Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 617/2021-T
Data da decisão: 2022-02-25  IMI  
Valor do pedido: € 27.143,20
Tema: AIMI - A aplicabilidade do art. 38.º e 45.º do CIMI na avaliação de terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

Sumario

  1. Como decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, a fixação de ato em que consiste o indeferimento tácito, enquanto ato lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, é suscetível de impugnação judicial, nos termos dos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT e 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
  2. Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação, bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45.º do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

 

I - Relatório

A - Identificação Das Partes

Requerente: A… Sociedade Imobiliária S.A., com o número de identificação fiscal …, e com sede na Rua …, n.º …, …, … Lisboa, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 27-09-2021, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, e nessa data notificada a Autoridade Tributária.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, a Dra. Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 15-11-2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 06-12-2021, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 28-01-2022, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, e em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, foi concedido prazo para as partes dar resposta à exceção suscitada e para apresentação de alegações.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

B – PEDIDO 

1.               A ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis, (“AIMI”) n. 2017 ..., 2018 ..., 2019 ... e 2020 ..., referente aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 no montante global de € 27.143,20.

 C – CAUSA DE PEDIR

2.               A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:

3.               A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objeto social a promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários, bem como exploração de hotéis com restaurante.

4.               A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

 i. Liquidação n. 2017 ..., referente ao ano 2017, no montante total de € 126.279,83; ii. Liquidação n.º 2018 ..., referente ao ano 2018, no montante total de € 126.279,83; iii. Liquidação n.º 2019 ..., referente ao ano 2019, no montante total de € 107.266,74; iv. Liquidação n.º 2020 ..., referente ao ano 2020, no montante total de € 104.203,49.

5.               Alega, que em parte, as liquidações de AIMI tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de Adicional a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas cadernetas prediais urbanas anteriores às (re)avaliações efetuadas em 2020 e 2021.

6.               Defende, que recentemente, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, conforme resulta das notificações de (re)avaliação efetuadas em 2020 e 2021 e das respetivas cadernetas prediais urbanas atualizadas com os novos valores patrimoniais tributários resultantes destas (re)avaliações.

7.               Deste modo, nos anos 2017 a 2020, relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de AIMI superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da coleta de imposto referente a este ano.

8.               Relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente e que foram igualmente objeto da reavaliação acima mencionada (e com a consequente redução dos valores patrimoniais tributários), a AT não retificou as respetivas coletas de AIMI, mantendo‐se assim na ordem jurídica a existência de um montante de AIMI superior ao montante legal e efetivamente devido.

9.               Relativamente ao conjunto de terrenos para construção objeto dos atos tributários de liquidação de AIMI, consoante demonstrado pelas Tabelas expostas no Documento 7, afigura‐se claro que, se expurgarmos os coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da coleta de AIMI destas liquidações (coeficientes estes que conforme explanado infra não deveriam ter sido aplicados para efeitos de determinação destes valores), resultam diferentes valores patrimoniais tributários de montantes inferiores àqueles que foram efetivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto.

10.            Consequentemente, entende estar perante um erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito do qual resultou em ilegais liquidações (parciais) de AIMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável deste imposto que originou uma coleta ilegal de tributo.

D - DA RESPOSTA DA REQUERIDA

11.            A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

12.            No que respeita à avaliação dos terrenos para construção, a jurisprudência, tem entendido que, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização.

 

 

13.            Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão.

14.            Em face de tudo o exposto, por força do artigo 168, n.º 1, do CPA, as avaliações em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributários dos terrenos para construção, efetuadas há mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal.

15.            Termina a Requerida defendendo que deve a presente ação arbitral ser julgada improcedente, por não provada, mantendo-se na ordem jurídica o ato impugnado, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

E- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

16.            Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.

17.            A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objeto social a promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários, bem como exploração de hotéis com restaurante.

18.            A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

i. Liquidação n. 2017 ..., referente ao ano 2017, no montante total de € 126.279,83;

ii. Liquidação n.º 2018 ..., referente ao ano 2018, no montante total de € 126.279,83;

iii. Liquidação n.º 2019 ..., referente ao ano 2019, no montante total de € 107.266,74;

iv. Liquidação n.º 2020 ..., referente ao ano 2020, no montante total de € 104.203,49.

19.            A Requerente apresentou, em 06.05.2021, pedido de revisão oficiosa contra essas liquidações, não tendo a Requerente sido notificada de qualquer projeto de decisão da revisão oficiosa apresentada, e em 07.08.2021 formou-se a presunção de indeferimento tácito da revisão oficiosa apresentada.

 

F- FACTOS NÃO PROVADOS

20.            Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

G -  QUESTÕES DECIDENDAS

21.        Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentados, constituem questões centrais a dirimir:

                    i.     A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis, (“AIMI”) n. 2017 ..., 2018 ..., 2019 ... e 2020 ..., referente aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 no montante global de € 27.143,20.

                  ii.     Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

b.       Peticionada pela Requerida:

iii.       A exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

H.        DA EXCEÇÃO:

Da (in)competência material do Tribunal Arbitral

22.            A Requerida defende que a presente ação não é fundamentada em qualquer vício de atos de liquidação ou da decisão de indeferimento da revisão oficiosa, que aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento, o que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação da matéria tributável e não o ato de liquidação. Defende que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, e o tribunal arbitral é incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial, atos esses que são destacáveis e autonomamente impugnáveis e encontra-se consolidado na ordem jurídica.

23.            A Requerente, defendeu, em suma, pacífico o entendimento de que um ato de indeferimento expresso de um Pedido de Revisão Oficiosa – que se tenha pronunciado sobre a legalidade do tributo que o consubstancia – é um ato passível de apreciação pelo Tribunal Arbitral. Foi também já colocada (e reiteradamente esclarecida, em sentido afirmativo) a questão de saber em que medida o indeferimento tácito daquele pedido pode também ser apreciado no âmbito de um processo arbitral. E que decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT que estão abrangidos no âmbito da jurisdição do Tribunal Arbitral todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, desde que tenham por objeto os atos mencionados nos n. 1 e 2 do artigo 102.º do Código de  Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

24.            Assim, tratando-se de saber da (in)competência material do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido arbitral, enquadrável como uma exceção dilatória (artigo 89.º, n.º 4, alíneas a) e k), do CPTA, subsidiariamente aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT), que obstaria a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigos 89.º, n.º 2, do CPTA e 278.º, n.º 1, do CPC), de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 608.º, do CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, iniciaremos por dar resposta a esse pedido.

25.            A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em primeiro lugar, é limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

26.            Por isso, quer tanto a apreciação da legalidade das liquidações como a da legalidade de atos de fixação de valores patrimoniais inserem-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

27.            Como decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, a fixação de ato em que consiste o indeferimento tácito, enquanto ato lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, é suscetível de impugnação judicial, nos termos dos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT e 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.

28.            Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, cujo decurso faz presumir o indeferimento para efeitos de reação contenciosa.

29.            Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida, devendo igualmente admitir-se a possibilidade de o contribuinte poder “reagir contra o silêncio que sobre ele recair” . Estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, o meio processual adequado é a impugnação judicial.

30.            Tanto assim é que o legislador admite expressamente que o pedido de pronúncia arbitral seja apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º, do CPPT (artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), entre os quais a “formação da presunção de indeferimento tácito” (artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).

31.            Na realidade, entende-se, maioritariamente, que, perante uma situação de indeferimento expresso, há que distinguir dois tipos situações:

- os casos em que o indeferimento resultou de uma reapreciação da liquidação em causa, tendo a AT concluído, de novo, pela sua legalidade – nestes casos, por o objeto do litígio ser (continuar a ser) a legalidade da liquidação, o meio de reação judicial a utilizar seria o processo de impugnação.

- os casos em que o pedido de reclamação graciosa é indeferido por outras razões, nomeadamente por ser considerado intempestivo. Nestes casos, existe um novo ato administrativo, autónomo relativamente ao de liquidação (e não meramente confirmativo, ao invés do que sucede no tipo de casos anterior) – o meio de reação a utilizar seria, então, a ação administrativa, pois o objeto do processo seria este novo ato (e não, ao menos imediatamente, o de liquidação).

32.            No caso do silêncio da administração, a situação é diferente:

- na construção tradicional, a do indeferimento tácito, ficcionava-se um ato de indeferimento o qual, necessariamente, era o de indeferimento do pedido formulado pelo Requerente (cfr. p. ex., ac. do STA. proc. n.º 1171/04, de 2 de fevereiro de 2005). Considerando-se tacitamente indeferido o pedido de reclamação graciosa de uma liquidação, o meio de reação seria, pois, a impugnação judicial.

- no entendimento moderno, não existe mais a figura do indeferimento tácito: com MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a figura do indeferimento tácito foi, contudo, eliminada da nossa ordem jurídica com a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2014, do CPTA (…). Isto mesmo veio a ser clarificado, com a revisão de 2015, no novo art. 129º do CPA, do qual resulta hoje, com clareza, que, fora dos casos em que a lei preveja a formação de deferimentos tácitos, o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir os requerimentos que lhe sejam regularmente submetidos não dá lugar à formação de qualquer ato tácito, mas é tratado como a omissão pura e simples que efetivamente é, ou seja, como um mero facto. Neste sentido é hoje afirmado no art.º 129º do CPA que a falta de decisão administrativa dentro do prazo legal confere ao interessado a faculdade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados.

33.            Ora, a Requerente pretende a reapreciação da legalidade das liquidações em causa, por conseguinte o “meio de tutela jurisdicional adequado” é o processo de impugnação.

34.            No caso em apreço, a Requerente pede a anulação das liquidações de AIMI, matéria incluída na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

35.            Do que resulta a competência, em razão da matéria, do tribunal arbitral.

36.            Pelo exposto, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes, à face das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, quer para apreciar a legalidade das liquidações de AIMI quer dos atos de fixação de valores patrimoniais que lhes estão subjacentes.

37.            Improcede, assim, a exceção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

I - MATÉRIA DE DIREITO

38.            A questão decidenda, perante a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, consiste em determinar, para efeitos do regime de IMI, se na determinação do valor patrimonial tributário de um terreno para construção deverão ser tomados em consideração os coeficientes de afetação e de localização a que se refere o artigo 38.º do Código do IMI.

39.            A Requerente em suma alega que, as liquidações de AIMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de Adicional a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção,  valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto.

40.            A Requerida, contra-alega, o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação. Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação,

41.            Neste sentido, compete determinar se os coeficientes de qualidade, conforto, afetação e localização, previstos nos artigos 39º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redações da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), eram aplicáveis na determinação do VPT dos prédios classificados como “terrenos para construção”.

42.            Iniciaremos pela análise do quadro jurídico em sede de AIMI, para o que se impõe convocar as seguintes normas do Código do IMI, na redação à data dos factos e nos segmentos a que aqui importa atentar.

43.            Da análise do quadro legal aplicável, em concreto, as normas previstas nos artigos 39º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redações da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), para o que aqui interessa, estabelecem o seguinte:

Artigo 39.º

Valor base dos prédios edificados

1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.

(...)

Artigo 41.º

Coeficiente de afectação

O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro:

(...)

Artigo 42.º

Coeficiente de localização

(...)

3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º .

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12).

44.            Face ao regime legal gizado, dispõe o artigo 38.º do Código do IMI uma fórmula geral de avaliação dos prédios urbanos, em que são especificamente considerados, designadamente, os coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto.

45.            Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação, bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45.º do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

46.            Sobre a questão submetida a apreciação, existe abundante jurisprudência que se seguirá de perto. Temos presente, em particular, as decisões do STA, em concreto, os acórdãos uniformizadores de jurisprudência do Pleno do STA, de 3 de julho de 2019 proferido no processo n.º 016/10.9BELLE, e de 21 de setembro de 2016 proferido no processo n.º 01083/13, que subscrevemos.

47.            No mesmo sentido existem várias decisões do CAAD, relevamos as proferidas nos processos nº 41/2021-T; n.º 760/2020-T, n.º 487/2020-T, 485/2020-T, 483/2020-T, que acolhemos.

48.            A jurisprudência consolidada do STA aponta, no entanto, no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, que constitui a norma específica que regula essa matéria, pelo que não há lugar à consideração dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto a que se refere o artigo 38.º do CIMI.

49.            Assim, bastará considerar que o Pleno da Seção do Contencioso Tributário do STA, no proc. 016/10, de 03/07/2019 decidiu: na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto.

50.            A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo tem apontado nesse sentido, designadamente, que:

“Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38.º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as caraterísticas de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, mas não outras caraterísticas ou coeficientes”.

“O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador contido na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”.

 “Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto (Cl).” .

51.            Este entendimento encontra-se igualmente acolhida em outros acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos seguintes:

– de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»);

– de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 («II – Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»).

– de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;

– de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;

– 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»

– de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 («Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».

52.            Por conseguinte, não se encontra uma razão válida para dissentir do assim decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, o que leva a concluir que, também no caso concreto, a utilização analógica dos critérios estabelecidos para avaliação dos prédios urbanos edificados na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não previstos na norma específica do artigo 45.º, do Código do IMI, constitui erro na aplicação do direito, suscetível de alterar a base tributável e o cálculo do imposto.

53.            Afastada assim a aplicação dos coeficientes previstos no art. 38º do CIMI, merece, todavia, especial referência a questão da localização, pois a consideração desta característica dos prédios está prevista quer no art. 45º quer no 38º, do CIMI.

54.            Concordamos com a jurisprudência, que cremos ser pacífica, segundo a qual na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação autónoma do coeficiente de localização previsto no art. 38º do CIMI, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI. De outro modo, o fator localização relevaria, por duas vezes, na determinação do VPT dos terrenos para construção.

55.            É de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efetuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação

56.            Pelos motivos expostos, julga-se procedente o pedido de anulação da liquidação de AIMI, entende o Tribunal ser de proceder a pretensão da Requerente, concluindo pela ilegalidade do ato de liquidação, por enfermar de vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos de Direito.

 

I - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

57.            A Requerente pede, ainda, que a Requerida seja condenada a restituir-lhe o imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, fixados nos termos do artigo 43.º da LGT.

58.            Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

59.            Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).

60.            Deste modo, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT; artigo 61.º, n.ºs 2 a 5 do CPPT; artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do pagamento indevido do imposto e juros compensatórios (20-12-2016) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

J - DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:

a)     Julgar improcedente a exceção suscitada pela Requerida.

b)     Julgar procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis, (“AIMI”) n. 2017 ..., 2018 ..., 2019 ... e 2020 ..., referente aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 no montante global de € 27.143,20.

c)     Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados, à taxa legal em vigor, sobre a quantia indevidamente paga, desde a data do pagamento até efetivo e integral pagamento, tudo conforme o disposto n.ºs 2.º a 5.ºdo art.º 61.º do CPPT, à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT;

L. VALOR DO PROCESSO, CUSTAS

Fixa-se o valor do processo em € 27.143,20 (vinte e sete mil, cento e quarenta e três euros e vinte cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 1.530,00€ (mil quinhentos e trinta euros), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 12.º do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, n.º 1, al. a) do art.º 5.º do RCPT, n.º 1, al. a) do 97.º-A, do CPPT e 559.º do CPC).

 

Notifique-se.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2022.

A Árbitra

Rita Guerra Alves