Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 278/2014 – T
Tema: IVA – Ónus da Prova; Direito à dedução do imposto
A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 28 de Maio de 2014, acorda no seguinte:
I. RELATÓRIO
A sociedade A –, com sede …, com capital social de € 1.190.000.000,00 adiante “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do artigo 5.º n.º 3 alínea a) e artigo 10º n.º 1 alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de IVA n.ºs … e … e das liquidações de juros compensatórios n.ºs … e …, de 26 de Fevereiro de 2013, referentes ao exercício de 2010.
Para fundamentar o seu pedido, o Requerente alega em síntese que as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios referentes ao exercício de 2010 resultam da não aceitação pela Autoridade Tributária e Aduaneira de movimentos de regularização de IVA a seu favor suportados pelos documentos de cobrança n.ºs …, … e …, por se considerar que o Requerente não logrou evidenciar que o destinatário tomou conhecimento da redução do valor do IVA que antes lhe tinha sido liquidado.
Ora, entende o Requerente que a manutenção das correções que subjazem às liquidações adicionais de IVA se revela ilegal à luz do disposto no número 5 do artigo 78.º do Código do IVA, uma vez que ficou demonstrado, em sede de Direito de Audição, através dos documentos comprovativos oportunamente juntos, que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, nos termos exigidos pelo referido normativo legal.
No dia 25 de Março de 2014, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.
O Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a Exma. Dra. Filipa Barros, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 28 de Maio de 2014, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
No dia 04 de Julho de 2014 a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação e pugnando pela improcedência total do pedido.
Posteriormente, notificadas para o efeito, ambas as partes vieram aos autos comunicar que prescindiam da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, pelo que a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, foi dispensada, atendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e que o processo arbitral se rege pelos princípios da economia processual e proibição da prática de atos inúteis.
Simultaneamente, o Requerente e a Requerida comunicaram ao Tribunal a sua intenção de prescindir da apresentação de alegações escritas.
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir decisão.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Estão documentalmente comprovados e/ou aceites pelas partes nos respetivos articulados, os seguintes factos:
1) O Requerente é uma instituição de crédito, sujeita à supervisão do Banco de Portugal, que encabeça o grupo B, grupo financeiro, multi-especializado, centrado na atividade bancária, dotado de uma oferta completa de serviços e de produtos financeiros para clientes empresariais, institucionais e particulares;
2) O Requerente está sujeito a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), enquadrado no regime normal, com periodicidade mensal, praticando operações sujeitas que conferem direito a dedução, e operações que não conferem direito a dedução, utilizando os métodos de dedução previstos nos artigos 20.º e 23.º, para a dedução do imposto incorrido na realização das operações tributadas e do imposto incorrido na aquisição de bens de utilização mista, respectivamente;
3) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º…, de 28-02-2012 a 9-03-2012, emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes, foi aberto procedimento externo de inspeção de âmbito geral ao Requerente, relativo ao ano de 2010, a qual após duas prorrogações, terminou em 28 de Novembro de 2012;
4) Por Ofício n.º … de 28/11/2012 foi o Requerente notificado para se pronunciar sobre o projeto de relatório da Inspeção Tributária, referente ao exercício de 2010;
5) O Requerente exerceu direito de audição, por escrito, em 10 de Dezembro de 2012 (cf. doc. n.º 2 do Pedido de Pronúncia Arbitral);
6) Concluído o procedimento de inspeção, foi elaborado o respectivo relatório final, constante do Ofício n.º …, de 01-10-2013, mediante o qual se propunham correções em matéria de IVA, no montante de € 6.612,42, onde se concluiu, com referência às notas de crédito, que:
“IX.3.1 IVA Regularizações (artigo 78.º do CIVA)
(...)
Para os restantes movimentos de regularização, continua o banco a não evidenciar que o destinatário tomou conhecimento da redução do valor do IVA que antes lhe tinha sido liquidado e a não exibir qualquer outro documento.
Nestes termos, considera-se indevida a dedução efectuada a título de regularização do imposto liquidado, no valor de € 6.612,42, por incumprimento do pressuposto previsto no artigo 78.º n.º 5 do CIVA.”
7) Na sequência do sancionamento superior das conclusões do relatório de inspeção, foram determinadas as seguintes liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios:
Liquidações Adicionais de IVA e de Juros Compensatórios
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IVA - Liquidação Adicional n.º …- período 1009 (Setembro)
NC - C, S.A, n.º …| n.º …
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€4.904,88
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Juros compensatórios - Liquidação de n.º … - período de 1009 (Setembro)
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€414,43
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IVA Liquidação Adicional n.º … – período 1012 (Dezembro)
NC – D, n.º NC …
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€1.707,54
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Juros Compensatórios - Liquidação de n.º –período 1012
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€127,06
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Total de IVA em falta e juros compensatórios
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€7.153,91
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8) Em 03-06-2013 o Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças do Porto 2, requerimento com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 3182 …, procedendo em simultâneo à apresentação de garantia bancária para esse efeito (cf. doc. n.º 5 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral);
9) Em 25-07-2013 o Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra os atos tributários de liquidação adicional supra identificados pugnando pela comprovação da tomada de conhecimento, pelo adquirente, dos movimentos de regularização de IVA colocados em crise, alegando em síntese o seguinte (cf. doc. n.º 6 cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
“Relativamente ao movimento nota de crédito … o Reclamante havia juntado cópia do respectivo aviso de recepção postal o qual volta a anexar como documento n.º 6, perante o qual se torna indiscutível a tomada de conhecimento da rectificação por parte do adquirente.
Por outro lado, relativamente ao movimento constante da nota de crédito n.º …, o Reclamante havia igualmente junto comprovativo idóneo, consubstanciado na cópia da respectiva nota de crédito enviada ao adquirente na qual se encontra aposto o carimbo de recepção daquele.
(...) Finalmente, será de referir que relativamente à empresa C, o Reclamante procedeu à emissão, em 18-06-2012, de 5 notas de crédito (NC … a …, as mesmas que se encontravam identificadas no Anexo 14 do Relatório de Inspecção cujas 2ª vias foram enviadas via CTT, registadas em 31-08-2012.
Os avisos de recepção dos registos expedidos foram todos recepcionados pelo Reclamante em 03-09-2012, conforme se comprovou por consulta ao mapa de controlo interno de expedição de CTT mantido pela direcção de Aprovisionamento, Outsourcing e Património área responsável pela gestão do correio do Reclamante (cf. print que se junta como documento n.º 8).
Todavia, por condicionalismos inerentes à existência de diversos movimentos referentes ao mesmo adquirente, o Reclamante não logrou até à data, encontrar o aviso de recepção relativo à Nota de Crédito …, mantendo em curso os esforços necessários para a sua localização.
Não obstante o exposto, e dado que as notas de cobranças foram expedidas todas na mesma data, e uma vez que o Reclamante mantém um registo interno de correspondência, no qual se identificou a data da recepção do respectivo aviso, entende o Requerente ser indubitável que o destinatário tomou conhecimento das respectivas regularizações.
Atento o exposto tem-se como provado a recepção, pelo destinatário, da nota de crédito …. ”
10) Por Ofício n.º …, de 27/12/2013 foi o Requerente notificado do projeto de decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa (cf. PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) sustentando a Administração Tributária, o seguinte:
“18. Dos elementos enviados pela Reclamante, referentes à nota de crédito n.º … foram encontradas as seguintes insuficiências de prova, face ao previsto na alínea a) do n.º 5 do artigo 36.º, conjugado com os n.ºs 1 e 5 do artigo 78.º, ambos do CIVA:
· No aviso de recepção o espaço reservado à indicação do código de postal do remetente (A), está preenchido com o n.º da nota de crédito;
· Na nota de crédito não vem indicado o nome, firma ou denominação social e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços (ou seja do emitente), não são evidentes quaisquer elementos que comprovem a recepção da mesma pelo adquirente;
· Não existe, portanto, qualquer conexão entre a nota de crédito e o alegado aviso de recepção apresentado, que permita provar de modo inequívoco, que o adquirente C, S.A. tomou conhecimento da rectificação, para menos, do valor do imposto liquidado.
19. No que se refere à nota de crédito n.º …, a Reclamante entende que a cópia da respectiva nota de crédito enviada ao adquirente, na qual se encontra aposto o carimbo de recepção daquele, consubstancia comprovativo idóneo da recepção da mesma pelo adquirente.
20. Sobre a mesma nota de crédito e atento o disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 36.º conjugado com os n.ºs 1 e 5 do artigo 78.º, ambos do CIVA, entendemos que existe insuficiência de prova, pela seguinte razão:
· O elemento novo desta nota de crédito (face à anteriormente analisada), é o suposto carimbo de recepção, da mesma, mas também ele não pode servir de prova de como a “D, LDA” tomou conhecimento da rectificação levada a efeito pelo Reclamante, uma vez que também não dá cumprimento ao estabelecido no n.º 5 do artigo 78.º do CIVA.
21. Quanto à nota de crédito n.º …, é a própria Reclamante que reconhece não conseguir, até à data, encontrar o respectivo aviso de recepção mantendo actualmente em curso os esforços necessários para a sua localização.”
11) Em 14-01-2014, o Requerente exerceu o respectivo Direito de Audição, (cf. doc. n.º 8, junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral cujo teor se dá por integralmente reproduzido) referindo, em síntese, o seguinte:
“Quanto à nota de crédito n.º …, (...) o facto do espaço do aviso de recepção reservado à indicação do código postal do remetente estar preenchido com o número da nota de crédito revela-se irrelevante para a concreta admissibilidade ou não da regularização de IVA, nos termos do n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA.
Com efeito, o que o dispositivo legal nesta sede aplicável impõe é que o sujeito passivo logre fazer prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação de imposto efectuada ou de que foi reembolsado do imposto liquidado. E essa prova poderá ser feita através de qualquer documento do qual seja possível inferir a tomada de conhecimento pelo adquirente da rectificação efectuada ou o reembolso do imposto liquidado (...).
Acresce que no aviso postal se encontram perfeitamente identificados o Sujeito Passivo e o Adquirente sendo a referência ao número da nota de crédito um dado adicional que permite sem margem para dúvidas relacionar o respectivo aviso de recepção com a notificação ao Adquirente da regularização de IVA efectuada. Com efeito, não subsistiram dúvidas que o número da nota de crédito identificado no aviso de recepção apresentado (NC…) corresponde ao número da nota de crédito identificada no documento de suporte (…) facto que será ademais confirmado pela identidade do adquirente identificado na nota de crédito em apreço e o Destinatário identificado no Aviso de Recepção correspondente.
Assim, (...) tal recepção resulta inequívoca perante a assinatura do correspondente aviso de recepção (encontrando-se assinalados/preenchidos os campos referentes a entrega, nome legível, data e assinatura).
(...) aquando dos pedidos de informação sobre a presente correcção, formulados pelos serviços de inspecção tributária no decurso da acção inspectiva, procedeu-se à impressão de segundas vias daquele documento, tendo as mesmas sido impressas, por lapso, em papel regular, ao invés de conforme sucede para todas as facturas, notas de crédito, ou documentos equivalentes, serem impressas em papel timbrado do Respondente. Apenas esse facto motivou a ausência de referência ao nome, firma ou denominação social e a sede ou domicílio do emitente.
(...) Todavia para que não subsistam dúvidas da admissibilidade da regularização a favor do Respondente junta-se, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 78.º do Código do IVA, extratos da conta corrente do cliente em apreço, os quais permitem comprovar o reembolso do imposto liquidado (Cf. Documento n.º 1).
Quanto à nota de crédito n.º …:
(...) deverá ser anulada em face da junção de extrato de cliente mencionado no artigo 15.º do presente direito de audição na medida em que do mesmo constam, igualmente, os movimentos subjacentes à regularização da nota de crédito em apreço, resultando comprovado, nos termos do n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, que o adquirente foi reembolsado do imposto inicialmente liquidado.
Quanto à nota de crédito n.º …:
(...) verifica-se que corresponde ao original da nota de crédito (os duplicados encontram-se sempre identificados enquanto tal) por outro lado, será incontornável a aposição de um carimbo de recepção no dito documento, o qual visa precisamente servir de registo de recepção do mesmo pelo destinatário pelo que não se compreende que os serviços propugnem a sua não aceitabilidade (...). Acresce explicitar a concreta situação subjacente à emissão da nota de crédito em apreço: a factura n.º … originalmente emitida suportava o pagamento da rescisão antecipada do contrato de leasing referente à viatura com matricula …, celebrado com a E, S.A. (E), e originalmente adquirido à D, LDA. (D).
Aquando do processamento da rescisão, o valor recebido foi, por lapso, facturado à D - FCT …, de 25/10/2008 – a qual viria a ser anulada através da nota de crédito em apreço – NC …, 03/11/2008 – cf. extrato de cliente que se junta como documento n.º 2. Ambas a factura como a nota de crédito foram remetidas à D e os originais por esta devolvidos, salientando-se a aposição do carimbo de recepção de correspondência na nota de crédito apresentada.
Tendo-se tratado de um lapso naturalmente que o Repondente nada recebeu da D a título de pagamento de rescisão e, consequentemente, nada foi reembolsado à D.
Do mesmo modo, nada foi contabilizado pela D, daí que tenha procedido à devolução dos originais, tanto da factura, como da nota de crédito, pois que respeitantes a um contrato que não lhe respeitava.
A rescisão do contrato seria correctamente facturada à E em 03/11/2008 através da emissão da factura …, conforme extrato do contrato que se junta como Documento n.º 3.
Face a tudo o exposto, considera o Respondente encontrarem-se verificados os pressupostos para a regularização do imposto a seu favor uma vez que conforme fica amplamente demonstrado, o putativo adquirente nunca chegou a efectuar qualquer pagamento do valor subjacente à factura indevidamente emitida. Consequentemente, nunca suportou relativamente à prestação facturada qualquer IVA. Do mesmo modo não haveria qualquer reembolso de imposto a efectuar porquanto o mesmo não fora suportado pelo identificado adquirente. Em todo o caso, verifica-se que o identificado adquirente tomou conhecimento das operações sub judice, as quais lhe foram comunicadas através do envio dos respectivos documentos de suporte, cujos originais aquele devolveu por se tratar de operações que não o concerniam. (...) Por outro lado, ainda que faltasse a comprovação da tomada de conhecimento pelo Adquirente, e conforme se demonstrou, não tendo o mesmo suportado qualquer imposto relativamente à operação em apreço, necessariamente se deverá considerar satisfeito o requisito do reembolso.”
12) Em 31-01-2014, por Ofício n.º … emitido pela Exma. Senhora Chefe de Divisão da Unidade de Grandes Contribuintes (cf. P.A. cujo teor se dá por integralmente reproduzido) foi o Requerente notificado, no âmbito de um pedido de cooperação, ao abrigo do artigo 59.º da Lei Geral Tributária para remeter um conjunto de elementos para a comprovação da regularização de IVA a favor do Requerente:
“1. Cópia do original e duplicado da factura n.º …, de 2008-10-25, emitida à D, LDA., cujo valor de IVA regularizado foi de €1.707,54, bem como a respectiva carta de devolução.
2. Cópia do original e duplicado da nota de crédito n.º…, enviada à D, LDA., de 2008-11-03, que anula o documento referido no ponto anterior, bem como a respectiva carta de devolução.
3. Comprovativos de todos os lançamentos contabilísticos relativos à factura e nota de crédito atrás referidas.
4. No que respeita à nota de crédito n.º…, emitida ao cliente C, S.A. cujo valor de IVA regularizado foi de €2.567,51, atendendo ao invocado no ponto 23 da petição de Reclamação Graciosa, quanto às diligências desencadeadas por V.Exas. para a localização de documentos comprovativos de que o cliente tomou conhecimento da respectiva retificação, solicita-se que, no caso de já estarem em posse dos mesmos, procedam à sua apresentação”.
13) Em 10-02-2014 o Requerente apresentou um requerimento de resposta à solicitação da Administração Tributária referindo em síntese o seguinte (cf. documento n.º 8 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
“ 1. (...) Face ao exposto e tendo o Respondente apresentado documentos comprovativos dos quais resultam o reembolso do imposto, não se compreende a insistência pela apresentação de documentação da qual resulte a tomada de conhecimento pelo adquirente da regularização efectuada.
2. Passando à documentação solicitada, emitida à D, LDA (...) junto se anexa (Documento.º 1) comprovativos de todos os lançamentos contabilísticos relativos à factura … e nota de crédito n.º …, bem como extracto do contrato n.º … referente à viatura alienada. De referir que a nota de crédito ab initio apresentada corresponde ao original da mesma. Cumpre ainda referir, que conforme oportunamente informado em sede de Direito de Audição, a emissão da factura a favor da D foi indevida, uma vez que não foi aquela entidade a adquirente do automóvel cuja venda a factura titula. A recepção da factura e nota de crédito pela D, e devolução dos referidos documentos foi-nos corroborada pela mesma, que nos informou já ter prestado esse mesmo esclarecimento à Administração Fiscal.
3. No que respeita ao pedido referente à nota de crédito n.º …, emitida ao cliente C, S.A. não foi possível obter o comprovativo de recepção da nota de crédito relativa à regularização do imposto por parte do cliente. Todavia reiterando o acima expostos no ponto 1, designadamente que a regularização de IVA a favor do sujeito passivo pode ser efectuada quando este detenha em sua posse documento do qual resulte a restituição do imposto ao cliente, e tendo o ora Respondente apresentado extrato do cliente onde se pode comprovar, sem margem de dúvidas, de que o cliente foi reembolsado do imposto corrigido, na medida em que do referido documento constam os movimentos subjacentes à regularização da nota de crédito em apreço, ter-se-á de considerar cumprido o disposto no normativo aplicável. Adicionalmente, junto se anexa (documento n.º 2) comprovativo do lançamento contabilístico relativo à nota de crédito n.º … .
14) Por Ofício n.º … de 28-11-2013, no âmbito de um pedido de cooperação, foi a D, notificada para remeter à AT os elementos comprovativos da regularização do IVA a favor do Estado decorrente da emissão da nota de crédito n.º … pelo A (cf. PA) ;
15) Em 05-12-2013 a D responde por e-mail, informando o seguinte: “não recebeu da Nota de Crédito n.º … de 2010-11-03 do nosso fornecedor A, S.A. Após recebimento do vosso Ofício, solicitamos ao A, S.A. uma 2ª via da respectiva Nota de Crédito, a qual até ao momento, ainda não foi rececionada por nós.” (Cf. PA a fls., 156.);
16) Posteriormente, foi desencadeada pela AT uma segunda diligência de esclarecimento da situação junto a D, tendo esta entidade esclarecido por e-mail de 14-01-2014 o seguinte:
“Após a análise da 2ª via da Nota Crédito e da 2ª via da respectiva fatura concluímos que:
1) A, S.A. emitiu indevidamente uma fatura à D;
2) Uma vez que a fatura era indevida à D a mesma devolveu a fatura ao A;
3) O A emitiu e enviou para a D uma nota de crédito para regularizar a fatura indevidamente emitida;
4) A D devolveu a Nota de Credito ao A por tanto a fatura inicial e a nota de crédito serem indevidos à D ”. (cf. Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral);
17) Por Ofício n.º … de 13-03-2014, emitido por delegação de competências, pela Exma. Senhora Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, foi a Requerente notificada da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, (cf. documento n.º 11, junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
18) Em 21-03-2014, o Requerente deduziu o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. (cf. requerimento electrónico ao CAAD).
A.2. Factos não provados
Não se constataram factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
A.3 Motivação
A convicção do Tribunal ao estabelecer o quadro factual supra, fundou-se na documentação junta aos autos, no processo administrativo instrutor e na aceitação, ou não impugnação pela AT do quadro factual desenhado pelo Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral.
B. DO DIREITO
Os atos tributários sujeitos à apreciação e decisão são tão só os atos de liquidação adicional de IVA n.ºs … e … e as liquidações de juros compensatórios n.ºs … e …, respeitantes ao ano de 2010, no montante total de € 7.153,91, pedindo o Requerente a declaração de ilegalidade desses atos tributários, com fundamento na violação do disposto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA.
Vejamos seguidamente a questão.
No caso vertente a questão controvertida traduz-se em saber se os movimentos de regularização de IVA efectuados a favor do Requerente suportados nas notas de crédito …, … e … cumprem os requisitos previstos no n.º 5 do artigo n.º 78.º do Código do IVA, por ter sido feita prova de que os adquirentes tomaram conhecimento das retificações de imposto operadas ou de que foram reembolsados do imposto ou, pelo contrário, como defende a Requerida, se deverá considerar indevida a respectiva dedução por insuficiente demonstração dos factos cuja prova incumbia ao Requerente.
Ora, a decisão da questão prende-se com a análise e interpretação do disposto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA que dispõe o seguinte:
“Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.”
Decorre do referido preceito legal que o Requerente poderia deduzir o IVA constante das notas de crédito n.ºs …, … e …, se tivesse na sua posse prova de que os adquirentes tomaram conhecimento da retificação do imposto ou, em alternativa, de que foram reembolsados do respectivo imposto.
Ora, no domínio da interpretação do referido normativo cabe começar por referir que o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), foi introduzido no sistema tributário português pelo Decreto Lei n.º 394-B/84, de 26/12, tendo operado a transposição da Diretiva Comunitária 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (Sexta Diretiva), a qual regulamenta, juntamente com as alterações posteriores, a aplicação uniforme do IVA em todos os Estados-Membros da União Europeia.
O IVA pode definir-se como um imposto indireto tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento Geral do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que recai sobre a despesa, sendo repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respetivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental. É um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide, em princípio, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (nos termos do artigo 1.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA).
Acresce tratar-se de um imposto plurifásico porque incide sobre todas as fases do circuito económico, desde a produção ao consumidor final, e não cumulativo, na medida em que em cada fase do circuito económico tributa apenas o valor acrescentado, isto é, o acréscimo de valor que os bens ou serviços passam a ter na fase em que se encontram, evitando, assim, o efeito cumulativo de imposto sobre imposto.
Além das características referidas, o IVA apresenta ainda a da neutralidade e da generalidade.
Quanto à neutralidade, através do mecanismo das deduções, o imposto virá a ser suportado, na totalidade, pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico. Refira-se que a liquidação do imposto é feita pelos operadores económicos que procedem a autoliquidação e repercutem para o cliente o imposto liquidado a montante, devendo utilizar o método subtrativo indireto na determinação do valor acrescentado de acordo com o disposto no artigo 19.º, do Código do IVA[2]. Nos termos do n.º 2 deste preceito só confere direito a dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado, assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Por seu turno o artigo 36.º n.º 6 estabelece que “As guias ou notas de devolução e outros documentos retificativos de faturas devem conter, além da data e numeração sequencial, os elementos a que se refere a alínea a) do número anterior, bem como a referência à fatura a que respeitam e as menções desta que são objeto de alterações.”
Quanto à generalidade, trata-se de um imposto geral sobre o consumo que deverá ser exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, no qual o valor tributável compreenderá tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação às operações visadas por parte do adquirente ou do destinatário.
Resulta particularmente relevante o disposto no artigo 29.º n.º 1 alínea g) do Código do IVA, quanto à obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização deste imposto. Assim se explica que os sujeitos passivos se encontram obrigados a dispor de contabilidade organizada, devendo observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu adequado controlo e fiscalização, (cf. artigos 44.º a 52.º do Código do IVA).
Por conseguinte, tanto a dedução do IVA, como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no Código do IVA, que se podem considerar similares, sendo certo que também neste domínio, as regras previstas pelo legislador nacional devem convergir com os princípios e regras postulados na respectiva disciplina comunitária, consagrada na Sexta Diretiva.
Note-se que, nos termos do artigo 90.º n.º 1 da Sexta-Diretiva, em caso de redução do preço depois de efetuada uma operação “o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros”
Ora, no artigo 78.º n.º 5 do Código do IVA, é pacífico que o legislador nacional subordina a retificação ou redução do valor tributável relativamente ao valor inicialmente fixado numa fatura emitida, a determinadas exigências ou condições que visam assegurar a cobrança exata do IVA e evitar situações de fraude em sede deste imposto. Decorre do referido preceito legal, que o sujeito passivo, previamente à regularização, deverá obter comprovativo de que:
a) O adquirente tomou conhecimento da retificação do imposto; ou
b) O adquirente foi reembolsado do imposto;
Sob pena de se considerar indevida a respetiva dedução.
O ónus da prova do direito invocado pelo Requerente recai sobre si, ex vi artigo 78.º n.º 5 do Código do IVA. Cabendo a prova deste facto ao Requerente, nos termos do artigo 414.º do CPC, em caso de dúvida, resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
Pois bem, analisemos à luz dos preceitos legais invocados a prova que foi oferecida pelo Requerente.
Regularização relativa à nota de crédito … – C, S.A.
No que concerne à regularização em referência, foi dado como provado que o Requerente juntou quer em sede de Direito de Audição, quer em sede de Reclamação Graciosa cópia do aviso de receção postal. Sucede que o aviso de receção se encontra indevidamente preenchido, porquanto no espaço reservado à indicação do código postal do remetente se encontra aposto o número da nota de crédito. Acresce que a nota de crédito não contem indicação quanto ao nome, firma ou denominação social do emitente, ou seja do Requerente. Neste sentido, a AT suspeita da falta de conexão entre a nota de crédito e o aviso de recepção apresentado, considerando que o mesmo não prova que o adquirente tomou conhecimento da retificação para menos do valor do imposto liquidado.
É certo que no caso em apreço o Requerente utilizou como um dos meios de prova uma nota de crédito que não passaria o crivo do artigo 36.º n.º 6 do Código do IVA. No entanto, importa referir a este respeito, que a lei confere abertura à apresentação de quaisquer elementos idóneos que permitam evidenciar o conhecimento em tempo oportuno da retificação efetuada, em virtude da emissão da nota de crédito, ou de que o adquirente foi reembolsado do imposto. Quanto a esta possibilidade, que terá de ser devidamente balizada e sopesada com outros princípios constitucionalmente garantidos de combate à fuga e evasão fiscal, entende o Tribunal que o contribuinte apresentou documentos adicionais que colmataram essa lacuna.
A este respeito, refira-se, ao contrário do entendimento da AT, que o aviso de receção postal, apesar de conter uma imprecisão no campo relativo ao código de postal, evidencia claramente a identificação do emitente, do adquirente / destinatário com a indicação da morada deste, do número da nota de crédito enviada, fatos que permitem facilmente relacionar o aviso de receção com a comunicação ao adquirente da regularização de IVA efectuada através do documento que a suporta. Acresce que a assinatura do aviso de receção pelo adquirente permite concluir que a correspondência foi entregue nas instalações do destinatário / adquirente tendo este condições para tomar conhecimento do conteúdo da correspondência que lhe foi endereçada.
O Requerente juntou ainda extratos da conta corrente do adquirente, revelando o reembolso do imposto liquidado, sendo este um documento da contabilidade do Requerente cuja veracidade se presume, salvo prova em contrário, que sempre caberia à AT apresentar, não o tendo feito, daí se retirando as respectivas consequências.
Porquanto, sem mais, não há razões para não aceitar que os documentos juntos correspondam à realidade, sendo de considerar como demonstrada correção da regularização em apreço.
Regularização relativa à nota de crédito … – C, S.A.
No caso vertente, Requerente não logrou ao juntar ao processo o aviso de receção postal. Ao invés, para este efeito, o meio probatório utilizado foi o registo interno de correspondência, no qual se identifica a data da recepção do respetivo aviso a 3-09-2010. Consta também provado do Relatório de Inspeção a identificação de 5 notas de crédito dirigidas ao mesmo adquirente C, S.A. (N.C … a …) cujas segunda vias foram enviadas via CTT, registadas a 31-08-2012. O mapa de controlo interno de expedição dos CTT junto pelo Recorrente permite verificar que os registos expedidos foram recepcionados pelo adquirente a 03-09-2012.
Ora a propósito dos referidos meios probatórios, refere a AT, que o contribuinte utilizou elementos probatórios por si elaborados que não permitem demonstrar a intervenção e tomada de conhecimento do adquirente.
No entanto, à luz do artigo 78.º n.º 5 do Código do IVA, caberá, alternativamente, apurar se o Requerente logrou fazer prova de que o adquirente foi reembolsado do imposto e, assim, determinar se a dedução efetuada a título de regularização do imposto, é ou não indevida.
Com efeito, no que se refere às instruções previstas no Ofício-Circulado n.º 33129/1993 que divulga o entendimento administrativo relativo aos documentos que são considerados idóneos para satisfazer os condicionalismos enunciados no n.º 5 do artigo 78.º, note-se que as exigências nele consagradas, não decorrem da lei, sendo antes meras instrução ou orientações administrativas que não revestem carácter vinculativo para os contribuintes.
A estes respeito, a Jurisprudência Comunitária tem entendido que as exigências impostas pelas Administrações Fiscais dos Estados-Membros quanto às formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades fiscais dos referidos Estados, para efeitos de proceder, em caso de redução do preço depois de efectuada a operação, a uma redução do valor tributável, não poderão por em causa os princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade. Tais princípios exigem “que o Estado-Membro permita que o sujeito passivo demonstre através de outros meios, perante as autoridades fiscais nacionais, por um lado, que efetuou as diligências necessárias nas circunstâncias do caso concreto para assegurar que o adquirente dos bens está na posse da fatura retificada e de que dela teve conhecimento e, por outro lado, que a operação em causa foi efetivamente realizada em conformidade com as condições enunciadas na referida fatura retificada. (cf. Acórdão Kraft Foods, processo C–588/10 do TJCE, 2º secção de 26-01-2012).
No que respeita aos elementos de prova que podem ser utilizados pelos sujeitos passivos, o TJCE indica designadamente os seguintes “cópias da factura retificada e do lembrete dirigido ao adquirente dos bens e serviços para efeitos de envio do comprovativo da receção, provas dos pagamentos ou a apresentação dos registos contabilísticos que permitam identificar o montante efetivamente pago ao sujeito passivo a título da operação em causa, pelo adquirente dos bens ou serviços” (cf. Acórdão Kraft Foods, processo C–588/10).
Ora, como reconhece a AT na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, o Requerente juntou extratos de conta corrente referentes ao adquirente e à regularização da nota de crédito, bem como os correspondentes lançamentos contabilísticos, os quais suportam a prova do reembolso do imposto.
Note-se que a simples qualificação de um documento como “interno à empresa” não deverá prejudicar, sem mais, a idoneidade do mesmo como elemento de prova dos factos invocados pelo contribuinte. Se a AT suspeita da veracidade da nota de crédito emitida pelo contribuinte e dos lançamentos contabilísticos registados a propósito das regularizações registadas no extrato de conta do adquirente em apreço, deverá suscitar a questão da falsidade dos documentos.
Por outro lado, do relatório da Inspeção Tributária, constam um conjunto movimentos de regularizações de IVA a favor do sujeito passivo, relativas ao mesmo cliente C, S.A, onde se indicam várias outras notas de crédito, todas emitidas na mesma data, relativamente às quais não foi detetada pela AT qualquer dúvida quanto à adequação da respectiva tramitação documental, contabilística e tomada de conhecimento das operações em causa pelo adquirente.
Para além disso, a AT tem possibilidade, no uso dos seus poderes inspectivos, de apurar se a regularização tem ou não correspondência na contabilidade do Requerente, e a falsidade dos documentos apresentados é susceptível de implicar responsabilidade criminal de quem os emitiu e de quem os utilizou, pelo que, também neste caso, e face às circunstâncias concretas, não vê o Tribunal razões para não aceitar que o conjunto dos documentos probatórios referidos corresponda à realidade.
Regularização relativa à nota de crédito … – D, Lda.
Relativamente à nota de crédito n.º …, valem, no essencial, as considerações que se fizeram nos pontos anteriores, relativas à possibilidade de apresentação pelo sujeito passivo de quaisquer documentos idóneos susceptíveis de demonstrar a tomada de conhecimento da retificação por parte do adquirente ou, em alternativa, de foi reembolsado do imposto.
A este respeito, o Requerente juntou o original e duplicado da respectiva nota de crédito enviada ao adquirente, contendo nela aposto o carimbo de recepção daquele devidamente rubricado. No entanto, o Requerente não juntou o aviso de recepção dos CTT e, por conseguinte, a AT suspeita que o documento possa ter sido manualmente elaborado pelo próprio Requerente, muito embora não tenha sido suscitada a falsidade do documento.
Por outro lado, a respeito dos factos subjacentes à emissão da nota de crédito, o Requerente fornece uma explicação adicional, esclarecendo ter-se tratado de um erro de faturação, já que a fatura emitida n.º … e nota de crédito respeitavam ao pagamento de uma rescisão antecipada de um contrato de leasing celebrado com outro cliente – E, S.A.
Para o efeito, o Requerente junta todos os lançamentos contabilísticos referentes à fatura …, de 2008-10-25 emitida à D, Lda., bem como o original e duplicado da nota de crédito. Junta igualmente extrato do contrato com a E, S.A .
Os referidos lançamentos permitem confirmar o seguinte:
· extratos do cliente D, Lda. de 25/10/2008, com a indicação do n.º da nota de crédito enviada – NC … – e a referência a “anulação de FCT/…” / valor (10 245.25), respeitante a viatura de matrícula …;
· extrato do cliente E, S.A. de 25/10/2008 com indicação de FCT …, valor 10 245,25, respeitante à viatura de matrícula .
(cf. doc. n.º 8 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral e PA).
Acresce que as diligências desencadeadas pela própria AT apontam no sentido da emissão indevida da fatura dirigida à D, pois numa segunda tentativa de esclarecimento da situação junto a D, esta entidade esclarece por e-mail de 14-01-2014 dirigido à AT “que após a análise da 2ª via da Nota Crédito e da 2ª via da respectiva factura concluímos que:
1) A, S.A. emitiu indevidamente uma fatura à D;
2) Uma vez que a fatura era indevida à D a mesma devolveu a fatura ao A;
3) O A emitiu e enviou para a D uma nota de crédito para regularizar a fatura indevidamente emitida;
4) A D devolveu a Nota de Crédito ao A por tanto a fatura inicial e a nota de crédito serem indevidos à D ”.
É por conseguinte feita prova quanto aos procedimentos corretivos realizados pelo Requerente, em relação ao lapso que esteve na origem da emissão da nota de crédito n.º … .
Com efeito, tratando-se de uma fatura e de uma nota de crédito que não respeitavam à D, nem foram por esta contabilizadas, afigura-se normal, face às regras da experiencia comum, que tenha ocorrido lapso na primeira resposta ao Ofício n.º … da AT, no sentido de que a nota de crédito n.º … de 2010-11-03 enviada pelo fornecedor A não havia sido recebida, tendo para esse efeito sido solicitada uma segunda via.
Perante esta factualidade, é pertinente chamar à colação alguma da mais representativa jurisprudência acerca deste assunto, concretamente, as considerações tecidas no que toca à prova exigida pelo artigo 71.º n.º 5 do Código do IVA (atual artigo 78.º n.º 5):
(...) “Sobre o impugnante recaia o ónus da prova de que a adquirente tomou conhecimento a rectificação por aquele a efectuada, em virtude da emissão de nota de crédito ou de que foi reembolsada do imposto, sendo certo que essa prova podia ter sido feita através de qualquer documento idóneo”.
(...)
“Os documentos comprovativos do conhecimento pela adquirente da rectificação, ou reembolso do imposto deveriam constar da contabilidade do sujeito passivo designadamente seria fácil à recorrente apresentar cópia do cheque eventualmente emitido a favor da adquirente para reembolso do IVA decorrente da rectificação ou de extracto da conta corrente ou conta bancária onde aquele montante estivesse revelado.”
In Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.02.2005, processo n.º 01006/04, disponível em www.dgsi.pt
Neste sentido, os elementos probatórios oferecidos são consistentes e, apesar de terem sido detetadas lacunas quanto ao cumprimento dos requisitos previstos no artigo 36.º n.º 6 do Código do IVA, o Requerente promoveu a obtenção de elementos probatórios complementares que se afiguram e credíveis, sendo, por conseguinte, de aceitar a regularização de IVA constante da nota de crédito n.º … .
Não têm, por isso, sustentação legal os argumentos invocados pela Requerida.
III. DISPOSITIVO
a) Em face do exposto, acorda o Tribunal em julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação dos atos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios.
b) Condenar a Requerida no pagamento das custas (artigo 22.º n.º 4, do RJAT), fixando-se estas na importância de €612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
*
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € €7.153,91.
Notifique.
Lisboa, 10 de Novembro de 2014
A Árbitro
(Filipa Barros)
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
[2] Videoe neste sentido..osto no artigoo va deduçolsados do imposto imento das rectificaç.º 5 stico onstam os movimentos subjacentes Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág. 240 e seg.; Soares Martinez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.618 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.24 e seg. e 411 e seg.