Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 283/2021-T
Data da decisão: 2022-03-07  IRS  
Valor do pedido: € 17.301,96
Tema: IRS - Categoria B, regime simplificado e coeficientes de determinação do rendimento tributável; a actividade profissional de “apoio ao estudo”.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

 

I. A actividade profissional de "apoio ao estudo" não é uma actividade especificamente prevista na Tabela a que alude o artigo 151.º do CIRS.

 

II. Não estando especificamente prevista na Tabela a que alude o artigo 151.º do CIRS e não sendo possível, por interpretação extensiva, integrá-la em qualquer outra profissão nela especificamente prevista, a actividade profissional de "apoio ao estudo" tem de considerar-se abrangida pelo código 1519 Outros prestadores de serviços e, consequentemente, o coeficiente aplicável, para determinação do rendimento tributável, aos rendimentos auferidos no seu exercício é de 0,35.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A..., B...,  C..., contribuintes fiscais números ...,  ..., ..., respectivamente, residentes na Rua ..., ..., ...-... ... (de ora em diante designados “Requerentes”), apresentaram no dia 03.05.2021 um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando por um lado a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”) n.º 2020..., referente à Requerente C... e ao ano de 2017, com valor a pagar de € 4.701.68 (quatro mil setecentos e um euros e sessenta e oito cêntimos), e as liquidações oficiosas de IRS n.º 2021..., do ano de 2018, com valor a pagar de € 6.909,01 (seis mil novecentos e nove euros e um cêntimo) e n.º 2020..., do ano de 2019, com valor a pagar de € 5.802,38 (cinco mil oitocentos e dois euros e trinta e oito cêntimos) respeitantes aos Requerentes A... e B..., como adiante melhor se verá, e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestação tributária.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 14.06.2021, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. D... e Dra. E... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 13.07.2021.

 

  1. No mesmo dia 13.06.2021 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

  1. No dia 28.09.2020 a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

 

 

B – Posição dos Requerentes

 

 

  1. Os Requerentes – que são marido, mulher e filha – exploram um centro de estudos e exerceram a actividade profissional de prestação de apoio ao estudo, actividade que não se encontra prevista tabela do art.º 151.º do CIRS, e que não se confunde com quaisquer das actividades aí elencadas.

 

  1. Por não terem exercido nenhuma das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que alude o art.º 151.º do CIRS, de harmonia com o que declararam nas suas declarações de rendimentos, os Requerentes entendem que na determinação do rendimento tributável deverá ser aplicado o coeficiente de 0,35, nos termos do art.º 31.º, n.º 1, al. c) do CIRS.

 

  1. Não é esse o entendimento da autoridade tributária e aduaneira, que na sequência de procedimento de divergências de IRS referentes aos anos de 2018 e 2019, promoveu transposição dos montantes declarados no anexo B, quadro 4, campo 404 (rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores), para o campo 403 do mesmo quadro e anexo (rendimento das actividades profissionais especificamente previstas na tabela do art.º 151.º do CIRS).

 

  1. Entende a autoridade tributária e aduaneira que o código CAE 85600 (actividades de serviços de apoio à educação), no qual os Requerentes estão inscritos, tem uma correspondência directa e necessária com um código da tabela anexa ao artigo 151º do CIRS (8010 – explicadores), devendo aplicar-se-lhes o coeficiente de 0,75, nos termos do disposto no art.º 31.º, n.º 1, al. b) do CIRS.

 

  1. A “correspondência” defendida pela autoridade tributária e aduaneira não tem sentido nem suporte legal, já que a actividade profissional exercida pelos Requerentes – o apoio ao estudo – não se encontra prevista, nem se confunde, com qualquer uma das actividades descritas na tabela do art.º 151.º do CIRS.

 

  1. O apoio ao estudo não contempla uma componente lectiva ou pedagógica, nem requer que o prestador tenha qualificação ou formação técnica especializada.

 

  1. É que o ensino, a formação, e as explicações implicam a transferência de conhecimentos ou informações de uma pessoa para outra. Mas o apoio ao estudo mais não é do que assegurar um ambiente propício ao estudo individual ou em grupo, em que se possam reforçar conhecimentos adquiridos noutro contexto. Corresponde, essencialmente, às chamadas “salas de estudo”.

 

  1. A prestação de serviços de educação requer frequentemente a acreditação prévia junto da Direcção-Geral de Educação, que os Requerentes não têm, porque dela não necessitam, já que esta não é exigida para a prestação de apoio ao estudo.

 

  1. O conteúdo dos serviços prestados pelos Requerentes consta do seu website, não constando desse elenco quaisquer serviços de ensino, em qualquer das vertentes descritas na tabela a que se refere o art.º 151.º do CIRS (professores, formadores e explicadores), o que é expressamente confirmado pelos beneficiários desses serviços.

 

  1. Os Requerentes B... e A... deduziram reclamação graciosa contra as correcções ao IRS de 2018, que foi indeferida, tendo os Requerentes recorrido hierarquicamente desse indeferimento, não tendo sido proferida decisão até ao momento em que foi proposta a presenta acção arbitral.

 

  1. Também a correcção ao IRS de 2017 da Requerente C... foi objecto de reclamação graciosa, sem que tenha havido decisão até à propositura do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Assim, são ilegais as liquidações ora postas em crise, porquanto assentam na aplicação de um errado coeficiente para determinação do rendimento tributável.

 

  1. Deve ainda a Requerida ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, sobre o montante indevidamente pago pelos Requerentes.

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

  1. No Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da autoridade tributária e aduaneira, os Requerentes estiveram colectados no Regime simplificado de IRS com os seguintes CAE:
  • CAE Principal 85600 “ACTIVIDADES DE SERVIÇOS DE APOIO À EDUCAÇÃO”;
  • CAE Secundário 1519 “OUTROS PRESTADORES DE SERVIÇOS”
  • CAE Secundário 049392 “OUTROS TRANSPORTES TERRESTRES DE PASSAGEIROS DIVERSOS”.

 

  1. Com a reforma do IRS operada em 2015 pela Lei n.º 82-E/2014 de 31/12, ficou previsto que o coeficiente de 0,75 se aplicaria às actividades especificamente constantes na lista a que se refere o art.º 151º do CIRS.

 

  1. O coeficiente 0,35 para 2015 visou reconhecer, no tratamento em regime simplificado, a existência de prestações de serviços que são efectuadas com recurso a estruturas empresariais que incorrem em montantes mais significativos de gastos, por oposição às prestações de serviços de natureza profissional liberal, com gastos pouco significativos.

 

  1. Os Requerentes estão inscritos, desde 28-09-2017, para o exercício da actividade principal de “actividades de serviços de apoio à educação” com a CAE 85600 e enquadrado no regime simplificado de tributação.

 

  1. Face ao quadro legal vigente, é necessário proceder a uma avaliação casuística das funções efectivamente desempenhadas e tituladas nas respectivas facturas-recibos que foram juntas com o pedido arbitral apresentado.

 

  1. Em termos substantivos, a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo no âmbito da sua actividade no centro de estudos e constantes nos respectivos recibos electrónicos como explicações é uma actividade com enquadramento na actividade com código 8010 – explicadores da lista anexa a que se refere o artigo 151.º do CIRS.

 

  1. O que os Requerentes alegam é que afinal o Centro de Estudos explorado pelos Requerentes é um ATL (actividades de tempos livres), em que os Requerentes se limitam a observar os alunos.

 

  1. Em termos de incidência real, as tarefas enquadram-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, sendo os rendimentos declarados no campo 403 do quadro 4A do anexo B da Modelo 3 de IRS e o rendimento tributável, obtido através da aplicação do coeficiente 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.

 

  1. Deve-se, por isso, atender à substância económica sobre a forma, como dispõe o n.º 3 do art.º 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), pelo que os rendimentos foram devidamente corrigidos e declarados no campo 403 do anexo B (e não no campo 404 como pretendem os Requerentes), procedimento que tem cobertura no n.º 4 do art.º 65.º do CIRS.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

  1. Por despacho de 02.01.2022, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu pudesse ter lugar até ao dia 12.01.2022, tendo o prazo sido prorrogado por dois meses, nos termos e para os efeitos do disposto no número 2 do artigo 21.º do RJAT, por despacho de 12.01.2022.

 

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.

 

  1. A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade da liquidação ora posta em crise.

 

  1. Também a coligação de autores, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, é admissível quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, como sucede com o que caso objecto dos presentes autos.

 

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.      Factos provados

 

  1. No Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da autoridade tributária e aduaneira, os Requerentes estiveram colectados no Regime simplificado de IRS com os seguintes CAE:
  • CAE Principal 85600 “ACTIVIDADES DE SERVIÇOS DE APOIO À EDUCAÇÃO”;
  • CAE Secundário 1519 “OUTROS PRESTADORES DE SERVIÇOS”
  • CAE Secundário 049392 “OUTROS TRANSPORTES TERRESTRES DE PASSAGEIROS DIVERSOS”.

 

  1. A Requerente C..., no dia 31.05.2018, procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2017, tendo declarado no Anexo B, rendimentos de Categoria B inscritos no campo 403 do Q4A no valor total de € 9.992,00 (artigo 8.º da Resposta).

 

  1. No dia 28.05.2020, a Requerente C... procedeu à entrega da declaração de rendimentos de substituição modelo 3 de IRS, referente ao ano 2017, tendo declarado no Anexo B, rendimentos de Categoria B inscritos no campo 403 do Q4A no valor total de € 27.620,00 (artigo 16.º da Resposta).

 

  1. A Requerida procedeu à liquidação de IRS da Requerente C... referente ao ano 2017 com o n.º 2020..., 30.05.2020 e valor a pagar de € 4.701,68 (doc. 3, junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A 17.09.2020, a Requerente C... apresentou reclamação graciosa da liquidação oficiosa de IRS do ano de 2017, à qual foi atribuído o nº ...2020... (artigo 19.º da Resposta).

 

  1. No dia 09.10.2019, os Requerentes B... (sujeito passivo A) e A... (sujeito passivo B), casados, procederam à entrega da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, tendo declarado no Anexo B, rendimentos de Categoria B inscritos no campo 404 do Q4A no valor total de € 2.740 para o sujeito passivo A e € 36.895,87 para o sujeito passivo B (processo administrativo fls 4 e segs.).

 

  1. No dia 30.06.2020, os Requerentes B... e A..., casados, procederam à entrega da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2019, tendo declarado no Anexo B, rendimentos de Categoria B inscritos no campo 404 (artigo 19.º da Resposta).

 

  1. Os Requerentes A... e B... apresentaram reclamação graciosa nº ...2020..., com referência ao ano de 2018, a qual foi objecto de deferimento parcial, pelo que apresentaram recurso hierárquico n.º ... (artigo 12.º da Resposta).

 

  1. Na sequência do procedimento de divergências de IRS 2018 e 2019 (nºs ..., ... e...) com o código 071 (coerência entre CAE, cadastro e rendimentos declarados) e das conclusões das mesmas, para os Requerentes B... e A..., os serviços da AT elaboraram declarações oficiosas para os anos 2018 e 2019, respectivamente, corrigindo os rendimentos do campo 404 para o campo 403 do Q4A do anexo B e consequentemente o rendimento tributável (liquido) para os anos em causa, foi determinado, nos termos do nº 1, alínea b) do art.º 31º do CIRS à data vigente, pelo coeficiente de 0,75 (artigo 14.º da Resposta).

 

  1. Dos quais resultaram a liquidação nº 2020... de 01.03.2020 com valor a pagar de € 7.607,47€ e a liquidação n.º 2020.... de 04.12.2020 com valor a pagar de 5.802,38€, respectivamente (artigo 14.º da Resposta).

 

  1. A 28.01.2020, os Requerentes B... e A... apresentaram reclamação graciosa da liquidação oficiosa de IRS do ano 2018, à qual foi atribuído o nº ..., tendo sido proferido despacho de deferimento parcial, do qual foram notificados.

 

  1. Não conformados com a decisão proferida em sede de reclamação graciosa, os Requerentes B... e A... apresentaram recurso hierárquico ao qual foi atribuído o nº ... 2020... .

 

  1. Os Requerentes, em data não apurada no âmbito do presente processo arbitral, procederam ao pagamento das quantias que lhes foram exigidas pelas liquidações ora mediatamente impugnadas.

 

  1. No Centro de Estudos (Centro de Estudos F...) onde os Requerentes desenvolvem a sua actividade profissional de apoio ao estudo, os alunos podem:

 

  • Realizar trabalhos de casa (TPC);
  • Estudar individualmente ou em grupo, podendo fazer apontamentos para as diversas disciplinas, com a ajuda de manuais e meios informáticos disponíveis;
  • Desenvolver e melhorar técnicas e métodos de estudo;
  • Realizar trabalhos de grupo ou individuais recorrendo aos recursos disponíveis;
  • Realizar trabalhos manuais

 

2.2.      Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a prolação da decisão que tenham sido dados como não provados.

 

2.3.      Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.

 

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.      Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, as seguintes: 

  1. A de saber se aos rendimentos da categoria B auferidos pelos Requerentes (para além dos relativos ao transporte terrestre) deve ser aplicado o coeficiente de 0,75 para determinação do rendimento tributável, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS; e
  2. A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação ora postos em crise, os Requerentes, no âmbito do presente processo arbitral, poderão obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente às quantias por si entregues para satisfação de prestação tributária não devida. 

 

3.2.      Rendimentos da categoria B, regime simplificado e coeficientes para determinação do rendimento colectável

 

Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, consideram-se rendimentos empresariais e profissionais, os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza. A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais faz-se com base na contabilidade ou com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado (artigo 28.º, n.º 1 do CIRS).

 

O artigo 31.º, n.º 1 do CIRS prescreve, para o que nos interessa, o seguinte:

 

Artigo 31.º
Regime simplificado

 

1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:


b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;


c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;

 

O artigo 151.º do CIRS estabelece:

 

Artigo 151.º

Classificação das atividades


As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

Como é bom de ver, o dissídio que opõe as Partes resulta de uma diferente leitura das normas aplicáveis aos factos em presença.

 

Reconhece a Requerida que é necessária uma avaliação casuística das funções efectivamente desempenhadas pelos Requerentes e dela retira que, em termos substantivos, “a atividade desenvolvida pelo SP no âmbito da sua atividade no centro de estudos e constantes nos respetivos recibos eletrónicos como explicações é uma atividade com enquadramento na atividade com código 8010 – explicadores da lista anexa a que se refere o artigo 151.º do CIRS.”

 

Salvo melhor juízo, a afirmação é quase axiomática e não se mostra suficientemente fundamentada. Se é necessária uma avaliação casuística das funções efectivamente desempenhadas pelo sujeito passivo, então a análise não pode bastar-se com o descritivo de recibos electrónicos.

 

Sobre o âmbito de aplicação das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS há abundante jurisprudência arbitral, não uniforme. Recentemente, porém, o Supremo Tribunal Administrativo uniformizou, pelo acórdão n.º 092/19.9BALSB, de 09/12/2020, a jurisprudência relativamente à actividade de árbitro desportivo. Ainda que não estejamos agora confrontados com a mesma actividade, vale a pena atentar nele para dele retirar os transponíveis ensinamentos.

 

Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2015, a redação do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respetivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” (nosso sublinhado). Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às atividades aí não especificamente previstas. (nosso sublinhado). Percorrido o elenco da tabela do artigo 151.º do Código do IRS, não se vislumbra a referência específica à atividade profissional de árbitro de desportos. Contudo, e como vimos já, é entendimento da decisão arbitral recorrida que a atividade profissional de árbitro de futsal se subsume “de forma natural, imediata e logicamente transparente, ao conceito de Desportista, da Tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS, Anexo I”. Mas sem razão.

 

Se bem interpretamos este esclarecido aresto, o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às actividades profissionais especificamente previstas na Tabela a que alude o artigo 151.º do CIRS e, por sua vez, o coeficiente de 0,35 é aplicável àquelas que nela não estejam contempladas. 

 

Tudo está, pois, em saber se a actividade, efectiva e realmente exercida pelos Requerentes está, ou não, especificamente prevista na Tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS.

 

No Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da autoridade tributária e aduaneira, os Requerentes estiveram colectados no Regime simplificado de IRS com o CAE Principal 85600 “ACTIVIDADES DE SERVIÇOS DE APOIO À EDUCAÇÃO”. Este CAE pertence à divisão P (Educação), compreendendo, “nomeadamente, actividades de gestão que apoiam os processos e os sistemas educativos; consultoria para a educação; avaliação e testes da educação; e organização de programas de troca de estudantes”[1].

 

Entende a Requerida que esta actividade corresponde, na Tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS, à que tem o código 8010 – Explicadores.

 

Retomando o aresto do Supremo Tribunal Administrativo:

 

O artigo 31.º do Código do IRS prevê os coeficientes aplicáveis para a determinação do rendimento tributável dos Sujeitos Passivos tributados ao abrigo do regime simplificado em IRS. Nos presentes autos, discute-se qual desses coeficientes é aplicável ao Recorrente marido por referência aos rendimentos obtidos enquanto árbitro de futsal no ano fiscal de 2017.

A este respeito, importa começar por referir que em matéria de incidência tributária e de aplicação de taxas de tributação não há, por definição, lacunas. Mercê do especial vigor que o princípio da legalidade assume neste domínio na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição), as taxas de tributação apenas podem ser utilizadas nas situações que concretamente se insiram na previsão da norma aplicável. A integração analógica encontra-se vedada nestas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo a afirmação concordante do legislador ordinário nesse sentido mero corolário daquela norma constitucional (vide, a este respeito, o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária).

Não se encontra, porém, constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva, pelo que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186).

Pressuposto para assim operar é, contudo, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit, in casu, que quando o legislador se refere a Desportistas no Código 1323 da tabela do artigo 151.º do Código do IRS quer abarcar não apenas os desportistas em sentido estrito mas, também, outras actividades profissionais incluídas na actividade desportiva, como é o caso dos árbitros.

 

A actividade de apoio ao estudo prosseguida pelos Requerentes no Centro de Estudos que exploram não corresponde, numa interpretação declarativa, à actividade de explicador. Na esteira do acórdão que se acaba de transcrever, pressuposto para que possa operar uma admissível interpretação extensiva é a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit, in casu, que quando o legislador se refere a Explicadores no Código 8010 da tabela do artigo 151.º do Código do IRS quer abarcar não apenas os explicadores em sentido estrito mas, também, outras actividades profissionais incluídas num pretenso conceito amplo de explicador, como a de apoio ao estudo que se presta num centro de estudo.

 

Convém desde já dilucidar o conceito de explicador. Para os dicionaristas, explicador é “aquele que explica, que torna inteligível o que parecia obscuro ou incompreensível”[2].

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

Como se pode ver na comunicação institucional do Centro de Estudos, nas salas de estudo os alunos podem:

  • Realizar trabalhos de casa (TPC);
  • Estudar individualmente ou em grupo, podendo fazer apontamentos para as diversas disciplinas, com a ajuda de manuais e meios informáticos disponíveis;
  • Desenvolver e melhorar técnicas e métodos de estudo;
  • Realizar trabalhos de grupo ou individuais recorrendo aos recursos disponíveis;
  • Realizar trabalhos manuais.

 

Na verdade, nenhuma das actividades oferecidas pelo Centro de Estudos em que os Requerente exercem a sua actividade profissional se assemelha à de um explicador. De resto, é de crer que se ali fossem prestados serviços dos que “tornam inteligível o que parece obscuro ou incompreensível” disso seria dado conhecimento ao mercado. Como bem reconhece a Requerida, para a solução a dar ao presente litígio, deve ser apreciada a real e efectiva actividade exercida pelos Requerentes. E eles prosseguem a sua actividade profissional naquele centro de estudos, que oferece aos seus clientes serviços que não se coadunam, nem numa interpretação extensiva, com a actividade de explicador, que, como referem os Requerentes, contempla necessariamente uma componente lectiva ou pedagógica, exigindo-se que o prestador tenha especiais qualificações ou formação técnica especializada, o que não foi demonstrado.

 

Assim, socorrendo-nos de novo do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que temos vindo a citar, poderemos dizer “por não considerarem as suas funções profissionais como subsumíveis no conceito estrito de Explicador, os Recorrentes enquadraram-se no CAE 85600 (actividades de serviços de apoio à educação). E assim o fizeram em cumprimento do disposto no artigo 151.º do Código do IRS, que prevê precisamente que “as actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças” (sublinhado do aresto e não nosso).

 

“Como tal, não se pode concluir pela aplicação do coeficiente de 0,75 ao caso dos autos mas, ao invés, do coeficiente de 0,35, previsto para as actividades profissionais não especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. E sem que isso viole o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, porque já se demonstrou que não é curial proceder a uma interpretação extensiva da actividade profissional de explicador na medida em que as funções e tarefas exercidas por um profissional que exerce a sua actividade num centro de estudo não se incluem concretamente nesse conceito”.

 

O mesmo entendimento parece retirar-se da decisão arbitral do CAAD proferida no âmbito do processo n.º 109/2021-T, que descreve com minúcia e muito proveito para o leitor o elemento histórico da interpretação da locução “especificamente”. Também considerou esse Tribunal que “a norma em causa [a do artigo 151.º do CIRS] não atribui à Administração Fiscal o poder discricionário de classificar quais são as atividades exercidas ou pelo Código CAE ou pelos códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças”[3]. Mais adiante conclui: “no entanto, e por ausência de densificação legislativa do conceito, não pode aceitar-se, à luz dos princípios constitucionais da tipicidade, da justiça e da igualdade, que o código 1519 Outros prestadores de serviços não inclua as prestações exclusivas de serviços realizada no âmbito de atividades cujas profissões não estejam especifica, nominal ou expressamente previstas na Tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS”[4].

 

Assim, e concluindo, não estando especificamente prevista na Tabela a que alude o artigo 151.º do CIRS e não sendo possível, por interpretação extensiva, integrá-la em qualquer outra profissão nela especificamente prevista, a actividade profissional de "apoio ao estudo" prosseguida pelos Requerentes naquele concreto Centro de Estudos tem de considerar-se abrangida pelo código 1519 - Outros prestadores de serviços e, consequentemente, o coeficiente aplicável, para determinação do rendimento tributável, aos rendimentos auferidos no seu exercício é de 0,35 e não o de 0,75.

 

3.3.      Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o previsto no art.º 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (CPPT), o que remete para as manifestações desse princípio que encontramos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pelos Requerentes.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Considera-se erro imputável aos serviços aquele que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos, de facto ou de direito, que não sejam da responsabilidade do contribuinte. Ora, aquando da prática dos actos de liquidação controvertidos, na sequência na sequência de procedimento de divergências de IRS referentes aos anos de 2018 e 2019, a administração tributária e aduaneira conhecia ou não podia ignorar que a prática desses actos violaria as regras legais aplicáveis. Portanto, não há dúvida ter havido, para estes efeitos, erro imputável aos serviços. 

 

Estando provado que os Requerentes pagaram, ainda que em data que não foi apurada no âmbito deste processo arbitral, prestação tributária que pelas liquidações reclamadas e ora parcialmente anuladas lhes foi, por erro imputável aos serviços, exigida, tem eles direito não apenas ao reembolso do que pagaram indevidamente, mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até ao seu integral reembolso.

 

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se parcialmente os actos de liquidação que constituem objecto mediato do presente processo arbitral, a saber, a liquidação de IRS n.º 2020..., referente à Requerente C... e ao ano de 2017, e as liquidações de IRS n.º 2021..., do ano de 2018 e n.º 2020..., do ano de 2019, respeitantes aos Requerentes A... e B..., na parte em que erroneamente consideraram, para efeitos de determinação do rendimento tributável, aplicável, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, o coeficiente de 0,75 aos rendimentos auferidos pela actividade profissional de apoio ao estudo, por entenderem que essa concreta actividade profissional está especificamente prevista na tabela a que alude o art.º 151.º do CIRS;

 

  1. Condenar a Requerida a reembolsar os Requerentes do que pagaram indevidamente e, bem assim, a pagar-lhes juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data do pagamento das quantias indevidamente exigidas, até à data de integral reembolso;

 

  1. Condenar a Requerida nas custas.

 

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 305.º e no n.º 2 do art.º 306.º, ambos do Código de Processo Civil, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 17.301,96 (dezassete mil trezentos e um euros e noventa e seis cêntimos).

 

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 7 de Março de 2022

 

 

 

O Árbitro

 

 

                                                               

______________________________

(Nuno Pombo)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Notas explicativas à Classificação Portuguesa das Actividades Económicas (Rev.3), publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística.

[2] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

[3] Cfr. ponto 31 da decisão.

[4] Ponto 56 da decisão.