Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 403/2021-T
Data da decisão: 2022-03-14  IMI  
Valor do pedido: € 155.949,42
Tema: IMI. Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção. Revisão oficiosa
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SUMÁRIO: I. A fórmula prevista no artigo 45.º do CIMI, segundo a redação vigente nos anos de 2017 e 2018, não previa que na fixação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção fossem aplicados os coeficientes relativos à afectação, à localização e à qualidade e conforto, que eram aplicáveis apenas na avaliação dos prédios urbanos edificados.

II. Os erros cometidos na determinação do valor patrimonial tributável dos prédios urbanos são autonomamente impugnáveis, depois de requerida segunda avaliação, no prazo de três meses após o mesmo se tornar definitivo, não sendo susceptíveis de ser impugnados contra o ato de liquidação lançada com base nesse valor.

 III. A título excecional, no prazo de três anos após o ano em que foi praticado o ato tributário, pode ser autorizada a revisão da matéria tributável com base em injustiça grave ou notória, não devendo a revisão ser recusada se se verificar que a manutenção do referido ato configura esse tipo de injustiça.

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO
  1. O Pedido

A...‐ SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., NIP..., com sede na ..., ...‐... ..., em representação do FUNDO ABERTO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO B..., NIPC...; de C...– FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, NIPC...; de FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO ‐D..., NIPC...; e E..., NIPC..., com sede na ..., ...‐... ..., ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 Março, requereram a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para se pronunciar sobre a ilegalidade da presunção dos indeferimentos tácitos de pedidos de revisão oficiosa, formados em 26 de Junho de 2021, bem como sobre a ilegalidade de liquidações parciais de Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMI”), no montante global de € 155.949,42, requerendo a sua anulação e o respectivo reembolso, acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.

 

2. Identificação das liquidações de IMI cuja ilegalidade parcial vem invocada no pedido arbitral (doravante PPA):

 

As Requerentes, agindo em coligação, fazem constar no PPA que, em relação ao universo dos prédios de que cada uma era proprietária, foram notificadas das seguintes liquidações de IMI:

 

2.1. Fundo Aberto de Investimento Imobiliário B...:

Liquidações com os n.ºs 2016..., 2016 ..., 2016..., referentes ao ano de 2016, no montante total de € 680.985,29;

Liquidações com os n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., referentes ao ano 2017, no montante total de € 614.457,63;

Liquidações com os n.ºs 2018..., 2018..., 2018 ... referentes ao ano 2018, no montante total de € 542.103,11.

 

2.2.C...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado:

Liquidações com os nºs 2016 ..., 2016 ..., 2016 ..., referentes ao ano 2016, no montante total de € 226.805,34;

Liquidações com os nºs 2017..., 2017..., 2017..., referentes ao ano 2017, no montante total de € 224.046,30;

Liquidações com os n.ºs 2018..., 2018 ... e 2018..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 222.806,23.

 

2.3.Fundo de Investimento Imobiliário Fechado –D...:

Liquidações com os n.ºs 2016 ..., 2016 ... e 2016 ..., referentes ao ano 2016, no montante total de € 151.137,58.

 

2.4. E... S.A:

Liquidações com os n.ºs 2016..., 2016 ..., 2016..., referentes ao ano 2016, no montante total de € 61.071,86;

Liquidações com os n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., referentes ao ano 2017, no montante total de € 57.000,40;

Liquidações com os n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 57.267,09.

 

  1. Indicação dos montantes parciais de que as Requerentes pedem a anulação:

Informando que, no conjunto dos prédios sobre os quais incidiram as liquidações identificadas no número anterior, estão incluídos alguns terrenos para construção, as Requerentes acrescentam que, nos anos em causa e em relação aos referidos prédios, pagaram IMI superior ao devido, uma vez que, segundo alegam, na avaliação desses terrenos foi incorrectamente aplicado o disposto no artigo 45.º do Código do IMI.

Assim, segundo o PPA, as Requerentes calcularam que face a tal ilegalidade lhes foi liquidado e pagaram em excesso os seguintes quantitativos de IMI:

 

3.1.Fundo Aberto de Investimento Imobiliário B...:

Com referência ao ano de 2016 – Foi liquidado e pagou em excesso a quantia de € 2.847,18;

Com referência ao ano de 2017 – Foi liquidado e pagou em excesso a quantia de € 2.837,68;

Com referência ao ano de 2018 – Foi liquidado e pagou em excesso a quantia de € 2.887,87;

 

3.2. C...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado:

Com referência ao ano de 2016 – Foi liquidado e pagou em excesso a quantia de € 9.312,33;

Com referência ao ano de 2017 – Foi liquidado e pagou em excesso a quantia de € 8.822,61;

Com referência ao ano de 2018 – Foi liquidado e pagou em excesso a quantia de € 9.405,64.

 

3.3.Fundo de Investimento Imobiliário Fechado – D...:

Com referência ao ano de 2016 – Foi liquidado e pagou em excesso a quantia de € 11.107,87.

 

3.4. E... S.A:

Com referência ao ano de 2016 – Foi liquidado e pagou em excesso a quantia de € 37.835,43;

Com referência ao ano de 2017 – Foi liquidado e pagou em excesso a quantia de € 35.313,07; Com referência ao ano de 2018 – Foi liquidado e pagou em excesso a quantia de € 35.579,76.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida)

 

4.Posição das partes

As Requerentes fundamentam a sua pretensão de ver parcialmente anuladas liquidações de IMI referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, nos montantes acabados de indicar, com a invocação de que, na avaliação dos terrenos para construção de que eram proprietárias, foram indevidamente aplicados os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto, em violação do artigo 45.º do Código do IMI vigente à data dos factos tributários em apreciação, donde resultaram valores tributários superiores àqueles que lhe seriam fixados caso tais coeficientes não tivessem sido considerados na fórmula de avaliação, inflacionando na mesma medida as liquidações de IMI efectuadas com base nesses valores.

 

As Requerentes adiantam que foi a própria AT que, na sequência de jurisprudência do STA, reconheceu e corrigiu o erro que vinha cometendo, deixando de aplicar os referidos coeficientes nas avaliações efectuadas a partir do ano de 2019, sem que, no entanto, tivesse corrigido as avaliações e as liquidações referentes aos anos anteriores.

 

Para obter a revisão das liquidações e a anulação do que a mais pagaram, as Requerentes apresentaram, em 26 de Fevereiro de 2021, pedidos de revisão oficiosa junto da AT e, uma vez que tais pedidos não foram expressamente decididos no prazo de quatro meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, deduziram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo conforme, justificam, lhe é conferido pelas regras do indeferimento tácito previstas no n.º 5 do referido preceito legal em conjugação com a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, caminho este que, acrescentam as Requerentes, é sufragado pela jurisprudência do STA e dos próprios tribunais arbitrais.

 

Na Resposta que apresentou, a Requerida começa por alegar que a avaliação dos terrenos para construção de que as Requerentes eram titulares não foi atempadamente objecto de qualquer tipo de impugnação pelo que os seus valores se encontravam consolidados nas datas em que as liquidações foram impugnadas pelas Requerentes.

 

Assim, acrescenta a Requerida, apoiando-se em doutrina e jurisprudência, sendo os atos de fixação dos valores patrimoniais atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa nos termos do artigo 86.º, n.º 1, da LGT e do artigo 134.º do CPPT, não podem os mesmos ser apreciados em sede de impugnação dos atos de liquidação de IMI lançados sobre tais valores.

 

A Requerida acrescenta que os pedidos de revisão não são meio próprio para anular liquidações de IMI com base em erros cometidos em avaliações dos prédios e que, mesmo que, por mera hipótese, se admitisse tal revisão, esta só seria possível ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5 da LGT, sendo que o prazo de 3 anos ali previsto há muito estava ultrapassado quando os pedidos de revisão foram apresentados em 26 de Fevereiro de 2021, dado que as avaliações foram efectuadas entre os anos de 2005 e de 2016

 

A concluir, a Requerida pede que o pedido de revisão oficiosa seja liminarmente indeferido, por inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação de IMI, requerendo que seja julgada procedente a exceção dilatória que invoca, com a absolvição da instância, e que seja também absolvida do pedido, com as demais consequências legais.

 

As Requerentes apresentaram requerimento em 02.12.2021 contestando a Resposta da Requerida quanto aos seguintes aspectos:

 

Sobre a exceção da inimpugnabilidade dos atos de liquidação, alegam que o facto de não terem contestado os valores das avaliações não as impede de contestar as liquidações com fundamento nas ilegalidades cometidas nas ditas avaliações, mais acrescentando que a posição da Requerida, defendendo a inimpugnabilidade das liquidações, viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva.

 

Sobre a extemporaneidade das “reclamações graciosas” (revisões oficiosas), as Requerentes contrapõem que face ao artigo 129.º, n.º 2, do CIMI, o prazo se conta a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da última prestação em que o IMI foi dividido (redacção da Lei 2/2020).

 

Por último, e porque a Requerida defende que o eventual montante de IMI que seja anulado deve ser apurado em sede de execução de julgados, as Requerentes opõem-se e fazem notar que o apuramento dos montantes em causa foi efectuado por elas tendo por base os novos valores patrimoniais tributários determinados pela AT em 2020 a partir do momento em que ela própria, seguindo a jurisprudência do STA, alterou o seu entendimento anterior.

 

Assim, acrescentam as Requerentes, dispondo o processo de toda a informação relevante para aquilatar a idoneidade dos cálculos efetuados, e não tendo, até então, a Requerida questionado o seu apuramento, não se avistam razões para que os montantes peticionados no presente processo não sejam tidos como certos.

 

  1. Tramitação processual

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em

2021-07-05 e automaticamente notificado à AT na mesma data.

Em 2021-09-09, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT em que as Partes nada vieram dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2021-09-28.

 

Por despacho de 2021-11-09 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificadas as partes para alegações em 15 dias, sendo que só as Requerentes apresentaram o requerimento supra referido contestando a Resposta.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1. Em 26 de fevereiro de 2021, cada uma das Requerentes a seguir nomeadas – sendo as três primeiras representadas pela sociedade gestora A... e a quarta agindo em seu nome – dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras ... um pedido de revisão oficiosa de liquidações de IMI referentes aos anos e nos valores a seguir indicados (Documento 1 anexo ao PPA), a saber,

“FUNDO ABERTO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO B..., NIPC ... (doravante designado FUNDO B...), referente aos anos de 2016, 2017 e 2018, respetivamente, nas quantias de € 2.847,18, de € 2.837,68 e de € 2.887,87, no total de € 8.572,73;

“C... – FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO”, NIPC ... (doravante designado FUNDO C...), referente aos anos de 2016, 2017 e 2018, respetivamente, nas quantias de € 9.312,33, de € 8.822,61 e de € 9.405,64, no total de € 27 540,58;

“FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO ‐D...”, NIPC ... (doravante designado FUNDO D...); referente ao ano de 2016, na quantia de € 11.107,87;

“E... S.A”, NIPC ... (doravante designada E...), referente aos anos de 2016, 2017 e 2018, respetivamente, nas quantias de € 37.835,43, de € 35.313,07 e de € 35.579.76, no total de € 108.728,26.

 

2. Os pedidos de revisão referidos no número anterior não tinham sido objecto de decisão expressa até à data de apresentação do PPA.

 

3. Para instruir o pedido, as Requerentes juntaram ao PPA cópia das notas de cobrança de IMI referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, no caso do FUNDO B..., do FUNDO C... e da E..., e referente ao ano de 2016 no caso do FUNDO D..., nas quais constam as listagens extraídas do Portal das Finanças com todos os prédios, rústicos e urbanos, em nome de cada um dos requerentes, nelas constando igualmente os montantes a pagar em relação a cada prestação e os meses de pagamento voluntário (documentos 2 a 8).

 

4. As Requerentes juntaram alguns elementos sobre pagamentos que se dão igualmente por provados. Assim,

Quanto à E... foram juntos avisos de pagamento emitidos pela AT com a identificação das liquidações de IMI referentes a 2016, 2017 e 2018 (Documentos 9, 10 e 11)

Quanto a esta Requerente E... foi feita prova (DOC 14) das datas de pagamento da 3.ª prestação de cada ano. Assim:

Em 20.11.2017 pagou a quantia de € 20.357,28;

Em 26.11.2018 pagou a quantia de € 19.000,13;

Em 22.11.2019 pagou a quantia de € 19.089,03

Quanto ao FUNDO B... foi também feita prova (DOC 12) das datas de pagamento da 3.ª prestação de cada ano. Assim:

Em 20.11.2017 pagou a quantia de € 226.994,85;

Em 27.11.2018 pagou a quantia de € 205.513,37

Em 26.11.2019 pagou a quantia de € 161.581,17

Quanto ao FUNDO D... foi feita prova (DOC 13) que em 20.11.2017 pagou a quantia de € 49.873,87

Nenhuma prova foi feita quanto a outros pagamentos nem quanto ao que foi ou não pago pelo Requerente C... .

 

5. Está também anexa ao PPA informação referente a notificações de avaliações efectuadas em 2020 e 2021, dando-se por provado que, nestes casos, a fórmula de avaliação utilizada não integrou os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto que foram usados nas avaliações referentes aos prédios sobre que incidiram as liquidações impugnadas. Assim;

Quanto ao FUNDO B..., foram avaliados em 2020 os terrenos para construção inscritos sob os artigos urbanos..., ..., ..., ... e ... (DOC 15);

Quanto ao FUNDO C..., foram avaliados em 2020 os terrenos para construção inscritos sob os artigos urbanos ..., ..., ... e ... (DOC 16);

Quanto à E..., foram avaliados em 2021 os terrenos para construção inscritos sob os artigos urbanos ..., ... e ... (DOC 18).

Quanto ao FUNDO D..., não foram juntas cópias das notificações das avaliações, sendo que no mapa a seguir consta uma lista de 97 artigos que, segundo informa, correspondem a terrenos para construção igualmente avaliados.

 

6. Para calcular o IMI que dizem ter pago a mais, as Requerentes compararam o VPT inscrito na matriz em cada um dos anos de 2016, 2017 e 2018 com o VPT resultante das avaliações efectuadas em 2020 e 2021 e fizeram incidir a taxa sobre essa diferença (Vd. mapas a seguir juntos como DOC 19).

Tal apuramento dos valores de IMI alegadamente pagos em excesso por parte de cada uma das Requerentes consta nos quadros a seguir apresentados

 

 

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7. Resulta da cópia de várias cadernetas prediais juntas que, em 2017, a AT, ora Requerida, ainda procedia à avaliação de terrenos para construção utilizando a fórmula prevista no artigo 45.º do CIMI interpretada no sentido de serem aplicados os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto.

Prática esta que corrigiu posteriormente, como é visível nas avaliações datadas de 2020 e 2021, cujas notificações foram dirigidas às Requerentes.

 

8.Outra informação relevante junta pela Requerida é constituída por quatro quadros (Identificados como mapa 1, mapa 2, mapa 3 e mapa 4), em que se indicam, relativamente aos terrenos para construção de cada uma das Requerentes, as datas em que os mesmos foram avaliados para determinação do valor patrimonial tributário sobre o qual vieram a incidir as liquidações impugnadas e as datas das novas avaliações que já não tiveram repercussão nas referidas liquidações.

Face a esta informação dá-se por provado que os valores patrimoniais tributários sobre os quais incidiram as liquidações impugnadas foram na sua esmagadora maioria fixados por avaliações efetuadas em 2013, havendo algumas efectuadas em 2006, 2007, 2008, 2014 e 2016.

Mapas apresentados pela Requerida:

 

 

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III. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Da autonomia dos atos de determinação do valor patrimonial tributário e da inimpugnabilidade da liquidação para conhecer dos vícios daqueles atos.

 

O pedido arbitral tem por objeto imediato o indeferimento tácito dos pedidos de revisão apresentados pelas Requerentes em 26 de Fevereiro de 2021 e por objecto mediato liquidações de IMI referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, incidentes sobre terrenos para construção em cuja avaliação, efectuada nos termos do artigo 45.º do CIMI, foram indevidamente aplicados os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto.

 

Constatando-se que o único vício imputado pelas Requerentes às liquidações de IMI que contestam se prende com ilegalidades cometidas nos atos de avaliação e estando demonstrado que as mesmas foram efetuadas entre os anos de 2005 e 2016, muito antes do lançamento das ditas liquidações, sem que os proprietários, ora Requerentes, tivessem reagido atempadamente e através dos meios próprios contra os erros cometidos, é pertinente responder à questão colocada pela Requerida sobre se o PPA não deverá ser liminarmente indeferido por inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação de IMI.

 

Com efeito, o artigo 86º, n.º 1, da LGT determina que a avaliação directa é susceptível de impugnação contenciosa direta, prevendo também o artigo 134.º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados no prazo de 90 dias após a sua notificação, com fundamento em qualquer ilegalidade.

Na verdade, por força do previsto no artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é uma avaliação directa e, por isso, “susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa”, depois de esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão (artigo 86.º, 1 e 2 da LGT).

 

Por sua vez, no artigo 134.º, n.º 1 do CPPT, é estabelecido que “os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade”, determinando o seu n.º 7 que “a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”.

 

Os preceitos transcritos são reafirmados no Código do IMI com a exigência, no seu artigo 77.º, de se esgotarem previamente os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, impondo aos interessados, como condição de impugnabilidade, o ónus de requererem uma segunda avaliação nos termos do artigo 76.º do mesmo Código.

 

De onde se conclui, como consignado, por exemplo, na decisão arbitral proferida no processo 487/2020-T, que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

 

Assim, continua a referida decisão arbitral, que se acompanha, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, estava previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos acórdãos de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; de 5-02-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/16 e de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

Assim, como concluído no referido processo 487/2020-T, uma vez que os vícios dos actos de avaliação invocados pelas Requerentes não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI.

 

Trata-se, em conclusão, de um mecanismo específico do sistema fiscal quanto às condições de acesso à via contenciosa que em nada contende com o princípio da legalidade previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República, invocado subsidiariamente pelas Requerentes.

 

Na verdade – concordando mais uma vez com a decisão proferida no citado processo arbitral 487/2020-T – este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

 

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

 

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

 

As Requerentes vieram contestar em 2021 (quer administrativamente, com o pedido de revisão oficiosa, quer através do pedido arbitral) erros cometidos em actos de avaliação que, como supra se dá por demonstrado, ocorreram entre 2006 e 2016, muito depois do prazo legal de 30 dias para requerer uma segunda avaliação e muito depois do prazos de três meses que tinham para impugnar.

 

Por isso, tal como consignado na jurisprudência citada, o presente tribunal arbitral considera também que as liquidações de IMI impugnadas pelas Requerentes não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros cometidos nas avaliações dos prédios sobre os quais as ditas liquidações incidiram.

 

Para tentar justificar o desfasamento temporal, as Requerentes vieram com uma doutrina original que foi a de redenominar as revisões oficiosas em reclamações graciosas e defender que não haveria nenhuma dúvida em reclamar contra as liquidações de IMI invocando os erros cometidos nas avaliações e, quanto ao prazo, invocaram o artigo 129.º, n.º 2, do CIMI que determina que o prazo para deduzir as reclamações graciosas se conta a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da última prestação em que o IMI foi dividido (redacção da Lei 2/2020, de 31/03).

 

Assim, continuam as Requerentes, uma vez que quanto às liquidações de IMI referentes a 2016, 2017 e 2018 o referido termo ocorreu em 30 de Novembro de 2017, 30 de Novembro de 2018 e 30 de Novembro 2019, deve considerar-se que as ditas reclamações (pedidos de revisão) apresentadas em 26 de Fevereiro de 2021 respeitaram o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

Esta posição das Requerentes, conjugando reclamações com pedidos de revisão e invocando o mais favorável de cada uma das referidas figuras, poderia ser defensável se a solução normativa, que supra se desenvolveu, fosse diferente, ou seja, se tivesse mantido a regra geral de os vícios e erros das liquidações, incluindo os conexos com as regras de determinação da matéria tributável, serem unitariamente contestados na via administrativa e judicial e se o prazo para as reclamações não fosse de três meses e fosse de quatro anos.

O que, como amplamente demonstrado, não é acolhido pelo presente tribunal. A lei autonomiza a contestação à quantificação do valor fiscal dos prédios e uma vez que os interessados não utilizem atempadamente os meios próprios o valor patrimonial tributário torna-se definitivo e não pode ser contestado através da impugnação administrativa ou judicial da liquidação.

 

Acrescendo, como se lembra no dito processo 487/2020-T, que num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

 

Em coerência com as posições acabadas de descrever, sufragadas pela jurisprudência dominante, segundo a qual os atos de avaliação de valores patrimoniais tributários previstos no CIMI são actos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação das liquidações que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos, o pedido de pronúncia arbitral deveria considerar-se extemporâneo e, tal como defende a Requerida, deveria esta ser absolvida da instância com todas as consequências legais.

 

2.Da aplicabilidade da revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT

 

2.1.Porém, tal como a mesma jurisprudência dominante vem considerando, com a qual este tribunal se identifica, pode não ser esta a solução definitiva para situações tributárias como a que constitui o objecto do PPA.

 

Na verdade, em determinadas situações e condições, aceita-se que, excepcionalmente, haja um desvio à referida regra e possam anular-se liquidações de IMI incidente sobre o valor patrimonial tributário de prédios em que o único vício que lhe é imputado esteja justamente na determinação desse valor, ou seja, na avaliação fiscal desses prédios.

Excecionalidade esta que, há que reconhecê-lo, tem assento na própria Lei Geral Tributária que, como é sabido, assume a qualidade de lei dotada de primado lógico que condiciona o conteúdo normativo, quer do Código do IMI quer do CPPT.

 

Com efeito, o n.º 4 do artigo 78.º da LGT admite, excepcionalmente, a possibilidade de revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais, “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.

Como veremos infra, quanto a parte das liquidações impugnadas este tribunal arbitral considera verificados os requisitos da referida excepcionalidade.

 

2.2. Dos fundamentos invocados pelas Requerentes para sustentar a procedência do PPA

 

As Requerentes invocam como fundamento do pedido de revisão e da consequente anulação das liquidações de IMI impugnadas a alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI em conjugação com o n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Aquele preceito dispõe o seguinte:

Artigo 115.º. 1. Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

 (...)

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 78.º da LGT dispõe o seguinte:

Revisão dos actos tributários

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

Ora, como se constata, os preceitos transcritos são aplicáveis à revisão das liquidações, não à revisão da matéria tributável. Sendo certo que as Requerentes não imputam qualquer ilegalidade às liquidações que foram lançadas com base nos “valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” (artigo 113., n.º 1, do CIMI), o que efectivamente aconteceu.

 

Assim, improcede o pedido de ver anuladas as liquidações impugnadas com base nos invocados preceitos do CIMI e da LGT.

 

2.3.Da admissibilidade de revisão oficiosa ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT

 

Os números 4 e 5 do artigo 78.º da LGT dispõem o seguinte:

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

(…)

Como passa a expor-se, este tribunal arbitral considera que, relativamente a parte das liquidações impugnadas, estão reunidas as condições previstas nos preceitos transcritos para suportar a correcção da matéria tributável que serviu de base ao lançamento dessas liquidações.

Quanto ao prazo, a norma transcrita prevê que a revisão possa ocorrer nos três anos posteriores ao ano em que foi praticado o ato tributário da liquidação lançada com base na matéria tributável a corrigir.

Assim, os três anos posteriores ao de cada ato tributário de liquidação terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que esse ato foi praticado.

Ora, quando os pedidos de revisão foram apresentados, em 26 de Fevereiro de 2021, tinham já decorrido mais de 3 anos sobre 31 de dezembro de 2017, ano em que foram emitidas as liquidações de IMI referentes ao ano de 2016.

 

Assim, considera este tribunal que o PPA referente à revisão da matéria tributável que serviu de base às liquidações referentes ao ano de 2016 deve improceder por intempestividade.

 

Quanto à revisão da matéria tributável com base na qual foram lançados os atos de liquidação referentes aos anos de 2017 e 2018 os pedidos de revisão são tempestivos.

 

2.4.Haverá pois que averiguar se os demais requisitos da revisão se verificam.

 

2.4.1.A primeira exigência é que o erro tenha sido cometido pelos serviços da AT e não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

Quanto a este requisito observa-se desde logo que o processo não fornece qualquer elemento que permita concluir que os erros cometidos na avaliação dos terrenos para construção sobre os quais incidiram as liquidações de IMI referentes a 2017 e 2018 ficaram a dever-se a qualquer erro informativo fornecido pelos proprietários ou a qualquer outro comportamento negligente dos mesmos.

 

Ao contrário, o que se constata é que os serviços da Requerida procederam à avaliação com base em interpretação errada do artigo 45.º do CIMI.

 

Com efeito, deu-se por provado, como invocado no PPA, que na avaliação dos terrenos para construção sobre os quais incidiram as ditas liquidações, foram aplicados coeficientes de avaliação como se se tratasse da avaliação de prédios edificados.

 

Vejamos

O artigo 45.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro) dispõe o seguinte:

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12).

 

Por sua vez, o artigo 42.º, para que remete o n.º 3 deste artigo 45.º, dispõe o seguinte, na parte aqui relevante:

Artigo 42.º

Coeficiente de localização

(...)

3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º

 

Ora, o STA tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira do Acórdão do Pleno de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que:

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.

 

Como se dá conta no processo arbitral 487/2020-T esta jurisprudência foi reafirmada noutros acórdãos do STA, a saber:

 

Acórdão de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 - “Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI”;

 

Acórdão de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 – “Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III –  Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI”;

 

Acórdão de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 – “O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”;

 

Acórdão de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 – “No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI”;

 

Acórdão de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 – “os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”;

 

Acórdão de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 – “Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto”.

 

Em conclusão, atentando na formulação das normas supra transcritas especificamente aplicáveis à avaliação dos terrenos para construção, vigentes nos anos em que esses prédios foram avaliados e sobre os quais incidiram as liquidações impugnadas, e face à jurisprudência citada, deve concluir-se pela clara ilegalidade das referidas avaliações tendo em conta que foram considerados coeficientes de avaliação aplicáveis aos prédios edificados, mormente os coeficientes de avaliação, de afectação e de qualidade e conforto, donde resultou um valor patrimonial tributário superior ao que resultaria da aplicação adequada das referidas disposições legais.

 

Esta mesma conclusão é extraída da análise das últimas versões do “manual de avaliação de prédios urbanos”, instrução administrativa elaborado pela Direção de Serviços da AT para utilização dos peritos avaliadores, a saber, a versão 5.0 de Maio de 2011, a versão 6.0 de Janeiro de 2018 e a versão 7.0 de Outubro de 2020.

Constata-se que na versão de 2011, na fórmula de avaliações dos terrenos para construção, eram considerados os coeficientes de afectação (ca), de localização (cl) e também de qualidade e conforto (cq), que na versão de 2018 ainda se mandavam aplicar os coeficientes de afectação e de localização e que só com a versão de 2020 é que foi assumido que a avaliação desses bens deveria adaptar-se à jurisprudência entretanto proferida e que deveriam deixar de se aplicar os coeficientes de afectação e de localização.

 

2.4.2. Requisito da injustiça grave ou notória

 

O último requisito da revisão oficiosa prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de que a tributação decorrente da matéria tributável erradamente fixada se traduza numa “injustiça grave ou notória”.

 

O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance do referido requisito, dizendo que “para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”.

Em linha com a jurisprudência dominante, afigura-se ser manifesta a natureza grave da injustiça provocada com as avaliações em apreço dado que, além do imposto liquidado a mais, a Requerida reconheceu que estava a avaliar erradamente os terrenos para construção, corrigiu esse erro a partir do ano de 2020, mas não assumiu tal erro corrigindo as liquidações referentes aos três anos anteriores como lhe impunha o poder dever a que se refere o citado n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

 

2.4.3. Conclusão

 

Verificando-se, assim, os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, deveria a AT, em vez da omissão de pronúncia dos pedidos de revisão oficiosa que lhe foram dirigidos, ter efectuado essa revisão e anulado as liquidações de IMI que incidiram sobre os terrenos para construção de que as Requerentes eram proprietárias em 31 de dezembro de 2017 e em 31 de dezembro de 2018.

Essa revisão só não deveria abranger as liquidações respeitantes ao ano de 2016 dado que os pedidos de revisão, como supra se demonstrou, não foram apresentados tempestivamente.

 

3. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

As Requerentes pedem que seja anulada a quantia total de € 155.949,42, distribuída por cada uma delas nos montantes parciais supra indicados, com juros indemnizatórios.

 

Não obstante considerar procedente a parte do PPA referente às avaliações de terrenos para construção que fixaram os valores patrimoniais tributários sobre os quais incidiram as liquidações de IMI referentes a 2017 e 2018, como se referiu, o tribunal considera que não há exactidão quanto ao apuramento dos valores que as Requerentes consideram pagos em excesso.

 

Com efeito, desde logo, o cálculo do IMI pago a mais através da metodologia acima apresentada com base nas listagens juntas como DOC 19 viola o disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI, segundo o qual o IMI é liquidado anualmente e incide sobre o VPT inscrito nas matrizes no dia 31 de Dezembro de cada ano.

 

Para calcular o IMI devido em relação a determinado ano, para calcular liquidações adicionais ou para anular imposto pago a mais, a regra da periodicidade anual do imposto face à situação verificada no final do ano é indisponível e não pode o interprete, para facilitar os cálculos, inventar regras que possam dar mais jeito.

Ora, no caso em apreço, as Requerentes calcularam o IMI pago a mais comparando o VPT inscrito na matriz em cada um dos referidos anos com o VPT apurado em avaliações efectuadas em 2020 e 202, sem que nas notificações juntas ou através de qualquer outra prova ficasse demonstrado que esse VPT é reportado a 31 de dezembro de cada um daqueles anos.

 

Por outro lado, acentuando ainda mais a falta de rigor nos cálculos apresentados pelos Requerentes que, com o devido respeito, é notório, verifica-se que nalguns casos até os prédios isentos serviram para calcular o IMI pago a mais.

É o que acontece, por exemplo, com os artigos..., ... e ... que aparecem isentos nas listagens juntas como DOC 2 a DOC 4 e foram incluídos nos mapas juntos como DOC 19 em que foi calculado o imposto pago a mais.

 

Sendo certo que a Requerida não achou relevante contestar os valores de imposto calculados pelas Requerentes, tal não pode valer como aceitação por confissão (artigo 110.º, n.º 6, do CPPT).

 

Assim, à Requerida incumbirá quantificar devidamente os montantes que efectivamente foram pagos a mais em relação aos terrenos para construção de que os Requerentes eram proprietárias em 31 de dezembro de 2017 e em 31 de dezembro de 2018, obedecendo às disposições legais aplicáveis, em execução e com observância do decidido na presente decisão arbitral.

No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito a tais juros quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário, para este efeito, é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 0402/06.

 

Como também se refere no mesmo acórdão, “nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, da LGT”.

 

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26-02-2021, pelo que apenas a partir de 27-02-2022 haverá direito a juros indemnizatórios, pois o pedido não foi apreciado.

 

Os juros indemnizatórios devem ser contados com base nos valores que forem apurados em execução da presente decisão arbitral desde 27-02-2022 até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

 

  1. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em

 

Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IMI incidentes sobre os terrenos para construção de que eram titulares os Requerentes em 31 de dezembro de 2017 e em 31 de dezembro de 2018, em cuja avaliação se verificou a aplicação errada do artigo 45.º do Código do IMI, nos termos supra referidos, cujos montantes de imposto pago a mais devem ser quantificados em execução da presente decisão arbitral;

 

Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los às Requerentes, contados com base nos valores de imposto pago a mais apurados em execução da presente decisão arbitral e desde 27-02-2022 até ao integral reembolso desses valores;

 

Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respectivos pedidos.

 

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 155.949,42

 

Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das Requerentes na percentagem de 39,18% e a cargo da Requerida na percentagem de 60,82%

 

 

 

 

Lisboa, 14 de Março de 2022

 

Os Árbitros

 

 

Rui Duarte Morais

 

 

 

Joaquim Silvério Dias Mateus (relator)

 

 

 

Francisco Carvalho Furtado