DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º 302/2013-T
Requerente: A
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
Tema: Imposto Único de Circulação – incidência subjectiva –presunção
O Juiz-árbitro Francisco de Carvalho Furtado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para formar o Tribunal Arbitral constituído em 25 de Fevereiro de 2014, decide o seguinte:
A) Relatório
1.Em 23 de Dezembro de 2013, A, contribuinte n.º …, doravante identificada por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com a alínea a), do artigo 99.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
2.No referido pedido de pronúncia arbitral a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação e, bem assim, dos respectivos actos de liquidação de Juros Compensatórios melhor identificados nos autos.
3.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 26 de Dezembro de 2013, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida), na mesma data.
4.A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos. O Tribunal foi constituído, nos termos do disposto no artigo 11.º, do RJAT, em 25 de Fevereiro de 2014.
5.Em 28 de Março de 2014, a Requerida apresentou a sua Resposta.
6.Em 22 de Abril de 2014, e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º, do RJAT foi realizada a primeira reunião do Tribunal Arbitral, tendo sido lavrada acta, que se encontra junta aos autos.
7.Nessa reunião, a Ilustre Mandatária da Requerente, prescindiu da inquirição da testemunha arrolada. O ilustre Mandatário da Requerida prescindiu também, da apresentação de alegações.
8. Em 22 de Maio de 2014 a Requerente apresentou as suas alegações.
9. Em 23 de Junho de 2014 a Requerida apresentou as suas alegações.
A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
a) A Requerente foi proprietária de diversos veículos automóveis melhor identificados no artigo 4 do Requerimento Inicial;
b) Posteriormente, a Requerente foi notificada de actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativamente a cada um dos referidos veículos;
c) No ano a que respeita cada uma das liquidações de IUC a Requerente já não era proprietária dos veículos, quer por alienação, quer por perda total em virtude de acidente;
d) O facto gerador deste Imposto é constituído pela propriedade do veículo – cfr. artigo 6.º, n.º 1, do Código do IUC;
e) O registo apenas tem por função tornar público um direito, não sendo constitutivo do mesmo;
f) O registo apenas faz operar uma presunção de titularidade de um direito, presunção esta susceptível de ser afastada por prova em contrário;
g) Assim, também para efeitos fiscais o registo automóvel constitui uma mera presunção susceptível de elisão por prova em contrário;
h) O artigo 3.º, do Código do IUC constitui uma mera presunção que, atento o disposto no artigo 73.º, da Lei Geral Tributária, admite sempre prova em contrário;
i) A Requerente faz prova de que não era, na data a que se reporta cada um dos actos de liquidação cuja anulação se pretende, proprietária dos veículos automóveis;
j) Conclui, assim, pela ilegalidade das liquidações peticionando a sua anulação.
Na sua Resposta, a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
a) A interpretação e aplicação que a Requerente pretende fazer valer não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o IUC;
b) O legislador estabeleceu no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC quem são os sujeitos passivos deste imposto não utilizando o vocábulo “presumem-se”, mas “considerando-se”;
c) Assim, será imperativo concluir que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente sobre quem incide subjectivamente o imposto;
d) Considerar que o legislador consagrou uma presunção seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem;
e) Não se trata de uma presunção, mas de uma opção de política legislativa;
f) De igual modo, é preciso atender ao facto de o artigo 6.º, n.º 1, do CIUC determinar que o facto gerador do imposto é a propriedade tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional;
g) Da articulação entre a incidência subjectiva e o facto gerador resulta que só as situações jurídicas objecto de registo geram o nascimento da obrigação de imposto;
h) Existe uma relação directa entre o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto e a emissão do certificado de matrícula;
i) A Administração tributária liquida o imposto com base nos elementos constantes do Registo Automóvel, que contém todos os elementos necessários à determinação do sujeito passivo sem necessidade de acesso a contratos de natureza particular que conferem tais direitos;
j) Tendo em consideração a actual configuração do sistema jurídico não se terá que promover a liquidação com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos;
k) A não actualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º, do Regulamento do Registo de Automóveis é imputável na esfera do sujeito passivo de IUC e não na do estado, enquanto sujeito activo;
l) A ratio do regime aponta no sentido de ter sido a intenção do legislador criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel;
m) Com efeito, o CIUC procedeu a uma reforma do regime da tributação dos veículos em Portugal passando a ser sujeito passivo do imposto o proprietário constante do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública;
n) Tal ratio resulta dos debates parlamentares em torno da aprovação do Decreto-Lei n.º 20/2008, de 31 de Janeiro;
o) Esta conclusão não é afectada pelo facto de existirem preocupações ambientais, manifestadas na tributação do utilizador do veículo;
p) A interpretação do artigo 3.º, do CIUC que a Requerente quer fazer valer é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica;
q) De igual modo, tal interpretação da Requerente, também se mostra ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida;
r) Por fim, a interpretação da Requerente viola o princípio da proporcionalidade na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva, quando na realidade a Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda daquela sua capacidade, sem que, contudo, o tenha exercitado em devido tempo;
s) A Requerente não faz prova do que alega pois as facturas (por si só) não constituem documento idóneo para comprovar a venda dos veículos;
t) O cancelamento das matrículas só ocorreu em 2013, sendo que os factos tributários dos autos se reportam aos anos de 2009 a 2012, pelo que na data dos factos tributários aquelas ainda não se encontravam canceladas;
u) Não se encontram verificados os pressupostos para que a Requerida seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios;
v) Ainda que o Tribunal Arbitral decida pela ilegalidade das liquidações em apreço, as custas arbitrais deverão ser suportadas pela Requerente nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil
B) Saneador
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, o conhecer do mérito do pedido.
C) Objecto da Pronúncia Arbitral
Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:
a) O artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC ao prever que são sujeitos passivos deste imposto os proprietários dos veículos considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados, estabelece uma presunção ou uma opção legislativa?
b) A factura é documento idóneo para demonstrar a alienação do veículo?
D) Matéria de facto
D.1 – Factos provados
Consideram-se como provados os seguintes factos com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:
a) A Requerente foi notificada dos seguintes actos de liquidação de IUC e de Juros Compensatórios: 2011 ..., 2012 ..., 2012 ..., 2012 ..., 2010 ..., 2010 ..., 2010 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2010 ... e 2012 ... (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
b) Em 27 de Janeiro de 2011, a Requerente emitiu a factura n.º 6026013199, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Maio de 2007 (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
c) Em 31 de Agosto de 2011 a Requerente emitiu a factura n.º ... e alienou o veículo com a matrícula ...-...-..., de Março de 2008 (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
d) Em 31 de Agosto de 2011, a Requerente emitiu a factura n.º6026023380, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Março de 2008 (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
e) Em 29 de Fevereiro de 2012, a Requerente emitiu a factura n.º 6026032361, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Março de 2009 (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
f) Em 10 de Abril de 2009, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Março de 2006, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
g) Em 20 de Março de 2009, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Março de 2006, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
h) Em 1 de Março de 2010, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Abril de 2006, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
i) Em 29 de Maio de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Novembro de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
j) Em 13 de Janeiro de 2009, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Dezembro de 2005, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
k) Em 31 de Agosto de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Maio de 2005, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
l) Em 30 de Setembro de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Maio de 2005, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
m) Em 30 de Abril de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Agosto de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
n) Em 30 de Abril de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Setembro de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
o) Em 30 de Abril de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º ..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Junho de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
p) Em 1 de Dezembro de 2007, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Março de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
q) Em 1 de Dezembro de 2007, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Junho de 2003, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
r) Em 13 de Janeiro de 2009, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Novembro de 2005, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
s) Em 15 de Setembro de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Setembro de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
t) Em 30 de Outubro de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Setembro de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
u) Em 28 de Outubro de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Junho de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
v) Em 31 de Julho de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Junho de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
w) Em 13 de Agosto de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Maio de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
x) Em 29 de Maio de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Maio de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
y) Em 6 de Fevereiro de 2007, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Março de 2003, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
z) Em 31 de Dezembro de 2005, a Requerente emitiu a factura n.º…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Março de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
aa) Em 12 de Outubro de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º …, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Outubro de 2001, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
bb) Em 31 de Março de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Maio de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
cc) Em 30 de Junho de 2006, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Junho de 2003, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
dd) Em 30 de Abril de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Junho de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
ee) Em 5 de Novembro de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Abril de 1996, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
ff) Em 30 de Abril de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Setembro de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
gg) Foi registada no mapa de mais e menos valias do exercício de 2008 a alienação do veículo com a matrícula ...-...-..., de Setembro de 2004, a qual gerou mais valia de € 7.492,00 (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
hh) Em 30 de Abril de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Setembro de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
ii) Em 30 de Abril de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Setembro de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
jj) Em 31 de Dezembro de 2007, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Agosto de 2003, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
kk) Em 10 de Maio de 2006, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Setembro de 2003, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
ll) Em 30 de Abril de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Abril de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
mm) Em 30 de Abril de 2008, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Maio de 2004, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
nn) Em 30 de Junho de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Novembro de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
oo) Em 19 de Junho de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Novembro de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
pp) Em 20 de Dezembro de 2004, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Novembro de 2000, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
qq) Em 14 de Março de 2007, a Requerente emitiu a factura n.º B…, e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Julho de 2003, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
rr) Em 13 de Janeiro de 2009, a Requerente emitiu a factura n.º B..., e vendeu o veículo com a matrícula ...-...-..., de Dezembro de 2005, operação que foi registada no mapa de mais e menos valias fiscais (cfr. doc. junto ao requerimento inicial);
D.2 – Factos não provados
a) O veículo com a matrícula ...-...-... foi dado como totalmente perdido em 15 de Outubro de 2008, em resultado de acidente.
E) Do Direito
Em face do que se deixa exposto importa, desde logo, verificar a natureza do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC. Com efeito, a fonte da discórdia entre a Requerente e a Requerida prende-se com o facto de a Requerente considerar que a referida disposição legal estabelece uma presunção (ilidível) e a Requerida considerar que está em causa a manifestação de uma opção de política legislativa. Em consequência a Requerida considera que da conjugação dos artigos 3.º e 6.º, do Código do IUC resulta que o imposto recai sobre a pessoa, física ou colectiva, que conste como proprietária no respectivo registo. A Requerente, por seu turno, extrai das referidas disposições legais a conclusão de que o imposto deve ser suportado pelo real e efectivo proprietário independentemente de quem figure como tal no registo, sendo que a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 3.º, do Código do IUC, estabelece, uma presunção. Cumpre, pois, apreciar.
A noção de presunção encontra-se consagrada no artigo 349.º, do Código Civil, que a define como “ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para formar um facto desconhecido.” Ora, a utilização de presunções não é desconhecida no âmbito do direito tributário na justa medida em que podem conferir contornos de maior praticabilidade ao sistema e, bem assim, serem instrumentos de combate à fraude e evasão. Com efeito, “perante a dúvida de certos factos ou situação a regular, a regra de Direito supõe que esses contornos são os de outro facto ou situações previstos numa outra regra jurídica” (Sousa, Marcelo Rebelo de; Galvão, Sofia, Introdução ao Estudo do Direito, Lex, 2000, Lisboa, Pág. 241).
Por outro lado, importa também ter presente que as presunções podem ser, quer explícitas, quer implícitas. As primeiras, são “reveladas pela utilização da expressão «presumem-se» ou semelhante (…)” (Sousa, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário, I Vol. 6.ª Edição, Áreas Editoras, 2011, Lisboa, pág. 589).
Por contraposição àquela categoria de presunções, existem as presunções implícitas ou seja, aquelas que não resultam directa e expressamente da terminologia utilizada pelo legislador. Ora, como bem referido na douta decisão arbitral proferida no Processo n.º 14/2013-T: “Examinando o ordenamento jurídico português, encontramos imensas normas que consagram presunções utilizando o verbo considerar, muitas das quais empregues no gerúndio (“considerando” ou mesmo “considerando-se”). São disso exemplos as normas a seguir enumeradas: No Código Civil, entre outras, os artigos 314º, 369º nº 2, 374º nº1, 376º nº 2, 1629º. No Código da Propriedade Industrial, referimos a título de exemplo, o artigo 98º onde também o termo “considerando” é usado num contexto presuntivo. Também no ordenamento jurídico tributário se pode encontrar o verbo “considerar”, nomeadamente o termo “considera-se” com um sentido presuntivo. Como explicam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação nº 3 ao artigo 73º da LGT “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, revelada pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real” (sublinhado nosso), dando de seguida alguns exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” como no nº 2 do artigo 21º do CIRC acontece, ao estabelecer que “para efeitos de determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado não podendo ser inferior ao que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo”. (sublinhados nossos). (…).Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, acompanhados da doutrina e jurisprudência indicadas, por apelo ao elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos), autorizam a conclusão que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões podem servir de base a presunções, nomeadamente o termo “considera-se”, mostrando-se desta forma cumprida a condição estabelecida no nº 2 do artigo 9º do CC, o qual exige que o pensamento legislativo tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” (in www.caad.pt).
Em face do que se deixa exposto, parece curial que se conclua que o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC ao considerar proprietários as pessoas, singulares ou colectivas, em nome das quais os veículos se encontrem registados, não faz mais do que estabelecer uma presunção. Com efeito, admitindo que se desconhece a real situação a regular (o titular do direito de propriedade) recorre-se a outra situação já conhecida pelo Direito (o registo). Importa, aqui referir que, como constantemente referido na jurisprudência o registo não é constitutivo do direito mas meramente declarativo.
Está, pois, em causa, uma verdadeira presunção e não uma ficção (o que poderia justificar uma opção de política legislativa) na justa medida em que no segundo caso o direito trata de forma idêntica factos que se sabe serem distintos. No caso concreto, e como resulta da primeira parte do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pretende-se tributar o real proprietário (facto desconhecido) e, na segunda parte da norma, estabelece-se uma relação com um outro facto do direito, o registo (facto conhecido).
E compreende-se que o Legislador tenha seguido este caminho pois, como bem aponta a Administração tributária na sua Contestação, por razão relacionadas com a praticabilidade e gestão do imposto, e mesmo a prevenção da fuga e fraude, o imposto deve ser liquidado com base nos dados conhecidos pelo sujeito activo da relação tributária. Todavia, estas razões de praticabilidade não se podem sobrepor a outros princípios de valor bem mais elevado para o direito, designadamente o Constitucional, como sejam o da igualdade. Com efeito, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar não estar constitucionalmente vedada a utilização de presunções em direito tributário, conquanto as mesmas possam ser ilididas (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, publicado em Diário da República, II Série, de 25 de Julho de 1997 e Acórdão n.º 211/2003, de 28 de Abril de 2003). Ou seja, o Tribunal Constitucional considera na sua Jurisprudência que, embora seja legítimo ao legislador tributário socorrer-se de presunções, está constitucionalmente limitado pelos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da repartição justa de rendimentos e da riqueza (que é o objectivo basilar do sistema fiscal, como se infere do artigo 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) sendo-lhe vedada a utilização de presunções absolutas. Com efeito, “o estabelecimento de presunções com o objectivo de conferir certeza e simplicidade às relações fiscais, de permitir uma pronta regular percepção dos impostos e de evitar e evasão e a fraude (…) tem de compatibilizar-se com o princípio em análise (de igualdade tributária) o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas na medida em que impedem o contribuinte de provar a inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva Lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para apresentarem o pressuposto económico tido em conta”» (…) «As presunções devem apoiar-se em elementos concretamente positivos que as justifiquem racionalmente e admitir prova em contrário, de modo a que o imposto se ligue a um pressuposto económico certo, provado e não apenas provável»” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/1997, citando Casalta Nabais, Contratos Fiscais (Reflexões acerca da sua admissibilidade), pág. 279) Assim, e como sustenta este último Autor na Obra citada, pág. 265 e ss., “A tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto (…)”
Em consonância com a douta jurisprudência do Tribunal Constitucional e, bem assim, a mais reputada doutrina, o artigo 73.º, da Lei Geral Tributária determina expressamente que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”
Em suma: o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC estabelece uma presunção no que respeita à incidência subjectiva do imposto, a qual é, ilidível. Esta é a única interpretação que, aliás, permite salvaguardar os princípios constitucionais indicados pela Administração tributária na sua Contestação que, ao contrário do que sustenta, seriam prejudicados e ofendidos pela procedência do entendimento vertido pela Requerida nas sua peças processuais.
Em face da conclusão alcançada, importa analisar uma segunda questão que, bem, a Administração tributária suscita na sua Contestação. Com efeito, tratando-se de uma presunção (como está já assente), o beneficiário da mesma (a Requerida) escusa de provar o facto a que ela conduz, cabendo à Requerente fazer prova do contrário. Este é o regime que resulta do artigo 350.º, do Código Civil.
Sobre este aspecto, a Administração tributária sustenta que as facturas, por si só, não são documento idóneo para a prova exigida. Não cremos, contudo, que tenha razão.
A factura é, em termos genéricos, o documento contabilístico através do qual o comerciante especifica a quantidade, qualidade e preços das mercadorias vendidas e/ou dos serviços prestados. É, pois, um título representativo das mercadorias vendidas e/ou dos serviços prestados.
Por estarmos no domínio do direito tributário, não poder ser obnubilado o disposto no artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. Esta disposição legal confere uma presunção de veracidade aos elementos contabilísticos dos contribuintes – em que se inserem as facturas em causa -, pelo que se impunha que a Administração tributária afastasse essa presunção através da demonstração de inexistência de correspondência entre o declarado em tais elementos e a realidade – o que não fez, limitando-se a referir em abstracto que não considera que a Requerente tivesse feito prova. Por fim, importa ter presente que para as operações indicadas em f) a rr) da matéria de facto provada a Requerente juntou o Mapa de Mais e Menos Valias Fiscais de cada um dos exercícios em que se concretizou a alienação, demonstrando também por essa via, e através de documento contabilístico que beneficia da presunção estabelecida no artigo 75.º, da Lei Geral Tributária que na data a que se reportam os actos de liquidação cuja declaração de ilegalidade e anulação se pretende, já não era a proprietária dos veículos.
É, pois, forçoso concluir que a prova junta aos autos é idónea e suficiente para a demonstração dos factos invocados pela Requerente (com excepção do facto para o qual não foi junta prova, claro está).
Dos factos dados como provados resulta que cada um dos actos de liquidação em causa, com excepção dos actos de liquidação n.ºs 2009 ..., 2010 ... e 2012 ..., relativos aos anos de 2009, 2010 e 2012 respectivamente e ao veículo com a matrícula ...-...-..., se reporta a um ano fiscal em que a Requerente já não era a proprietária de cada um dos veículos em causa. Deste modo, visando, como vimos já, o IUC incidir subjectivamente sobre o real proprietário do veículo em cada ano e no mês de matrícula (cfr. artigos 3.º, 4.º e 6.º, do Código do IUC), é forçoso que se conclua que os actos de liquidação em apreço, com excepção dos referentes ao veículo com matricula ...-...-..., violam o disposto nas referidas disposições legais devendo ser declarados ilegais e anulados, porque praticados com ofensa das normas e princípios jurídicos vigentes (cfr. artigo 135.º, do Código de Procedimento Administrativo)
Com referência aos actos de liquidação de IUC cuja ilegalidade é aqui declarada é forçoso concluir pela ilegalidade dos respectivos juros compensatórios na justa medida em que inexistindo imposto em falta não podem, naturalmente, verificar-se os pressupostos a que alude o artigo 35.º, da Lei Geral Tributária, designadamente por inexistir atraso na liquidação do imposto.
Decisão
Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido formulado e consequentemente:
a) Declarar a ilegalidade dos actos de liquidação de IUC e de juros compensatórios n.ºs 2011 ..., 2012 ..., 2012 ..., 2012 ..., 2010 ..., 2010 ..., 2010 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ..., 2009 ... e 2009 ..., anulando-os;
b) Absolver a Requerida do pedido com referência aos actos de liquidação de IUC e de Juros Compensatórios n.ºs 2009 ..., 2010 ... e 2012 ..., no valor total de € 1.702,24;
c) Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas na proporção do decaimento, que se fixa em 6% para a Requerente e 94% para a Requerida.
Fixa-se o valor da acção em € 29.640,31 (vinte e nove mil, seiscentos e quarenta euros e trinta e um cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente e pela Requerida conforme supra exposto, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4, do RJAT e 4.º, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Julho de 2014
O Árbitro
Francisco de Carvalho