Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 424/2021-T
Data da decisão: 2022-03-09  ISV  
Valor do pedido: € 1.568,71
Tema: ISV – Veículo automóvel usado “importado” de outro EM da UE – Imposto incidente sobre a componente ambiental.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1. No dia 08-07-2021, A..., NIF ..., com domicilio na Rua ..., n.º  ...,..., Barcelos (doravante “Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea b), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com as alterações subsequentes, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

1.1. Pretende o Requerente a pronúncia deste Tribunal Arbitral sobre:

- A declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto sobre Veículos (ISV), consubstanciadas nas Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV) n.º 2017/..., n.º 2018/..., n.º 2018/... e n.º 2019/..., da Alfândega de Braga, e respectiva anulação parcial;

- A condenação da AT na restituição do montante indevidamente pago acrescido do pagamento dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

1.2. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT, em 09-07-2021.

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.1. Em 23-08-2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 10-09-2021.

4. O Requerente sustenta, no essencial, o pedido de pronúncia arbitral na ilegalidade do artigo 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos (ISV), por violação do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), alegadamente por não ter sido considerada a percentagem de redução devida pelo tempo de uso dos veículos quanto à componente ambiental, sustentando, a anulação na parte da liquidação referente a esta componente.

4.1. Defende o Requerente a aplicação à componente ambiental da mesma percentagem de redução que foi aplicada à componente cilindrada, requerendo a anulação parcial da liquidação de ISV, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

5. Por despacho de 21-01-2022, atenta a falta de contestação da AT, foi determinada a remessa, ao Tribunal Arbitral, do processo administrativo no prazo de 5 (cinco) dias.

6. No dia 26-01-2022, a Requerida remeteu a este Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, tendo apresentado, em 27-01-2022 alegações.

6.1. A defesa da AT, expressa nas alegações pode ser sintetizada no seguinte:

  1. Dos elementos constantes do processo administrativo, constituído, designadamente, pelo procedimento atinente às introduções no consumo, efectuadas através das DAV identificadas, o Requerente procedeu à regularização fiscal de 4 (quatro) veículos ligeiros de passageiros, usados, provenientes de outros Estados-Membros, com as características constantes das respectivas declarações.
  2. Na sequência do processamento das DAV em causa, foram efectuadas as respectivas liquidações de ISV.
  3. Dos indeferimentos dos pedidos de revisão das liquidações em causa, o Requerente apresentou o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV, e consequente restituição do montante de € 1.568.71 (acrescido de juros indemnizatórios), resultante da aplicação à componente ambiental da percentagem de redução aplicável à componente cilindrada.
  4. Defende a AT que o pedido de pronúncia arbitral deve ser considerado intempestivo já que o mesmo foi interposto na sequência de indeferimentos de pedidos de revisão de actos tributários, efectuados depois de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação dos actos de liquidação.
  5. Por outro lado, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao Tribunal Arbitral a apreciação da legalidade de actos de liquidação de tributos [cfr. artigo 2.º, n.º 1 do RJAT], não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores / montantes, por conta da anulação, total ou parcial, de actos de liquidação de ISV.
  6. Incumbindo às alfândegas efectuar a liquidação do imposto, compete-lhes igualmente realizar as diligências necessárias ao cumprimento da decisão arbitral, determinando, em concreto, os montantes que, em caso de procedência da acção, têm de ser reembolsados ao sujeito passivo.

7. Em 27-01-2022, o Requerente veio juntar Informação ao processo.

8. Por despacho de 07-02-2022, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e convidadas a produzir alegações escritas, tendo sido fixado a data-limite para a prolação da decisão arbitral.

9. Em 18-02-2022, a Requerida solicitou que fossem consideradas as alegações juntas em 27-01-2022.

10. O Requerente não apresentou alegações.

 

 

 

 

 

II – SANEADOR

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

III – FundameNtação

 

III-1. De Facto

 

§1. Factos provados

Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente apresentou, na Alfândega de Braga, por transmissão electrónica de dados, as Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV) n.º 2017/..., n.º 2018/..., n.º 2018/... e n.º 2019/... para introdução no consumo em Portugal, dos veículos automóveis ligeiros de passageiros, respectivamente:
    1. da marca “...”, modelo ..., com a matrícula ..., movido a combustível gasóleo, n.º de motor ... e cilindrada ...cc;
    2. da marca “...”, modelo ..., com a matrícula ..., movido a combustível gasóleo, n.º de motor ... e cilindrada ...cc;
    3. da marca “...”, modelo ..., com a matrícula..., movido a combustível gasóleo, n.º de motor ...e cilindrada ... cc;
    4. da marca “...”, modelo ..., com a matrícula ..., movido a combustível gasóleo, n.º de motor ... e cilindrada ... cc;
  2. As referidas DAV foram apresentadas pelo Requerente, através de representante indirecto, tendo o declarante inscrito nos Quadros F e G (referentes à apresentação do veículo e matrícula anterior), que os mesmos eram viaturas usadas, com 125788, 132168, 177019 e 121336 Km percorridos, respectivamente.
  3. Tendo em consideração a data da primeira matrícula, respectivamente:
    1. 27-02-2013, no país de origem Alemanha, é considerado um veículo com mais de 3 a 4 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV ao qual corresponde uma percentagem de redução de 43%;
    2. 04-06-2014, no país de origem Espanha, é considerado um veículo com mais de 3 a 4 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV ao qual corresponde uma percentagem de redução de 35%;
    3. 14-02-2018, no país de origem Alemanha, é considerado um veículo com mais de 3 a 4 nos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV ao qual corresponde uma percentagem de redução de 35%;
    4. 15-07-2015, no país de origem Espanha, é considerado um veículo com mais de 4 a 5 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV ao qual corresponde uma percentagem de redução de 43%;
  4. O preço de aquisição pago no país de origem foi de € 13.500,00, € 5.600,00, € 12.000,00 e € 8.500,00, respectivamente.
  5. O Requerente foi notificado das liquidações n.º 2017/..., n.º 2018/..., n.º 2018/... e n.º 2019/..., respectivamente, relativas aos montantes de ISV liquidados pela Alfândega de Braga.
  6. Os impostos em causa foram integralmente pagos pelo Requerente, sem os quais não poderia legalizar os veículos para poderem circular em Portugal.
  7. No Quadro R da referida DAV, verifica-se que o cálculo deste imposto foi efectuado pela AT, com recurso à aplicação da tabela referente aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A) pelo valor total de: € 2.009,46, € 1.402,16, € 5.670,20 e € 1.338,49, respectivamente.
  8. Do valor total do imposto, verifica-se que:
    1. € 1.766,84 são relativos à componente cilindrada e € 1.002,36 são relativos à componente ambiental;
    2. € 1.792,66 são relativos à componente cilindrada e € 236,93 são relativos à componente ambiental;
    3. € 4.494,70 são relativos à componente cilindrada e € 2.748,65 são relativos à componente ambiental;
    4. € 1.969,76 são relativos à componente cilindrada e € 215,73 são relativos à componente ambiental;
  9. No que diz respeito à componente cilindrada, verifica-se que:
    1. o valor de € 1.766,84 foi deduzido pela quantia correspondente a 43% do seu montante, ou seja, € 759,74, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV aplicável aos veículos usados;
    2. o valor de € 1.792,66 foi deduzido pela quantia correspondente a 35% do seu montante, ou seja, € 627,43, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV aplicável aos veículos usados;
    3. o valor de € 4.494,70 foi deduzido pela quantia correspondente a 35% do seu montante, ou seja, € 1.573,15, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV aplicável aos veículos usados;
    4. o valor de € 1.969,76 foi deduzido pela quantia correspondente a 43% do seu montante, ou seja, € 847,00, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no no 1 do art.. 11o CISV aplicável aos veículos usados;
  10. Relativamente aos montantes respeitantes à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental nos 4 (quatro) veículos, não foi aplicada qualquer percentagem de redução.

 

  1. Em 28-12-2020, o Requerente requereu a revisão das liquidações do ISV ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, pedido este indeferido por despacho de 07-04-2021.
  2. Em 08-07-2021, o Requerente, apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV nos termos peticionados e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

§2. Factos não provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam factos não provados.

 

§3. Fundamentação dos factos provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, e na análise crítica da prova documental, que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

 

 

III- 2. DE DIREITO

 

§1. Da excepção da intempestividade

 

O Requerente apresentou, em 08-07-2021, a revisão oficiosa das liquidações do ISV, nos termos do artigo 78.º da LGT, com fundamento na alegação que a liquidação efectuada pela AT foi ilegal, na medida em que a norma que esteve na base dessa liquidação (o artigo 11.º do Código do ISV) viola o artigo 110.º do TFUE.

 

No entanto, a AT, em sede de alegações, vem invocar a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, sustentando que “(...) o mesmo foi interposto na sequência de indeferimentos de pedidos de revisão, de atos tributários, efetuados depois de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação dos atos de liquidação em crise.”.

 

Já em sede de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a AT defendeu que “(...) o prazo previsto na 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT só será aplicável, se o fundamento da revisão oficiosa do ato tributário consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.”, fazendo uma interpretação restritiva desse erro, de forma a excluir do mesmo o erro na aplicação do direito.

 

Entende, ainda, a AT que, no caso concreto, se tinha limitado a aplicar a lei vigente, “(...) a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade (...)”.

 

Com o devido respeito, não acompanhamos a posição da AT nesta matéria.

 

Ora, constitui jurisprudência consolidada que a revisão dos actos tributários pela AT pode também ser requerida pelos sujeitos passivos, no prazo de 4 (quatro) anos, com fundamento em erro imputável aos serviços (cfr. acórdão do STA, de 04/05/2016; processo n.º 407/15).

 

Sendo que é também entendimento pacífico da jurisprudência que este erro, para além de englobar o lapso, o erro material ou de facto, engloba também o erro de direito, desde que essa errada aplicação da lei não decorra de qualquer informação ou declaração do sujeito passivo (cfr. acórdão do STA, de 19/11/2014; processo n.º 886/14; acórdão do STA, de 04/05/2016; processo n.º 407/15; acórdão do TCAS, de 23/03/2017; processo n.º 1349/10.0BELRS, entre outros).  

 

Refira-se, ainda, que este entendimento tem sido acolhido na jurisprudência arbitral (cfr. processo n.º 114/2019-T; processo n.º 309/2020-T; processo n.º 331/2020-T; processo n.º 329/2020-T; processo n.º 297/2020-T e processo n.º 293/2020-T).

 

Com efeito, as liquidações de ISV em apreço tiveram exclusivamente por base a aplicação de uma norma ilegal por violação de uma disposição comunitária, não tendo o Requerente contribuído por qualquer forma para essa liquidação ilegal do imposto.

 

Nesta medida, deve a excepção de intempestividade invocada pela AT ser julgada improcedente.

 

§2. Da liquidação do ISV

 

De acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do ISV, estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)”, sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Código do ISV).

 

Nos termos do disposto no artigo 5.º do Código do ISV, “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, para este efeito, de acordo com o n.º 3, alínea a), do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional”.

 

No que diz respeito à exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do Código do ISV, “o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (…) no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”, sendo que “a taxa de imposto a aplicar a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (cfr. artigo 6.º, n.º 3, do Código do ISV).

 

Quanto à introdução no consumo, estabelece o artigo 17.º, n.º 1, do referido Código que “a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”, sendo que nos termos do n.º 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV”.

 

No que respeita às taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV, estas não incidem sobre o valor do automóvel, mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados, nos termos do disposto nos artigos 7.º a 11.º do Código do ISV.

 

No que diz respeito à tributação em sede de ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.

 

Com especial relevância para o caso, o artigo 11.º do Código do ISV dispõe sobre o cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia, sendo por isso relevante nas liquidações do ISV.

 

A referida norma, aplicável aos veículos portadores de matrículas comunitárias, com vista a contemplar no cálculo do imposto devido a desvalorização comercial média dos veículos usados, prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso do veículo, mas apenas na componente cilindrada, deixando de lado a componente ambiental.

 

O que conduz a que a norma em causa, aplicada nas liquidações em apreço, preveja uma cobrança de ISV sobre os veículos “importados” de outros Estados-Membros da União Europeia determinado com base em valor superior ao valor real do veículo onerando-os com uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.

 

A própria Comissão Europeia tem levantado diversas questões sobre a legalidade da carga fiscal incidente sobre os veículos usados em Portugal, tal como o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem produzido abundante jurisprudência sobre o tema.

 

Em 2006, o TJUE analisou a compatibilidade do sistema de tributação automóvel Húngaro com o Direito da União Europeia, no Acórdão do TJUE, de 5 de Outubro de 2006 (C-90/05), no caso Nádasdi, analisando então a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia, acabando por referir que “(...) o sistema fiscal Húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental”,

 

Para terminar declarando que “o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto (…) [que] quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação.”,

 

Com base nesta jurisprudência, a Decisão Arbitral n.º 572/2018-T do CAAD conclui que “(...) no âmbito de um regime fiscal relativo à automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos e possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poder resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poder onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.”.

 

Mais acrescentando que “em 2009, interpretando o mesmo artigo 110.º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios”.

 

Resumindo, fruto de diversas reclamações, a Comissão Europeia instaurou o processo por infracção n.º 2009/2296 contra a República Portuguesa, com base no facto de não ser tida em conta a depreciação dos veículos para efeitos do cálculo da componente ambiental do ISV, que originou a alteração ao Código do ISV, introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro de 2012, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011, ficando, no entanto, resolvida apenas uma parte da ilegalidade, não sanando a ilegalidade que dizia respeito à desvalorização dos veículos até ao final do 1.º ano de uso e após os 5 anos de uso.

 

Da leitura do artigo 110.º do TFUE não podem restar dúvidas de que este se “opõe a que um Estado-Membro aplique aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional”, cfr. Decisão Arbitral n.º 776/2019-T do CAAD, de 26 de Março de 2020.

 

Face à manutenção da divergência nos cálculos de ISV entre os veículos usados matriculados em Portugal e os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros da União Europeia, e consequente tratamento desigual destes últimos, a Comissão Europeia moveu contra Portugal um novo processo por infracção, no sentido de defender que era censurável que o artigo 11.º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem considerasse nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16 de Junho de 2016.

 

Posteriormente, através da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, alterada a redacção do artigo 11.º do Código do ISV, passando a ser considerada a desvalorização do veículo a que a mesma se refere, mas apenas quanto à componente cilindrada, ficando excluída qualquer redução no que diz respeito à componente ambiental.

 

No âmbito do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) de 02-09-2021, Processo C-169/20, ficou decidido que Portugal “Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro estado-membro no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previstos no CISV, na redação que lhe foi conferida pela Lei 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do art. 110.º TFUE”.

 

Conforme reconhece a Comissão Europeia, através de comunicado de 24 de Janeiro de 2019, “este Estado-Membro não [tem] em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta.”.

 

Com efeito, o artigo 11.º do Código do ISV, aplicável ao cálculo do ISV dos veículos portadores de matrículas comunitárias introduzidos no mercado português, com vista a considerar a desvalorização comercial média dos veículos usados no mercado nacional, prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso do veículo, mas apenas na componente cilindrada, deixando de lado a componente ambiental.

 

O que conduz a que sobre os veículos “importados” seja cobrado um imposto determinado com base em valor superior ao valor real do veículo, onerando-os com uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.

 

Ou seja, um veículo com as mesmas características é, naturalmente, igualmente poluidor, quer tenha sido introduzido no mercado português via “importação”, quer seja um veículo com primeira inscrição em Portugal.

 

Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que o artigo 11.º do Código do ISV não está em conformidade com o direito comunitário, designadamente, com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o acto tributário de ISV objecto do pedido porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE.

 

De referir, por último, em sede de contencioso de mera anulação, como é a arbitragem tributária, em que os poderes dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD se restringem à declaração de ilegalidade de actos (artigo 2.º, n.º 1 do RJAT), não cabe ao Tribunal Arbitral liquidar qualquer montante de imposto que deveria ser liquidado se fosse aplicada a norma legal em vez da ilegal, nem tão pouco calcular os valores / montantes, por conta da anulação, total ou parcial dos actos de liquidação, sendo essa tarefa que cabe à AT, como, de resto, resulta bastante claro do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

 

 

§2. Dos juros indemnizatórios

 

A par do pedido de declaração de anulação parcial das liquidações de ISV, o Requerente peticiona ainda juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”. [1] [2]

 

Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1 e n.º 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da AT, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Na sequência da declaração de ilegalidade parcial dos actos de liquidação de ISV, na medida do peticionado pela Requerente, e nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso parcial do montante pago pela Requerente, relativos ao ISV na parte em que as liquidações se devem considerar anuladas, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade já assinalada.

 

Assim, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia de ISV paga indevidamente, os quais serão contados de acordo com o disposto no artigo 61.º, n.º 3, do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

V - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção;

 

  1. Julgar procedente o pedido de anulação parcial das liquidações de ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no artigo 11.º do Código do ISV à componente ambiental e ordenar o reembolso o Requerente da quantia paga em excesso;

 

  1. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, em conformidade com o peticionado;

 

  1. Condenar a AT no pagamento integral das custas do presente processo.

 

 

VI - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 1.568,71 (mil quinhentos e sessenta e oito euros e setenta e um cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 299.º, n.º 1 e 259.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º1, alínea e) do RJAT, e, bem assim, do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VII - CUSTAS

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00 (trezentos e seis euros), a cargo da AT.

 

Notifique-se as Partes e o Ministério Público.

Lisboa, 9 de Março de 2022

 

O Árbitro

 

(Hélder Faustino)

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 



[1] Cfr., Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, 2012, pp. 116).

[2] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, pp. 155 e seguintes).