Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 520/2021-T
Data da decisão: 2022-03-14  IRC  
Valor do pedido: € 191.885,84
Tema: IRC - Ativos intangíveis. Duração indefinida. Amortização
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Sumário:

I – Sendo peticionada a ilegalidade do ato de autoliquidação constante da declaração de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo é a este que incumbe o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito;

II – Estando em causa um conjunto de ativos de natureza heterogénea e que abrangem uma multiplicidade de marcas comerciais, que não foram objeto de desagregação, a demonstração da vida útil finita, para efeito de amortização, terá de ser efetuada em relação a cada um dos diversos ativos que estão em causa.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., com sede na Rua..., n.º..., ..., ..., pessoa coletiva n.º..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de autoliquidação de IRC n.º 2018 ... referente ao exercício de 2017, em que se apurou um lucro tributável no montante de € 1.412.378,948, e, bem assim, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzido, mantido pelo despacho de indeferimento de recurso hierárquico, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

 Na Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22 individual, para o exercício de 2017, a B..., Lda. (B...), que integrava o grupo de sociedades em que a Requerente é dominante, acresceu, no Quadro 07, Campo 719, referente a “Perdas por imparidade de ativos não correntes e depreciações e amortizações, não aceites como gastos”, o montante de € 1.061.296,13.

 

No entanto, no preenchimento da declaração, a Requerente limitou-se a seguir o erróneo entendimento adotado pela Autoridade Tributária em relatórios de ações de inspeção tributária que incidiram sobre a sua situação tributária, com referência a anteriores exercícios fiscais, que se centra na caracterização da marca C... como um ativo intangível sem vida útil definida.

 

A Requerente é a sociedade dominante de um grupo que opera no sector farmacêutico, que produz e comercializa produtos nesta área, detendo ainda várias marcas que operam no sector dos cuidados de saúde em geral, entre as quais se inclui a marca “C...”, sendo que os ativos que se incluem nessa marca assumem diversa natureza.

 

 A atividade da Requerente insere-se num sector de mercado muito competitivo, com uma grande quantidade e variedade de oferta, e que se caracteriza por um grande investimento ao nível da inovação tecnológica e do marketing e publicidade, para obter vantagens comerciais face aos concorrentes.

 

Assim, a “marca” tem um período de vida útil limitado aos próprios constrangimentos da inovação tecnológica e científica, bem como ao ciclo de renovação dos seus produtos, os quais, decorrido um determinado período de tempo, se encontrarão obsoletos.

 

Tanto que, tendo inicialmente a Requerente previsto uma vida útil dos ativos “C...” em 6 anos, prazo durante o qual o ativo geraria os respetivos influxos de caixa líquidos, veio a rever esse prazo, em 2013, para 10 anos, com base em critérios que permitem definir a vida útil de um ativo.

 

Tratando-se de um produto que se inclui num setor marcadamente atingido por uma necessidade de constante evolução, constitui um ativo intangível com duração finita e limitada e sujeito a deperecimento, na medida em que se encontra condicionado por diversos fatores que definem a vida útil de um ativo, nomeadamente a obsolescência técnica, tecnológica e comercial, estabilidade do setor em que o ativo opera, concorrência, nível de dispêndio de manutenção exigido para obter os benefícios económicos futuros esperados dos ativos e dependência dos métodos e know-how adquiridos.

Ao sustentar, no âmbito dos procedimentos inspetivos, que a aquisição da marca “C...” “consubstancia um ativo intangível sem vida útil definida”, a Autoridade Tributária incorre em vício de violação de lei.

 

A Requerente invoca ainda o vício de falta de fundamentação em relação às decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, no ponto em que aí se conclui que as correções não são de ordem contabilística, mas de natureza fiscal, o que está em contradição com as conclusões do relatório de inspeção, evidenciando uma fundamentação incongruente. A que acresce o facto de, nesses procedimentos, a Administração não ter tomado em consideração os novos elementos factuais e jurídicos apresentados pela Requerente em sede de exercício do direito de audiência prévia.

 

Imputa ainda a esses atos de segundo e terceiro grau o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, ao considerarem que a marca “C...” não poderia ter sido contabilizada como um ativo intangível com vida útil definida.

 

 A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a questão da incompetência do tribunal arbitral para a apreciação de vícios próprios das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, e, quanto à matéria de fundo, alega, em síntese, o seguinte.

 

A Requerente continua a defender que todos os ativos identificados como “Marca C...” têm uma vida útil finita de 10 anos e são amortizáveis no seu todo, entendimento com o qual não se pode concordar atentos os fundamentos explanados na decisão do recurso hierárquico, a que há ainda a acrescentar o seguinte.

 

As depreciações e amortizações que estão na origem do pedido arbitral respeitam a ativos intangíveis designados por ativos “C...”, adquiridos pela Requerente à D..., S.A., por €15.600.000,00, no âmbito de um acordo celebrado, em 23-12-2009 (“Asset Purchase Agreement”), que abrangiam as seguintes componentes: (a) Manufacturing technology and know-how” relativo à formulação dos produtos, métodos de produção e tecnologia utilizada; (b) Registrations” dos produtos e autorizações de comercialização; (c) Trademarks” compreendendo a marca “C...” e os registos actualizados; (d) Marketing and promotional documents”, incluindo a lista de clientes, os planos de marketing e promoção, manuais de formação da força de vendas e outros existentes à data da transação.

 

No entanto, tanto a Requerente como a sociedade B... procederam à contabilização dos ativos adquiridos à D..., como se tratasse de um único ativo, sem qualificar cada uma das componentes acima listadas, como ativos identificáveis, passíveis de gerar benefícios económicos de forma separada e sem que houvesse uma desagregação.

 

Por outro lado, os gastos com depreciações/amortizações da Marca “C...” não concorrem para a formação do lucro tributável fiscalmente, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC conjugado com o artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, pelo que, à luz desses dispositivos, importaria averiguar da utilização dos ativos intangíveis em causa por um período limitado de tempo ou da verificação de deperecimento efetivo devidamente comprovado. 

 

No domínio da depreciação e amortização dos ativos intangíveis, a Norma Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) n.º 6 indica que “um ativo intangível deve ser visto pela entidade como tendo uma vida útil indefinida quando, com base numa análise de todos os fatores relevantes, não houver limite previsível para o período durante o qual se espera que o ativo gere influxos de caixa líquidos para a entidade” (parágrafo 87). E, por outro lado, “a contabilização de um ativo intangível baseia-se na sua vida útil: um ativo intangível com uma vida útil finita é amortizado, e um ativo intangível com uma vida útil indefinida não o é (parágrafo 88).

 

É de concluir que o ativo intangível “C...” não cumpre um dos requisitos exigidos pela alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, que se prende com a definição de um período limitado de tempo para a sua utilização e também não tendo sido demonstrado que esteja sujeito a um deperecimento efetivo, os gastos contabilizados a título de amortizações da marca não são aceites fiscalmente como dedutíveis em face do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC.

 

A Autoridade Tributária transcreve ainda a fundamentação jurídica do acórdão proferido no Processo n.º 615/2020-T, em que se refere, além do mais, que, pretendendo a Requerente pôr em causa a legalidade da autoliquidação de IRC é a ela que incumbe o ónus da prova dos factos idóneos que demonstrem que a marca C... constitui um ativo intangível com duração finita e limitada e sujeito a amortizações que poderão ser reconhecidas como custo fiscalmente relevante, tendo o tribunal concluído, nesse caso, pela insuficiência dos elementos apresentados pela Requerente para esse efeito.

 

Concluiu no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, a Requerente, notificada para o efeito, pronunciou-se no sentido da improcedência da exceção de incompetência do tribunal.

 

Por despacho de 21 de janeiro de 2022, o tribunal, considerando não haver oposição das partes, admitiu o aproveitamento da prova produzida nos Processos n.º 670/2017-T e 543/2017-T, ao abrigo do disposto no artigo 421.º, n.º 1, do CPC, como foi requerido, e, juntas aos autos as gravações das inquirições, por despacho de 27 de janeiro seguinte, foi determinado o prosseguimento do processo para a apresentação de alegações escritas, por prazo sucessivo de dez dias, para que as partes pudessem pronunciar-se, designadamente, sobre a prova produzida nesses processos.

 

Em alegações, as partes procuraram fixar os factos que devem ser tidos como assentes e, no mais, mantiveram as suas anteriores posições.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 10 de novembro de 2021.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a exceção da incompetência do tribunal arbitral quanto aos vícios próprios imputáveis às decisões de indeferimento da reclamação graciosa e de recurso hierárquico, que será analisada adiante.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A Requerente era, no exercício de 2017, a sociedade dominante de um grupo de sociedades que opera no sector farmacêutico, produzindo e comercializando produtos nesta área e detendo várias marcas que operam no setor dos cuidados de saúde em geral;
  2. À data dos factos, a Requerente estava enquadrada no regime especial de tributação dos grupos de sociedades e integrava, entre outras, a sociedade B..., Lda. (“B...”);
  3. Em 23-12-2009, foi celebrado entre a Requerente e a D... S.A. o Assent Purchase Agreement, cuja cópia consta do documento n.º 4 junto com o pedido e aqui se dá como reproduzido;
  4. Através do referido contrato, a Requerente adquiriu à D... S.A., pelo valor de €15.600.000,00, a marca C..., integrando os seguintes ativos:
  • Manufacturing technology and know-how: compreendendo todo o know-how relativo à formulação dos produtos, controlo de qualidade, acondicionamento, fórmulas, registo de reclamações, avaliações, processos, tecnologia utilizada;
  • Registos: compreendendo os dossiers de registo dos produtos e autorizações de comercialização;
  • Marcas Comerciais: compreendendo a marca C..., mas também as marcas ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e os registos actualizados;
  • Marketing and promotional documents, compreendendo a lista de clientes, os planos de marketing e promoção, manuais de formação da força de vendas, existentes à data da transacção.
  1. No contrato, não foi feita qualquer referência à data limite ou restrição de utilização exclusiva da marca.
  2. Através do Assent Purchase Agreement, a D..., S.A. comprometeu-se a diligenciar no sentido de garantir, sem qualquer custo acrescido, a cedência de posição em todos os contratos de distribuição que havia celebrado, bem como os contratos de fornecimento ao Grupo E... e Grupo F... e ainda, no âmbito dos contratos de fornecimento e de fabrico celebrados com os Laboratórios G..., H... e I... .
  3. Em 18-09-2010, a B..., Lda., sociedade pertencente ao grupo da Requerente, adquiriu a esta a marca “C...” e os ativos acima referidos, através de um aumento de capital subscrito pela sócia A..., S.A., realizado mediante entrada em espécie, tendo sido atribuído a este ativo intangível o valor líquido de € 14.518.555,43.
  4. A Requerente notificou a autoridade da concorrência desta operação.
  5. Tanto a Requerente como, posteriormente, a B..., Lda. procederam à amortização do ativo intangível considerando, primeiro, que o ativo tinha uma vida útil de 6 anos e, posteriormente, com base numa vida útil de 10 anos.
  6. Ambas procederam à contabilização de tais ativos como um todo, ou seja, como se se tratasse de um único ativo sem qualificar cada uma das componentes como ativos identificáveis, passíveis de gerar benefícios económicos de forma separada e inscreveram-nos nos mapas de depreciações e amortizações sob designação “Marca/Direitos”.
  7. O período de vida útil do ativo foi determinando considerando os seguintes critérios:
  1. Ciclos de vida típicos dos ativos;
  2. Obsolescência técnica, tecnológica e comercial;
  3. Concorrência;
  4. Nível de dispêndio de manutenção exigido para obter os benefícios económicos futuros esperados dos ativos.
  1. As amortizações dos ativos C... foram calculadas com base no método das quotas constantes contabilizadas como gastos do exercício desde o período de tributação de 2010.
  2. Na ausência de investimento por parte da Requerente, pelo menos parte dos ativos adquiridos tornar-se-iam técnica, tecnológica e comercialmente obsoletos no período de vida estimado pela Requerente.
  3. A marca C... e os seus produtos incluem-se num setor marcadamente atingido por uma necessidade de constante evolução, no qual, quase diariamente são lançados novos produtos, com novas propriedades e com uma maior abrangência de utilização.
  4. Em 2014, foi publicado o Regulamento EU n.º 358-2014 da Comissão, de 9 de abril de 2014, que proibiu o uso de uma matéria prima denominada “Phenonip” a partir de 16 de outubro de 2014 e escoamento até 15 de julho de 2015, o que obrigou à reformulação dos produtos “...Corporal” e “... Gel de Banho”.
  5. Ainda em 2014, foram publicados dois novos Regulamentos (Regulamento EU n.ºs 1003/2014 e 2004/2014 da Comissão, de 18 de setembro) sobre as alterações aos anexos das substâncias permitidas nos cosméticos, suas concentrações e condições.
  6. No âmbito dos referidos regulamentos, passou a ser proibido o uso de “Propilparabeno” e “Butilparabeno”, entre outros, em produtos não enxaguados, concebidos para aplicação na zona coberta pelas fraldas em crianças de idade inferior a três anos o que levou à necessidade de reformulação do “C... creme muda de fraldas”.
  7. O mercado no qual se inserem os produtos associados à marca C... é bastante competitivo, existindo outros produtos e marcas no mercado com elevados níveis de promoção, o que conduz à necessidade constante de investir na tecnologia e imagem associada a cada um dos produtos.
  8. Os produtos associados à marca C... foram objeto de várias atualizações e modificações ao longo do tempo, quer por requisitos regulamentares, quer por força da própria concorrência, sendo que alguns foram descontinuados.
  9. A Requerente juntou ao processo pareceres sobre o tratamento contabilístico dos ativos C... subscritos pela J... e K..., que constituem os documentos n.ºs 8 e 9 juntos ao pedido.
  10. Por requerimento de 3-09-2021, a Requerente juntou ao processo um dossier com diversos anexos, identificado no pedido arbitral como Documento n.º 26, contendo documentação de suporte à aquisição dos ativos, um estudo de desvalorização dos ativos, FAQ 30 da Comissão de Normalização Contabilística, artigos de opinião e um relatório sobre a vida útil da marca C... . 
  11. Os Serviços de Inspeção Tributária nas ações de inspeção a empresas do grupo a que pertence a Requerente, corrigiram valores às rubricas de depreciações e amortizações do ativo intangível C..., nos exercícios de 2010 a 2013.
  12. Na Declaração periódica de rendimentos Modelo 22 individual, para o exercício de 2017, a B... acresceu, no Quadro 07, Campo 719, referente a “Perdas por imparidade de ativos não correntes e depreciações e amortizações, não aceites como gastos”, o montante de € 1.061.296,13, de que resultou o apuramento de lucro tributável de € 1.412.378,94.
  13. Em consequência, na Declaração periódica de rendimentos Modelo 22 do Grupo, a Requerente apurou um valor a reembolsar de € 62.370,70.
  14. A Declaração periódica de rendimentos originou o ato tributário de liquidação n.º 2018 ..., que constitui o ato tributário impugnado.
  1. O acréscimo no Quadro 07, Campo 719, no montante de € 1.061.296,13, foi efetuado na sequência de procedimentos de inspeção, relativos aos exercícios de 2010 a 2013, em que a Autoridade Tributária desconsiderou como custo para efeitos fiscais as amortizações declaradas com a aquisição da marca C... .
  2. Em 15-05-2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRC n.º 2018....
  3. Para efeito do exercício do direito de audição, em 26-10-2020, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa que constitui o documento n.º 29 junto ao pedido, que aqui se dá como reproduzido.
  4. Em 9-11-2020, a Requerente exerceu o direito de audição conforme o documento n.º 30 junto ao pedido, que aqui se dá como reproduzido. 
  5. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Diretor Finanças Adjunto de 17-12-2020 e notificado no dia 28 seguinte.
  6. A informação dos serviços em que se baseou o indeferimento da reclamação graciosa, na parte que releva, é do seguinte teor:

Análise e Parecer

Tendo em conta as alegações e os factos atrás descritos, cumpre dizer o seguinte:

1.Após análise da referida exposição, verifica-se que a Reclamante vem alegar falta de fundamentação da proposta de indeferimento da reclamação graciosa.

2.Atualmente é pacífico que a fundamentação deve dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo do ato por forma a permitir conhecer as razões de facto e de direito que determinaram e sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro, tal como está consagrado no art. 268.º n.º 3 da CRP, no art. 77.º da LCT e no art. 153.º do CPA.

3.A exigência do dever de fundamentação resulta de uma pluralidade de razões "que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o ato, até à garantia de transparência e da ponderação da atuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico jurisdicional do ato" (cfr. Diogo Lei Campos e outros in Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 2a edição, Vislis, pág. 326).

4.Ora, no presente caso, a posição de indeferimento da pretensão do sujeito passivo, consta da informação, na qual se encontra devidamente explicitado o que motivou a não aceitação como gasto fiscalmente dedutível das reintegrações e amortizações praticadas em relação ao ativo intangível constituído pela "Marca C...", bem como, o quadro legal que sustenta a posição assumida pela AT, não lhe assistindo razão quanto à alegada falta de fundamentação.

5.A Reclamante não consegue compreender o motivo peto qual a AT entendeu que os elementos apresentados no "Documento n.0 25", não permitem a demonstração do pretendido (cfr. ponto 69 do direito de audição).

6.Ora, a Reclamante adquiriu um conjunto de bens, através do contrato celebrado com a empresa D... e posteriormente transferidos para a empresa sua dominada — B..., na sequência de aumento de capital, na qual identificou como um todo, o ativo intangível Marca "C...", pela quantia de 15.600.000,00 €, reconhecendo que são ativos com vida útil distintos, tendo optado por amortizar a ume taxa média.

7.Conforme já referido em projeto de decisão, o documento contém, entre outros, diversos 'Relatórios", estando estes redigidos/impressos em folha simples, sem a identificação do(s) responsável(eis) pela sua elaboração, ou seja, a prova documental apresentada, não se encontra ide acordo com o disposto nos arts. 362.º e seguintes do Código Civil.

8. Porém, e analisado o conjunto da documentação apresentada, não nos foi possível aferir com fiabilidade, a identificação do(s) ativo(s) que pela sua natureza possuem um período de vida útil finita.

9. Por último, e quanto aos pareceres técnicos emitidos pelas entidades J..., Lda. e pela K..., SA., na qual a Reclamante menciona “que a Administração Fiscal se encontra obrigada a analisar”.

10. Ora, os documentos em questão foram objecto de análise pela AT, encontrando-se referenciados na informação, contudo realça-se que sempre será distinto para a AT aceitara sua informação e seguir aquele parecer/entendimento, na medida em que

11.E de acordo com o disposto do n.º 1 do art. 68.º-A da LCT, a "A Administração Tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias".

Face ao exposto,

12.E considerando os elementos apresentados, podemos concluir que a autoliquidação aqui contestada, encontra-se vertida de acordo com a legislação aplicável, não sendo suscetível de correção ao quadro 07, campo 719, da declaração de rendimentos Mod. 22, do exercício de 2017, da sua dominada B..., NIPC ....

III — Conclusão

Nestes termos, e atendendo a que a Reclamante não apresentou elementos suficiente e suscetíveis de alterar o sentido da decisão projetada, pelo que, propõe-se a sua convolação em definitiva, no sentido do seu indeferimento, não assistindo à Reclamante o direito a juros indemnizatórios, por não se verificarem, in casu, os pressupostos do n.º 1 do art. 43.º da LCT.

  1. Em 12-01-2021, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  2.  O recurso hierárquico foi indeferido por despacho da Subdiretora-Geral, de 13-05-2021, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, e notificado no dia 24 seguinte.
  3.  A informação dos serviços em que se baseou o indeferimento do recurso hierárquico, na parte que releva, é do seguinte teor:

 IV.3 Parecer

No seguimento dos elementos que integram os autos e dos fundamentos apresentados pela Recorrente " A..., SA" em sede de recurso hierárquico, cabe decidir.

  1. Invoca a Requerente que a Autoridade Tributária se limita a tecer considerações sobre a marca "C...", ignorando a totalidade das realidades transmitidas no mesmo contrato.
  2. Ora, conforme se pode concluir da leitura do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da decisão final, as divergências entre a Recorrente e a Administração Tributária tem por base o contrato de "Assent Purchase Agreement" 8 assinado entre a Recorrente e a empresa "D..., SA", e o valor total do mesmo de 16.200.000,00 €.
  3. Aliás, da leitura da fundamentação utilizada, pode-se depreender que a utilização da expressão - marca C...— visou apenas abreviar a forma de mencionar todas as realidades associadas à marca e transmitidas juntamente com ela como um todo.
  4. Aliás, é a própria Recorrente que nos Mapas de Amortização e Reintegrações designa o ativo intangível aqui em causa por "Marca/Direitos C...".
  5. De realçar ainda, que o próprio contrato refere apenas um valor global para todas as realidades transacionadas, sendo impossível de individualizar qualquer valor.

Quanto ao acréscimo das amortizações praticadas

36. No caso em concreto, a B... pretende a correção da sua declaração de IRC do período de 2017, no sentido de que seja fiscalmente dedutível as amortizações/depreciações praticadas sobre o ativo intangível "Marca C..." no valor de 1.061.296,13 €, valor que, embora discordando, acresceu no quadro 07 para efeitos de cálculo do seu lucro tributável.

  1. As referidas amortizações/depreciações referem-se ao seguinte grupo de ativos, adquiridos pela Recorrente, em 23.12.2009, pelo valor de € 15.600.000,00 e mais tarde transmitidos à B..., na sequência da subscrição de um aumento de capital em espécie:
  • "Manufacturing technology and know-how": compreendendo todo o know-how relativo à formulação dos produtos, controlo de qualidade, acondicionamento, fórmulas, registo de reclamações, avaliações, processos, tecnologia utilizada;
  • "Registrations": compreendendo os dossiers de registo dos produtos e autorizações de comercialização;
  • "Trademarks": compreendendo a marca "C...", mas também as marcas '%...", "... ", '...", "...", "...", "... ' , "... "...", "...", "..."... ", "... "... • "... "... " "... ", "..."... ", "...", ..." e os registos atualizados;
  • "Marketing and promotional documents": compreendendo a lista de clientes, os planos de marketing e promoção, manuais de formação da força de vendas, existentes à data da transação.
  • A cedência de posição contratual em todos os contratos de distribuição que a alienante dos ativos havia celebrado, incluindo contratos de fornecimento ao Grupo E... e Grupo F...;
  • A cedência de posição contratual da alienante dos ativos no âmbito dos contratos de fornecimento e de fabrico celebrados com os Laboratórios G..., H... e I... .
  1. Como se vê, o ativo em questão compreende realidades muito diversas como sejam, para além de várias marcas comerciais, propriamente ditas, técnicas e conhecimentos de manufatura e fabrico, registos dos produtos e autorizações de comercialização, lista de clientes, planos de marketing e promoção, manuais de formação da força de vendas, e cedências de várias posições contratuais em contratos de distribuição e fornecimento.
  2. Com efeito, a Recorrente mistura 21 marcas, igualizando-as para efeitos de vida útil, e não apurando qualquer distinção entre as mesmas, pelo que não se compreendendo, se, e porquê, deverão as mesmas ser objeto do mesmo tratamento ao nível dos pressupostos e condições da sua amortização para efeitos fiscais.
  3. Por outro lado, e um pouco em consequência da abordagem adotada, a argumentação da Recorrente relativamente ao cumprimento dos pressupostos da respetiva amortização fiscal pelas marcas comerciais em questão, reconduzem-se a circunstâncias genéricas, aplicáveis, por natureza, à generalidade das marcas comerciais.
  4. Ora, conforme é consabido, as marcas comerciais, não obstante os fatores indicados pela Recorrente, como sejam a necessidade de investimentos ao nível do mercado e da tecnologia, são, por princípio, ativos sem uma duração definida.
  5. Note-se que a circunstância de a marca comercial, enquanto ativo intangível, ter vida útil indefinida, não impede que este possa sofrer perdas de valor, mas o

tratamento contabilístico destas perdas não se enquadrará pela consideração de uma vida útil finita e pelo consequente registo de amortizações, mas pelo registo de perdas de imparidade em ativos intangíveis.

  1. No que se refere aos restantes elementos integrantes do ativo C..., acima descriminados, designadamente as técnicas e conhecimentos de manufatura e fabrico, os registos dos produtos e autorizações de comercialização, as listas de clientes, os planos de marketing e promoção, os manuais de formação da força de vendas, e as cedências de várias posições contratuais em contratos de distribuição e fornecimento, crê-se, que pelo menos alguns desses ativos terão, efetivamente e por natureza, um período de duração finito.
  2. Contudo, é impossível verificar se, e em que medida, os referidos fatores se aplicam a cada um dos diversos tipos de ativos que estão em causa.
  3. Sendo que, foi a própria Recorrente que apela de "Marca/Direitos  C..." todo o conjunto de ativos, optando por amortizar tudo a uma taxa média, primeiro considerando que o ativo tem uma vida útil de 6 anos, e posteriormente com base numa vida útil de 10 anos, sem que se descortine qualquer fundamento material e legal que valide tal opção.
  4. De referir que, decorre dos termos do próprio contrato que a t’Marca C..." foi adquirida com todos os direitos e restrições e, por todo o tempo de duração, pelo que não é possível determinar de forma fiável e comprovada o período de tempo pelo qual o produto comercializado sob a "Marca  C..." irá produzir benefícios económicos futuros.
  5. Dispõe o artigo 16do Decreto Regulamentar no 25/2009, de 14 de setembro, que:

l — Os activos intangíveis são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada.

2 — São amortizáveis os seguintes activos intangíveis:

  1. Despesas com projectos de desenvolvimento;
  2. Elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.

3 - Excepto em caso de deperecimento efectivo devidamente comprovado, reconhecido pela Direcção-Geral dos Impostos, não são amortizáveis:

  1. Trespasses;
  2. Elementos mencionados na alínea b) do número anterior quando não se verifiquem as condições aí referidas. "
  3. Assim, temos que para efeitos fiscais, e nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 16.º do DR 25/2009, são amortizáveis os elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.
  4. No caso concreto, o ativo intangível em causa não cumpre as condições aí referidas, uma vez que estamos perante um ativo intangível — Marca C... adquirida a título oneroso, mas cuja utilização exclusiva não foi reconhecida por um período limitado de tempo, pelo que, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, tal ativo apenas será amortizável em caso de deperecimento efetivo devidamente comprovado, reconhecido pela AT.
  5. Vem ainda, a Requerente invocar que, "ainda que se entenda que o ativo intangível sub judice não tem vigência temporal limitada, não deixava o mesmo de ser amortizado e relevado para efeitos fiscais, desde que se entenda que os ativos em questão estão sujeitos a deperecimento."

51.  Justifica a Requerente a existência deste deperecimento com a necessidade de realizar constantes e novos investimentos na manutenção ou melhoria dos recursos inerentes, devido aos constrangimentos da inovação tecnológica e científica, a fim de impedir que o ativo se torne obsoleto.

52. Ora, importa referir que os argumentos invocados pela Requerente, de necessidade de constantes investimentos a fim de que o ativo não perca valor, assentam em previsões e estudos que poderão facilmente alterar-se, face a variações no mercado em que a marca se insere, pelo que tal não garante que ao longo dos próximos anos exista um deperecimento efetivo daquele ativo.

  1. Aliás, a própria Recorrente reconhece que a "Marca C..." está no mercado nacional desde 1950, e naturalmente, desde essa data sujeita à necessidade de constantes investimentos, tendo em vista manter a posição no mercado,
  2. Pelo que, não estando, nos termos do n.º 3 do art. 16.º do DR 25/2009, comprovado esse deperecimento, as amortizações praticadas sobre o ativo em causa não poderão ser aceites fiscalmente nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC.
  3. Ainda, e em consonância com a legislação fiscal, o Sistema de Normalização contabilística refere na NCRF 6, parágrafo 87 que:

"Um activo intangível deve ser visto pela entidade como tendo uma vida útil indefinida quando, com base numa análise de todos os factores relevantes, não houver limite previsível para o período durante o qual se espera que o activo gere influxos de caixa líquidos para a entidade. "

  1. E no seu parágrafo 88 que:

"A contabilização de um activo intangível baseia-se na sua vida útil. Um activo intangível com uma vida útil finita é amortizado, e um activo intangível com uma vida útil indefinida não o é".

  1. Podemos, pois, com toda a clareza, concluir que a "Marca C...' trata-se de um Ativo Fixo Intangível cuja vida útil é indefinida, em face do que não é amortizável.

Continuando,

  1. Vem a Recorrente apresentar um dossier que elaborou no seguimento de uma recolha exaustiva de diversos elementos e estudos, com vista a demonstrar que os ativos em apreço têm uma vida útil finita, sendo o respetivo período de utilização estimado de 10 anos — Acervo documental que juntou aos autos como Doc. 6, constituído por uma PEN com 2046 folhas.
  2. Contudo, a abordagem adotada pela Recorrente continua a referir uma taxa média de amortização com base numa vida útil média de 10 anos, considerando que alguns dos ativos tem uma vida útil de 8 anos, outros de 5 a 10 anos, e ainda outros de 8 a 16 anos.
  3. Ou seja, apesar dos estudos (quer elaborados internamente pela equipa técnica e comercial, quer por outras entidades externas), a própria Recorrente continua a tratar o conjunto de ativos que compõem a "Marca C..." como um todo, reconhecendo que não é possível determinar um número exato de anos da vida útil de cada componente, motivo pelo qual os ativos não foram contabilizados de forma desagregada, dado não subsistirem per si, veja-se a este propósito os parágrafos 55º e 57º da petição.
  4. Ora, é consabido que, não obstante a necessidade de investimentos ao nível da tecnologia e de licenças de mercado, as marcas são, por princípio, ativos sem duração de vida definida.
  5. Aliás, a referida tendência para a duração indefinida das marcas não colide com a normal e natural, ao longo do tempo, descontinuação de (linhas) de produtos abrangidos pela mesma marca comercial, bem como o lançamento de novas (linhas) de produtos abrangidos por tal marca, em virtude de alterações regulamentares ou das condições do mercado, que não afetarão o uso e a intenção do uso por período indeterminado da marca, mas, antes, o período de uso de itens associados como técnicas e conhecimentos de manufatura e fabrico, os registos dos produtos e autorizações de comercialização, as listas de clientes, os planos de marketing e promoção, os manuais de formação da força de vendas, e as cedências de várias posições contratuais em contratos de distribuição e fornecimento
  6. De acrescentar, que a circunstância de a marca comercial, enquanto ativo intangível, ter vida útil indefinida, não impede que este possa sofrer perdas de valor.
  7. Em face de todo o exposto, o valor considerado como gasto não é aceite fiscalmente, pelo que se encontra corretamente acrescido no quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 da B..., devendo manter-se na ordem jurídica a autoliquidação do Grupo aqui contestada.
  8. Ainda, e por último, é de referir que os pareceres técnicos emitidos pela "J..., Lda" e pela "K..., SA", e juntos ao processo pela Recorrente, são exatamente isso "Pareceres Técnicos" emitidos por entidades independentes que, no presente caso, foram instrumentos auxiliares que vem confirmar a tomada de decisão da Recorrente quanto à contabilização do referido ativo intangível, mas, cujo teor a Administração Tributária não tem qualquer obrigação de se pronunciar.

IV - Proposta de Decisão

Tendo em conta o exposto nos pontos anteriores, será de indeferir o presente recurso.

 

  1. O pedido arbitral deu entrada em 31-08-2021.

 

Factos não provados

Não existem factos não provados que relevem para a decisão da causa.

O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária, com a sua resposta, e os depoimentos produzidos nos Processos n.º 543/2017 e 670/2017, por efeito do aproveitamento da prova nos termos do artigo 421.º, n.º 1, do CPC.

Matéria de direito

 

 Competência do tribunal arbitral e delimitação do objeto do processo

 

5. A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a questão da incompetência do tribunal arbitral para a apreciação de vícios próprios das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico.

 

No pedido arbitral, a Requerente dedica um capítulo à ilegalidade das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico (artigos 388.º e segs.), em que invoca o vício de falta de fundamentação e o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Importa referir, a este propósito, que o âmbito de competência dos tribunais arbitrais, na arbitragem tributária, é definido por referência à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte ou pagamento por conta ou à declaração de legalidade de atos de fixação da matéria tributável que não dê origem a liquidação (artigo 2.º, n.º 1, do RJAT).

 

Os procedimentos de impugnação administrativa que tenham sido precedentemente deduzidos, como seja a reclamação graciosa ou o recurso hierárquico, constituindo uma garantia procedimental do contribuinte, correspondem a procedimentos de segundo ou de terceiro grau, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder suscitar um litígio judicial. E nesse sentido, o efeito útil e relevante do indeferimento da impugnação administrativa traduz-se na manutenção na ordem jurídica do ato tributário de liquidação.

 

Tendo sido deduzido um pedido de constituição de tribunal arbitral para a apreciação da legalidade de um ato de autoliquidação, o objeto do processo é esse próprio ato tributário (neste sentido, o acórdão do STA de 18 de Maio de 2011, Processo n.º 0156/11, e, na doutrina, cfr. Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol II, Coimbra, 2017, pág. 434).

 

E, nestes termos, os vícios próprios da decisão de reclamação graciosa ou da decisão de recurso hierárquico, enquanto procedimentos de segundo e de terceiro grau, não são, em si, arbitráveis, na medida em que escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Sendo que tais decisões apenas são suscetíveis de serem anuladas como mera consequência da declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, que constitui o objeto imediato do pedido arbitral.

 

O tribunal arbitral é, por conseguinte, competente para conhecer do acto tributário de autoliquidação de IRC que é impugnado, e não tem de tomar conhecimento dos apontados vícios de falta de fundamentação e o vício de violação de lei que são imputados às decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, pelo que o tribunal apenas apreciará o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, que, da petição inicial considerada no seu conjunto, se depreende ser atribuível ao ato tributário de autoliquidação.

 

Questão de fundo

 

6. Na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 individual, para o exercício de 2017, a B... não deduziu o custo referente a depreciações e amortizações do ativo intangível Marca C..., por ter atendido às correções tributárias efetuadas no âmbito de procedimentos inspetivos que incidiram sobre os exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013.

 

A Administração Tributária fundou a sua posição, nesses procedimentos, na circunstância de o ativo em causa não se encontrar sujeito a deperecimento nem condicionado por uma vigência temporal limitada. Partindo dessa qualificação, a Administração concluiu que não há lugar à amortização do custo para efeitos fiscais, dando aplicação ao disposto no artigo 34.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC e no artigo 16.º, n.º 1, do Regime das Depreciações e Amortizações para efeito do IRC, bem como à Norma Contabilística do Relato Financeiro (NCRF) 6.

 

A Requerente contesta este entendimento, por considerar, em suma, que os ativos em questão - e não apenas o ativo marca “C...” - perdem valor e têm uma vida útil finita, a qual foi determinada pela Requerente com base numa estimativa que tomou em atenção o critério concorrencial, tecnológico, ciclo de vida dos produtos e investimento significativo para manutenção do valor dos ativos, concluindo tratar-se de ativos sujeitos a deperecimento e suscetíveis de amortização.

 

Esta mesma questão já tinha sido colocada pela Requerente, nos mesmos precisos termos e com base na mesma prova documental e testemunhal, no Processo n.º 615/2020-T e não há motivo para alterar o julgado na decisão proferida nesse Processo.

 

À data da aquisição dos ativos, dispunha o artigo 34.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, sob a epígrafe “Depreciações e amortizações não dedutíveis para efeitos fiscais”, que “não são aceites como gastos: a) as depreciações e amortizações de elementos do ativo não sujeitos a deperecimento”.

 

O desenvolvimento do regime de depreciações e amortizações foi remetido para o Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, havendo a considerar, em especial, o disposto no artigo 16.º desse diploma, que, na parte que releva, tem a seguinte redação:

 

Artigo 16.º

Ativos intangíveis

 

1 - Os ativos intangíveis são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada.

2 - São amortizáveis os seguintes ativos intangíveis:

a) (…)

b) Elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.

3 - Exceto em caso de deperecimento efetivo devidamente comprovado, reconhecido pela Direcção-Geral dos Impostos, não são amortizáveis:

  1. (…)
  2. Elementos mencionados na alínea b) do número anterior quando não se verifiquem as condições aí referidas.

 

A reforma do Código do IRC, aprovada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos a partir de 1 de janeiro, alterou entretanto o artigo 29.º desse diploma, que passou a dispor que “são aceites com gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais: a) os ativos fixos tangíveis, os ativos intangíveis; b) os ativos biológicos que não sejam consumíveis e as propriedades de investimento contabilizados ao custo de aquisição”. (n.º 1). Ainda segundo o n.º 2, “consideram-se sujeitos a deperecimento os ativos que, com caráter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo”.

 

A reforma do Código do IRC aditou ainda o artigo 45.º-A, epigrafado como “Ativos intangíveis, propriedades de investimento e ativos biológicos não consumíveis”, que, no que mais interessa, tem a seguinte redação:

 

1 - É aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial, o custo de aquisição dos seguintes ativos intangíveis quando reconhecidos autonomamente, nos termos da normalização contabilística, nas contas individuais do sujeito passivo: 

a) Elementos da propriedade industrial tais como marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e que não tenham vigência temporal limitada;  

(…)

 

Por efeito desta nova disposição, o legislador passou a considerar que os ativos intangíveis adquiridos são depreciáveis quando não tenham uma vigência temporal limitada, caso em que a amortização será efetuada por um período de 20 anos, distinguindo-se dos ativos com vigência temporal limitada em que a amortização será efetuada de acordo com a respetiva vigência temporal.

 

No Relatório da Comissão de Reforma do Código do IRC, esta opção legislativa é explicada nos seguintes termos:

 

“(…) no caso dos subsídios que respeitem a ativos intangíveis sem vida útil definida, visto que estes não são amortizáveis, a Comissão de Reforma propõe a atribuição de efeitos fiscais à despesa realizada, como se de uma amortização se tratasse, optando, no entanto, por um período objetivo de 20 anos, para imputação dos gastos resultantes da utilização deste tipo de ativos. (…) O regime cuja introdução ora se propõe pretende conferir um tratamento fiscal competitivo e ambicioso aos ativos intangíveis sem período de vida útil definido. (…) Assim, e muito embora se tratem de ativos que – justamente por não terem o seu período de vida útil definido –, não estão sujeitos a depreciação, a Comissão considerou vantajoso que a lei fiscal reconheça a possibilidade de o seu custo de aquisição ser dedutível, em partes iguais, ao longo de vinte períodos de tributação.”

 

Os ativos intangíveis passam assim a ser amortizáveis, também do ponto de vista fiscal, mesmo os que têm uma vida útil indefinida.

 

No entanto, sendo o novo regime aplicável aos ativos intangíveis adquiridos após 1 de janeiro de 2014, a questão em presença terá de ser analisada à luz do disposto no artigo 34.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC e do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, tendo em atenção que, na situação do caso, a aquisição ocorreu em 2009 (alínea C) da matéria de facto).

 

E, face aos termos em que a questão vem suscitada no processo, o que cabe averiguar é se se encontra provado que os ativos C... têm uma vida útil definida, a que a Requerente atribuiu inicialmente um limite de seis anos, que foi mais tarde revisto para dez anos.

 

Interessa começar por precisar, tal como se assinalou no acórdão proferido no Processo n.º 615/2020-T, que se pronunciou sobre idêntica questão mas com referência ao exercício de 2016, que não estão em causa, no presente caso, correções do lucro tributável operadas em sede de inspeção tributária, mas antes a apreciação da legalidade do ato de autoliquidação praticado pela Requerente, que foi objeto de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, o que tem consequências no plano do ónus da prova.

 

Com efeito, tendo em conta o critério que resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo qual o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária e dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, cabe distinguir entre a situação em que está em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação oficiosa, praticado pela Autoridade Tributária, corrigindo liquidação anterior baseada na declaração do contribuinte, e aquela outra em que é a Requerente que se apresenta em juízo a peticionar a ilegalidade da liquidação operada com base na sua própria declaração.

 

Enquanto no primeiro caso, é à Administração que incumbe o ónus da prova dos pressupostos legais da correção que operou, no segundo caso, é ao contribuinte que assiste o ónus da prova da ilegalidade do ato cuja anulação pretende.

 

Face à pretensão deduzida pela Requerente, coloca-se, por conseguinte, a questão de saber se se demonstram factos idóneos no sentido de concluir que a marca C... e os ativos a ela associados deverão ser considerados um ativo intangível com duração finita e limitada e, portanto, sujeitos a amortizações que poderão ser reconhecidas como custo fiscalmente relevante, e ainda se os prazos de amortização deverão ser os indicados pela Requerente.

 

O citado acórdão tirado no Processo n.º 615/2020 considerou que a Requerente não demonstrou, com fiabilidade, qual a vida útil de cada um dos ativos intangíveis adquiridos, partindo, para assim concluir, das seguintes ordens de considerações.

 

A Requerente igualiza as 21 marcas que compõem os ativos, não se apurando qualquer distinção entre as mesmas e não se compreendendo por que razão deverão ser objeto do mesmo tratamento ao nível dos pressupostos e condições da sua amortização fiscal.

  

Por outro lado, a argumentação da Requerente reconduz-se a circunstâncias genéricas, aplicáveis ao conjunto das marcas comerciais.

 

  As marcas comerciais, não obstante os fatores indicados pela Requerente, como sejam a necessidade de investimentos ao nível do mercado e da tecnologia, são, em princípio, ativos sem uma duração definida, o que não impede que estes possam sofrer perdas de valor, no entanto, o tratamento contabilístico destas perdas não se enquadra pela consideração de uma vida útil finita e pelo consequente registo de amortizações, mas pelo registo de perdas de imparidade (parágrafo 107 da NCRF6).

 

Relativamente aos restantes elementos integrantes do ativo C..., designadamente as técnicas e conhecimentos de manufatura e fabrico, os registos dos produtos e autorizações de comercialização, as listas de clientes, os planos de marketing e promoção, os manuais de formação da força de vendas, e as cedências de posições contratuais em contratos de distribuição e fornecimento, é de admitir que, pelo menos, alguns desses ativos terão por natureza um período de duração finito.

Assim, as técnicas e conhecimentos de manufatura e fabrico, os registos dos produtos e autorizações de comercialização, os planos de marketing e promoção e os manuais de formação da força de vendas, e os contratos de distribuição e fornecimento não serão, em princípio, utilizáveis indefinidamente, sobretudo tendo em conta que a maior parte dos produtos que estão em causa se destinam a uma faixa de mercado transitória.

 

Todavia, estamos perante ativos de natureza heterogénea, relativamente aos quais não foram coligidos elementos suficientes que permitam concluir que, para todos e cada um deles, é adequado o prazo de amortização que a Requerente ora pretende fazer valer.

           

Tal como no Processo n.º 615/2020-T, em que o pedido arbitral foi julgado improcedente, também no presente processo, a Requerente pretende que todos os elementos que serviram de base à determinação do período de vida útil de 10 anos do conjunto dos ativos se encontram evidenciados no dossier que constitui o documento n.º 26 junto ao pedido arbitral, que entende fazerem prova inequívoca de que todos os ativos se encontram sujeitos a deperecimento e são suscetíveis de serem amortizados.

 

O dossier integra diversos estudos sobre os critérios para a determinação da vida útil dos ativos que se encontram sintetizados em termos conclusivos no relatório “Ativos C...”, que constitui o anexo 11 do documento n.º 26, e cujos considerandos se encontram amplamente reproduzidos nas alegações escritas da Requerente.

 

Para além de considerações gerais sobre as normas contabilísticas aplicáveis e o quadro legal vigente e os conceitos de vida útil e de deperecimento, o documento aborda os diversos fatores que relevam para uma estimativa da vida útil remanescente de uma marca e acaba por concluir que o acervo de ativos adquiridos pela Requerente, e depois transferidos para a B..., tem uma vida finita e determinável na medida em que se encontra condicionado pela correlação entre o sucesso comercial das vendas e o nível de investimento em marketing e pelas limitações temporais que influenciam os registos e autorizações de comercialização e o know-how e tecnologia utilizada no fabrico dos produtos.

 

Não parece, em todo o caso, que os elementos fornecidos através dos estudos e relatórios que constam do documento n.º 26, assentes em considerações de natureza conceptual e meros juízos de valor quanto ao carácter finito da vida útil dos ativos possam pôr em causa a validade do entendimento expresso no acórdão proferido no Processo n.º 615/2020-T.

 

Importa ter presente que a Requerente optou, à data da transação, por registar a aquisição como um único ativo ou um conjunto de ativos, não obstante assumirem diferente natureza e compreenderem diversas marcas comerciais, o que poderá justificar-se no plano da gestão empresarial pelo grau de interdependência entre os diferentes ativos adquiridos. Por outro lado, como se depreende do anexo 3 do documento n.º 26, a Requerente, e posteriormente a B..., efetuou as amortizações através do método de quotas constantes a uma taxa média.     

 

Não tendo havido lugar a uma desagregação de ativos, de modo que estes pudessem ser qualificados como ativos identificáveis e passíveis de gerar benefícios económicos de forma separada, não é possível verificar se todos os fatores que foram considerados pelo sujeito passivo para efeito de estimar a vida útil se aplicam a cada um dos diversos ativos que estão em causa, tendo em conta que se trata de ativos de natureza heterogénea e que abrangem uma multiplicidade de marcas comerciais.

 

Não se encontrando cabalmente demonstrada a vida útil finita do conjunto de ativos a considerar para efeito de amortização, e sendo certo, como já se assinalou, que é ao contribuinte que incumbe o ónus da prova da ilegalidade do ato de liquidação que assenta na sua própria declaração, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente.

 

 

   Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

7. Sendo de julgar improcedente o pedido principal de declaração de ilegalidade do ato tributário de e das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, fica necessariamente prejudicado o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

III – Decisão

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral e manter o ato tributário de autoliquidação de IRC n.º 2018..., e, bem assim, as decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico contra eles deduzido.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 191.885,84, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 14 de março de 2022,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

 

Henrique Fiúza

 

O Árbitro vogal

 

                                              

José Campos Amorim