n.º 4, em anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA)), por não se conformarem com as mesmas solicitaram a constituição do Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com vista à impugnação dos supra identificados atos de liquidação de IRS, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021... .
  2. As liquidações de IRS em referência ascendem a um montante total de € 31.983,55.
  3. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo os Requerentes procedido à nomeação de árbitro, foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
  4. O presente Tribunal foi constituído no dia 21 de dezembro de 2021, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação do Tribunal Arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
  5. A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 31 de janeiro de 2022, defendendo-se por impugnação.
  6. Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de exceção sobre a qual as partes carecessem de se pronunciar antecipadamente, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
  7. Por despacho de 07 de fevereiro de 2022, o Tribunal decidiu determinar o prosseguimento do processo para alegações escritas de facto e de direito, a apresentar pelas partes no prazo sucessivo de dez dias.
  8. Adicionalmente, o Tribunal indicou o dia 28 de março de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
  9. Nesta sequência, no dia 21 de fevereiro de 2022, a Requerente apresentou alegações escritas de facto e de direito.
  10. Seguidamente, no dia 25 de fevereiro de 2022, a Requerida apresentou as suas contra-alegações, remetendo e dando por integralmente reproduzido os argumentos aduzidos na sua resposta.

 

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

  1. A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação oficiosa de IRS, referentes aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, no montante de € 31.983,55 (trinta e um mil novecentos e oitenta e três euros e cinquenta e cinco cêntimos) no seguinte:

 

  1. Invocam os Requerentes que foram notificados pela Direção de Serviços do IRS para proceder à entrega de declaração de substituição para os exercícios de 2016, 2017, 2018 e 2019, constando do Ofício em referência o seguinte: «No âmbito da análise de processamentos de liquidação de IRS 2019, foi detetado pela Direção de Serviços de IRS que auferiu o valor de 45.030,00 € de categoria B, tendo indicado este valor no C.404 por deter o código de atividade 1519. Acontece, porém, que da consulta ao descritivo das faturas-recibo emitidas o tipo de prestação de serviços refere ‘Assessoria’. Face ao exposto (…) deverá corrigir o montante de rendimento auferido do C.404 para o C.403 do Q.4-A do anexo B».
  2. Os Requerentes esclarecem que a Requerente desempenha efetivamente as funções de assessoria de comunicação na Câmara Municipal ... (doravante CM...) desde 2015, consistindo a sua prestação de serviços, no «apoio à atividade do Gabinete de Apoio ao Presidente, bem como de implementação e suporte da necessária articulação da atividade autárquica desenvolvida» de acordo com a cláusula segunda do contrato de prestação de serviços celebrado com a aquela instituição.
  3. Invocam que tal como se pode aferir da descrição das funções exercidas, é evidente o enquadramento da sua atividade no código 1519, uma vez que, tais funções não se enquadram em nenhum outro código da tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS.
  4. Ademais os Requerentes realçam que foram os serviços da AT, a sugerir a aplicação do código 1519, quando consultados em sede de atendimento pessoal, na abertura de atividade por parte da Requerente. Com efeito, os serviços da AT tiveram oportunidade de ler o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Requerente e a CM..., tendo-lhes sido expressamente indicado o código 1519, por se tratar de uma categoria residual, não enquadrável em qualquer outro código da tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS.
  5. Estranha-se agora, que perante a mesma situação factual, os serviços da AT venham emitir um entendimento completamente díspar, emitindo declarações oficiosas de IRS (2016, 2017, 2018 e 2019), por consideraram aplicável um código da tabela de atividades (sem especificar qual) que sujeita os rendimentos auferidos ao coeficiente 0,75, previsto na alínea b), do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.
  6. Os Requerentes sublinham que a própria AT nas declarações oficiosas emitidas manteve o código 1519, alterando o valor declarado do campo 404 para o campo 403 do quadro 4-A, do anexo B, sem qualquer fundamentação, tributando ilegalmente este rendimento.
  7. Com efeito, os Requerentes defendem que o «campo 403 que a AT pretende utilizar está exclusivamente reservado aos rendimentos auferidos no exercício de atividades classificadas de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas ou de acordo com os Códigos expressamente previstos na tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS, com exclusão da atividade com o código 1519 – conforme instruções de preenchimento do IRS disponível no Portal das Finanças».
  8. Ora, perante dúvida insanável os Requerentes voltaram a solicitar esclarecimentos no âmbito de um agendamento pessoal, tendo-lhe desta vez sido transmitido que «tudo é atividade de consultor» e que «o código 1519 nem devia de existir».  
  9. Neste contexto, os Requerentes lembram que «com a redação operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, o artigo 31.º do Código do IRS passou a prever o seguinte:

a) a aplicação de um coeficiente de 0,75 às prestações de serviços decorrentes de atividades especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código;

b) e a aplicação de um coeficiente de 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços

ali não previstos.»

  1. Por seu turno, as instruções de preenchimento da Modelo 3 do IRS, estabelecem de forma clara, que o campo 403 do quadro 4-A, do anexo B, se destina «à indicação dos rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenha enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, independentemente da atividade exercida estar classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos na tabela de atividades prevista no artigo 151.º do Código do IRS e aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, mas com exclusão da atividade com o código “1519 – Outros prestadores de serviços» (cit.).
  2. Concluem, pela ilegalidade das liquidações adicionais, por violação de lei, ao aplicarem o coeficiente de tributação de 0,75 ao invés do coeficiente 0,35, conforme o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

  1. Rebate a Requerida os argumentos dos Requerentes, entendendo que as faturas-recibo exibidas pela Requerente referem que a atividade desenvolvida é de “Assessoria”, devendo por isso corrigir o montante do rendimento auferido para o campo 403 do quadro 4 do anexo B.
  2. Com efeito, refere a Requerida que «da análise à aplicação informática RECIBOS VERDES ELETRÓNICOS (FATURA-RECIBO), verifica-se que a Requerente emitiu Fatura-Recibo no decurso dos anos 2016, 2017, 2018 e 2019, nos quais consta como serviço prestado “Assessoria”, tendo sido adquirente do serviço a Câmara Municipal de  ...».
  3. Segundo a Requerida, a Portaria nº 1011/2001, de 21 de agosto, procedeu à aprovação da Tabela a que se refere o art.º 151º do CIRS, sendo a mesma a constante do Anexo I, que faz parte integrante dessa Portaria. Assim, aquela tabela contêm o código 13 – Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados, onde consta o subcódigo 1320-Consultores.
  4. Por sua vez, refere que «a secção M do CAE é dedicada às ATIVIDADES DE CONSULTORIA, CIENTÍFICAS, TÉCNICAS E SIMILARES, que inclui atividades científicas, técnicas e outras atividades que requerem um grau elevado de conhecimentos e de formação, especializados, entre elas as mencionadas com o código 7021 ATIVIDADES DE RELAÇÕES PÚBLICAS E COMUNICAÇÃO-70210, que compreende, as atividades de consultoria, orientação e assistência operacional a empresas ou organismos em matérias de relações públicas e comunicação, e com o código 70220, que compreende, nomeadamente, as atividades de consultoria, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos (inclui públicos) em matérias muito diversas, tais como: planeamento, organização, controlo, informação e gestão.»
  5.  Ora, tendo por base o contrato de avença celebrado entre a Requerente e a CM... e atendendo à descrição das funções exercidas, não restam dúvidas, segundo a Requerida, que o serviço prestado tem total cabimento nas atividades previstas no Código 70210 e no Código 70220 do CAE, pois a Requerente, no âmbito do apoio prestado ao Gabinete do Presidente da Câmara Municipal exerce efetivamente funções de consultoria, aconselhamento, elaboração e recolha de informações.
  6. A AT vem ainda salientar que para efeitos de tributação o que releva é a atividade efetivamente exercida, que corresponde à prestação material que a Requerente se encontra obrigada junto da CM... sendo, por conseguinte, indiferente se a terminologia usada é de “assessoria” ou de “consultoria”.
  7. Nestes termos, a AT defende que a atividade desenvolvida pela Requerente, tem total acolhimento no código CIRS 1320 - Consultores da Tabela de Atividades a que se refere o art.º 151º do CIRS, código que abrange as atividades constantes da secção M do CAE pelo que, tais rendimentos deverão constar no campo 403, do quadro 4, do anexo B da declaração Modelo 3 de IRS, sendo que a determinação do rendimento tributável é obtida através da aplicação do coeficiente de 0,75 previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 31º do CIRS.
  8. Conclui, pedindo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, devendo manter-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação de IRS.

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de pronúncia arbitral e alegações da Requerente, Resposta e contra-alegações da Requerida), o processo administrativo instrutor e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente, titular do NIF ..., desempenha funções de assessoria de comunicação na CM..., desde dezembro de 2015, tendo celebrado com o referido Município, a coberto da Deliberação n.º 802/2013, publicada no 1.º suplemento ao Boletim Municipal n.º 1028, de 31 de outubro de 2013, um Contrato de Avença, junto com o pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA) - cfr. Doc. n.º 16 e n.º 17;
  2. Nos termos da Cláusula Segunda do referido contrato, sob epígrafe “Âmbito” a avença tem por objeto a prestação de serviços de assessoria de comunicação, nomeadamente de apoio à atividade do Gabinete de Apoio ao Presidente, bem como a implementação e suporte da necessária articulação da atividade autárquica desenvolvida, promovendo os estudos que se revelem necessários e de promoção e implementação de políticas previamente definidas - cfr. Doc. n.º 16  junto com o PPA; 
  3. Concretamente, a Requerente desempenha funções de acompanhamento e de concretização das políticas definidas pelo Vereador, para os pelouros que lhe foram atribuídos, fazendo com que os respetivos serviços municipais lhe deem sequência, de modo a implementá-las de acordo com o planeamento definido, apresenta reportes ao Vereador ou à adjunta de gabinete, acompanha o Vereador a eventos e reuniões, procede ao atendimento presencial de munícipes esclarecendo-os, e prepara respostas a cartas e emails, relativamente a questões relacionadas com os pelouros a que dá apoio – cfr. PPA e PA;
  4.  Em 5 de agosto de 2020, a Requerente, foi notificada, através do Ofício n.º..., para, no prazo de 15 dias, proceder à entrega de declaração de substituição para os anos de exercício 2016, 2017, 2018 e 2019, - cfr. Ofício n.º ..., junto com o PPA, como Doc. n.º 14;
  5. O referido Ofício esclarecia o seguinte: «No âmbito da análise de processamentos de liquidação de IRS 2019, foi detetado pela Direção de Serviços de IRS que auferiu o valor de 45.030,00 € de categoria B, tendo indicado este valor no C.404 por deter o código de atividade 1519. Acontece, porém, que da consulta ao descritivo das faturas-recibo emitidas o tipo de prestação de serviços refere ‘Assessoria’. Face ao exposto (…) deverá corrigir o montante de rendimento auferido do C.404 para o C.403 do Q.4-A do anexo B» (cit.), - cfr. Ofício n.º ... (Doc. n.º 14);
  6. Os Requerentes, por se encontrarem ausentes, em período de férias, apenas tiveram conhecimento do referido Ofício a 23 de agosto de 2020, data em que regressaram ao domicílio - cfr. PPA;
  7. Em 08 de setembro de 2020, os Requerentes, enviaram um pedido de esclarecimento através do e-balcão da Requerente, titular do NIF..., identificado com o ID: ..., - cfr. Doc. n.º 15 junto com o PPA;
  8. Relativamente aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, os Requerentes submeteram as declarações de rendimentos mod.3 -IRS, tendo declarado os rendimentos da Categoria B, auferidos pela Requerente no campo 404 do Anexo B - cfr. Declarações Periódicas juntas com ao Processo Administrativo;
  9. Os Requerentes inscreveram o valor de €45.030,00 no campo C.404 da mod.3-IRS, por resultar de funções no âmbito do código de atividade 1519, e conforme as instruções constantes do Portal das Finanças, - cfr. PPA;
  10. As declarações em causa originaram a liquidação do IRS nº 2017..., com valor a reembolsar no montante de €12.825,05, para o ano de 2016, a liquidação do IRS nº2018..., com valor a reembolsar no montante de €14.394,30, para o ano de 2017, a liquidação do IRS nº 2019..., com valor a pagar no montante de €2.290,02, para o ano de 2018, e a liquidação do IRS nº 2020..., com valor a reembolsar €15.011,13, para o ano de 2019, - cfr.  Docs. juntos como o PA.
  11. Em 5 de agosto de 2020, a Requerente foi notificada através do ofício nº ..., do SF ..., para no prazo de 15 dias, proceder à entrega de declaração de substituição para os exercícios de 2016, 2017, 2018 e 2019, uma vez que, no âmbito da análise de processamentos de liquidação de IRS/2019, foi detetado que auferiu o valor de €45.030,00 da categoria B, tendo indicado este valor no campo 404, por deter o código de atividade 1519.
  12. Em 8 de setembro de 2020, através de comunicação enviada à Requerente pelo e-balcão, a AT reitera a posição plasmada no Ofício n.º ... e acrescenta o seguinte: «verifica-se pelos recibos verdes que exerce funções de Assessoria, para exercer esta função tem que ter habilitações ou formação académica nessa área, deveria de estar inscrita com o código da área de formação que detém» (cit.), - cfr.  Doc. n.º 15, junto com o PPA.
  13. A Requerente não apresentou declarações de substituição tendo sido elaborados os respetivos Documentos de Correção Único;
  14.    Nas declarações oficiosas notificadas à Requerente, a AT manteve o código de atividade 1519, inscrito no campo 7, do quadro 3-A, do anexo B, - cfr.  Doc. n.º 1 a Doc. n.º 4 junto com o PPA.
  15. Em 14 de dezembro de 2020 os Requerentes apresentaram reclamação graciosa, em relação à qual presumiram o indeferimento tácito a 15 de abril de 2021; - cfr.  Doc. n.º 9 e Doc. n.º 10, juntos com o PPA.
  16. Em 15 de maio de 2021, os Requerentes apresentaram recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa; - cfr.  Doc. n.º 11 junto com o PPA;
  17. Em 08 de julho de 2021, os Requerentes foram notificados do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, - cfr.  Doc. n.º 12 junto com o PPA; 
  18.   Em 30 de setembro de 2021 os Requerentes rececionaram a notificação da decisão final do indeferimento da reclamação graciosa, - cfr.  Doc. n.º 13 junto com o PPA;
  19. Não tendo os Requerentes sido notificados da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, presumiram o respetivo indeferimento tácito a 13 de julho de 2021;
  20.      No dia 11 de outubro de 2021, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral; - (cfr. requerimento eletrónico submetido no CAAD).

 

  1. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

VI- Do Direito

 

  1. Da questão a decidir

A questão que se discute nos presentes autos passa por determinar a correta classificação da atividade desenvolvida pela Requerente, titular do NIF..., importando decidir qual o coeficiente aplicável na determinação de rendimentos no âmbito do regime simplificado, previsto no Código do IRS.

Assim, em confronto está em causa o enquadramento fiscal da atividade exercida pela Requerente de «assessoria de comunicação na CM...» desde 2015, consubstanciada no «apoio à atividade do Gabinete de Apoio ao Presidente bem como de implementação e suporte da necessária articulação da atividade autárquica desenvolvida», sendo a questão decidenda a de saber se a referida atividade é ou não de considerar uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, designadamente na designação constante do “Código 13 – Outras pessoas exercendo profissões liberais, e técnicos assimilados, onde consta o subcódigo 1320 – Consultores.”

Segundo defende a Requerente, ficou provado nos autos, nos termos do contrato de avença, que desempenha efetivamente funções de “assessoria de comunicação” na Câmara Municipal de ..., desde 2015, sendo com tal evidente o enquadramento no código 1519, uma vez que, tais funções não se enquadram em nenhum outro código da tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS. A Requerente entende que uma atividade de assessoria não pode ser equiparada à atividade de um consultor.

Nota ademais que é a própria AT, nas declarações oficiosas, por si emitidas, que mantém o código 1519, conforme pode ser observado no campo 7, do quadro 3- A, do anexo B, das referidas declarações de IRS.

 

Por seu turno, a AT defende que de acordo com a Tabela a que se refere o art.º 151.º do Código do IRS, aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, a mesma contém o “código 13 – Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados” - onde consta o subcódigo “1320 – Consultores” bem como a secção M do CAE que é dedicada às ATIVIDADES DE CONSULTORIA, CIENTÍFICAS, TÉCNICAS E SIMILARES. Nesta secção, incluem-se atividades científicas, técnicas e outras que requerem um grau elevado de conhecimentos e de formação, especializados, entre elas as mencionadas no código “CAE 7021 ATIVIDADES DE RELAÇÕES PÚBLICAS E COMUNICAÇÃO – 70210”, que compreende, as atividades de consultoria, orientação e assistência operacional a empresas ou organismos em matérias de relações públicas e comunicação, e com o código 70220, que compreende, nomeadamente, as atividades de consultoria, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos (incluindo públicos) em matérias muito diversas, tais como: planeamento, organização, controlo, informação e gestão. Ora, defende a AT que a atividade exercida pela Requerente tem total cabimento na atividade constante do Código do IRS “1320-Consultores”, previsto na Tabela de Atividades a que se refere o art.º 151.º do referido Código, o qual abrange as atividades constantes da secção M do CAE.

Nestes termos, os rendimentos auferidos deverão constar do campo 403, no quadro 4, do anexo B da declaração Modelo 3 de IRS, sendo que a determinação do rendimento tributável é obtida através da aplicação do coeficiente de 0,75 previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 31.º do Código do IRS.

 

Vejamos.

 

O artigo 31.º do Código do IRS prevê os coeficientes aplicáveis para a determinação do rendimento tributável dos sujeitos passivos tributados ao abrigo do regime simplificado em IRS. Nos presentes autos, discute-se qual desses coeficientes é aplicável à Requerente por referência aos rendimentos obtidos enquanto assessora de comunicação na CM..., prestando apoio à atividade autárquica do Gabinete de Apoio ao Presidente.

A este respeito, importa começar por referir que em matéria de incidência tributária e de aplicação de taxas de tributação não há, por definição, lacunas. Mercê do especial vigor que o princípio da legalidade assume neste domínio na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição), as taxas de tributação apenas podem ser utilizadas nas situações que concretamente se insiram na previsão da norma aplicável. A integração analógica encontra-se vedada nestas matérias por força do princípio constitucional da legalidade, sendo a afirmação concordante do legislador ordinário nesse sentido mero corolário daquela norma constitucional (vide, a este respeito, o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária).

Não se encontra, porém, constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva, pelo que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respetivo espírito por via da interpretação extensiva[1].

Pressuposto para assim operar é, contudo, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit, in casu, que quando o legislador se refere no código 13 – “Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados”, onde consta o subcódigo 1320 – “Consultores” pretende abarcar dentro das atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares, não apenas os consultores que dão apoio às organizações quer de natureza pública ou privada, de uma forma externa, sendo pontualmente contratados por aquelas tendo em vista a apresentação de pareceres no âmbito de um assunto técnico da sua área de especialidade, mas, pelo contrário, que este código abarcaria, em sentido lato, quaisquer outras atividades profissionais de prestação de serviços, com algum tipo de componente intelectual, designadamente se desenvolvidas num contexto de “assessoria”.

Neste sentido, ficariam enquadrados no âmbito de aplicação do subcódigo 1320 – “Consultores”, não só os consultores no sentido supra referido, mas também os assessores, como sejam os ajudantes, os auxiliares, os adjuntos ou coadjuntos, que geralmente, prestam apoio, diário, regular e contínuo de âmbito interno, visando auxiliar no exercício de funções de um cargo superior dentro da estrutura organizacional para a qual foram contratados.

 

Prosseguindo.

Após a aprovação do Orçamento de Estado para 2014, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (doravante Lei do OE), que entrou em vigor a 1 de janeiro, ocorreu uma reestruturação dos coeficientes aplicáveis, passando de dois para cinco.

Assim, com a Lei do OE para 2014, os coeficientes aplicáveis aos rendimentos resultantes do exercício de atividades profissionais passaram a estar indexados ao exercício das atividades profissionais previstas na tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS, prevendo-se no n.º 2 do artigo 31.º desse mesmo Código, e na parte que aqui nos interessa, a aplicação do coeficiente de 0,75 aos “rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º” e o coeficiente de 0,10 aos “subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”.

Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redação da alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” (nosso sublinhado).

Relativamente às atividades constantes da Tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, constata-se a introdução do termo “especificamente” (nosso sublinhado). Ora, esta alteração merece destaque no sentido de balizar o enquadramento fiscal das atividades. Neste sentido, encontram-se abrangidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS os rendimentos auferidos no exercício por conta própria de atividades enquadradas na alínea b) do n.º 1 do artigo 3º do mesmo Código, independentemente da atividade estar classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas do Instituto Nacional de Estatísticas, ou de acordo com os códigos mencionados na Tabela de atividades aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto.[2]     

  Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS (nosso sublinhado). Este normativo não inclui o Código “1519 – Outros prestadores de serviços” e demais prestações de serviços de atividades profissionais não previstas na referida tabela, aplicando-se o coeficiente 0,35, conforme resulta do artigo 31.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS.

Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às atividades aí não especificamente previstas, visto que este coeficiente não evidencia uma atividade profissional de prestação de serviços específica.[3]

Percorrido o elenco da tabela do artigo 151.º do Código do IRS, não se vislumbra a referência específica à atividade profissional de assessoria de comunicação, no sentido em que é efetivamente exercido pela Requerente, e conforme resulta do probatório.

Contudo, e como vimos, é entendimento da AT que a atividade profissional da Requerente se subsume à atividade profissional de um “consultor” uma vez que, dá apoio técnico na área da sua especialidade, ou seja, “comunicação e suporte na articulação da atividade autárquica”, tratando-se apenas de uma questão de “terminologia”. Mas sem razão em nosso entender.

Repare-se, nos termos do contrato de avença celebrado com a CM..., a atividade profissional da Requerente compreende as seguintes tarefas e funções:

- Prestação de serviços de assessoria de comunicação, que incluem, nomeadamente, o apoio à atividade do Gabinete de Apoio ao Presidente;

- Implementação e suporte da necessária articulação da atividade autárquica desenvolvida, promovendo os estudos que se revelem necessários de promoção e implementação de políticas previamente definidas;

- Acompanhamento e concretização das políticas previamente definidas pelo Vereador, para os pelouros que lhe foram atribuídos;

- Funções de acompanhamento da execução das políticas definidas pelo Vereador junto dos serviços municipais de modo a implementá-las de acordo com o planeamento definido;

- Apresentação de reportes ao Vereador ou à adjunta de gabinete;

- Presença em eventos e reuniões, junto do Vereador;

- Atendimento presencial aos munícipes para esclarecimento de dúvidas;

- Preparação de respostas a cartas e e-mails, relativamente a questões relacionadas com os pelouros em que dá apoio;

 

Ora, a atividade profissional de um consultor, bem como os moldes em que este é chamado a atuar no âmbito de uma organização, não se reconduz ao cerne da atividade profissional efetivamente exercida pela Requerente, ao contrário do que defende a AT, ainda que a Requerente o faça no quadro de um determinado grau de formação e de especialização, que pode ser igualmente requerido aos “Consultores” enquadrados no subcódigo “1320 – Consultores”.

Ora, como bem refere a Requerente no seu PPA, o significado de consultoria resulta do latim (consultor, -oris, conselheiro), remetendo o Dicionário para “pessoa qualificada que junto de uma empresa, dá pareceres e trata de assuntos técnicos da sua especialidade.”

Por sua vez, a atividade profissional de um assessor compreende segundo o dicionário “que ou quem assiste”, “pessoa que tem como função profissional auxiliar um cargo superior nas suas funções, enquanto adjunto ou coadjutor”.   

 

E assim é.

A Requerente exerce funções de apoio, acompanhamento, auxílio, bem como de implementação de políticas, no âmbito da atividade autárquica, requerendo-se da sua parte um envolvimento diário, próximo, atuante e permanente.

O modus operandi pretendido é de coadjuvação na execução das políticas definidas pelo Vereador responsável ou pelo Presidente da CM..., e não apenas de aconselhamento estratégico ou de implementação de um determinado projeto com caráter pontual.

Note-se, que a prestação de serviços acordada com a Requerente vigora desde 2015, sendo por conseguinte, de caráter continuado, estável no que respeita às funções exercidas e objetivos que lhe incumbem assegurar junto da CM..., dando origem a pagamentos fixos, mensais e sucessivos, reunindo, em suma, um conjunto de elementos que afastam o contrato de avença em causa, de uma prestação de serviços de consultoria. 

Com efeito, o que releva para incluir um determinado profissional na tabela do artigo 151.º do Código do IRS é a atividade concreta e especificamente por ele exercida. A aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, em sede de categoria B com aplicação das regras do regime simplificado, efetua-se pela verificação do tipo de funções e de tarefas que são exercidas pelo sujeito passivo, e não por via da aproximação a categorias mais ou menos vagas e abrangentes.

Não se podendo negar que o trabalho de assessoria desenvolvido pela Requerente “no apoio à atividade autárquica do gabinete de apoio ao Presidente da CM...” possa ter pontos de contacto com a atividade de um consultor especializado em assuntos de comunicação junto de entidades públicas, como pretende a Requerida, tal circunstância não é suficiente para converter a Requerente num “Consultor”. Conforme se referiu, a distinção está clara, e não obstante a atividade de consultoria poder abarcar realidades muito diferentes, a aplicação dos coeficientes de tributação deve ser estabelecida de modo específico, sendo de concluir que as funções concreta e especificamente exercidas pela Requerente não são subsumíveis à categoria de um “Consultor”, mas antes de um assessor.

Neste mesmo sentido, acompanha-se a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 18/2019-T, que se pronuncia no sentido de “como a sua atividade não se encontra expressamente tipificada nas atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º, e sendo o código “1519 Outros prestadores de serviços” terá necessariamente de ser permitido ao sujeito passivo identificar esse código como seu”.     

Como tal, não se pode concluir pela aplicação do coeficiente de 0,75 ao caso dos autos, sendo ao invés de aplicar o coeficiente de 0,35, previsto para as atividades profissionais não especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. E sem que isso viole o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, porque já se demonstrou que não é curial proceder a uma interpretação extensiva da atividade profissional de “consultor” de modo a abarcar toda e qualquer prestação de serviços com algum tipo de componente intelectual, na medida em que as funções e tarefas exercidas pela Requerente, como assessora na CM... não se incluem concretamente naquele  conceito.

Nesta medida, e atentos os factos dados como provados, a interpretação das normas fiscais convocáveis para o efeito, e a interpretação veiculada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, sempre se deverá considerar a Requerente como desenvolvendo uma atividade de assessoria, enquadrando-se na categoria residual prevista no código “1519- Outros prestadores de serviços” da Tabela de atividades anexa, ficando, por conseguinte, sujeita ao coeficiente de tributação de 0,35, nos termos do artigo 151.º do Código do IRS,  e da alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.

Em face do exposto, não assiste razão à AT na correção efetuada ao rendimento obtido na categoria B, no valor de €31.983,55, concluindo-se pela procedência da pretensão dos Requerente.

 

VII- Dos juros indemnizatórios

 

Os Requerentes peticionaram ainda a condenação da Requerida em juros indemnizatórios, vencidos e vincendos até à data da devolução das quantias de imposto indevidamente liquidadas, por considerarem, no caso concreto, que ocorreu liquidação de IRS indevida, por erro imputável aos serviços.

Nos termos do artigo do n.º 1 do 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto e de direito que, não sejam da responsabilidade do contribuinte.  Assim, “o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte.”(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).

      Ora, atento supra exposto, não pode deixar de se considerar ter havido erro imputável aos serviços, na medida em que as liquidações oficiosas de IRS em causa foram consequência da errónea interpretação que a Requerida fez relativamente ao coeficiente previsto para as atividades profissionais não especificamente previstas na tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS.

      Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão dos Requerentes a serem ressarcidos através do pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das liquidações de imposto anuladas até à data da emissão da nota de crédito, nos termos do artigo 61.º, n.ºs 2 a 5, do CPPT.

 

VIII- Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações oficiosas de IRS, e, nesta sequência,
  2. Anular as liquidações oficiosas de IRS n.º 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., perfazendo um montante total de € 31.983,55;
  3. A restituição aos Requerentes do montante de €31.983,55, acrescido de juros indemnizatórios.

 

***

           

 

IX- Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em €31.983,55 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

X. Custas

 

Custas no montante de €1.836,00 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

Lisboa, 28 de março de 2022

 

 

 

A Árbitro

 

 

 

Filipa Barros

 

 

 



[1]Sobre o tema da interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186.

[2] Vide Circular n.º 2/2016, de 06-05-2016, da AT.

[3] Neste sentido, Acórdão do STA para uniformização de jurisprudência, de 12/09/2020, proc. n.º 092/19.9BALSB.