Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 458/2021-T
Data da decisão: 2022-03-22  IRS  
Valor do pedido: € 71.643,12
Tema: IRS – Exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias ao abrigo do artigo 10.º, n.º 5, do CIRS. Afetação do imóvel adquirido em concretização do reinvestimento à habitação própria e permanente do sujeito passivo – artigo 10.º, n.º 6, al. a), do CIRS. Anulação parcial do ato de liquidação com fundamento na desconsideração do regime de reinvestimento parcial – artigo 10.º, n.ºs 5 e 7, do CIRS.
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SUMÁRIO:

  1. O artigo 10.º, n.º 5, do CIRS prevê uma exclusão de tributação dos ganhos provenientes da alienação de imóvel destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo (ou do seu agregado familiar) que sejam reinvestidos na aquisição de um outro imóvel destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo (ou do seu agregado familiar), sendo a sua razão de ser a proteção e favorecimento fiscal da aquisição de habitação própria e permanente.
  2. Para que opere esta exclusão de tributação, a al. a) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS (na redação em vigor à data dos factos) exige que o sujeito passivo afete o imóvel adquirido em concretização do investimento à sua habitação (ou do seu agregado familiar) nos 6 meses seguintes ao termo do prazo de 36 meses de que o sujeito passivo dispõe para efetuar o reinvestimento.
  3. Para beneficiar do regime de investimento estatuído no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, o sujeito passivo pode alegar e provar que tem habitação própria e permanente em local distinto do seu domicílio fiscal (nomeadamente, no imóvel adquirido em concretização do investimento).
  4. A não comunicação da alteração do domicílio fiscal à AT no prazo de 6 meses referido supra não impede o preenchimento da condição estatuída na al. a) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS, ou seja, não constitui fundamento para recusar ao sujeito passivo a exclusão de tributação prevista no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS.
  5. No casos em que a ilegalidade do ato de liquidação afete o mesmo apenas em parte, é justificada e adequada a respetiva anulação parcial, à luz do princípio da economia processual e de meios, não obstante a necessidade de um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte do ato de liquidação que permanece na ordem jurídica com os termos da decisão anulatória (cfr. Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo a 30.1.2019, no processo n.º 436/18.0BALSB).

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (árbitra-presidente), Doutora Maria Antónia Torres e Professor Doutor Francisco Nicolau Domingos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 1.10.2021, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

  1. A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º ..., ...-... Azeitão (doravante designada por “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (doravante “PPA”) em 26.7.2021.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou "Requerida").
  3. A Requerente pretende a apreciação da legalidade do ato de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021..., por Ofício de 27.4.2021 (interposto do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019...), e do ato tributário a ele subjacente, nomeadamente, a liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2018..., de 30.10.2018, referente ao ano de 2014, no montante total de €71.643,12 (doravante “Liquidação Contestada”), pedindo a anulação dos mesmos.
  4. A Requerente pede, ainda, a condenação da Requerida (i) na restituição do imposto que considera pago indevidamente, (ii) no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT, e (iii) no pagamento das custas decorrentes do presente processo arbitral.
  5. A Requerente fundamenta o PPA, em síntese, nos seguintes termos:
  1. O PPA tem como objeto mediato a análise da Liquidação Contestada, e como objeto imediato a apreciação da legalidade do ato de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021..., por Ofício de 27.4.2021 (interposto do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019...), que manteve na ordem jurídica a Liquidação Contestada (cfr. artigos 1.º e 42.º do PPA);
  2. A Liquidação Contestada resultou da desconsideração, por parte da AT, da aplicação ao caso da Requerente do regime previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS (“CIRS”) (cfr. artigo 2.º do PPA);
  3. Em 23.1.2006, a Requerente adquiriu uma fração autónoma destinada a habitação própria, sita na Rua ..., nºs ... a ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., pelo valor de € 280.000,00, tendo, para tal, celebrado junto do B..., S.A., um contrato de mútuo com hipoteca, no valor de €280.000,00, e incorrido em despesas e encargos no valor total de €16.770,28 (cfr. artigos 7.º, 8.º e 9.º do PPA);
  4. Este imóvel foi afeto à habitação própria e permanente da Requerente e considerado como o seu domicílio fiscal e centro de vida pessoal e familiar (cfr. artigo 10.º do PPA);
  5. Em 17.11.2014, a Requerente alienou este imóvel pelo valor de €600.000,00 (doravante designado por “Imóvel Alienado”), tendo suportado despesas e encargos no valor total de €262.681,99 (cfr. artigos 11.º e 12.º do PPA);
  6. Decorridos oito dias, a Requerente reinvestiu os ganhos realizados com a venda deste imóvel na aquisição de um novo imóvel para efeitos de habitação própria e permanente (uma fração autónoma, sita na Rua..., n.º..., freguesia ..., concelho de Lisboa, inscrita na matriz predial sob o artigo..., doravante designada por “Imóvel Adquirido”), pelo valor de €250.000,00, tendo liquidado IMT no valor de €8.142,82 e Imposto do Selo no valor de €2.000,00 (cfr. artigos 13.º e 16.º do PPA);
  7. Na sequência desta aquisição, a Requerente passou a residir e a organizar a sua vida pessoal e familiar no Imóvel Adquirido, tendo para tal celebrado contratos de água, luz, gás, televisão e internet, entre outros (cfr. artigos 14.º a 16.º do PPA);
  8. Sucede que, por lapso, a Requerente não atualizou o seu domicílio fiscal, que assim permaneceu afeto ao Imóvel Alienado (cfr. artigo 18.º do PPA);
  9. Em 2015, a Requerente apresentou a declaração de IRS referente ao ano de 2014, na qual declarou a venda do Imóvel Alienado, bem como o reinvestimento de €260.469,82 na aquisição do Imóvel Adquirido, tendo apurado o montante de IRS a pagar de €14.396,33 (cfr. artigo 19.º do PPA);
  10. Em 20.2.2016, a AT considerou que existiam divergências no que respeita às mais-valias imobiliárias apuradas pela Requerente, pelo que procedeu à emissão da liquidação de IRS n.º 2016..., na qual apurou imposto a pagar no montante de €35.949,96, decorrente da desconsideração do reinvestimento feito pela Requerente (cfr. artigo 20.º do PPA);
  11. A Requerente apresentou reclamação graciosa desta liquidação, a qual correu termos sob o processo n.º ...2016..., e foi indeferida pela AT a 15.6.2016, indeferimento este que deu origem a uma impugnação judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa (cfr. artigos 22.º a 24.º do PPA);
  12. Tendo decorrido o prazo legal de 36 meses para o reinvestimento, a AT procedeu à emissão da Liquidação Contestada, desconsiderando a aplicação do regime de exclusão de tributação previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, por a Requerente não ter inscrito o seu domicílio fiscal no Imóvel Adquirido dentro do prazo legal e, consequentemente, por não se encontrar verificado o requisito constante da alínea a) do n.º 6 do mesmo artigo 10.º (cfr. artigos 2.º, 3.º, 25.º, 28.º, 29.º e 50.º do PPA);
  13. Desta liquidação a Requerente apresentou reclamação graciosa, de cujo indeferimento interpôs recurso hierárquico, cujo indeferimento deu origem ao presente PPA (cfr. artigo 27.º do PPA);
  14. A desconsideração, por parte da AT, da prova apresentada pela Requerente de que o Imóvel Adquirido em concretização do reinvestimento passou, dentro do prazo legal, a ser por si utilizado como habitação própria e permanente é fundada na presunção constante do artigo 19.º da LGT (de que o domicílio fiscal comunicado coincide com o local de residência habitual) e na alegação de que os atuais n.ºs 12 e 13 do artigo 13.º do CIRS apenas foram introduzidos pela Lei n.º 82.º-E/2014 (com entrada em vigor a 1 de Dezembro de 2015) (cfr. artigos 30.º a 35.º, 53.º, 61.º e 62.º do PPA);
  15. A lei prevê uma exclusão de tributação nos casos de reinvestimento de mais-valias geradas com a alienação da habitação própria e permanente, que pressupõe que o imóvel adquirido com o produto dessa alienação (o imóvel adquirido com o reinvestimento da mais-valia) seja afeto à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar num certo prazo (cfr. artigo 48.º do PPA);
  16. O artigo 10.º, n.º 6, do Código do IRS não exige que o sujeito passivo proceda à alteração do seu domicílio fiscal num certo prazo, mas que afete o imóvel em que se concretizou o reinvestimento à sua habitação, ou à habitação do seu agregado familiar (cfr. artigos 57.º, 67.º a 69.º, do PPA);
  17. A presunção contida no artigo 19.º da LGT, a que a AT lança mão para desconsiderar a exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, é uma presunção ilidível nos termos do artigo 73.º da LGT (cfr. artigos 64.º do PPA), e já o era antes da introdução dos atuais nºs 12 e 13 do artigo 13.º do CIRS (cfr. artigos 64.º e 66.º do PPA);
  18. Tendo a Requerente dado integral e pleno cumprimento a todos os requisitos de que depende a aplicação do regime de reinvestimento estatuído no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, a Liquidação Contestada e os atos de indeferimento do recurso hierárquico e da reclamação graciosa que sobre ela versam são ilegais, devendo os mesmos ser anulados com todas as consequências legais, nomeadamente, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios e das custas arbitrais  (cfr. artigos 92.º e 94.º do PPA).
  1. A Requerente juntou 33 documentos ao PPA e arrolou cinco testemunhas.
  2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite, em 28.7.2021, pelo Senhor Presidente do CAAD, e subsequentemente notificado à Requerida.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 6.º e da al. b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD nomeou os signatários como árbitros do presente Tribunal Arbitral coletivo no dia 2.8.2021, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. As partes foram devidamente notificadas dessa nomeação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, al. a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  5. Em conformidade com o preceituado na al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o presente Tribunal Arbitral foi constituído em 1.10.2021, tendo sido a Requerida notificada para apresentar a sua Resposta, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT.
  6. A Requerida apresentou a sua Resposta em 10.11.2021, defendendo, por impugnação, a improcedência do presente PPA, com as devidas e legais consequências.
  7. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:
  1. Os atos objeto do PPA devem manter-se na ordem jurídica, por consubstanciarem uma correta aplicação do direito aos factos;
  2. Quanto à matéria de facto com interesse para a boa decisão da causa, deverá constar como assente no probatório o seguinte:

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  1. A matéria de facto controvertida deverá consistir no seguinte:

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  1. Quanto à matéria de direito controvertida, a Requerida mantém o entendimento expresso no contencioso administrativo, incluindo no ato de indeferimento do recurso hierárquico (cfr. documento 1 junto ao PPA), no qual se pode ler:

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  1. A Requerida procedeu à junção aos autos do processo administrativo, não tendo requerido a produção de prova adicional.
  2. Por Despacho de 7.12.2021, o Tribunal Arbitral marcou a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT para dia 21.1.2022, e convidou as partes a apresentarem alegações orais na mesma reunião.
  3. No dia 21.1.2022, pelas 14:30 horas, teve lugar esta reunião e procedeu-se à inquirição de três das cinco testemunhas arroladas pela Requerente (melhor identificadas na ata da diligência), tendo o Tribunal dispensado a inquirição de duas testemunhas a pedido da Requerente, ao qual a Requerida não se opôs.
  4. Após a inquirição das testemunhas, a Requerida requereu a produção de alegações escritas, tendo o presente Tribunal deferido este pedido e notificado as partes para apresentarem as mesmas no prazo de 10 dias, bem como informado as partes do dia previsível para a prolação da decisão arbitral e advertido a Requerente de que deveria pagar a taxa arbitral subsequente até essa data.
  5. Em 2.2.2022, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, nas quais manteve a sua anterior posição.
  6. No mesmo dia, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, nas quais manteve a sua anterior posição e acrescentou o seguinte:

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II. SANEADOR

  1. A apresentação do PPA foi tempestiva (cfr. artigo 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT).
  2. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).  
  4. O processo não enferma de nulidades e não foi invocada pelas partes qualquer exceção que obste ao conhecimento do mérito do PPA.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

§1 – Factos provados

  1. Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A 23.1.2006, a Requerente adquiriu um imóvel sito na Rua ..., n.º ... a .., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., pelo valor de €280.000,00, tendo, para tal, celebrado junto do B..., S.A., um contrato de mútuo com hipoteca, no valor de €280.000,00 (cfr. documentos 3 a 6 junto ao PPA);
  2. Este imóvel foi afeto à habitação própria e permanente da Requerente e considerado como o seu domicílio fiscal e centro de vida pessoal e familiar (cfr. alegado pela Requerente no artigo 10.º do PPA e não contestado pela Requerida);
  3. Em 17.11.2014, a Requerente alienou este imóvel pelo valor de €600.000,00 (cfr. documento 8 junto ao PPA);
  4. No mesmo dia, a Requerente amortizou o empréstimo obtido para a aquisição deste imóvel, sendo o capital em dívida nessa data de €246.407,31 (cfr. documento 13 junto ao PPA);
  5. Em 25.11.2014, a Requerente reinvestiu (parcialmente) os ganhos provenientes da transmissão do Imóvel Alienado na aquisição de um novo imóvel, sito na Rua ..., n.º ..., freguesia ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., pelo valor de €250.000,00 (cfr. escritura pública de 25.11.2014 junta ao PPA como documento 15);
  6. Da respetiva escritura pública não consta qualquer referência a um empréstimo obtido pela Requerente para adquirir o imóvel no qual se concretizou o reinvestimento (cfr. documento 15 junto ao PPA);
  7. Em Novembro de 2014, a Requerente passou a residir habitual e permanentemente no Imóvel Adquirido, que passou a ser o centro da sua vida pessoal e familiar, tendo nele recebido amigos e família (cfr. o testemunho prestado por C..., irmã da Requerente, D..., filho da Requerente, e E..., amigo da Requerente);
  8. No mês de Dezembro de 2014 e nos meses que se seguiram, correspondência diversa dirigida à Requerente foi endereçada à morada do Imóvel Adquirido, nomeadamente: uma carta da F... de 26.12.2014 (cfr. documento 16 junto ao PPA); faturas ...de 7.12.2014 (cfr. documento 27 junto ao PPA), 7.1.2015 (cfr. documento 19 junto ao PPA) e 7.8.2015 (cfr. documento 26 junto ao PPA); fatura de eletricidade da ... de 23.1.2015 (cfr. documento 21 junto ao PPA); fatura de água da ... de 15.1.2015 (cfr. documento 23 junto ao PPA); comunicação de pagamentos em atraso da ... com data limite de pagamento a 5.5.2015 (cfr. documento 17 junto ao PPA); acordo de pagamento de gás natural e eletricidade com a ... relativo ao período entre 13.11.2014 e 13.11.2015 (cfr. documento 18 junto ao PPA);
  9. A Requerente não transferiu o seu domicílio fiscal para o Imóvel Adquirido no prazo de 6 meses após a aquisição do mesmo (cfr. admitido pela Requerente no artigo 18.º do PPA);
  10. Em 27.5.2015, a Requerente apresentou a declaração de IRS referente ao ano de 2014, na qual inscreveu (i) a aquisição do Imóvel Alienado pelo preço de €280.000,00 (campo 401), (ii) a venda do Imóvel Alienado pelo preço de €600.000,00 (campo 401), (iii) o valor em dívida de empréstimo de €247.209,36 (campo 505), (iv) o valor de realização que prendia reinvestir de €260.469,82 (campo 506), e (v) o reinvestimento de €260.469,82 (campo 508) (cfr. declaração de IRS - modelo 3, junta ao PPA como documento 28);
  11. Esta declaração de rendimento deu lugar à emissão da liquidação de IRS n.º 2015..., no valor de €14.396,33 (cfr. demonstração de liquidação de IRS a fls. 30 do processo administrativo), e ao pagamento de €14.512,69, em sede de execução fiscal, no dia 20.10.2015 (cfr. modelo 50 junta ao PPA como documento 3);
  12. A AT abriu um processo de divergências destinado a verificar as mais-valias mobiliárias, que culminou na emissão da liquidação oficiosa n.º 2016..., no montante de €35.949,96, na qual foram desconsiderados valores indicados pela Requerente na sua declaração de IRS, nomeadamente os contantes (i) no campo 505 (i.e., o valor em dívida do empréstimo de €247.209,36), e (ii) no campo 508 (i.e., o valor reinvestido de €260.469,82), por não estarem preenchidos os pressupostos previstos para a exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, designadamente, por a residência da Requerente não coincidir com o Imóvel Adquirido (cfr. documentos 29 e 30 juntos ao PPA);
  13. Esta liquidação oficiosa considerou o valor dos ganhos que a Requerente indicou que prendia investir no campo 506 da sua declaração de IRS (de €260.469,82), ficando suspendida a liquidação de imposto sobre tal valor (€260.469,82) até ao decurso do prazo legal de 36 meses no qual o reinvestimento do mesmo poderia ser concretizado;
  14. A Requerida apresentou reclamação oficiosa desta liquidação (cfr. despacho a fls. 117 e seguintes do processo administrativo);
  15. Esta reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 15.6.2016, com fundamento no (i) incumprimento do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS, ou seja, por a AT considerar que o Imóvel Adquirido não foi afeto à habitação própria e permanente da Requerente no prazo de 6 meses, e (ii) no valor do reinvestimento ser de €130.000,00, correspondente ao valor de aquisição do Imóvel Adquirido (€250.000,00) deduzido do valor da hipoteca de €120.000,000 (cfr. despacho a fls. 117 e seguintes do processo administrativo);
  16. A Requerente deduziu impugnação judicial deste ato de indeferimento, a qual deu origem ao processo n.º 2750/16.0BELRS, que correu termos junto do Tribunal Tributário de Lisboa (cfr. documento 30 junto ao PPA);
  17. Findo o prazo legal de 36 meses para reinvestimento, a AT procedeu à emissão da Liquidação Contestada, no valor global de €71.643,12, desconsiderando o reinvestimento de €260,469.82 constante no campo 506 da declaração de IRS apresentada pela Requerente, e consequentemente, sujeitando a imposto a totalidade da mais-valia imobiliária auferida pela Requerente (cfr. documento 2 junto ao PPA e demonstração de liquidação de IRS a fls. 37 do processo administrativo);
  18. A liquidação oficiosa n.º 2016..., no montante de €35.949,96, foi anulada e o contencioso a ela associado extinto (cfr. informação constante do processo administrativo);
  19. O acerto de contas contido na Liquidação Contestada foi regularizado em sede de cobrança coerciva no âmbito processo de execução fiscal n.º ...2018... (cfr. informação constante do processo administrativo);
  20. Da Liquidação Contestada, a Requerente apresentou reclamação graciosa no dia 8.3.2019 (cfr. documento 31 junto ao PPA);
  21. Por Ofício de 2.12.2020, a AT deu conhecimento à Requerente do indeferimento desta reclamação graciosa, que manteve na ordem jurídica a Liquidação Contestada (cfr. documento 32 junto ao PPA);
  22. A Requerente apresentou recurso hierárquico deste indeferimento, que correu termos sob o número ...2021... (cfr. documento 33 junto ao PPA);
  23. Por Ofício de 27.4.2021, a AT deu conhecimento à Requerente do indeferimento deste recurso hierárquico (cfr. documento 1 junto ao PPA);
  24. Deste ato de indeferimento, a Requerente apresentou o presente PPA no dia 26.7.2021.

 

§2. Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, considera-se não provado o facto alegado pela Requerida, na sua Resposta, de que a Requerente recorreu a um empréstimo de €120.000,00 para adquirir o imóvel em que se concretizou o reinvestimento (Imóvel Adquirido).

 

§3. Motivação da matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e), do RJAT).
  2. Os factos pertinentes para a decisão da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, al. e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  4. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, da prova testemunhal produzida, e dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados, e na adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
  5. No tocante à prova testemunhal produzida, é de que salientar que as três testemunhas ouvidas pelo Tribunal afirmaram que a Requerente habitava o Imóvel Adquirido, que elas próprias o frequentaram, que nele passaram datas festivas, e que nele viram os pertences pessoais da Requerente, demonstrando ter conhecimento direto dos factos sobre os quais foram inquiridas.
  6. Não obstante a relação de parentesco ou de amizade de cada uma das testemunhas com a Requerente, estas descreveram o Imóvel Adquirido em termos relativamente idênticos, pelo que o Tribunal considera que prestaram depoimento com isenção e não vê motivo para questionar a veracidade dos respetivos testemunhos.
  7. Estes testemunhos, acompanhados da documentação junta aos autos (designadamente a correspondência relativa a contratos de água, eletricidade, gás, etc. remetida para a morada do Imóvel Adquirido), fazem prova de que o Imóvel Adquirido foi afeto à habitação da Requerente em Novembro de 2014.
  8. Relativamente ao facto dado por não provado referido no ponto 24 supra, cumpre referir que o Tribunal baseou a sua convicção na prova documental produzida pelas partes (nomeadamente, na escritura pública de 25.11.2014 junta ao PPA como documento 15, na qual não é referido qualquer empréstimo), e de acordo com a experiência de vida dos ora signatários.

 

 

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questões decidendas

  1. O caso sub judice reporta-se à exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias por reinvestimento do valor de realização, ao abrigo do artigo 10.º, n.ºs 5 a 7, do CIRS (na redação em vigor à data dos factos).
  2. Tendo em mente a posição das partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

(i) se a Requerente afetou o imóvel adquirido em concretização do reinvestimento à sua habitação própria e permanente no prazo estatuído no n.º 6, al. a), do artigo 10.º do CIRS;

(ii) o montante dos ganhos excluídos de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.ºs 5 e 7, do CIRS;

(iii) o direito da Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT;

(iv) a responsabilidade das partes pelas custas arbitrais.

  1. Tendo por base o disposto no artigo 124.º do CPPT, considerando que, no caso sub judice não foi alegado qualquer vício que determine a nulidade do ato impugnado, a apreciação das questões relevantes para a decisão da causa será feita pela ordem em que foram suscitadas pela Requerente.

 

§2. Da afetação do imóvel adquirido em concretização do reinvestimento à habitação própria e permanente da Requerente no prazo estatuído no n.º 6, al. a), do artigo 10.º do CIRS

  1. A Requerente e a Requerida contendem sobre a aplicação do regime de reinvestimento estatuído no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS aos ganhos decorrentes da transmissão do Imóvel Alienado, nomeadamente, se o requisito contido no n.º 6, al. a), do mesmo artigo se encontra verificado no caso sub judice.
  2. A Requerente alega que se encontram verificados todos os pressupostos de aplicação do artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, incluindo o requisito contido no n.º 6, al. a), do mesmo artigo, por ter passado a habitar o Imóvel Adquirido em Novembro de 2014, não obstante não ter comunicado à AT a alteração o seu domicílio fiscal nos 6 meses que se seguiram à aquisição do mesmo.
  3. Defende a Requerente que o artigo 10.º, n.º 6, al. a), do Código do IRS não exige que o sujeito passivo proceda à alteração do seu domicílio fiscal no prazo legalmente estabelecido, mas que afete o imóvel em que se concretizou o reinvestimento à sua habitação, ou à habitação do seu agregado familiar.
  4. Adversamente, a Requerida defende que o Imóvel Adquirido não foi afeto à habitação própria e permanente da Requerente nos 6 meses que se seguiram à sua aquisição, por a Requerente, durante este período, nele não ter o seu domicílio fiscal, e, consequentemente, ser legítimo à AT concluir que nele não foi fixado o centro de interesses pessoais e familiares da Requerente.
  5. Conclui a Requerida que, não estando verificado o requisito contido no artigo 10.º, n.º 6, al. a), do CIRS, não beneficiam os ganhos decorrentes da transmissão do Imóvel Alienado da exclusão de tributação prevista no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS.
  6. Atenda as posições das partes, a questão controvertida é a de saber se o requisito contido no artigo 10.º, n.º 6, al. a), do CIRS exige que a afetação do imóvel adquirido em concretização do reinvestimento à habitação própria e permanente do sujeito passivo seja acompanhada da comunicação de mudança de domicílio fiscal por parte do sujeito passivo.
  7. O artigo 10.º, n.º 5, do CIRS prevê uma exclusão de tributação dos ganhos provenientes da alienação de imóvel destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo (ou do seu agregado familiar) que sejam reinvestidos na aquisição de outro imóvel destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo (ou do seu agregado familiar), sendo a sua razão de ser a proteção e favorecimento fiscal da aquisição de habitação própria e permanente (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.11.2018, no processo n.º 01077/11.9BESNT (01448/17)).
  8. Na redação em vigor à data dos factos, o artigo 10.º do CIRS, na parte relevante, dispunha o seguinte:

Artigo 10.º - Mais-valias

“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(...)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

(...)

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

  1. Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deve ser efetuado.

(...)

7 - No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.”

 

  1. Interessa também atentar ao disposto no artigo 19.º da LGT:

Artigo 19.º - Domicílio Fiscal

 

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

(...)

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”

  1. Relativamente à questão de saber se o requisito contido no artigo 10.º, n.º 6, al. a), do CIRS exige que a afetação do imóvel adquirido em concretização do reinvestimento à habitação própria e permanente do sujeito passivo seja acompanhada da comunicação de mudança de domicílio fiscal por parte do sujeito passivo, cumpre salientar que constitui jurisprudência fiscal assente, que o presente Tribunal Arbitral acompanha, a seguinte:
  1. Para efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, o conceito de habitação própria e permanente não coincide com o conceito de domicílio fiscal (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.11.2018, no processo n.º 01077/11.9BESNT (01448/17); Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1.07.2020, proferido no processo n.º 0114/15.2BELLE; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 8.10.2015, no processo n.º 6685/13; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27/01/2022, no processo n.º 2648/10.6BELRS; Decisão Arbitral de 20.1.2021, no processo n.º 159/2020-T; Decisão Arbitral de 20.4.2021, no processo n.º 225/2020-T);
  2. A não comunicação da alteração do domicílio fiscal poderá configurar uma violação do disposto no artigo 19.º da LGT, mas não é fundamento para recusar ao sujeito passivo a exclusão de tributação nos termos do artigo 10.º, n.ºs 5 e 6, do CIRS (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.11.2018, no processo n.º 01077/11.9BESNT (01448/17); Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 8.10.2015, no processo n.º 6685/13);
  3. Para efeitos de aplicação do regime de investimento estatuído no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, o sujeito passivo pode comprovar que tem habitação própria e permanente em local diverso do domicílio fiscal através de “factos justificativos” de que aí fixou, de forma habitual e permanente, o centro da sua vida pessoal e familiar (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 8.10.2015, no processo n.º 6685/13; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30.09.2020, no processo n.º 373/17.6BESNT; Decisão Arbitral de 17.9.2020, no processo n.º 720/2019-T; Decisão Arbitral de 20.1.2021, no processo n.º 159/2020-T);

(vi) Estando em causa a interpretação de normas de exclusão de tributação, as mesmas devem ser interpretadas nos seus exatos termos, sem o recurso à analogia e evitando também a interpretação extensiva, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.01.2017, no processo n.º 0774/14; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27/01/2022, no processo n.º 2648/10.6BELRS).

  1. Afigura-se-nos, assim, que assiste razão à Requerente quando defende que o requisito contido no artigo 10.º, n.º 6, al. a), do CIRS se encontra verificado quando o sujeito passivo, não obstante não ter comunicado a alteração do domicílio fiscal no prazo estabelecido no mesmo preceito, logra em provar que afetou o imóvel adquirido em concretização do investimento à sua habitação própria e permanente no prazo estabelecido no mesmo preceito.
  2. Feito o necessário enquadramento normativo e regressando ao caso concreto, temos que, tal como resulta dos pontos g) e h) do probatório, a Requerente fez prova de que afetou o Imóvel Adquirido à sua habitação própria e permanente no mês de Novembro de 2014, ou seja, dentro do prazo estabelecido na al. a) no n.º 6 do artigo 10.º do CIRS.
  3. Conclui-se, assim, que a Requerente reúne os requisitos necessários e exigidos pelo artigo 10.º, n.ºs 5 e 6, al. a), do CIRS para beneficiar da exclusão de tributação dos ganhos provenientes da venda do Imóvel Alienado que reinvestiu na aquisição do Imóvel Adquirido.

 

§3. Do montante dos ganhos excluídos de tributação ao abrigo do artigo 10.º, n.ºs 5 e 7, do CIRS – o regime do reinvestimento parcial

  1. Nos termos do artigo 10.º, n.º 7, do CIRS (na redação em vigor à data dos factos), a exclusão de tributação prevista no n.º 5 do mesmo artigo é proporcional aos ganhos correspondentes ao valor reinvestido.
  2. A este propósito, o Professor Doutor Rui Duarte Morais afirma o seguinte:

“A não tributação é proporcional ao reinvestimento, ou seja, na medida em que o montante obtido na venda da primitiva habitação (deduzido – sendo o caso – do valor utilizado para o reembolso de empréstimo contraídos para a sua aquisição) tiver sido utilizado na aquisição da nova habitação. Significa isto que se o preço pago pelo novo imóvel for financiado por outras vias (...), o valor de reinvestimento a considerar será apenas a diferença entre o preço pago e o do empréstimo bancário; se o novo imóvel for de preço inferior ao alienado, haverá apenas um reinvestimento parcial.” (Sobre o IRS, Almedina, 2006, pp. 115).

  1. Regressando ao caso em análise: os ganhos provenientes da venda do Imóvel Alienado encontram-se excluídos de tributação na parte correspondente ao valor de realização deduzido da amortização do empréstimo contraído para a aquisição do Imóvel Alienado (i.e., €600.000,00 “menos” €246.407,31) que foi reinvestido na compra do Imóvel Adquirido (i.e., €250.000).
  2. Conclui-se, assim, que o valor excluído de tributação ao abrigo do artigo 10.º, n.ºs 5, al. a), e 7, do CIRS corresponde aos ganhos referentes ao valor reinvestido na compra do Imóvel Adquirido, ou seja, ao valor de €250.000,00.
  3. Argumenta a Requerida que, no caso sub judice, o valor a considerar para efeitos de concretização do reinvestimento só pode ser de €130.000,00, na medida em que ao valor reinvestido de €250.000,00 é deduzido o valor do empréstimo alegadamente feito pela Requerente para adquirir o imóvel em que se concretizou o reinvestimento, no montante de €120.000,00.
  4. A este respeito, importa sublinhar que, relativamente ao valor reinvestido, está jurisprudencialmente assente que apenas a diferença entre o valor do empréstimo e o valor do prédio adquirido é que constitui reinvestimento para efeitos de integração na delimitação negativa expressa no nº 5 do artigo 10º do CIRS” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.11.2016, no processo n.º 39/16; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.1.2017, no processo n.º 774/14).
  5. Não tendo ficado provado que a Requerente financiou a compra do Imóvel Adquirido através de um empréstimo no valor de €130.000,00, temos que se encontram excluídos de tributação os ganhos auferidos pela Requerente que correspondem ao valor reinvestido na compra do Imóvel Adquirido, i.e., ao valor de €250.000,00, ficando os restantes ganhos provenientes da venda do Imóvel Alienado sujeitos a tributação, nos termos dos artigos 43.º e seguintes do CIRS.
  6. Relativamente à possibilidade de anulação parcial de atos de liquidação, por Acórdão de uniformização de jurisprudência de 30.1.2019, no processo n.º 436/18.0BALSB, veio o Supremo Tribunal de Justiça formular as seguintes conclusões:

“I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.

III - Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal.”

  1. No caso sub judice, a ilegalidade da Liquidação Contestada decorrente da desconsideração, por parte da AT, do regime de reinvestimento parcial previsto no artigo 10.º, n.ºs 5 e 7 do CIRS afeta a Liquidação Contestada apenas em parte, pelo que é justificada e adequada a anulação parcial da mesma, à luz do princípio da economia processual e de meios, e não obstante a necessidade de um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente da Liquidação Contestada com os termos da decisão anulatória.
  2. Determina-se, assim, a ilegalidade parcial, e consequente anulação parcial, da liquidação de IRS n.º 2018..., de 30.10.2018, referente ao ano de 2014, e do ato de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021... (interposto do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019...), na parte relativa aos ganhos correspondentes ao valor reinvestido de €250.000,00, por não ter sido aplicado, relativamente a tais ganhos, o regime do reinvestimento parcial previsto no artigo 10.º, n.ºs 5 e 7, do CIRS.
  3. Em consequência, condena-se a Requerida na restituição do imposto e dos juros compensatórios indevidamente pagos pela Requerente por não ter sido aplicado o regime do reinvestimento parcial previsto no artigo 10.º, n.ºs 5 e 7 do CIRS aos ganhos correspondentes ao valor reinvestido de €250.000,00, sendo o montante exato a restituir calculado pela Requerida em consonância com a presente decisão.

§4. Do direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT

  1. Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
  2. Em consequência da anulação parcial da Liquidação Contestada, são devidos à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente por não ter sido aplicado o regime do reinvestimento parcial previsto no artigo 10.º, n.ºs 5 e 7 do CIRS, desde a data do pagamento até à data em que for processada nota de crédito, em que são incluídos, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT.

 

§5. Da responsabilidade das partes pelas custas arbitrais

  1. Tendo em consideração a proporção dos ganhos excluídos de tributação em virtude do regime do reinvestimento parcial, previsto no artigo 10.º, n.ºs 5 e 7 do CIRS (41%), temos que será de condenar as partes nas custas arbitrais na proporção do respetivo decaimento, a saber: 41% a cargo da Requerida e 59% a cargo da Requerente (nos termos do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º1, al. e), do RJAT).

 

V. DECISÃO

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade parcial da liquidação de IRS n.º 2018..., de 30.10.2018, referente ao ano de 2014, e do ato de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021... (interposto do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019...), na parte correspondente à mais-valia imobiliária excluída de tributação, nos termos do artigo 10º, n.ºs 5 e 7 do CIRS, por erro nos pressupostos de facto e de direito, e em consequência:

(i) anular parcialmente a liquidação de IRS e o ato de indeferimento do recurso hierárquico supra referidos, na parte correspondente à mais-valia imobiliária excluída de tributação, nos termos do artigo 10º, n.ºs 5 e 7, do CIRS;

(ii) condenar a Requerida na restituição à Requerente do montante de imposto e de juros compensatórios indevidamente pagos por esta, i.e., os montantes relativos à mais-valia imobiliária excluída de tributação, nos termos do artigo 10º, n.ºs 5 e 7, do CIRS.

  1. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, sobre o montante indevidamente pago pela Requerente nos termos supra referidos, desde a data do pagamento até à data em que for processada nota de crédito.
  2. Condenar as partes nas custas arbitrais na proporção do respetivo decaimento, a saber: 41% a cargo da Requerida e 59% a cargo da Requerente.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 71.643,12.

 

VII. CUSTAS 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas arbitrais em €2.448,00, a cargo das partes na proporção do respetivo decaimento, a saber: 41% a cargo da Requerida e 59% a cargo da Requerente (a Requerente impugnou os atos tributários subjacentes ao indeferimento do recurso hierárquico e da reclamação graciosa   -  liquidação de IRS, tendo o Tribunal Arbitral decidido pela anulação parcial).

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Março de 2022

Os árbitros,

 

 

(Rita Correia da Cunha)

 

 

(Maria Antónia Torres)

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)