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DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Ana Paula Rocha, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 26 de outubro de 2021, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
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Da tramitação processual
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A..., contribuinte fiscal n.º ..., e B..., contribuinte fiscal n.º ..., com domicílio na Avenida ..., ..., ...-... Marinha Grande, casados (doravante, os “Requerentes”) vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a apreciação de diversos vícios que imputam à liquidação de IRS referente ao exercício de 2019 com o n.º 2021 ... e, bem assim, à liquidação de juros compensatórios referente ao mesmo ano, com o n.º ..., cuja anulação global os Requerentes pretendem, pelo valor total agregado de EUR 10.512,01.
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”).
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Os Requerentes optaram por não designar árbitro.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 13 de julho de 2021 e de imediato notificado à AT.
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Ao abrigo do disposto no artigo 6.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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A 6 de outubro de 2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas b) e c) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
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Em conformidade com o disposto no artigo 11.º n.º 1 alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído a 26 de outubro de 2021.
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Por despacho arbitral proferido a 29 de outubro de 2021 nos termos do artigo 17.º do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional, querendo. Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar cópia do Processo Administrativo.
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A 2 de dezembro de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta e a cópia do Processo Administrativo referente às liquidações ora impugnadas.
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Para audição das testemunhas arroladas pelos Requerentes e pela Requerida, o Tribunal determinou a realização da audiência de julgamento prevista no artigo 18.º do RJAT, designando o dia 17 de janeiro de 2022 para o efeito.
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A reunião foi realizada na data aprazada, por videoconferência, tendo sido ouvidas as testemunhas arroladas pelos Requerentes e pela Requerida a partir das instalações do CAAD em Lisboa. Nesta reunião, as partes apresentaram ainda alegações orais onde reiteraram os argumentos e a fundamentação que haviam já invocado no Pedido de Pronúncia Arbitral e na Resposta, respetivamente, tendo sido designado o dia 21 de fevereiro de 2022 como prazo máximo provável para a prolação da decisão arbitral.
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Na sequência de pedido de esclarecimento feito pelo Tribunal nesse sentido, e em virtude da ausência de oposição da Requerida, os Requerentes vieram juntar aos autos, a 18 de fevereiro de 2022, o comprovativo de pagamento da dívida tributária.
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A data limite para a prolação da decisão arbitral foi posteriormente adiada através dos despachos do Tribunal Arbitral proferidos a 17 e a 28 de fevereiro de 2022, em respeito pelo disposto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT.
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Objeto do pedido e questões a decidir
O Pedido de Pronúncia Arbitral submetido pelos Requerentes tem por objeto a liquidação de IRS referente ao exercício de 2019 com o n.º 2021... e, bem assim, a liquidação de juros compensatórios referente ao mesmo ano com o n.º..., cuja anulação global os Requerentes pretendem, pelo valor total agregado de EUR 10.512,01. Neste contexto, os Requerentes não se conformam com as correções ao rendimento coletável em sede da Categoria G de IRS realizadas pela AT ao abrigo do disposto no artigo 52.º do Código desse imposto, entendendo ser ilegais as liquidações contestadas, especificamente no que se refere à mais-valia apurada na sequência das correções aos valores de realização da operação de cessão onerosa da quota que a Requerente B... detinha na sociedade C..., Lda., com o NIPC..., e que alienou a D... no referido ano de 2019.
Em concreto, entendem os Requerentes que os atos de liquidação de IRS e juros compensatórios supra referenciados padecem de vício de falta de fundamentação de facto que justifique o recurso ao disposto no artigo 52.º do Código do IRS; vício de aplicação de uma correção presuntiva de rendimento em sede da categoria G do IRS ao invés de uma correção aritmética, ao que acresce a circunstância de não ter existido o rendimento que lhes é imputado pela AT e que pudesse ser sujeito a tributação; vício de violação dos princípios do inquisitório e da verdade material, cabendo à Requerida AT promover as diligências para confirmação da divergência apontada (contra-alegando a AT, neste concreto ponto, pela violação do dever de colaboração por parte dos Requerentes) e vício de violação do disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT e do n.º 2 do 66.º do CIRS, relativos à audição do contribuinte e às exigências inerentes à fundamentação dos atos tributários, pedindo os Requerentes que:
a) seja considerada a arguição de tais vícios, “tudo com as legais consequências”; e que
b) o PPA seja julgado procedente por provado e que, em consequência, seja “anulada a liquidação adicional do IRS e juros compensatórios do ano de 2019, no valor de EUR 10.512,01”.
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Síntese da posição das Partes
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Síntese da posição dos Requerentes:
Como fundamentos do Pedido de Pronúncia Arbitral, os Requerentes vêm, em síntese, invocar e defender o seguinte:
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Os Requerentes começam por arguir a inexistência de fundamento para o recurso ao artigo 52.º do Código do IRS, na medida em que a AT só podia socorrer-se do disposto no n.º 2 e n.º 3 daquela disposição legal “para determinar, por presunção, qual o valor da transmissão das ações ou quotas” depois de “justificar fundamentadamente a existência de divergência entre o valor real” e o valor declarado da venda ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo, apresentando para tanto “razões de facto, efetivas e fundamentadas da existência de divergências”.
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Neste contexto, entendem os Requerentes que o critério do último balanço, cuja utilização imputam à AT, apenas poderia servir para quantificar a correção nos termos do n.º 2 e 3 do artigo 52.º do CIRS, não podendo ser “tomado como critério, além do mais único” para o recurso à “presunção do valor de realização” previsto no n.º 1 daquela norma legal.
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Ademais, “mesmo que a existência de divergência se encontrasse fundamentada, o mero recurso ao “último balanço” para se afirmar o “preço real da venda”, teria que ser explicado, designadamente em relação ao método que foi utilizado para avaliar a sociedade e, consequentemente, determinar o valor das ações”, sendo que “pela leitura do relatório de inspecção verifica-se que a Requerida nem comprovou fundadamente a verificação da divergência entre o valor real e o valor declarado da transmissão, nem explicitou que modelo de avaliação, tendo por base o último balanço, adotou, e por que motivos elegeu um e não elegeu outro”.
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Nesta senda, defendem ainda os Requerentes que a correção levada a cabo pela AT redundou numa correção presuntiva de rendimento em sede da categoria G do IRS ao invés de uma correção aritmética, na medida em que “a AT não apresentou qualquer facto que indicie ou que sustente que os valores de realização declarados não correspondam ao efetivo preço de transmissão das ações”, donde resulta ser “ilegal a correção efetuada pela AT por não obedecer ao normativo legal, designadamente por não apresentar a necessária e obrigatória fundamentação dos motivos que justificam a aplicação dos métodos indiretos”, ao que acresce a circunstância de, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, as presunções consagradas nas normas de incidência admitirem sempre prova em contrário, não se podendo atribuir às contas da sociedade elaboradas de acordo com o SNC e sujeitas a certificação legal de contas uma “presunção jure et de jure de absoluta correção”.
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Em conexão com esta circunstância, os Requerentes sublinham que inexiste um rendimento da categoria G que possa ser “sujeito a tributação uma vez que o valor de venda da quota de EUR 2.500,00, foi igual ao valor de aquisição/valor nominal de EUR 2.500”, o que também justifica que os “impugnantes apenas podem ser tributados pelo valor efetivamente recebido e não pelo valor presumido pela AT com base no balanço de cada uma das sociedades”.
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Assim, e apesar de reconhecerem que o conceito de rendimento adotado pelo Código do IRS é o conceito de rendimento-acréscimo, que se baseia em “todo o aumento de poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nele as mais-valias”, este ganho ou aumento de poder aquisitivo não aconteceu no caso sub judice, pois que os Requerentes não receberam qualquer valor para além dos referidos EUR 2.500, considerando em especial ter ficado demonstrado que não receberam o valor de EUR 76.016,82, correspondente a 50% dos capitais próprios da sociedade C..., Lda.
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Na verdade, o valor de realização presumido pela AT pode ser ilidido mediante prova em contrário, sendo que “uma das provas admissíveis é a consulta às contas bancárias da reclamante, mas que a AT entendeu não efetuar, mantendo a sua posição e presumindo um valor de realização, sem, contudo, analisar todas as provas ao seu alcance”.
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A este respeito, defendem os Requerentes que, com a sua atuação, a AT violou os princípios do inquisitório e da verdade material, previstos nos artigos 58.º da LGT e 6.º do RCPITA, “ao corrigir o valor da venda com base nos elementos dos capitais próprios do balanço da sociedade C..., em 31 de Dezembro de 2019, Relatório de Inspeção, fls 10 e 11, sem que tenha diligenciado no sentido de apurar os elementos que suportaram a venda da quota, designadamente o acesso às contas bancárias”, o que inquina “de ilegalidade o acto tributário emitido nessa sequência”.
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Para os Requerentes, “caberia à Requerida AT promover as diligências que considerasse adequadas para confirmação da divergência apontada, designadamente à junção ao processo dos documentos comprovativos dos fluxos financeiros associados à operação entre comprador e vendedores, ainda que, para o efeito, a AT necessitasse de se socorrer do procedimento de abertura do sigilo bancário; a audição, por escrito, do adquirente, sobre os termos e condições em que realizou o negócio; a análise das contas da sociedade cujo capital as ações alienadas representavam, visando a verificação da existência de créditos ou débitos dos vendedores sobre a sociedade e que, por via da alienação das ações, estivessem a ser transferidos para o adquirentes, sem que o respetivo valor se refletisse no preço”.
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Ademais, entendem os Requerentes que “a obrigação vertida no n.º 7 do artigo 60.º da LGT não pode ser desligada no princípio do inquisitório”, na medida em que tal obrigação determina que os elementos novos obtidos na audição do contribuinte sejam obrigatoriamente tidos em conta pela AT na sua decisão, considerando ainda insuficientes as diligências adotadas pela AT face ao disposto no n.º 2 do 66.º do CIRS, relativo às exigências inerentes à fundamentação dos atos tributários.
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Síntese da posição da Requerida:
Na sua Resposta, veio a Requerida defender-se por impugnação, invocando e defendendo, em síntese, o seguinte:
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Apesar de reconhecer que “o valor de realização de uma operação de cessão onerosa de uma quota corresponde[r], à partida, à contraprestação recebida (cf. alínea f), do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS)”, a Requerida adianta que o artigo 52.º do Código do IRS “confere à AT a possibilidade de proceder à correção do valor de realização sempre que considere, fundadamente, que se possa estar perante um negócio jurídico simulado e, portanto, que o valor declarado não corresponde ao valor real de transmissão”, sendo que a aplicação dos poderes de correção previstos naquela disposição legal se basta com a ““demonstração de que “pode existir” divergência entre o valor declarado e o valor real” (cf. Acórdão do TCA, de 21-05-2020, proferido no processo 357/18.7BEVIS)”, ou seja, basta-se “com a mera possibilidade, desde que fundada e fundamentada, de existência e uma divergência de valores””.
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No caso sub judice, “os SIT consideraram poder existir uma divergência entre o valor declarado e o valor real em virtude de o valor da quota cedida espelhado no balanço ser muito superior ao valor declarado pelos requerentes (valor nominal da quota, de € 2.500)”. Neste contexto, a Requerida destaca algumas passagens do Relatório de Inspeção Tributária que espelham a análise realizada pelos SIT ao balanço da sociedade C..., Lda. destacando, a propósito da consideração de tal balanço, que “o método de avaliação patrimonial é dos métodos de avaliação de empresas com mais objetividade, dado que tem por base o Balanço [desta sociedade], que traduz os ativos de propriedade da empresa e a forma como os mesmos estão financiados”.
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Para a Requerida, “considerando a discrepância entre o valor declarado e o valor refletido no balanço, afigura-[se] fundada a suspeita de que o valor declarado não corresponde ao valor real de transmissão”, encontrando-se ainda fundamentada a aplicação do artigo 52.º do Código do IRS por ser claro “o “itinerário cognoscitivo” que levou à correção da liquidação contestada, estando devidamente salvaguardado o respeito pelo dever de fundamentação”.
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Ademais, entende a Requerida que os Requerentes não lograram comprovar que o valor real da transmissão foi de € 2.500, designadamente porque embora os extratos das contas bancárias por estes entregues “comprovem que, numa determinada data, foram transferidos determinados valores para a conta dos requerentes, não fica comprovado que os requerentes não receberam mais valor nenhum por ocasião da cessão da quota detida na sociedade C...”.
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Nesta senda, refere a Requerida que o princípio do inquisitório e o princípio da busca da verdade material exigem que a AT realize, sem subordinação à iniciativa do sujeito passivo, todas as diligências relevantes para a averiguação da realidade factual que é pertinente e necessária para a aplicação das normas tributárias que estejam em causa e para a averiguação da verdade material, devendo a AT “recolher e considerar as provas que lhe sejam apresentadas ou solicitadas pelos interessados quando as mesmas apresentem um mínimo de pertinência em atenção à factualidade invocada”. Como tal, está fora de causa “cogitar que a AT proceda oficiosamente a diligências instrutórias não requeridas que não assumem, em termos conjeturáveis, relevância para a decisão no procedimento”, sendo que “as diligências instrutórias exigíveis em nome do princípio do inquisitório previsto no art.º 58.º da LGT respeitam unicamente a factos concretos e individualizados, não abrangendo, pois, conceitos, proposições normativas ou juízos de feição valorativa ou conclusiva”.
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A este respeito, e no “que se refere à mencionada autorização para consulta às contas bancárias, tal diligência revelou-se manifestamente desnecessária, pois tal só se justificaria se” não existisse a forma de apuramento claramente prevista no artigo 52º do CIRS, ao que acresce a circunstância de “sempre poder[em] existir outras compensações, não apuradas pela derrogação do sigilo bancário”, verificando-se “o cumprimento do princípio do inquisitório, ponderados, em especial, os elementos que foram invocados pelos impugnantes e os meios de prova que foram oferecidos ou solicitados no âmbito do procedimento de inspeção tributária”.
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Relembra a Requerida, a este respeito, que a “LGT consagra igualmente, no n.º 1 do art. 59.º, um recíproco dever de colaboração, o qual exige ao contribuinte que coopere ativamente com a administração tributária no sentido da descoberta da verdade. Ora, tal como resulta descrito no RIT, durante o procedimento de inspeção, os impugnantes não solicitaram quaisquer diligências instrutórias complementares, não tendo indicado quaisquer particulares meios probatórios que a AT ainda devesse considerar; tanto mais que, nem sequer exerceu o respetivo direito de audição naquele procedimento”, o que também contribui para a impossibilidade de decidir pela omissão de diligências instrutórias relevantes em sede de fixação da base factual necessária à aplicação do disposto no artigo 52º do CIRS”.
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Na verdade, “em relação à indicação das diligências específicas que, para tanto, deveriam ter sido realizadas, nada referem os Requerentes. Aliás, dificilmente se pode compreender qual a diligência probatória que assume relevância no caso em apreciação, para além das diligências tomadas pela Inspeção Tributária, quando se verifica que os ora Requerentes não solicitaram, em sede do procedimento tributário, que sobre qualquer facto tido por pertinente fosse diligenciado em que sentido fosse”.
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Defende ainda a Requerida que os Requerentes não têm também razão quando vêm arguir o vício de falta de fundamentação da liquidação uma vez que “foi dado integral cumprimento ao disposto no artigo 77º da Lei Geral Tributária (LGT), encontrando-se o ato tributário devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, de molde a permitir aos Requerentes, conhecer os motivos e o itinerário cognoscitivo do seu autor”, sendo que a fundamentação se revela “contemporânea do ato (encontra-se vertida no RIT), clara, suficiente e congruente, tendo permitido aos Requerentes decidir sobre a impugnabilidade do ato tributário”, destacando a Requerida a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – STA, de 26-05-2004 e de 02-02-2006.
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“Quanto à questão da alegada violação do disposto na alínea e) do n.º 1 e no n.º 7 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e da falta de fundamentação da liquidação”, os Requerentes não têm razão porque não só não exerceram o direito de audição para o qual foram notificados na sequência da emissão do relatório de inspeção como não entregaram Declaração de Rendimentos Modelo 3 de substituição. E não tendo exercido aquele direito, por sua opção, “não trouxeram ao procedimento novos elementos que, ao abrigo do número 7 do artigo 60º da LGT, devessem ser tidos em conta”.
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Saneamento
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As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. os artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e o artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º, todos do RJAT, bem como do disposto nos artigos 131.º e seguintes do CPPT, a contrario sensu.
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O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, sendo tal prazo contado a partir da data limite para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte (a qual se verificou no dia 9 de junho de 2021).
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Não existem exceções a apreciar e o processo não enferma de nulidades.
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Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
3. Matéria de Facto
3.1 Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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A sociedade C..., Lda. (atualmente designada de C..., Unipessoal, Lda.) foi constituída a 8 de março de 2004 com o capital social de EUR 5.000, dividido em duas quotas iguais de EUR 2.500 pertencentes à Requerente B... e ao seu irmão D..., respetivamente – cfr. o documento n.º 4 junto aos autos com o PPA, incluindo a certidão permanente da Empresa que faz parte integrante de tal documento.
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A 18 de julho de 2019 foi celebrada uma escritura de cessão onerosa de quotas em que a Requerente B... cedeu a quota detida na sociedade C..., Lda. ao sócio D...– cfr. os documentos n.º 5, 6 e 7 juntos aos autos com o PPA.
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A operação de cedência de quota referida em 2. foi celebrada pelo respetivo valor nominal, i.e., pelo valor de EUR 2.500 – cfr. os documentos n.º 4 a 7 juntos aos autos com o PPA.
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A 19 de julho de 2019, o sócio D... realizou uma transferência bancária no montante de EUR 2.500 a partir da conta por si titulada no E... com o n.º PT50 ..., para a conta titulada pela Requerente no F... com o n.º PT50...– cfr. os documentos n.º 7, 8 e 16 juntos aos autos com o PPA.
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A alienação da quota deveu-se à vontade antiga de a Requerente B... abandonar não só a gerência como a própria estrutura societária da C..., Lda., passando a dedicar a totalidade do seu tempo a outros negócios – cfr. o depoimento testemunhal de G... e D... .
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O adquirente da quota, D... é ainda, à data de hoje, gerente e sócio único da sociedade alienada – cfr. o documento n.º 4 junto aos autos com o PPA, incluindo a certidão permanente da Empresa que faz parte integrante de tal documento, bem como o depoimento testemunhal do próprio e de G... .
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O setor do vidro, no qual a empresa C..., Lda. opera, é um setor volátil com diversas especificidades, sendo necessários conhecimentos muito específicos para gerir e operar uma sociedade enquadrada no mesmo – cfr. o depoimento testemunhal de G... e D..., não contestados pela Sra. Inspetora Tributária, que afirmou não trabalhar habitualmente com empresas de tal setor de atividade.
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A operação de cessão onerosa de quotas referida em 2. foi declarada na Modelo da Direção de Registos e Notariado: Requerimento para registo por depósito – cfr. o documento n.º 5 junto aos autos com o PPA.
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A operação de cessão onerosa de quotas referida em 2. não foi declarada pelos Requerentes no Anexo G da Declaração de Rendimentos de IRS (Modelo 3) referente ao ano de 2019 – facto admitido por acordo.
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Os Requerentes foram submetidos a uma inspeção interna em sede de IRS, credenciada pela Ordem de Serviço nº OI2021..., tendo por objeto a operação de cessão onerosa de quotas efetuada no ano de 2019 e referida em 2. – cfr. o documento n.º 4 junto aos autos com o PPA.
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No contexto do procedimento inspetivo, os Requerentes responderam ao pedido de informações submetido pelos SIT, juntando a cópia de certidão permanente da empresa e a cópia do contrato de cessão de quotas, conforme solicitado – cfr. o documento n.º 4 junto aos autos com o PPA;
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No Relatório de Inspeção Tributária (RIT) produzido na sequência da realização da inspeção referida em 10., os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) apresentaram os seus fundamentos para a aplicação do disposto no artigo 52.º do Código do IRS, todos eles baseados no balanço da empresa C..., Lda. por referência ao ano de 2018 e com comparação face aos anos de 2016 e 2017 (a saber, valor dos capitais próprios e rúbrica de caixa e depósitos bancários, bem como volume de negócios e resultado líquido do período) – cfr. o documento n.º 4 junto aos autos com o PPA.
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Os cálculos realizados pelos SIT na sequência da aplicação do disposto no artigo 52.º do Código do IRS foram os seguintes – cfr. o documento n.º 4 junto aos autos com o PPA:
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Considerando que o total do capital próprio da sociedade C..., Lda. era, em 2018, de EUR 152.033,64 e que a percentagem de capital social detida pela cedente era de 50%, a inspeção tributária entendeu que o valor de realização da operação deveria ser fixado no montante de EUR 76.012,82;
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Assim, e uma vez que o valor de aquisição da quota ascendeu a 3.050 (correspondendo ao valor de EUR 2.500 atualizado pelo coeficiente de desvalorização monetária de 1,22), os SIT apuraram uma mais-valia em sede de IRS – Categoria G no montante de EUR 72.966,82;
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Nos termos do artigo 43.º n.º 3 do Código do IRS, por se tratar de uma micro ou pequena empresa, o saldo positivo das mais-valias foi apenas considerado em 50% do seu valor, isto é, em EUR 36.483,41;
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Da aplicação da taxa de 28% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS resultou um imposto a pagar no valor de EUR 10.215,35.
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Na sequência da notificação do RIT final aos Requerentes foram emitidos os seguintes documentos – cfr. os documentos n.º 1 a 3 juntos aos autos com o PPA:
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Liquidação de IRS referente ao exercício de 2019, com o n.º 2021..., emitida a 10 de abril de 2021 e com o montante de EUR 10.215,35;
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Liquidação de juros compensatórios n.º ..., emitida a 30 de abril de 2021 no montante de EUR 296,66;
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Demostração de acerto de contas 2021..., emitida a 30 de abril de 2021, no montante global de EUR 10.512,01.
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A data limite para o pagamento voluntário das importâncias em dívida ocorreu a 9 de junho de 2021 – cfr. o documento n.º 2 junto aos autos com o PPA.
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Tendo sido instaurado um processo de execução fiscal, os Requerentes procederam ao pagamento global da totalidade da dívida exequenda a 30 de julho de 2021 – cfr. o documento junto aos autos a 18 de janeiro de 2022.
3.2 Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
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Motivação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria de facto provada da não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT). Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e) do RJAT).
Considerando as posições assumidas pelas partes nas respetivas peças processuais, a prova documental junta aos autos, bem como a convicção formada durante a inquirição das testemunhas apresentadas pelas partes em sede da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – as quais aparentaram depor com isenção e conhecimento direto dos factos sobre os quais incidiram os seus depoimentos –, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se consideraram provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
4. Do Direito
4.1. Falta de fundamentação do recurso à presunção estabelecida pelo artigo 52.º do Código do IRS
Ao abrigo do disposto no artigo 9.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários. Nestas situações, e nos termos da alínea a) do n.º 4 daquele artigo 10.º, o ganho apurado para efeitos fiscais a título de mais-valia em sede de categoria G resulta da diferença positiva entre o valor obtido com a transmissão, designado de valor de realização, e o valor pago aquando da aquisição daqueles bens mobiliários, designado de valor de aquisição.
Relativamente ao valor de realização – que é aquele que está em causa nos presentes autos –, considera-se como tal, a título de regra geral, o valor da respetiva contraprestação (neste sentido vide o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS e ainda Paula Rosado Pereira in Manual de IRS, Edições Almedina, setembro de 2021, pp. 277 e 278). Contudo, e não obstante esta regra geral, o artigo 52.º do Código do IRS vem prever o procedimento a observar pela AT nas situações em que esta considere existir, de forma fundada, uma divergência entre o valor declarado e o valor real de realização das operações de transmissão onerosa de partes de capital de sociedades, sendo precisamente a interpretação e aplicação deste artigo que constitui a causa decidendi no presente processo arbitral.
Ora, à data dos factos, era a seguinte a redação do artigo 52.º do Código do IRS:
“1 - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação.
2 - Se a divergência referida no número anterior recair sobre o valor de alienação de ações ou outros valores mobiliários, presume-se que:
a) Estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o da respetiva cotação à data da transmissão ou, em caso de desconhecimento desta, o da maior cotação no ano a que a mesma se reporta;
b) Não estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.
3 - Quando se trate de quotas, presume-se que o valor de alienação é o que àquelas corresponda, apurado com base no último balanço”.
A disposição legal acabada de transcrever apresenta dois segmentos que, embora sequenciais entre si, se apresentam como partes distintas, a saber:
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A primeira parte é composta pelo disposto no n.º 1 do preceito que, prevendo uma norma de alcance geral aplicável a todas as situações em que sejam apuradas mais-valias mobiliárias em sede de IRS, intitula a AT a proceder à determinação oficiosa do valor de realização das operações de alienação de bens mobiliários se e na medida em que apresente fundamentos de que pode existir uma divergência entre o valor declarado e o valor real da operação;
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Sendo tais fundamentos apresentados pela AT (i.e., cumprindo-se as exigências previstas no n.º 1), é então possível passar à segunda parte do preceito, composta pelo disposto nos seus n.ºs 2 e 3, nos termos dos quais são estabelecidas presunções ilidíveis do valor de realização, dispondo-se especificamente no caso das quotas que tal valor presumido deverá ser apurado com base no último balanço da entidade.
A consideração desta divisão bipartida do artigo 52.º do Código do IRS está bem patente no Projeto da Reforma do IRS – Uma reforma do IRS orientada para a simplificação, a família e a mobilidade social, de setembro de 2014, quando nas suas pp. 42 e 43 se pode ler que os “critérios de determinação do valor de alienação previstos nos números 2 e 3 do artigo 52.º do Código do IRS – aplicáveis nos casos de transmissão de ações, outros valores mobiliários e quotas, quando a AT considere fundadamente que existe divergência entre o valor declarado e o valor real – consubstanciam presunções legais que, enquanto tal, poderão ser objeto de elisão” (nosso sublinhado). E é também este o entendimento que resulta de anteriores decisões do CAAD, podendo ler-se concretamente nas decisões proferidas a 19 de janeiro de 2021 no Processo n.º 812/2019-T e a 27 de julho do mesmo ano no Processo n.º 735/2020-T que “resulta claramente da letra e razão de ser do preceito que as regras dos n.ºs 2 e 3 hão de aplicar-se caso a AT demonstre, em primeiro lugar, ou pelo menos se estabeleça uma dúvida fundada, que o preço de realização declarado não corresponde ao preço real da transmissão”, pois que “a primeira questão a resolver é a que coloca o n.º 1, isto é, fundamentar que existe, ou indiciar fundadamente que existe, uma não coincidência entre o valor declarado e o valor real da alienação. Dando-se por assente a divergência, passa-se, então, à segunda fase do procedimento de determinação do valor de realização nos termos e com os métodos que forem considerados apropriados, exceto se se tratar de situações que se integrem nas hipóteses previstas nos n.ºs 2 e 3, das quais, e só nesta segunda fase do procedimento, resultará um valor de realização presumido, caso se não tenha chegado ao valor real de alienação, nos termos do n.º 1”.
Em face do exposto, importa então começar por aferir se a fundamentação da AT constante do relatório de inspeção tributária (e que, em último grau, constitui a fundamentação dos atos de liquidação) cumpriu ou não com o disposto no n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRS.
Como nos parece resultar da letra do preceito, a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRS não depende da demonstração concreta e efetiva, por parte da AT, da existência de uma divergência entre o valor declarado e o valor de realização da operação, mas antes da demonstração da possibilidade fundada dessa existência (também neste sentido, vide o Acórdão do TCA Norte proferido a 21 de maio de 2020 no Processo n.º 00357/18.7BEVIS). Contudo, tal como resulta da expressão “quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente” e tal como se concluiu na decisão arbitral proferida a 23 de novembro de 2021 no Processo n.º 323/2020-T, esta faculdade conferida à AT “não é de utilização livre ou desvinculada, porquanto se exige que seja devidamente fundamentada a possibilidade de existir a referida divergência. Quer isto dizer que sobre a AT recai o ónus de demonstrar e justificar, designadamente através dos elementos probatórios reunidos no procedimento de inspeção tributária, a existência de fundados indícios ou dúvidas sérias sobre a falta de correspondência com a realidade do valor de realização declarado pelo Requerente não bastando, portanto, que o valor em questão seja considerado inverosímil, improvável ou pouco usual” (também assim vide André Salgado de Matos in Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, com revisão de Rodrigo Queiroz e Melo, ed. Instituto Superior de Gestão, 1999, p. 323). Na verdade, e como se refere naquela decisão arbitral, “convém recordar a este respeito que a tributação segundo presunções constitui a excepção no âmbito do Direito Tributário, na medida em que estas impõem uma tributação que, com elevado grau de probabilidade, não incidirá sobre a efectiva capacidade contributiva demonstrada pelo sujeito passivo. E ainda que a consagração de presunções que afectem a incidência a imposto possam ser justificáveis por razões de praticabilidade e de prevenção da fraude e evasão fiscal, não se poderá descurar que o princípio da capacidade contributiva constitui “o pressuposto, o limite e o critério da tributação”, conforme evidencia SÉRGIO VASQUES, em Manual de Direito Fiscal, reimpressão, Almedina, 2015, p. 296”, sendo precisamente com este sentido e alcance que a determinação e quantificação pela AT de uma matéria tributável diversa daquela que é considerada pelos contribuintes terá de ser devidamente fundamentada em função das exigências constantes do artigo 52.º n.º 1 do Código do IRS.
Nesta senda, não se pode considerar que a AT tenha cumprido, no caso sub judice, com o ónus de fundamentação que sobre si recaía nos termos conjugados dos artigos 52.º n.º 1 do Código do IRS e, bem assim, do artigo 74.º n.º 1 da LGT, pois que da fundamentação constante do RIT não resulta a referida demonstração fundada da possibilidade de que o valor de alienação avançado pelos Requerentes não corresponde ao valor efetivamente praticado. Senão, vejamos.
Como refere a Requerida AT na sua Resposta, “os SIT consideraram poder existir uma divergência entre o valor declarado e o valor real em virtude de o valor da quota cedida espelhado no balanço ser muito superior ao valor declarado pelos requerentes (valor nominal da quota, de € 2.500)”, concluindo que uma vez considerada “a discrepância entre o valor declarado e o valor refletido no balanço, afigura-se-nos fundada a suspeita de que o valor declarado não corresponde ao valor real de transmissão” (nosso sublinhado), reafirmando a AT a listagem de fundamentos ancorados na análise do balanço da sociedade C..., Lda. por referência ao exercício de 2018 (Facto Provado n.º 11, para o qual se remete). Contudo, a falta de coincidência entre o valor de alienação e o valor que resultaria da consideração do último balanço da sociedade cuja quota foi alienada, bem como dos valores em caixa e dos resultados líquidos daquela sociedade, não permite justificar, por si só, a existência de uma divergência para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRS e o consequente abandono da regra geral prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS. Por um conjunto de motivos que, na sua leitura conjunta ou agregada, conduzem a tal conclusão.
Desde logo porque, como vimos já, a aplicação do disposto no n.º 3 daquela disposição legal depende da prévia e necessária aplicação do seu n.º 1, não sendo o raciocínio contrário admitido nos termos da letra da norma. Tal como referem os Requerentes, o disposto no n.º 3 do artigo 52.º do Código do IRS – i.e., a consideração do valor do balanço da sociedade – “não serve para justificar a correção, na medida em que estabelece o critério para quantificar a correção e não a razão pela qual a AT pode efetuar a correção por presunção” (nosso sublinhado); por outras palavras, é a prévia demonstração da fundada possibilidade de existência de uma divergência entre o valor da operação atribuído pelos Requerentes e o seu valor real que permite à AT aplicar a presunção assente na consideração do balanço da Empresa alienada como medida de quantificação do valor de realização da operação, não sendo, a contrario, a consideração e aplicação da presunção que, por si só, permite fundar a possibilidade de existência daquela divergência. Na verdade, o disposto no artigo 52.º do Código do IRS não se dirige, tão somente, a demonstrar qual o valor contabilístico de uma determinada sociedade no momento presente mas, mais do que isso, a fundamentar a possibilidade de que o montante pelo qual a empresa foi alienada não corresponde ao valor real da transmissão (i.e., que o valor efetivamente recebido pelos alienantes não correspondeu ao valor declarado).
Por outro lado, e ainda no contexto da estrita consideração do balanço para efeitos de aplicação do disposto no artigo 52.º do Código do IRS, sempre haverá que determinar o concreto valor do mesmo que servirá de base ao apuramento do valor atual das quotas, explicando-se o recurso a tal balanço em relação ao método que foi utilizado para avaliar a sociedade, tal como já referido nas decisões arbitrais n.º 812/2019-T e 735/2020-T, anteriormente referenciadas.
Adicionalmente, importa também tomar em consideração que poderão existir diversos motivos subjacentes à alienação das quotas por um valor inferior ao constante do último balanço, sem que em causa esteja um qualquer indício da existência de um intuito elisivo, de tal forma que a divergência que se possa verificar poderá ser justificável, tal como sublinhado na decisão arbitral proferida no já referido Processo n.º 323/2020-T. A este respeito, Raquel de Lóia Sequeira in Transmissão de quotas e de ações – Algumas questões, Revista de Direito das Sociedades X (2018), 3, p. 545 refere que casos há em que existe um interesse em que o domínio da sociedade “se concentre em determinados sócios, ocorrendo então uma “matização personalística do cunho capitalístico” (cunho este que, como se sabe, é mais vincado nas sociedades anónimas). Neste sentido, o elemento pessoal prevalecerá sobre o elemento capitalístico nos casos em que, por exemplo, “a sociedade é constituída por um grupo de pessoas que se encontram unidas por laços familiares, pertencem a uma mesma comunidade de conhecimentos técnicos ou partilham das mesmas crenças ideológicas mas também pode ocorrer naqueles outros casos em que sociedade procura impedir a entrada de elementos com intenções especulativas, propósitos ou opiniões contrárias àquelas que as dominam, com vista à manutenção da sua natureza de grupo fechado”. Ora, no caso vertente, foram apontados motivos concretos neste preciso contexto, tendo sido tais motivos certificados pela prova testemunhal produzida e que se encontram devidamente mencionados na matéria de facto dada como provada, para a qual se remete (sendo os mesmos relacionados, em termos gerais, com a vontade de a Requerente B... abandonar a gestão e a detenção da sociedade C..., Lda. para se dedicar a outros negócios, garantindo a continuidade desta micro/pequena empresa de cariz familiar junto do sócio D..., com conhecimentos específicos na área do vidro e que ainda hoje é o sócio gerente daquela entidade).
Associada a esta circunstância, e por fim, tal como se refere na decisão arbitral proferida no Processo n.º 323/2020-T, sendo certo que recai sobre o órgão instrutor do procedimento inspetivo “o prudente juízo de determinar quais as diligências e os meios de prova que se afiguram indispensáveis e necessários à realização do interesse público e à descoberta da verdade material”, o cumprimento do princípio do inquisitório comina para a AT a obrigação de reunir os elementos que permitam o cabal apuramento de tal verdade (tal como decorre do disposto no artigo 6.º do RCPITA e do artigo 58.º da LGT) e, bem assim, o cumprimento do ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos (tal como previsto no artigo 74.º n.º 1 da LGT). Assim, e tal como se referiu na decisão arbitral proferida a 19 de janeiro de 2021 no processo n.º 812/2019-T, o artigo ora em análise faz recair sobre a AT o ónus de realizar as diligências adequadas à confirmação da possibilidade de existir uma divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, designadamente através da “junção ao processo dos documentos comprovativos dos fluxos financeiros associados à operação entre comprador e vendedores, ainda que, para o efeito, a AT necessitasse de se socorrer do procedimento de abertura do sigilo bancário; a audição, por escrito, do adquirente, sobre os termos e condições em que realizou o negócio; a análise das contas da sociedade cujo capital as ações alienadas representavam, visando a verificação da existência de créditos ou de débitos dos vendedores sobre a sociedade e que, por via da alienação das ações, estivessem a ser transferidos para o adquirentes, sem que o respetivo valor se refletisse no preço”, ao que se acrescenta o acesso ao pacto de sociedade, de forma a aferir a existência de cláusulas de limitação à alienação de partes de capital nos termos do Código das Sociedades Comerciais (designadamente, dos artigos 228.º e 328.º).
E a este respeito, sempre se diga que não tem razão a Requerida AT quando refere o incumprimento do dever de colaboração que recai sobre o contribuinte e a ausência de exercício do direito de audição por parte deste como formas de minimizar o recurso a diferentes diligências instrutórias na medida em que, no contexto do procedimento inspetivo levado a cabo, o contribuinte entregou toda a documentação que lhe foi solicitada (Facto n.º 11 do Probatório), não sendo o direito de audição uma exigência que se imponha ao contribuinte, mas uma prerrogativa que lhe assiste.
Por tudo quanto foi exposto, não se pode considerar que a AT tenha indicado e demonstrado fundadamente a existência de uma divergência entre o valor de realização da operação indicado pelos Requerentes e o valor que a AT considera ser o valor efetivamente praticado, em incumprimento do dever de fundamentação que lhe era exigido. Na verdade, e ao contrário do que defende à AT, não é possível aferir o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido para a aplicação do artigo 52.º do Código do IRS, já que o RIT não faz a demonstração dos indícios fundados que justificaram o recurso àquela norma.
Neste sentido, conclui-se que a AT realizou uma interpretação e aplicação ilegal do artigo 52.º do Código do IRS, sendo procedente o vício de falta de fundamentação do ato de liquidação de IRS ora impugnado e, bem assim, do ato de liquidação de juros compensatórios que tomou a liquidação precedente como seu pressuposto (pois que os juros compensatórios “constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente”, conforme referiu a decisão arbitral datada de 29 de abril de 2019 e proferida no âmbito do processo n.º 405/2018-T), devendo tais liquidações ser, consequentemente, anuladas.
4.2. Questões de conhecimento prejudicado
Uma vez declarada procedente a ilegalidade dos atos de liquidação objeto do presente processo arbitral em virtude da verificação de um vício de falta de fundamentação, o que assegura uma efetiva e estável tutela dos direitos dos Requerentes, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados. Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados, sob pena da prática de atos inúteis proibida pelo disposto no artigo 130.º do CPC, aplicável por força do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do RJAT.
Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício que impede a renovação do ato impugnado com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, sejam formais e procedimentais, sejam também de violação da lei.
5 – DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelos Requerentes e, em consequência, anular os atos tributários de liquidação de IRS e de liquidação de juros compensatórios impugnados nos autos;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, no valor de EUR 918.
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Valor: De harmonia com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 10.512,01 (dez mil, quinhentos e doze euros e um cêntimo).
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Custas: Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em EUR 918,00, as quais ficam a cargo da Requerida ao abrigo do disposto nos artigos 12.º n.º 2 e 22.º n.º 4 do RJAT e no artigo 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
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Notifique-se.
Lisboa, 4 de março de 2022.
O Árbitro,
Ana Paula Rocha
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