SUMÁRIO:
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Para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 10º do CIRS, o conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.
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Embora beneficiando as declarações dos contribuintes de presunção legal da veracidade (cfr. artigo 75º da LGT e artigo 65º, nº 1 do CIRS), o legislador admite, contudo, a sua ilisão através da produção, por parte da Administração Tributária, de prova em sentido contrário.
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Demonstrando a Administração Tributária que o imóvel alienado pelo contribuinte não constitui a sua habitação própria e permanente, não opera a exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10º do CIRS.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., contribuinte n.º ..., apresentou, em 03-05-2021, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a anulação do acto tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares com o n.º 2019... e respectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2018, bem como do despacho de indeferimento, datado de 17 de Dezembro de 2020, da Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, que recaiu sobre a Reclamação Graciosa deduzida contra tal liquidação, com a consequente restituição do imposto pago com juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-05-2021.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 24-06-2021 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 13-07-2021.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. Em 12-01-2022 teve lugar reunião, constituída nos termos do disposto no artigo 18º do RJAT, na qual se procedeu à inqurição das testemunhas arroladas pela Requerente, foram apresentadas alegações orais pelas partes e em que foi proferido despacho, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21º do mesmo diploma, determinando a prorrogação do prazo para ser proferida decisão.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa formulado.
Sustenta, com tal fundamento, em suma:
Em 12-10-2014 adquiriu, para aí residir, a fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente o primeiro andar, ..., para habitação, do prédio urbano sito na ..., n.º ... e Rua ..., n.º ... a ..., da freguesia de ..., em Lisboa, pelo preço de duzentos e quarenta cinco mil euros
Por escritura pública, outorgada em 11-04-2018, a Requerente alienou a identificada fracção autónoma pelo preço de seiscentos e vinte e dois mil euros.
Não obstante nunca ter deixado de residir, efetiva e materialmente, no referido imóvel, optou por alterar, em meados de 2017, a sua morada do cartão de cidadão para a residência de terceira pessoa, por forma a facilitar a receção do correio registado, sobretudo o enviado por diversas entidades públicas, nomeadamente pela Administração Tributária.
Nunca deixou, em momento algum, de residir efetiva e materialmente no referido imóvel, tendo continuado - durante o período em que a sua morada de cartão de cidadão (e, portanto, o seu domicílio fiscal) correspondeu à residência de terceiro - a ter ali toda a sua mobília e a sua roupa e a aí pernoitar habitualmente, a tomar as suas refeições e a receber os seus familiares e amigos, como resulta claro das faturas de serviços de água, energia elétrica e de gás fornecidos à Requerente durante esse período temporal.
Em 04-04-2018 e, portanto, em data anterior à da alienação do referido imóvel, procedeu à alteração da morada do seu cartão de cidadão para a do imóvel em causa, tendo, assim, feito corresponder a sua morada formal à sua residência material.
Em 21-06-2019 submeteu a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, tendo aí declarado a sua intenção de reinvestir o valor de 505.000,00 na aquisição de um novo imóvel para habitação própria e permanente.
Tendo a Administração Tributária corrigido tal declaração, procedendo liquidação adicional de IRS, por considerar que o imóvel que alienou não correspondia à sua habitação própria e permanente, apresentou reclamação graciosa da mesma, que veio a ser indeferida.
Apesar do conceito de habitação própria e permanente não se encontrar densificado na legislação tributária, constituindo por isso um conceito indeterminado, o mesmo deverá ter, à partida, o alcance dado pelas expressões que o compõem,
Assim, a expressão habitação própria traduz um imóvel que é próprio do sujeito passivo, ou seja, de que o mesmo é proprietário; já a asserção habitação permanente remete-nos para o local onde o mesmo fixa o centro da sua vida pessoal.
Neste sentido, não obstante o domicílio fiscal fazer presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, o certo é que este pode, a todo o tempo, fazer prova de que a sua habitação própria e permanente está localizada noutro imóvel, através de quaisquer meios de prova, cabendo à AT, perante a apresentação de prova, demonstrar a falta de veracidade da mesma ou das informações dela constantes.
Amarrada à premissa de que a habitação parcial permanente, enquanto pressuposto da exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias, tem, necessária e inexoravelmente, que corresponder ao domicílio fiscal do sujeito passivo de IRS, a AT atuou em clara violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade. do inquisitório e da colaboração, circunstância determinativa da ilegalidade do ato de liquidação de IRS objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.
Em qualquer circunstância, à data da venda, o imóvel alienado correspondia ao domicílio fiscal da Requerente.
Sendo ilegais os atos de tributação em apreciação, devem os mesmo ser anulados com a consequente restituição à Requerente do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:
O significado dado ao n.º 5 do artigo 10º do CIRS, quando se refere a habitação própria e permanente tem de ser aquele que é fiscalmente relevante, ou seja, o domicílio fiscal, pois de outra forma não faria sentido este conceito expresso na lei.
Não existe, pois, para este efeito, qualquer diferença entre os conceitos de habitação própria e permanente e domicílio fiscal.
Não tendo a Requerente cumprido o determinado na lei não pode obter essa vantagem de natureza fiscal (exclusão de tributação).
No caso presente, e no cotejo com os elementos já em poder da AT, foi dada maior prevalência aos que dispunha relativamente aos apresentados pela Requerente.
A Requerente não fez prova de que tinha habitação própria e permanente no imóvel alienado.
Conclui, pois, a Requerida pela legalidade do acto contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido.
II – Saneamento
7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
7.3. O processo não enferma de nulidades.
7.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
III.1. Matéria de facto
Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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Por escritura pública, outorgada em 12-10-2004, a Requerente adquiriu a fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao primeiro andar, ..., para habitação, do prédio urbano sito na ..., n.º e Rua ..., n.º ... a ..., da freguesia de ..., em Lisboa, pelo preço de duzentos e quarenta cinco mil euros.
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No ano de 2017 a Requerente alterou, por comunicação no cartão de cidadão, a sua residência, que até então tinha comunicado ser na Rua ..., n.º ..., ..., em Lisboa.
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Em 04-04-2018 a Requerente alterou, por comunicação no cartão de cidadão, a sua residência novamente para a Rua ..., n.º ..., ..., em Lisboa.
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Por escritura pública, outorgada em 11-04-2018, a Requerente alienou a identificada fracção autónoma pelo preço de seiscentos e vinte e dois mil euros.
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A Requerente apresentou em Junho de 2019 a declaração de IRS - Modelo 3, aí tendo declarado, no campo 5006 do quadro 5-A do respectivo Anexo G, a intenção de reinvestir o valor de 505.000,00 €, por aquisição de um novo imóvel para habitação própria e permanente.
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Na sequência da apresentação de tal declaração de rendimentos a Requerente foi notificada da respectiva liquidação de IRS, a qual reflectiu a exclusão parcial da tributação das mais-valias obtidas com a alienação do imóvel em causa, de que resultou o valor de imposto a pagar no montante de 10.294,65 €.
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Por notificação, por via postal registada, a Requerente foi notificada de despacho da Directora de Serviços do IRS, com, resumidamente, o seguinte teor:
- “A declaração de rendimentos relativa ao ano de 2018, identificação..., foi selecionada para análise por ter(em) sido detetada(s) a(s) seguinte(s) situação(ões).
Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação à atividade profissional”.
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Na sequência dos esclarecimentos prestados, a Requerente veio a receber, do Serviço de Finanças de Cascais-..., “notificação para audição prévia”, que, em resumo, tinha o seguinte teor:
- “Da análise efetuada aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2018, com a identificação..., constatou-se a existência da(s) seguinte(s) incorreção(ões):
Verifica-se não reunir as condições do artigo 10º do CIRS: o imóvel alienado não era a habitação própria e permanente (domicílio fiscal) na referida declaração Modelo 3”.
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A Requerente exerceu o direito de audição prévia juntando vários documentos.
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Por ofício de 03-10-2019, a Requerente foi notificada da correcção oficiosa da declaração de IRS do ano de 2018, com a seguinte fundamentação:
- “Analisadas as alegações apresentadas em sede de audição prévia, verifica-se que à data da alienação o imóvel alienado não corresponde ao domicílio fiscal do contribuinte, não se encontrando reunidos os requisitos do n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS. Pelo referido, conforme notificado pelo ofício n.º ... de 2019.08.05, não pode ser considerada a opção de reinvestimento declarada no campo 5006 do Quadro 5, do anexo G, que vai ser retirada.
Mais se informa que querendo poderá ainda entregar declaração de substituição no prazo de oito dias, com as correções acima mencionadas, findo o prazo irá ser efetuada a correção oficiosa, com levantamento de auto de notícia”.
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A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRS n.º 2019... e respectivos juros compensatórios, com imposto a pagar no valor de 55.862,29 €.
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A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado e juros compensatórios.
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Por não se conformar com aqueles actos de liquidação, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contestando a legalidade das correcções efectuadas, a qual foi autuada sob o n.º ...2020... .
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No procedimento de reclamação graciosa, veio a ser proferido despacho de indeferimento, em 14-12-2020, notificado à Requerente, na pessoa do seu mandatário, por Ofício da Direcção de Finanças de Lisboa (Justiça Tributária), por correio registado de 22-12-2020.
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Na fracção autómoma correspondente ao..., do n.º ... da Rua ..., em Lisboa, foram emtidas facturas por consumos de:
- água com leituras de consumo real entre 10-08-2016 e 10-08-2017 (doc 3 a 9);
- energia eléctrica com leituras de consumo real entre 21-10-2016 e 07-05-2018 (doc 10 a 26);
- gás com leituras de consumo real entre 27-04-2017 e 22-02-2018 (doc 27 a 33)
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo e dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente.
Não foi dado como provado que a Requerente tivesse a sua residência, no ano de 2018, no 1º andar, ..., correspondente à fracção “H” do prédio sito na ..., n.º ... e Rua..., n.º ... a ..., em Lisboa.
III.2. Matéria de Direito
Como resulta do pedido arbitral, está em causa apurar da legalidade do acto de liquidação adicional de IRS que não considerou a exclusão de tributação da mais-valia obtida com a alienação de imóvel, por ter a AT considerado que o mesmo não correspondia ao domicílio fiscal da Requerente, não se encontrando, desse modo, reunidos os requisitos do n.º 5 do artigo 10ºdo Código do IRS.
Dispõe o n. 5 do artigo 10º do CIRS:
- “São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação”.
No caso, a Requerente declarou na Modelo 3 de IRS, para efeitos de exclusão de tributação da mais-valia que obteve com o imóvel que alienou que o mesmo constituía a sua habitação própria e permanente, sendo certo que na data em que o fez o mesmo ser considerava como seu domicílio fiscal, uma vez que o comunicou como tal à AT, sete dias antes de outorgar a escritura de venda.
Sucede que, como consideram de forma consistente os nossos tribunais superiores “... o conceito de «habitação própria e permanente» previsto no artigo 10.º n.º 5 do CIRS ... assume uma especificidade própria que não se confunde com residência habitual ou domicílio fiscal, ainda que possa comungar destes dois conceitos» (Acórdão do STA de 01-07-2020- Proc. n.º 0114/15.2BELLE).
Como se diz no Acórdão do TCA Sul de 05-08-2019 - Proc. n.º ............... “no plano conceitual, a residência habitual não se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do C Civil (vide Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98)”.
Na mesma linha, entende o STA que “no supra transcrito nº 5 do art. 10º do CIRS explicita-se que não estão sujeitos a imposto os ganhos provenientes de transmissão de imóvel destinado a habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do agregado familiar deste (…) não se equiparando, portanto, o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal. Sendo que também o nº 6 do mesmo normativo, relevando a necessidade de afectação do imóvel a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não refere o domicílio fiscal” (Acórdão do STA de 14-11-2018 - Proc. n.º 01077/11.9BESNT).
Aliás, “da análise do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS resulta que o legislador não remete para o conceito jurídico-fiscal de «domicílio fiscal», como sucede, por exemplo, para efeitos da concessão da isenção de IMI relativamente a imóveis destinados à habitação própria permanente, prevista no n.º 1 do artigo 46.º do EBF. Considera-se ter havido afectação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicilio fiscal - cfr. n.º 9 daquele preceito legal” (Acórdão do TCA-Sul de 30-09-2020 - Proc. 373/17.6BESNT ).
Mas mesmo nesse caso, em que se remete para o conceito de domicílio fiscal, mesmo assim “o facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio. A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.» (Acórdão do STA de 23-11-2011 - Proc. 0590/11).
Posto isto, temos, no caso, que a Requerente comunicou a alteração do seu domicílio fiscal (ainda que apenas sete dias antes de outorgar a escritura pública de venda), fazendo-o coincidir com o que declarou, para efeitos de exclusão de tributação de mais-valia, como sendo a sua habitação própria e permanente.
Face ao disposto nos artigo 75º da LGT e artigo 65º, n.º1 do CIRS, as declarações dos contribuintes beneficiam de presunção legal de veracidade.
O legislador admite, contudo, a ilisão de tal presunção, através da produção, por parte da Administração Tributária, de prova em sentido contrário. Com efeito, a AT não está vinculada a aceitar, sem mais, a qualificação dos rendimentos tal como são declarados pelos respetivos titulares, podendo exercer um controlo e fiscalização posterior da verdade da declaração (cfr. artigo 65º, n.º 4 do CIRS).
Presentes os considerandos que antecedem, importa apurar se o imóvel de «partida», alienado pela Requerente, e de cuja venda resultaram mais-valias, constituiu ou não a sua habitação própria e permanente
Situação que, no caso dos autos, desde já se adianta, manifestamente não se verifica.
A Requerente pretende demonstrar a veracidade de tal factualidade, com a junção de recibos de água, electricidade e gás. Diga-se, antes de mais, que não se vislumbra como tal circunstância, só por si, poderia ter tal virtualidade.
Admitiríamos que tal pudesse eventualmente ser demonstrado se, por exemplo, houvesse recibos comparativos do período temporal compreendido antes da comunicação da alteração de domicílio, efectuada pela Requerente em meados de 2017, e depois, que comprovassem que tal circunstância não teria provocado alterações nos consumos.
Sucede que os recibos apresentados pela Requerente apenas apresentam leituras de consumos reais em períodos muito reduzidos (10-08-2016 e 10-08-2017, relativamente à água, 21-10-2016 e 07-05-2018, relativamente à electricidade e 27-04-2017 e 22-02-2018, relativamente ao gás).
Aliás, os recibos juntos pela Requerente fazem revelar, bem pelo contrário, que terá ocorrido uma diminuição considerável nesses consumos. É disso exemplo, o primeiro recibo, junto como doc. 3, donde consta que a leitura de água em 12-08-2015 foi de 2683 m3 para apenas 49m2 e 92m2 no ano de 2017. Diga-se que também se compreende com dificuldade que o consumo de electricidade tenha passado a ser de apenas 0,85 € diários no mês de Janeiro de 2018 (cf. doc. 26).
Do mesmo modo, os depoimentos das testemunhas, mais do que pouco convincentes, revelaram-se contraditórios e pouco isentos. Veja-se, designadamente, o caso da testemunha B..., o qual vive em união de facto com a Requerente. Querendo criar no tribunal a convicção de que a Requerente tinha a sua residência permanente, na altura da sua venda, no imóvel em questão, quis definir como marco em que ela foi residir consigo o momento em que souberam que aquela ficou grávida da filha comum de ambos que nasceu em 06-08-2019. Necessariamente que tal conhecimento teria que ter ocorrido sempre depois de Janeiro de 2019. Daqui se conclui ser o seu depoimento incoerente e totalmente contraditório com as datas balizadores do facto em questão.
Acresce a tudo isto não se perceber o objectivo e a racionalidade de se comunicar a alteração de residência sete dias antes de se outorgar a escritura de venda.
Daí que se conclua, de acordo com a factualidade provada, que não se encontra verificado um dos requisitos cumulativos que fazem operar a exclusão de incidência tributária prevista no art.º 10.º, n.º 5, alínea a), do CIRS. É que, o que releva, como se disse, é o facto de o imóvel, objecto de alienação, ter funcionado não apenas formalmente (enquanto domicílio fiscal), mas efectivamente como habitação própria e permanente, do sujeito passivo, até ao momento imediatamente anterior ao da sua alienação.
Logo, ocorreu uma declaração indevida da intenção de reinvestimento por parte da Requerente, dado se estar perante a transmissão onerosa de um imóvel que, à data da venda, não se encontrava afecto à sua habitação própria e permanente.
Motivo pelo qual nenhuma ilegalidade pode ser apontada à liquidação objecto do presente pedido arbitral.
Fica prejudicada a apreciação das demais questões.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado, dele absolvendo a Requerida.
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Condenar a Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 55.862,29 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
12 de Março de 2022
O Árbitro
(António Alberto Franco)