DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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Requerente
A..., SA., com sede no ... ..., ...-..., ... . Com o número de pessoa coletiva ... .
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Requerida
Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) representada pelo Dr. ... e pelo Dr. ... .
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Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral
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O pedido de pronúncia arbitral da Requerente foi apresentado em 14 de Abril de 2021 e aceite pelo CAAD no dia imediato.
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A Requerida indicou como árbitro o Dr. Nuno Maldonado Sousa.
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A Requerente indicou como árbitro o Dr. Francisco Carvalho Furtado
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O Presidente do Conselho Deontológico do CAAD nomeou árbitro Presidente o Desembargador Manuel Macaísta Malheiros, tendo o Tribunal ficado constituído por despacho de 9 de Agosto de 2021.
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Em 23 de Setembro de 2021 a AT solicitou prorrogação do prazo para apresentação da resposta por mais 30 dias, pedido que foi aceite nesse mesmo dia.
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A Requerida apresentou a sua resposta e juntou o PA em 20 de Outubro de 2021.
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A 15 de Novembro de 2021 a Requerente solicitou o aditamento de uma testemunha ao rol oportunamente apresentado.
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A inquirição das testemunhas verificou-se a 17 de novembro de 2021.
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A Requerente apresentou alegações escritas a 3 de dezembro de 2021 e a Requerida a 22 do mesmo mês.
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A 3 de fevereiro de 2022, o Tribunal prorrogou por dois meses, a contar de 9 desse mesmo mês, o prazo para prolação da decisão.
II - O PEDIDO
A Requerente requer a apreciação da legalidade, com as legais consequências, das seguintes liquidações:
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de IRC, com o n.º 2020..., relativa ao ano de 2017 que ajustou a matéria coletável em €155.814,99;
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de IVA, com o n.º 2020... relativa ao ano de 2018, nos termos da qual foi apurado imposto a pagar no montante de €6.900,00.
III - POSIÇÃO DAS PARTES
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Da Requerente
A Requerente é uma sociedade anónima constituída em 24 de novembro de 2014, que tem por objeto social a implementação e desenvolvimento de projetos de eficiência energética, incluindo o fornecimento e substituição de luminárias para sistema LED, celebrando contratos de eficiência energética com câmaras municipais para a implementação de medidas de melhoria da eficiência energética na iluminação pública.
A Requerente é detida em 51% pela B... SA, com sede em Portugal, e em 49% pelo Fundo C... (C...), organismo de investimento em capital de risco, gerido pela D... – Sociedade Gestora de Fundos de Capital de Risco, SA.
A 26 de novembro de 2014 e a 2 de dezembro de 2015 a Requerente contraiu suprimentos junto da B..., no montante, em cada ano, de €61.716,00 e junto do C... no montante de €450.000,00, também em cada ano, todos contratados tendo por referência uma maturidade contratual inicial não inferior a 1 ano, com a previsão da ocorrência de reembolso do capital apenas na maturidade e sem quaisquer garantias associadas.
As partes estabeleceram que os suprimentos venceriam juros anualmente à taxa de 3,22xEuribor a 12 meses, acrescidos de um spread de 14%
Em 2017, ano sobre o qual incidiu a ação inspetiva feita pela Requerida, respeitante ao IRC e ao IVA, a taxa de juro efetiva suportada pela Requerente em resultado dos suprimentos foi de 13,73%.
A AT pediu à Requerente explicações acerca do critério para ter sido escolhido um spread de 14%., tendo a Requerente respondido que foi tido em conta o contexto de criação da Requerente, bem como as características flexíveis do instrumento.
Dos encargos não dedutíveis devido à taxa de juros
A Requerida considerou que a Requerente deveria ter mantido no dossier fiscal organizado (de acordo com a obrigação prevista no n.º 6 do art.º 63º do CIRC) a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência.
A Requerente contrapõe que não está obrigada à referida apresentação, uma vez que o art.º 13º, n.º 3 da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, determina que os sujeitos passivos que no exercício anterior tenham atingido um valor anual de vendas líquidas e de outros proveitos inferior a €3.000.000,00 ficam dispensados do cumprimento dessa obrigação. Ora, em 2016 aqueles proveitos da Requerente foram de €1.313,94 e a inspeção referiu-se ao ano de 2017.
A AT considerou não serem dedutíveis os encargos com os juros em virtude de a alínea m) do n.º 1 do art.º 23º-A do CIRC remeter para o art.º 63º do mesmo diploma, pelo que realizaram a análise à remuneração dos suprimentos segundo o método do preço comparável de mercado, tendo a AT escolhido como referencial para a análise dos financiamentos o contrato de mútuo celebrado a 5/9/2016 entre a E... e a B... . Isto porque em Julho de 2017 a Requerente sucedeu à B... naquele contrato de financiamento.
A AT não aceitou a imputação de despesas decorrentes daquele contrato à Requerente porque, por um lado, embora a B... tenha concedido suprimentos à Requerente, debita-lhe juros, pelo que a dedução seria uma duplicação de gastos e, por outro, porque as despesas bancárias, embora contabilizadas em 2017, respeitavam ao exercício de 2016.
Quanto à prestação de serviços pela D..., a AT considerou não existir qualquer documento que prove a sua realização, enquanto que a Requerente contrapõe que os referidos serviços foram efetivamente prestados, porque a Requerente não possui quaisquer funcionários.
Ainda relativamente à análise dos preços de transferência a Requerente enfatiza ser necessário ter em conta as circunstâncias em que os factos ocorreram, o que a AT não fez.
Assim, a Requerente procede ao enquadramento do circunstancialismo, dizendo que à data da contratação dos suprimentos (2014,2015), ainda se encontrava na fase de arranque da sua atividade, o que implicou a existência de investimentos para que pudessem existir retornos no futuro. Ou seja, na fase inicial há desequilíbrio da tesouraria, que obriga ao recurso a financiamentos compensatórios.
A Requerente invoca depois a crise financeira vivida em Portugal desde 2011, que implicou a intervenção da chamada troika, de cuja política resultou enorme dificuldade para o tecido empresarial se financiar junto dos bancos. Ora, tendo a Requerente sido constituída em 2014, não satisfazia minimamente os exigentes critérios bancários para a concessão de crédito.
Neste contexto, tiveram de ser as acionistas da Requerente a financiá-la, obviamente sem garantias, por a Requerente as não poder prestar. Por isso os suprimentos concedidos foram contratados para serem amortizados apenas no termo da maturidade do contrato.
Acrescenta a Requerente que “O risco de default está intimamente relacionado com a incapacidade de o devedor obter os fundos necessários para cumprir as suas responsabilidades nas datas de vencimento. E este risco é tanto maior quanto mais júnior for o instrumento em causa, ou seja, quanto menos prioritário o instrumento for em termos de canalização de liquidez disponível para o reembolso.
Acresce que, nos termos do n.º 2 do art.º 245º do Código das Sociedades, os credores dos suprimentos não podem requerer, por esses créditos, a falência da sociedade. E o n.º 3 do mesmo art.º determina que o reembolso dos suprimentos só pode ter lugar depois de pagas todas as outras dívidas da sociedade.
Ora, a AT optou por efetuar a avaliação dos gastos de financiamento segundo o princípio de plena concorrência com base no MPCM. E nos termos do n.º 2 do art.º 6º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, que regulamente a aplicação deste método, optou por fazer a comparação com o contrato de mútuo celebrado em 2016 pela B... junto do E... .
Sucede que a AT, no RIT, não apresenta qualquer análise da existência da comparabilidade daquele contrato de mútuo com os suprimentos em análise nos autos. Ora, no primeiro caso, o spread foi de 3%, enquanto que no segundo de 14%. Isto significa que a AT não observou os mais altos graus de comparabilidade exigidos pela lei, nomeadamente pelo n.º 2 do art.º 63º do CIRC e pelo n.º 1 do art.º 6º da Portaria.
E, em sede de Resposta, a AT parece veicular o entendimento de que “[e]mbora o preâmbulo da referida Portaria esclareça que "esta norma [alínea m) do n.º 1 do artigo 23.°-A, do Código do IRC] não se aplica às situações a que seja aplicável o regime de preços de transferência previsto no artigo 63.° do Código do IRC, prevalecendo nestes casos os termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis", praticadas no mercado" e não as taxas praticadas em emissões de instrumentos de dívida” não pode no entanto deixar de se extrair consequências da indicação dada pelo legislador de que o referencial para o estabelecimento dos limites são as "taxas de juro no crédito às empresas”
Ora, diz a Requerente que não só a referida norma “não se aplica às situações a que seja aplicável o regime de preços de transferência”, como, ainda que se aplicasse, nem da letra da lei, nem de qualquer interpretação dela que, ainda que ousada, tivesse um mínimo de correspondência no texto positivado, resultaria a imposição de considerar taxas de juro usualmente aplicadas no mercado bancário.
Acrescenta a Requerente complementarmente que o mesmo grau de comparabilidade é exigido pelo parágrafo 2.15 das Orientações da OCDE e que o próprio Preâmbulo da Portaria aconselha, nos casos de maior complexidade, “consulta dos relatórios da OCDE que desenvolvem esta matéria”, pelo que as Orientações da OCDE operam como elementos de apoio da interpretação das normas nacionais sobre preços de transferência.
E que, à semelhança das Orientações da OCDE, o art.º 5º da Portaria n.º 1446-C/2001, determina que o grau de comparabilidade deve ser aferido, entre outros fatores, com base nas “funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração (…) os riscos assumidos “ (al. b)) e, “nos termos e condições contatuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem (…) os riscos entre as partes envolvidas na operação” (al.c)).
Como é sabido, o princípio económico basilar destes contratos é o de que a remuneração reflete o risco assumido, (vd. §1.51 e §1.56 das Orientações da OCDE).
Conclui a Requerente que a AT na aplicação do MPCM, ao escolher o contrato de mútuo celebrado entre a B... e o E..., violou a lei. Para reforço desta asserção convoca a Requerente Decisões tomadas no âmbito do CAAD, nos seguintes processos: n.º 162/2018-T; n.º 384/2018-T; n.º 253/2019-T.
A AT defende que no estudo da F..., as entidades intervenientes nas operações tidas como comparáveis não foram “objecto de caracterização funcional, financeira, actividade e mercado em que operam”
O n.º 3 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, determina que “[d]uas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado”. Ou seja, de acordo com o n.º 3 do artigo 4.º da referida Portaria, a comparabilidade entre operações depende de uma identidade substancial, o que pressupõe uma analogia ou similitude entre as características económicas e financeiras relevantes e que não existam diferenças capazes de afetar de forma significativa os termos e condições que seriam praticados em condições normais de mercado.
Do artigo 5.º da referida Portaria conclui-se que o grau de comparabilidade deve ser aferido, entre outros fatores, com base nas “funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração (…) os riscos assumidos” [alínea b)] e nos “termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem (…) os riscos (…) entre as partes envolvidas na operação” [alínea c)].
No entanto, como já referido anteriormente, a AT, no Relatório de Inspeção Tributária, não apresentou qualquer análise da existência de alguma comparabilidade desta operação bancária com os suprimentos em análise, nem efetivamente afirma no Relatório de Inspeção Tributária a existência dessa alegada comparabilidade.
É que, embora não seja possível percecionar o que levou a AT a concluir pela comparabilidade entre esse crédito e a operação que se analisa - porque esta apenas alega a existência dessa comparabilidade, sem jamais a comprovar -, parece que tal conclusão não assenta em premissas relacionadas com as características daqueles.
E nem podia porquanto o risco de crédito no contrato de mútuo é o da B..., ao passo que no suprimento, é o da Requerente. Pelo que não pode aceitar-se que, sendo, como já se disse, o risco de crédito o fator determinante na fixação da taxa de juro e tendo as operações riscos de créditos substancialmente distintos, as mesmas sejam tidas como suficientemente comparáveis.
Acresce que o n.º 1 do artigo 6.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro, determina que “a adoção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes”. Ou seja, a aplicação do método selecionado pela AT requeria, nos termos da lei, a realização prévia de uma análise de comparabilidade, ou seja, a verificação de que o referencial interno selecionado – o contrato de mútuo bancário – era comparável aos suprimentos em análise, sendo que a AT não efetuou essa verificação prévia requerida pela lei na aplicação do MPCM. Assim, é forçoso concluir que a correção efetuada pela AT pela aplicação do MPCM não seguiu os trâmites requeridos pela lei, contaminando o ato tributário subsequente.
Porém, facilmente se verifica o porquê de a AT não ter apresentado qualquer análise de comparabilidade do contrato de mútuo bancário com os suprimentos em apreço, dado que a realização de tal análise apenas poderia concluir que o contrato de mútuo não reúne as condições de comparabilidade suficientes para ser utilizada como referencial na aplicação do MPCM. Relembre-se que nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, “[a] adoção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes” .
Com efeito, facilmente se verifica que à exceção taxa de juro (variável) e da moeda contratada tanto nos suprimentos, como no contrato de mútuo (Euro), nenhum dos restantes fatores de comparabilidade passíveis de serem considerados para efeitos da presente análise foram tidos em conta pela AT, colocando, assim, em causa o referencial considerado como adequado para a correção efetuada pela AT.
O aspeto principal que deve ser realçado é que os suprimentos foram contratados numa conjuntura económica distinta do contrato de mútuo bancário, implicando igualmente conjunturas diferenciadas na forma como as operações financeiras eram remuneradas, da mesma forma que as maturidades dos suprimentos concedidos pelos acionistas são substancialmente diferentes da maturidade contratada no mútuo bancário utilizado pela AT como referencial para corrigir os suprimentos.
Cumpre ainda realçar que a AT considerou comparável uma operação cuja periodização de reembolsos de capital é completamente distinta face à periodização considerada na estruturação dos suprimentos em análise, o que, inevitavelmente, incorpora um risco distinto para as entidades credoras.
De facto, um financiamento cuja amortização se encontra totalmente concentrada na maturidade do contrato, e sem previsão de quaisquer pagamentos intermédios ao longo do mesmo, comporta necessariamente um risco superior, comparativamente a um financiamento cuja amortização é realizada periodicamente ao longo do período contratado, como sucede no caso do mútuo bancário acordado com o E..., ou seja, para os quais o credor vai recuperando parte do capital emprestado, diminuindo assim a sua exposição ao risco do devedor e da atividade do mesmo.
A este respeito é lapidar o entendimento proferido no processo n.º 733/2015-T, em que o CAAD considerou que “[n]a verdade, no que diz respeito à condição associada à comparabilidade dos “termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem (…) os riscos (…) entre as partes envolvidas na operação”, a mesma não pode considerar-se verificada, porquanto entre os suprimentos e o financiamento bancário existe uma dissemelhança no que toca ao grau de proteção do credor, que no primeiro caso não dispõe de qualquer garantia especial e tem o respetivo crédito subordinado a todos os demais créditos do financiamento bancário e no segundo, em sentido oposto, tem em mãos um conjunto de garantias específicas e o crédito envolvido surge dotado de senioridade”.
Estudo económico de preços de transferência realizado pela Requerente
A Requerente efetuou um estudo económico de preços de transferência, tendo por base a informação pública disponível na base de dados Bloomberg que apresenta um elevado reconhecimento no mercado para análise de operações de financiamento.
Através da utilização da base de dados Bloomberg é possível obter “o grau mais elevado de comparabilidade” previsto no n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, uma vez que esta base de dados permite a aplicação individualizada de cada um desses critérios de forma a obter operações suficientemente comparáveis aos suprimentos em análise.
A análise económica realizada pela Requerente é composta por duas componentes, visando abranger os períodos de 2014 e 2015 (de forma autónoma), com o intuito de aferir o intervalo de remuneração aplicável a cada suprimento concedido pelos acionistas. Ora, do facto de a dita análise se centrar “em dados reportados não a 2017 mas a 2014 e 2015”, a AT extrai a conclusão de que a mesma não corrobora que a taxa de juro praticada respeita as regras de preços de transferência e, por isso, de nada releva. Sucede, porém, que tal raciocínio carece de qualquer sustentação lógica e faz tábua-rasa dos ditames nacionais e internacionais que orientam a realização de estudos de preços de transferência. Se o objetivo é perceber se numa determinada operação entre partes relacionadas se aplicaram “os termos e condições que vigoravam no mercado entre partes independentes numa operação similar”, será necessário utilizar os dados que permitam determinar quais eram esses termos e condições, isto é, os dados que espelhem com maior fiabilidade as características de operações contemporâneas da que se analisa.
Em suma, no caso sub judice, importava, pois, descortinar quais “os termos e condições que vigoravam no mercado entre partes independentes numa operação similar” em 2014 e 2015 e não em 2017 – como erroneamente entendeu a AT. Assim, e por mais paradoxal que possa parecer, se a Requerente tivesse adotado o entendimento da AT de que, in casu, os dados deveriam reportar-se a 2017 teria, aí sim, apresentado um estudo inidóneo ao fim pretendido e que a AT poderia, justificadamente, desvalorizar por completo.
Ao contrário do que alega a AT, a validade do estudo em nada é prejudicada pelo facto de a pesquisa de dados comparáveis ter sido “feita não numa base de dados nacional (…), mas, sim, numa base de dados internacional” e em nada afeta a pertinência das conclusões que “as observações identificadas como comparáveis” não tenham sido “contratadas em Portugal” (cf. artigo 100.º da Resposta). Conclusão que se estriba em duas premissas: (i) as (poucas) operações financeiras realizadas em Portugal públicas não eram suficientemente comparáveis e (ii) a base de dados internacional utilizada no estudo apresentado pela Requerente - a Bloomberg -, é uma das mais reputadas e utilizadas.
Mas há que salientar que foram, primeiramente, analisadas operações internas, sendo que só após a conclusão de que as mesmas “não eram comparáveis” foi a F... “procurar comparáveis externos”.
Foram apenas selecionadas como comparáveis operações contratadas no mesmo período de contratação dos suprimentos em apreço, por entidades que desenvolvam atividades comparáveis à atividade desenvolvida pela Requerente, numa região comparável, na mesma moeda, com maturidades e montantes semelhantes, não garantidas – como é o caso das operações em apreço.
Com o intuito de garantir “o grau mais elevado de comparabilidade” mencionado no n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, no que concerne às entidades intervenientes nas operações tidas como comparáveis, foi realizada uma análise complementar incidindo na jurisdição onde as operações selecionadas como comparáveis foram emitidas, em virtude de algumas das operações identificadas terem sido emitidas em países europeus cujo enquadramento macroeconómico é distinto do português, circunstância que impacta a remuneração exigida pelos subscritores. De facto, as observações identificadas incluem entidades emitentes num dos seguintes países: Áustria, Itália, Luxemburgo, Polónia e República Checa.
Considerando a conjuntura de crise financeira e da dívida soberana que afetou no passado recente (incluindo os anos de 2014 e 2015) a economia portuguesa bem como a de outros países europeus, o risco implícito associado a um determinado país tem um impacto relevante na remuneração das operações financeiras, o que explica o porquê de, por exemplo, um devedor alemão conseguir financiamentos a taxas mais favoráveis que um devedor português com risco e perfil de crédito similares. Este impacto é particularmente relevante em mercados como o português que apresentam uma menor convergência com os mercados das economias europeias centrais.
Não foi possível contornar este fator através da identificação de operações comparáveis portuguesas, dado que o desempenho da economia nacional e a difícil situação financeira do país e das instituições financeiras portuguesas, particularmente nos anos que vigoraram entre 2011 e 2015, originaram uma redução da liquidez disponível e a aplicação de critérios mais exigentes na concessão de créditos, o que conduziu a uma redução significativa do número de operações de crédito concedidas aos agentes económicos locais, e consequentemente a uma redução proporcional do universo de potenciais operações comparáveis domésticas.
De forma a corrigir o diferencial entre a realidade financeira portuguesa e a realidade dos mercados dos emitentes das operações selecionadas como as melhores comparáveis (e, desta forma, aumentar a comparabilidade entre estas operações e os suprimentos intragrupo em apreço), foi efetuada, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, um ajustamento às operações comparáveis no sentido de refletir o diferencial entre o risco do país de emissão de cada operação comparável e o risco de país associado a Portugal.
De acordo com as teorias económicas comumente aceites nos mercados financeiros internacionais, o prémio de risco de um país reflete o acréscimo de rendibilidade que um investidor exigiria por investir nesse país, sendo um indicador do risco que o mercado perceciona estar associado a um determinado país. Desta forma, quanto mais elevado for o prémio de risco, mais arriscado será o investimento nesse mesmo país e, consequentemente, maior será a remuneração exigida pelo investidor na fase prévia de avaliação do projeto de investimento ou de aplicação de fundos. Para o efeito, a Requerente recorreu a uma base de dados pública para extrair os prémios de risco dos países onde as operações comparáveis foram realizadas.
Por forma a corrigir o diferencial de risco de cada país, à taxa de juro de cada operação comparável foi subtraído o prémio de risco do país de emissão da entidade mutuária de cada operação e adicionado o prémio de risco de Portugal. Assim, as taxas de juro efetivas das operações consideradas como as melhores comparáveis foram ajustadas de forma a refletir o diferencial de risco de financiamento entre o mercado emissor e o mercado português, nas referidas operações.
Todavia, entende a AT que “[a] majoração surge como inapropriada, tendo presente que, em 2017, não havia evidências de que Portugal — integrado na zona Euro - estivesse cotado com um país de risco para os mercados financeiros, o que só se explica pela necessidade de alcançar taxas de juro próximas da praticada nos suprimentos”.
Ora, A implementação dos ajustamentos necessários para refletir o risco de Portugal nas operações em questão permitiu o apuramento do seguinte intervalo de plena concorrência para a remuneração de mercado (taxa de juro) dos suprimentos em análise:
Indicador Período Mínimo 1.º Quartil Mediana 3.º Quartil Máximo Observações
Taxa de juro (%) 2014 7,13% 10,34% 12,45% 12,45% 16,17% 7
2015 8,59% 10,53% 13,03% 14,05% 15,86% 6
Face ao exposto, fica demonstrado de forma inequívoca, com recurso a referenciais de mercado com um grau mais elevado de comparabilidade do que a informação utilizada pela AT para a correção por si efetuada, que a remuneração acordada no contexto de partes relacionadas foi adequada e não excessiva, ao contrário do alegado indevidamente pela AT.
De facto, a taxa 13,73% praticada nos suprimentos contraídos pela Requerente junto dos seus acionistas no decorrer dos períodos de 2014 e 2015 enquadra-se nos intervalos de remuneração de mercado acordadas entre entidades independentes que desenvolvem atividades similares às desenvolvidas pela Requerente, em operações de natureza comparáveis e com características semelhantes, demonstrando que a mesma não era passível de correção pela AT.
Da não aceitação da dedução de despesas bancárias associadas a financiamento
Em sede da presente ação arbitral, a AT na resposta não teceu quaisquer comentários à referida correção que efetuou e, bem assim, à argumentação aduzida pela Requerente.
Mas, o afirmado pela AT no RIT está incorreto no enquadramento legal que faz aos referidos gastos. De facto, e em primeiro lugar, cabe recordar que estamos perante uma situação de refaturação de custos suportados pela B..., no âmbito de um financiamento que foi posteriormente transferido para a esfera da Requerente. Tal refaturação implica necessariamente, à luz das regras do Sistema de Normalização Contabilística, que a B... tenha tratado esta situação de uma de duas formas: a) no momento em que a instituição financeira faturou as referidas comissões, reconheceu um crédito sobre a Requerente, tendo depois eliminado o referido crédito no momento em que procedeu à refaturação das comissões à Requerente; ou b) reconheceu um gasto dedutível no momento em que a instituição financeira faturou as referidas comissões, mas também reconheceu um proveito no momento em que refaturou estes mesmos gastos à Requerente.
Em ambos os modelos de tratamento do gasto, o mesmo não produziu qualquer tipo de efeito fiscal relevante para a B..., na medida em que no primeiro caso a situação não influenciou o lucro contabilístico nem criou uma variação patrimonial positiva na esfera da B..., e no segundo caso o gasto foi anulado pelo proveito. Como tal, é errónea a afirmação, desprovida de qualquer tipo de fundamento factual, de que haveria algum tipo de duplo aproveitamento destes gastos financeiros entre as duas entidades (B... e Requerente).
A AT poderá estar eventualmente a questionar a dedutibilidade das despesas bancárias alegando duplicação de gastos com os juros relativos ao mesmo empréstimo (de referir que as despesas bancárias se relacionam com o financiamento bancário contratado junto do E... e não com os suprimentos, ao contrário do que parece, erradamente, alegar a AT). Se assim for, o que não resulta, de modo algum, claro da fundamentação aduzida, de referir que é a própria instituição bancária que se encontra a cobrar simultaneamente juros e despesas bancárias, sendo que as mesmas resultam consequentemente de um contrato entre partes independentes.
De referir que o débito de juros e despesas bancárias é comum na atribuição de empréstimos e visa remunerar funções distintas realizadas pelas instituições financeiras, como pode ser facilmente verificado pela consulta dos preçários públicos dos bancos a operar em Portugal. Os juros visam remunerar a concessão e disponibilização de fundos, enquanto as despesas bancárias visam remunerar serviços administrativos desenvolvidos pelos bancos em benefício do devedor na estruturação do empréstimo.
No caso em apreço, uma vez que a entidade que efetivamente beneficia do empréstimo bancário é a Requerente, é natural que seja esta a suportar também as despesas bancárias relacionadas com o mesmo empréstimo bancário e que visam remunerar a instituição financeira pelas funções desempenhadas na estruturação e gestão do instrumento financeiro.
Por fim, cabe recordar que o suprimento da B... para a Requerente subsistiu depois da cessão do financiamento obtido junto do E..., pelo que insinuar que os juros cobrados no âmbito desse suprimento poderiam, de alguma forma, já refletir os encargos suportados com a contratualização do financiamento junto do E..., não tem qualquer tipo de base factual, sendo que, em qualquer caso, a prova dessa situação caberia à AT nos termos do artigo 74.º e 75.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
Ora, nos termos da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 3.º do Código do IRC, este imposto incide sobre o lucro das sociedades comerciais, sendo que se considera lucro a diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas naquele Código. O referido lucro é apurado com base na contabilidade do sujeito passivo (que o relatório reconhece estar corretamente elaborado), nos termos do artigo 17.º do Código do IRC, partindo da demonstração de resultados e das variações patrimoniais do capital próprio do sujeito passivo.
Como o próprio relatório final da inspeção reconhece, a B... cedeu à Requerente a sua posição no referido financiamento a 4 de julho de 2017, sendo natural que no âmbito da cedência, todos os encargos incorridos pela B... em conexão com o referido contrato de financiamento, contraído para financiar a atividade da Requerente, fossem também transferidos para a Requerente.
Neste âmbito, cabe recordar que o princípio da especialização dos exercícios não reveste uma rigidez total e absoluta de tal modo a que conduza à penalização do contribuinte que não causou qualquer lesão ao erário público. Deste modo, discordando os Serviços de Inspeção Tributária da contabilização feita com referência a despesas do exercício de 2017, por violação do princípio de especialização: (i) ou bem que corrigia o exercício de 2016, no qual considera que deveria ter havido uma correta relevação dos custos, (ii) ou bem que se abstinha de promover uma correção ao exercício de 2017, por injusta. O que não podia era desconsiderar, pura e simplesmente, aquela componente negativa da matéria tributável, quando não existem quaisquer dúvidas quanto à sua realização.
Ao proceder ao acréscimo ao lucro tributável violaram os Serviços de Inspeção Tributária o disposto no artigo 55.º da LGT e o artigo 266.º da Constituição da República portuguesa (“CRP”).
Da não aceitação da dedução de despesas associadas a serviços prestados pela D...
Esta correção implicou não apenas um ajuste à matéria coletável em sede de IRC da Requerente em 2017, como também a alegada dedução indevida de IVA, no montante de € 6.900,00, dedução essa que influenciou o pedido de reembolso de IVA efetuado no segundo trimestre de 2018.
A Requerente alega que a prova de que os serviços foram efetivamente realizados cabia à AT, o que esta não fez, de acordo com o n.º1 do art.º 74º da LGT. A AT limitou-se a afirmar a inexistência material dos serviços.
Não tendo a parte que invocou o direito – a AT – feito prova dos factos constitutivos desse direito, terá forçosamente de se concluir que o direito invocado não poderá ser concedido, isto é, não poderá a AT recusar a dedução em crise, porque não provou a factualidade a isso subjacente.
Acresce ainda que, no ordenamento jurídico-tributário vigora o princípio in dubio contra fiscum, em caso de dúvida quanto ao facto tributário, sempre deveria ter prevalecido uma decisão favorável ao sujeito passivo e jamais contrária ao mesmo. Nesse sentido, igualmente, o artigo 100.º do CPPT.
A Requerente defende ainda que tanto o documento 15 que juntou com o ppa (e-mails trocados com a D...) , como o testemunho prestado por G... provam a efetiva prestação dos serviços.
Adianta a Requerente que não pode esquecer-se que foram emitidas as faturas correspondentes à prestação de tais serviços e os proveitos delas advindos foram tributados na esfera da D... .O que significa que, aquando da emissão dessas faturas, a AT, diferentemente do que agora sucede, não pôs em causa a materialidade das operações subjacentes, isto é, não colocou quaisquer dúvidas relativamente à efetiva prestação dos serviços.
É que, se os serviços foram tidos como efetivamente prestados quando se pretendeu tributar a D... - o que não se contesta -, também terão de o ser, agora, para efeitos de dedução das inerentes despesas, sob pena de a AT incorrer num abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
E não se diga, como faz a AT na sua Resposta, que se verifica uma inversão do ónus da prova quanto à prestação dos serviços, porquanto a AT não fez, como lhe competia “a recolha de indícios (…) objectivos e seguros, de que a matéria colectável declarada pelo sujeito passivo não é a real”. Ora, não tendo a AT efetuado esta prova indiciária de que as operações (in casu, a prestação de serviços pela D...) não são verdadeiras, terá, forçosamente, de se concluir que a presunção de veracidade da contabilidade da Requerente (e os elementos de suporte da mesma) se mantêm em pleno, à luz do artigo 75.º da LGT, pelo que a argumentação aduzida pela AT na presente ação deverá ser totalmente improcedente, por não ter cumprido o ónus da prova que sobre si impendia.
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Da Requerida
A Requerida refuta a posição da Requerente do seguinte modo:
Nos termos da alínea m) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável: Os juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelos sócios à sociedade, na parte em que excedam a taxa definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, salvo no caso de se aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º. Esta taxa foi publicada através da Portaria N.º 279/2014, de 30 de dezembro.
Por seu turno, no art.º 63º do CIRC está previsto o regime dos preços de transferência. Nos termos da alínea a) do seu n.º 4, existem relações especiais entre duas entidades, quando uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto.
No caso em apreço, verificam-se relações especiais entre as acionistas e a A..., sendo de aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º.
Ao abrigo do n.º 13 deste artigo foi publicada a Portaria N.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, que veio regulamentar o regime dos preços de transferência.
Face ao estabelecido nas referidas normas relativamente às operações realizadas entre entidades com relações especiais, foi a Requerente notificada para que justificasse o critério utilizado na determinação do spread de 14%, apresentando os respetivos documentos comprovativos.
Por e-mail de 10-07-2020 a Requerente veio alegar, em suma, que o spread em causa foi determinado em condições de mercado, tendo em conta o contexto de criação da sociedade e as características flexíveis do instrumento, elencando em concreto diversos motivos, não fazendo, no entanto, qualquer referência à adoção de qualquer dos métodos estalecidos no artigo 63.º, nem tão-pouco exibiu quaisquer documentos que pudessem justificar e comprovar a política utilizada em matéria de preços de transferência.
A Requerente não deu cumprimento ao estabelecido nos n.ºs 6 e 7 do art.º 63º do CIRC, uma vez que não possuía no dossier fiscal a documentação relativa a preços de transferência organizada, nem inscreveu na Declaração Anual IES as operações com as entidades relacionadas.
No exercício do direito de audição a Requerente expressou a sua discordância com a posição da AT, negando que a taxa de juro aplicada aos financiamentos obtidos dos seus acionistas seja excessiva e violadora das regras de preços de transferência. Porém, após o exercício do direito de audição prévia haver sido minuciosamente analisado e esmiuçado, concluíram os SIT que a Requerente não veio aduzir elementos/ argumentos suscetíveis de alterar a proposta de decisão.
No que concerne às correções efetuadas sobre as faturações de serviços de consultadoria, à Administração Fiscal basta a recolha de indícios, embora fundados, objetivos e seguros, de que a matéria coletável declarada pelo sujeito passivo não é a real, para cessar a presunção de veracidade da sua contabilidade e dos elementos de suporte sobre os quais recaiam tais indícios, invertendo-se, desde modo, o ónus de prova, competindo ao sujeito passivo, a prova de que a sua contabilidade e respetivos elementos respeitam a operações efetivamente realizadas.
Esta é, de facto, a posição dominante da jurisprudência portuguesa, da qual se convoca, a título meramente exemplificativo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 2002-04-06, no âmbito do Processo 6573/02:
"(. . .) Quanto ao facto de as faturas se apresentarem formalmente corretas, isso, só por si, não significa que traduzam a realidade das operações que titulam, cessando a presunção da veracidade da escrita no caso da existência de indícios sérios de que aquelas operações se não realizaram.
Nesse caso - e aqui entramos já na questão do ónus da prova também invocado pela recorrente - provando a Administração a existência de indícios sérios e credíveis de que aquelas operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas. (. .. } Dar que seja curial rejeitar como custo uma quantia titulada por faturas quando, após averiguações, a Administração Fiscal
conclui haver sérios indícios de que aquelas operações simuladas e, consequentemente, que tais custos não são reais. Na verdade, pretendendo-se, em sede de IRC, tributar o lucro real, não pode, obviamente, consentir-se a dedução de impostos que resulte de operação simulada, sob pena de aceitação de fraude fiscal. E perante esses indícios, cessa a presunção de veracidade das operações constantes das faturas, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que as operações se realizaram efetivamente (. . .}.
A verdade é que o documento 15 que foi junto no intuito de fazer prova das alegações da Requerente, consubstanciado em alguns e-mails trocados entre aquelas entidades, tem de considerar-se manifestamente insuficiente para prova da prestação de serviços no montante de € 36 900,00, pelo que os SIT concluíram por não aceitar o gasto e nem o respetivo IVA deduzido, relativamente aos serviços titulados pela fatura n.º 51, de 16-11-2017, emitida pela D..., onde consta a descrição genérica: "Prestação de serviços de consultoria", conforme registo contabilístico.
Quanto à correção ao lucro tributável, traduzida no acréscimo de €112.324,11 (respeitante a gastos financeiros suportados no exercício de 2017, com os suprimentos, fundamentada nas regras sobre preços de transferência) a verdade é que a Requerente não junta qualquer prova da impossibilidade de conseguir financiamento junto das instituições financeiras a operar no mercado, ou de que o custo desse financiamento por parte das instituições financeiras fosse de tal modo elevado que um empréstimo junto dos acionistas com um spread de 14% era uma alternativa compensadora.
A Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove.
Casuisticamente, responde a AT:
Relativamente à correção ao lucro tributável, traduzida no acréscimo de €112.324,11
A remuneração fixada para os suprimentos efetuados à Requerente pelos dois sócios, calculada com base na taxa Euribor a 12 meses x 3,22 acrescida de um spread de 14 pontos percentuais, revela um significativo desvio comparativamente aos spread praticados nos financiamentos bancários, sendo, por isso, objeto de escrutínio à luz das regras sobre preços de transferência.
Está assente que a Requerente reúne as condições para beneficiar da dispensa de organização e manutenção do processo de documentação respeitante à política adotada e matéria de preços de transferência previsto no n.º 6 do artigo 63.º do Código do IEC, em virtude de preencher o critério atinente ao volume de negócios definido no n.º 3 do artigo 13.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro.
No entanto, aquela dispensa não abrange a obrigação estabelecida no n.º 7 do artigo 63.º de “indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 121.º, a existência ou inexistência, no período de tributação a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais…” E a Requerente não cumpriu esta obrigação.
Ficou igualmente patente que os estudos e a pesquisa de dados comparáveis para demonstrar a observância do princípio de plena concorrência enunciado no n.º 1 do artigo 63.º, não são contemporâneos das operações, porquanto só surgiram e foram apresentados no âmbito do exercício de direito de audição sobre o projeto de relatório do procedimento inspetivo e da presente impugnação como contraprova à atuação dos SIT.
Entre a Requerente e os seus dois sócios/titulares de suprimentos existem relações especiais, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 63º do CIRC, concordando a Requerente que o método a adotar para a determinação da taxa de juro de plena concorrência, suscetível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade é o método do preço comparável de mercado (MPCM) previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 63.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001.
Porém, alega a Requerente que a AT aplicou uma metodologia inadequada para dar cumprimento às regras dos preços de transferência, querendo com isto dizer, se bem se entende, que a análise de comparabilidade a que se referem os artigos 5.º e 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001 não foi realizada com o rigor exigido, o que é uma acusação sem cabimento.
O contrato de suprimento implica, nos termos do art.º 245º, n.º 3, a) do Código das Sociedades Comerciais, a subordinação dos créditos por suprimentos a todos os créditos comuns da sociedade. É o princípio da proteção dos outros credores sociais, que impõe uma tutela destes face aos sócios/titulares de suprimentos, através da diferenciação entre ambos, quer no domínio das garantias quer do reembolso.
Sendo estas características imanentes à natureza dos suprimentos, e porque a sua concessão ocorre em circunstâncias de dificuldade de recurso ao financiamento bancário, o ónus a recair sobre a sociedade deve ser balizado pelo nível de encargos que suportaria se estivesse em condições de contrair um empréstimo bancário. De outro modo, isto é, a equiparação dos suprimentos aos instrumentos financeiros do mercado de capital de risco, resultaria no enfraquecimento da proteção dos credores sociais, que o legislador do CSC quis assegurar, pois admitiria a fixação de remunerações que incorporam majorações por prémios de risco nomeadamente por inexistência de garantias e pela não prioridade no reembolso.
Por isso, ditada pela preocupação de evitar que os sócios/titulares de suprimentos sejam tentados a fixar taxas de juro excessivas, comparativamente às praticadas nas operações de crédito realizadas no mercado bancário, tirando partido da regra geral de dedutibilidade dos juros para efeitos do lucro tributável, o legislador fiscal estabeleceu limites na alínea m) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, regulamentados na Portaria n.º 279/2014, de 30 de dezembro.
Afastadas as características dos suprimentos inerentes ao estatuto especial dos seus titulares – os sócios – e o que isso implica em termos de influência sobre o andamento dos negócios, a partilha dos sucessos e insucessos empresariais e no acesso à informação sobre a situação financeira da sociedade, nenhuma razão subsiste para que essa forma de financiamento da sociedade pelos sócios, a par dos instrumentos de capital próprio, não seja reconduzida, em termos de remuneração, a uma operação de crédito bancário normal.
A taxa de juro fixada à data da constituição dos suprimentos, calculada com base no indexante taxa Euribor a 12 meses x 3,22, acrescido de um spread de 14%, é justificada por três ordens de razões.
A primeira, aponta as dificuldades do acesso ao crédito bancário, em 2014 e 2015, restrições agravadas pelo facto de Portugal se encontrar vinculado ao programa de assistência económica e financeira acordado com a União Europeia e o FMI, sendo que nenhuma instituição financeira financiaria a Requerente.
Sobre este argumento importa referir que a Requerente não junta qualquer prova da impossibilidade de conseguir financiamento junto das instituições financeiras a operar no mercado, ou de que o custo desse financiamento por parte das instituições financeiras fosse de tal modo elevado que um empréstimo junto dos acionistas com um spread de 14% era uma alternativa compensadora.
A segunda prende-se com a maturidade definida para os suprimentos – 4 anos, alterada para 8 anos em 2019 - e de ter sido estipulado que o reembolso ocorreria no final do contrato, sem pagamentos intermédios, quando é certo que a data seria sempre flexível dado a coincidência entre credores (os sócios) e a administração da sociedade.
Finalmente a terceira resulta do carácter subordinado dos suprimentos e da ausência de garantias.
Pois bem, as razões aduzidas não são consistentes nem convincentes, e sobretudo não explicam por que razão os sócios estabeleceram uma taxa de juro para os suprimentos tão onerosa, tanto mais que não se descortina como é que a sociedade, sem perspetivas de gerar abundantes fluxos financeiros num prazo fixado para o reembolso, poderia proceder ao reembolso e ao pagamento dos juros.
O procedimento inspetivo incidiu sobre o período de tributação de 2017, cabendo realçar que, não obstante ter sido registada uma alteração significativa das circunstâncias, quer da conjuntura económica do país, quer mesmo as atinentes à própria Requerente, a partir dos anos de 2014 e 2015, a evolução positiva verificada nos indicadores financeiros não se refletiu nos termos e condições definidos ab initio para a remuneração dos suprimentos.
De facto, a taxa efetiva utilizada para o cálculo dos juros suportados em 2017 foi de 13,73%. No entanto, a Requerente, a partir de 04.07.2017, passou a assumir a posição devedora de um empréstimo, de €1.090.000,00, concedido pela E... à sócia B..., em 05.09. 2016, e cuja posição contratual lhe foi cedida nas mesmas condições. Ou seja, foi mantida a remuneração baseada numa taxa anual nominal correspondente à média aritmética das cotações diárias da taxa Euribor a 6 meses do mês anterior ao mês da data do contrato, ou das suas revisões semestrais, acrescida de um spread de 3 pontos percentuais.
Do contrato, celebrado a 4/7/2017, de cessão da posição da B... à Requerente no contrato de mútuo que esta celebrou com o E...em 5/0/2016 consta na cláusula relativa aos juros (3ª) que: o capital mutuado vende juros durante o primeiro semestre à taxa anual nominal de 2,811%; que esta taxa resulta da média aritmética simples das cotações diárias da taxa Euribor a 6 meses do mês anterior ao mês da data do contrário, ou das suas revisões semestrais, acrescida, naquela data, de um spread de 3 pontos percentuais.
Ora, a diferença de spreads entre os dois contratos celebrados pela Requerente demonstra que não foi observado o princípio da livre concorrência no contrato relativo às operações vinculadas.
A AT no ponto III 1.3. do RIT procede à demonstração das correções que considerou impostas pela disparidade das taxas do contrato de suprimentos e do contrato de mútuo celebrados pela Requerente.
A Requerente anexou ao PPA um Relatório de análise económica dos suprimentos contratados, elaborado pela F... (doc.14) , que se centra em dados reportados não a 2017 mas a 2014 e 2015.
Nesse estudo a pesquisa de dados comparáveis é feita não numa base de dados nacional que se revelaria mais adequada mas, numa base de dados internacional, a Bloomberg, e elege como critérios de seleção de operações potencialmente comparáveis aos suprimentos emissões de títulos de dívida no mercado financeiro classificadas como “i) junior subordinated, ii) subordinated ou iii) unsecured”, com prazos semelhantes ao dos suprimentos, mas de montantes mais elevados.
A análise dos fatores de comparabilidade enunciados no artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001 está ausente, dado que não foram as entidades emitentes e as contrapartes das operações selecionadas como comparáveis, não são objeto de caracterização funcional, financeira, atividade e mercado em que operam. Sabe-se é que as observações identificadas como comparáveis não foram contratadas em Portugal, mas sim em países da Europa como a Áustria, Luxemburgo, Polónia e República Checa, o que levou a uma majoração por um prémio risco-país.
Esta majoração surge como inapropriada, tendo presente que, em 2017, não havia evidências de que Portugal – integrado na zona Euro - estivesse cotado com um país de risco para os mercados financeiros, o que só se explica pela necessidade de alcançar taxas de juro próximas da praticada nos suprimentos. E mesmo após a majoração pelo prémio de risco-país, os valores das observações que figuram no intervalo de plena concorrência só no 3.º quartil do intervalo de plena concorrência só se aproximam da taxa de juro praticada em 2017 nos suprimentos.
Aliás, as OECD Transfer Pricing Guidelines (versão 2017), no Capítulo III parágrafo 3.4, no elenco dos nove passos que, com caracter indicativo, são apresentados para levar a cabo a análise de comparabilidade, contempla em primeiro lugar (passo 4), a análise de dados comparáveis internos, caso existam e só depois (passo 5) abarca a determinação das fontes disponíveis de informação sobre comparáveis externos levando em consideração sua fiabilidade relativa.
Ora, no caso vertente, os estudos – o primeiro no âmbito do direito de audição e o segundo com o pedido de pronúncia arbitral - apresentados pela Requerente ignoram esta sequência de passos e assentam, em exclusivo, na recolha de dados comparáveis externos, elegendo como critérios básicos de seleção, o caracter vinculado dos suprimentos e a ausência de garantias.
O próprio estudo económico qualifica as observações identificadas (7 observações em 2014 e 6 observações em 2015) “como genericamente comparáveis à tipologia de financiamentos em análise”, o que significa que não cumprem com rigor os requisitos de comparabilidade.
Por conseguinte, a utilização do contrato de mútuo bancário como referencial para aferição da remuneração de plena concorrência dos suprimentos em análise, no exercício de 2017, é a solução mais ajustada à situação em presença, porque tem em conta as suas circunstâncias específicas que rodearam a operação de concessão dos suprimentos.
Relativamente ao alegado contrato de prestação de serviços
No RIT é referido que os serviços prestados não estão devidamente discriminados nem identificados na fatura, nem é indicada a data em que os mesmos foram realizados, ao que acresce a falta de evidência de que os serviços foram efetivamente prestados.
Acrescenta ainda a AT que relativamente aos supostos serviços prestados pela D... na análise e verificação de toda a documentação, pagamentos e contabilidade observaram os SIT que a Requerente tem registado na sua contabilidade na conta “62213 – Trabalhos especializados” as faturas emitidas pelo gabinete de contabilidade “H..., Lda”, o que vem demonstrar o recurso a uma entidade externa para a prestação desses serviços.
Quanto aos serviços relacionados com a execução e gestão dos contratos, foram igualmente registadas na conta “62213 – Trabalhos especializados” as faturas emitidas pelos fornecedores B... e I..., o que demonstra que os serviços de estudo e elaboração de propostas, assim como de gestão dos contratos, foram prestados por outras entidades que não a D... .
A verdade é que o documento 15 que foi junto para fazer prova das alegações da Requerente, consubstanciado em alguns e-mails trocados entre aquelas entidades, tem de considerar-se manifestamente insuficiente para prova da prestação de serviços.
Relativamente ao IVA
Na ação inspetiva concluiu-se, pela análise da contabilidade da Requerente, que os serviços de contabilidade foram prestados pela empresa H... LDA.
Quanto aos serviços relacionados com a execução dos projetos e gestão dos contratos, verifica-se terem sido registadas na conta 62213 - "Trabalhos especializados" as faturas emitidas pela B... e pela I... (identificadas na resposta)
Assim, os estudos e propostas dos projetos de ... e do ... foram realizados pela I... e B..., respetivamente.
Os serviços de gestão dos contratos de ... e de ..., que se encontravam em curso no ano de 2017, e cuja faturação foi iniciada naquele ano, foram realizados pela B... .
Pelo que se demonstra que os serviços de estudo e elaboração de propostas dos projetos, assim como os de gestão dos contratos, foram assegurados pela B... e pela I... .
Relativamente aos restantes serviços alegadamente prestados pela D..., trata-se de atos ou procedimentos de mera gestão da empresa, enquadráveis portanto na esfera do cargo de administrador da sociedade.
Assim, a Requerente não logrou fazer prova do que alega. Nem tão pouco logrou sequer refutar a fundamentação que já constava do RIT de que os serviços alegadamente titulados pela fatura em análise, foram prestados por outras entidades, nomeadamente os serviços de contabilidade, estudos, propostas e gestão de contratos e até, os de mera gestão da empresa.
Do exposto resulta claramente que não deve ser considerado gasto e nem o respetivo IVA deduzido, relativamente aos serviços titulados pela fatura n.º 51, de 16-11-2017, emitida pela D..., onde consta a descrição genérica: "Prestação de serviços de consultoria", conforme registo contabilístico.
Relativamente aos juros indemnizatórios
A Requerida contesta o seu pedido pela Requerente porque, nos termos do disposto no art.º 43º da LGT, o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ou seja, a lei quis relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a AT a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte.
Porém, nos presentes autos a liquidação em causa não provém de qualquer erro dos Serviços mas decorre directamente da aplicação da lei.
IV – SANEAMENTO
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2 do RJAT e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer o pedido (art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT).
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O processo não enferma de nulidades;
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A Requerente não suscitou qualquer questão prévia que deva ser conhecida de início pelo Tribunal.
V- Questões decidendas
São as seguintes as questões a decidir nos presentes autos:
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Saber se a taxa de 14% estipulada no contrato de suprimentos respeita as normas relativas aos preços de mercado, concretamente o princípio da plena concorrência, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 63º do CIRC;
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Apurar se foram prestados serviços à Requerente pela D..., dedutíveis no IRC da Requerente
VI - FUNDAMENTAÇÃO
A - Da matéria de facto
Com base nos documentos juntos pelas partes e nos testemunhos prestados neste Tribunal Arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade anónima constituída em 24 de novembro de 2014, que tem por objeto social a implementação e desenvolvimento de projetos de eficiência energética, incluindo o fornecimento e substituição de luminárias para sistema LED. CAE 71120 (atividades de engenharia e técnicas afins).
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Em sede de IRC a Requerente enquadra-se no regime geral e, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal de periodicidade trimestral.
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A Requerente é detida em 51% pela B... SA, com sede em Portugal, e em 49% pelo Fundo C... (C...), organismo de investimento em capital de risco, gerido pela D...– Sociedade Gestora de Fundos de Capital de Risco, SA (D...).
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A “I..., LDA, NIPC ..., detém 100% das ações da B... .
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Os administradores da Requerente J..., são também administradores da “B..., S. A.” e da I... .
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A “D... S. GESTORA DE FUNDOS DE CAPITAL DE RISCO, S.A.” NIPC..., é a entidade gestora do Fundo C... (C...), constituído a 27-08-2013 e registado na CMVM com o n.º ... .
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Verificam-se relações especiais entre a Requerente e as suas acionistas, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 do art.º 63º do CIRC.
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A aquisição das luminárias é efetuada à I... e os serviços da sua instalação e montagem são realizados por este e pela B... .
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A 26 de novembro de 2014 e a 2 de dezembro de 2015 a Requerente contraiu suprimentos junto da B..., no montante, em cada ano, de €61.716,00 e junto do C... no montante de €450.000,00, também em cada ano, todos contratados tendo por referência uma maturidade contratual inicial não inferior a 1 ano, com a previsão da ocorrência de reembolso do capital apenas na maturidade e sem quaisquer garantias associadas.
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Nos contratos de suprimentos inicialmente celebrados o prazo de reembolso era de 4 anos, tendo em 2019 os mesmos sido alterados, passando a constar o prazo de reembolso de 8 anos.
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Aqueles dois contratos não foram efetuados por escritura pública, como deveriam ter sido de acordo com o art.º 1143º do Código Civil.
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As partes estabeleceram que os suprimentos venceriam juros anualmente à taxa de 3,22xEuribor a 12 meses, acrescidos de um spread de 14%.
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Em 31 de dezembro de 2015 a Requerente devia €123.432,00 ao B... e €900.000,00 ao C... ( num total de € 1.023.432,00 ) e este valor repetiu-se em 2016 e em 2017.
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Em 2017, a taxa de juro efetiva suportada pela Requerente em resultado dos suprimentos obtidos junto dos acionistas foi de 13,73%.
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Em 2017 foram registados na conta 6911 - “Juros de financiamentos obtidos” os seguintes movimentos a débito:
Moeda: Euro
Data Diário Doc. Descrição Conta Creditada Montante Anexo
30-06-2017 1 5 Juros 27880004 – D... 30.644,70 II - Fl. 1
30-06-2017 1 6 Juros 27880004 – D... 30.644,70 II - Fl. 2
30-06-2017 1 7 Juros 27880012 – B... 4.202,82 II - Fl. 3
30-06-2017 1 8 Juros 27880012 – B... 4.202,82 II - Fl. 4
30-11-2017 1 9 Juros 27880004 – D... 62.305,25 II - Fl. 5
31-12-2017 1 4 Juros 27880012 – B... 8.544,96 II - Fl. 6
Total 140.545,25
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Em 2017 a Requerente faturou um montante de € 176.882,82.
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Em 2017 a Requerente declarou rendimentos no valor de € 143.807,17 e registou gastos no montante de € 51.289,59 e juros de financiamentos obtidos de € 150.353,52, apurando um resultado líquido negativo de € 165.418,49.
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A 5/9/2016 foi celebrado um contrato de mútuo entre a E... e a B... .
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A Requerente, em Julho de 2017 sucedeu à B... no contrato indicado no número anterior.
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A Requerente preenche o critério atinente ao volume de negócios definido no n.º 3 do artigo 13.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, pelo que não tem de dar cumprimento ao disposto no n.º 6 do art.º 63º do CIRC relativamente à organização da documentação sobre preços de transferência.
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Na resposta que a Requerente enviou à AT com as explicações para a escolha do spread de 14%, a Requerente não fez qualquer referência à adoção de qualquer dos métodos estabelecidos no art.º 63º do CIRC nem exibiu quaisquer documentos suscetíveis de justificar e comprovar a política utilizada em matéria de preços de transferência.
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A Requerente não inscreveu no Quadro 10 da Declaração Anual IES as operações com as entidades relacionadas, nos termos exigidos pelo n.º 7 do art.º 63º do CIRC.
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As taxas de juro do contrato de mútuo bancário como referencial para aferição da remuneração de plena concorrência em 2017 foram de 2,782% no primeiro semestre e de 2,733% no segundo semestre.
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A Requerente tem registado na sua contabilidade na conta “62213 – Trabalhos especializados” as faturas emitidas pelo gabinete de contabilidade “H..., Lda”.
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Os serviços relacionados com a execução e gestão dos contratos, foram registados na conta “62213 – Trabalhos especializados” e as faturas emitidas pelos fornecedores B... e I... .
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A A... celebra Contratos de Gestão de Eficiência Energética com Municípios, para implementação de medidas de melhoria da eficiência energética na iluminação pública, consistindo no fornecimento e substituição de luminárias para o sistema LED, recebendo daqueles Municípios o valor equivalente à poupança de energia.
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A 10-03-2016 foi celebrado o Contrato de Gestão de Eficiência Energética, para a Implementação de Medidas de Melhoria da Eficiência na Iluminação Pública do Concelho de ..., entre este Município e o consórcio externo, constituído pelas empresas B... e A..., por um período de 12 anos.
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A 30-05-2017 foi celebrado o Contrato Piloto de Gestão de Eficiência Energética, para a Implementação de Medidas de Melhoria da Eficiência na Iluminação Pública do Concelho de ..., entre este Município, a B... e a A..., que se constituíram em consórcio externo de responsabilidade conjunta e solidária, denominado B.../A... EM CONSÓRCIO, através de contrato de consórcio datado de 12-04-2017.
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No ano de 2017 a Requerente deu início à faturação de serviços aos Municípios de ... e de ..., de que resultaram os seguintes valores: ...- € 124.497,07; ... - € 19.310,10. No total de € 143.807,17.
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Em 2019 a Requerente foi objeto de uma ação inspetiva realizada pela Requerida, relativamente ao IRC e ao IVA do exercício de 2017.
O julgamento da matéria de facto assentou na prova documental trazida aos autos pela Requerente e pela que consta do processo administrativo que foi junto. A prova documental foi apreciada à luz da experiência do Tribunal e da posição que a Requerida tomou a propósito de cada alegação de facto produzida pela Requerente no seu PPA. Foi prestado depoimento por testemunha que apoiou a compreensão da comparabilidade proposta no “relatório F...”. Não se identificaram outras alegações de factos, da qual se excluem, obviamente, as conclusões e invocação de direito pelas partes.
B – Do Direito
A primeira questão que cumpre a este Tribunal Arbitral apreciar tem a ver com a taxa de juros que se encontrava vigente em 2017, ano a sobre o qual incidiu a ação inspetiva, que foi acordada pela Requerente nos contratos de suprimentos que celebrou a 26 de novembro de 2014 e a 2 de dezembro de 2015, com a B... e com o Fundo C..., que são os seus acionistas únicos. Com efeito, as partes estabeleceram que os suprimentos venceriam juros anualmente à taxa de 3,22xEuribor a 12 meses, acrescidos de um spread de 14%, tendo a taxa de juro efetiva suportada pela Requerente em resultado dos suprimentos obtidos junto dos acionistas sido, em 2017, de 13,73%.
Nenhuma das partes contesta que entre as partes contratantes dos suprimentos – a Requerente e as respetivas acionistas – existem relações especiais, por preencherem os requisitos definidos no n.º 4 do art.º 63º do CIRC. Por esta razão a dedutibilidade dos juros dos contratos de suprimentos em crise nos autos cai no âmbito de aplicação da alínea m) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, segundo a qual não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável: m) Os juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelos sócios à sociedade, na parte em que excedam a taxa definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, salvo no caso de se aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º;. Esta Portaria é a n.º 279/2014, de 30 de dezembro.
A Requerente apenas alega que na celebração dos contratos de suprimento foram observadas as regras da concorrência do mercado, mas durante a ação inspetiva não apresentou qualquer documento justificativo. Apenas na fase em que exerceu o direito de audição relativamente ao projeto de relatório fez juntar estudos e comparações com os quais pretende demonstrar ter observado o princípio da plena concorrência.
Justifica a Requerente que não estava obrigada a fazê-lo por se lhe aplicar o critério atinente ao volume de negócios definido no n.º 3 do artigo 13.º da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21 de Dezembro, visto o seu volume de vendas líquidas ter sido inferior a € 3.000.000,00, pelo que não tem de dar cumprimento ao disposto no n.º 6 do art.º 63º do CIRC relativamente à organização da documentação sobre preços de transferência.
Porém, a obrigação de documentação da operação, não resulta apenas da norma do artigo 63.º, n.º 6 do CIRC; a documentação das operações contabilísticas é um imperativo do próprio método contabilístico, é até o seu primeiríssimo suporte, que permite assegurar que as transações em causa têm efetivamente a configuração com que foram inscritas nos registos. Para além disso, é uma verdadeira obrigação legal, que emerge do artigo 123.º, n.º 2 do CIRC, e que impõe que “Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário”.
Nesta linha de raciocínio, sempre na documentação contabilística da Requerente deveria existir qualquer documento justificativo das operações realizadas. Como escreve Joaquim R. Pires existe a expetativa, por parte da [AT], que o contribuinte possua, e possa fornecer para análise, os elementos que, perante os factos e circunstâncias concretas que caraterizam a sua atividade e num quadro de boas práticas comerciais e financeiras, deveria razoavelmente deter para determinar e comprovar a conduta adotada na fixação dos preços de transferência, sem que, no entanto, seja obrigado a incorrer em custos de observância desproporcionados. (in “Os Preços de Transferência”, edição Vida Económica, pag. 30).
Neste ponto, considera o Tribunal assistir razão à AT, ao afirmar na sua resposta que a não submissão ao n.º 6 do art.º 63º do CIRC não a isenta do cumprimento da obrigação estabelecida no n.º 7 do artigo 63.º de indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 121.º, a existência ou inexistência, no período de tributação a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais…”
Requerente e Requerida concordam que o método a seguir na análise dos preços de transferência deve ser o do método do preço comparável de mercado (MPCM). Discorda, porém, a Requerente de que a comparabilidade entre contratos para determinação dos preços de mercado seja efetuada, como fez a AT na ação inspetiva, através da comparação dos contratos de suprimentos com o contrato de mútuo que a B... contraiu junto da E..., em 2016, com um spread de 3%, contrato em que a Requerente veio depois, em 2017, assumir a posição da sua acionista.
Analisem-se, pois, a situação e a argumentação associada à mesma pelas partes.
Antes do mais, porém, nesta temática há que ter sempre presente que preços contratados entre entidades dependentes, ou seja, em operações vinculadas, influenciam necessariamente a matéria tributável do sujeito passivo, moldando-a com base em valores que, mesmo sendo reais, são distorcidos pela existência de relações propiciadoras de uma fixação dos preços acordados de forma artificiosa. Por isso, a AT, ao analisar os contratos de suprimentos acordados entre a Requerente e as suas acionistas cumpriu o poder/dever que lhe é conferido pelo n.º 2 do art.º 3º da citada Portaria n.º 1446-C/2001.
Como se afirma na Decisão do CAAD proferida no âmbito do Proc. n.º 609/2015-T, p. 14, Ou seja, perante a constatação da existência de relações especiais entre duas entidades, [a AT] não pode simplesmente formar uma convicção, apriorística e arreigadamente, de que as condições praticadas são diferentes das que existiriam entre partes não relacionadas, furtando-se a uma análise factual ponderada e neutra da situação para concluir se se está ou não perante o estabelecimento de condições diferentes das condições que seriam normalmente acordadas.
A Requerente entende não existir comparabilidade entre os dois contratos, em virtude de um ter um spread de 14% e o outro de 3%. , alegando que nestes termos a AT viola os requisitos estabelecidos pelo n.º 2 do art.º 63º do CIRC e pelo n.º1 do art.º 6º da Portaria.
Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal considera que é precisamente esta mesma razão a que mais justifica a comparabilidade entre os dois contratos. A ratio legis para a exigência da submissão dos contratos celebrados entre entidades com relações privilegiadas às regras do princípio da plena concorrência é evitar a evasão fiscal, ou seja, evitar que estas entidades se sirvam de artifícios jurídicos para não apresentarem a matéria coletável que seria apresentada se não se servissem dos referidos artifícios. Nestes termos, tendo existido um contrato de mútuo – um contrato de financiamento, tal como os dos suprimentos – celebrado com uma entidade alheia ao grupo, em que se definiu um spread de 3%, deve ser com ele que se estabelece a comparação dos preços de transferência dos contratos de suprimentos, onde o spread entre as sociedades com relações privilegiadas foi acordado ser de 14%. É esta diferença de critérios adotada pela Requerente nas suas operações de financiamento que justificam que se estabeleça a comparação entre elas.
Com a comparação entre aqueles contratos está, pois, a dar-se cumprimento ao princípio da plena concorrência estabelecido no nº 1 do artigo 1º da Portaria, ao determinar que nas operações vinculadas “devem ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.”
Como afirmou o Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão de 16 de dezembro de 2020 (proferido no âmbito do processo n.º 1882/14.4.BESNT, disponível em www.dgsi.pt) :
A correção à matéria tributável efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira impugnada é relativa a preços de transferência. Estamos, pois, em matéria de cláusula anti abuso específica, que procura evitar a elisão fiscal, conseguida através da prática de preços excessivamente altos ou demasiado baixos, comparativamente com o que ocorreria nas chamadas condições normais de mercado, entre entidades independentes e numa situação de plena concorrência.
Estas normas procuram obstar à manipulação de preços nas operações intragrupo para reduzir a tributação efetiva.
A Requerente justifica a contratualização do spread nos contratos de suprimentos com base em 3 ordens de argumentos :
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O primeiro refere-se à impossibilidade de a Requerente se financiar na banca, em virtude da crise económica e financeira que se vivia em Portugal no ano de 2014 e seguintes e que levou à intervenção do FMI e da União Europeia;
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O segundo tem a ver com o facto de a maturidade definida para os suprimentos ter sido de 4 anos e também de ter sido estipulado que o reembolso ocorreria apenas no final do contrato.
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Finalmente o terceiro argumento advém da própria natureza subordinada dos suprimentos, que não oferecem garantias aos sócios. O mesmo é dizer-se, que advém dos riscos alegadamente incorridos pelos sócios.
Ora, no tocante ao primeiro argumento, o mesmo cai desde logo pela base, uma vez que a Requerente não fez prova de que houvesse feito qualquer diligência para se financiar junto da banca e que essa diligência não haja logrado sucesso. Pelo contrário, do pedido de pronúncia arbitral parece resultar que a Requerente e as suas acionistas terão desde logo como assente que, face à situação financeira que o país ainda vivia em 2014, qualquer pedido de financiamento formulado por uma entidade recém criada e sem expectativas de negócios seria rejeitado liminarmente por todos os bancos.
Por aquela razão, prova não fez a Requerente, nem o podia fazer, de que os juros que contratou com as suas acionistas eram para ela mais favoráveis do que as que a banca lhe exigiria. Em suma, não pode deixar de afirmar-se que face a isto, a Requerida não podia assumir outra posição que não fosse a de averiguar se as acionistas da Requerente haviam aproveitado o contexto socio-financeiro do país para contratualizarem um spread fixo de 14%.
O segundo argumento também não convence, já que sendo a estipulação do prazo estabelecida entre a Requerente e as suas acionistas, esse prazo sempre seria flexível, por ter sido acordado entre entidades com relações privilegiadas.
O terceiro argumento não colhe igualmente, dado que os acionistas, ao contratualizarem suprimentos, incorrem em riscos menores do que as entidades independentes ao financiarem sociedades. É que, como muito bem alega a Requerida na resposta, devido a disposições contidas no Código das Sociedades Comerciais, os sócios gozam de um leque de direitos sociais que lhes permite um mais preciso e permanente acesso à informação sobre a situação financeira da sociedade – podendo inclusive desempenhar cargos de administração ou gerência dos negócios da sociedade –, desta forma sendo capaz de exigir os seus créditos em situação privilegiada face aos demais credores sociais.
Como se disse, a Requerente não concorda que a análise dos preços de transferência por ela praticados houvesse sido realizada pela Requerida a partir do contrato de mútuo celebrado entre a B... e a E..., contrato em que ela própria sucedeu à sua acionista em 2017.
Por tal razão, a Requerente apresentou aquando do exercício do direito de audição um relatório de análise dos suprimentos que contratou, relatório esse que foi elaborado pela consultora internacional F..., que selecionou para base de pesquisa de dados comparáveis uma base de dados internacional, a Bloomberg, e escolheu como critérios de seleção de operações comparáveis aos suprimentos, emissões de títulos de dívida no mercado financeiro classificadas como “i) junior subordinated, ii) subordinated ou iii) unsecured”, com prazos semelhantes ao dos suprimentos, mas de montantes mais elevados, contratados tal como os suprimentos nos anos de 2014 e 2015.
Justifica a Requerente que através da base de dados da Blomberg é possível obter “o grau mais elevado de comparabilidade” previsto no n.º 1 do artigo 6.º da Portaria. A AT, por seu turno, como já se deixou registado, não concorda com a comparabilidade, para além do mais, porque defende que os elementos comparáveis deveriam ter sido selecionados no mercado nacional.
O Tribunal considera que o simples facto de as entidades eleitas pela F... não serem portuguesas não constitui, só por si, razão para que as contratos não gozassem de grau de comparabilidade respeitador quer das normas constantes da Portaria, quer das Orientações da OCDE, as quais, como o preâmbulo da própria Portaria afirma são elementos interpretativos das disposições contidas na própria Portaria. Porém, tal como bem aponta a Requerida, esta circunstância, a da existência de comparáveis no mercado interno, constitui um fator de análise preferencial, como tal definido na lei nacional ( art.º 5º da Portaria) e nas Guide Lines da OCDE (passo 4 do parágrafo 3.4. do Capítulo III das Guide Lines, 2017).
Embora não apenas, mas também por esta razão o Tribunal entende que a comparação efetuada pela Requerida entre os contratos de suprimentos celebrados em 2014 e 2015 entre a Requerente e as suas acionistas e o contrato de mútuo inicialmente celebrado pela acionista da Requerente, B..., a que aquela sucedeu em 2017, goza de maior grau de comparabilidade, por respeito para com o princípio da plena concorrência. A esta acrescenta o Tribunal mais duas ordens de razões.
A primeira, prende-se com o facto de tanto os contratos de suprimentos quanto os contratos de mútuo terem como finalidade o financiamento de uma das partes. No caso ora em apreço acresce como reforço da comparabilidade a circunstância de o contrato de mútuo haver sido celebrado por uma das acionistas da Requerente com uma entidade independente. Ou seja, trata-se de se estabelecer a comparação entre operações vinculadas (os contratos de suprimentos) e uma operação não vinculada (o mútuo), mas que tem como uma das partes entidades que intervieram nas operações vinculadas, que neste caso contrataram com uma entidade independente (a E...).
A segunda tem a ver com as datas e as condições do mercado nacional em que foram acordados. Com efeito, não obstante as datas e os contextos económico-financeiros portugueses existentes à data da celebração dos contratos de suprimentos (2014 e 2015) e do contrato de mútuo (2016), se encontrarem já diferentes no ano em que a ação inspetiva incidiu (2017), os contratos de suprimentos não haviam acompanhado aquela evolução do mercado, que era já mais favorável para o financiamento, mantendo o mesmo spread de 14% que fora definido em 2014.
Ora, o estudo realizado pela F..., que a Requerente apresentou aquando do exercício do direito de audição relativamente ao projeto de relatório final da ação inspetiva (RIT), selecionou dados de comparáveis celebrados em 2014 e 2015, o mesmo é dizer-se, sem comparação possível com eventuais ajustamentos dos mesmos refletores do que se passava em 2017, que foi o ano sobre o qual incidiu a análise da AT.
São estas as razões pelas quais o Tribunal considera que as operações realizadas pela AT refletem um grau de comparabilidade fidedigno e respeitador das normas sobre preços de transferência plasmadas no CIRC (art.º 63º), na Portaria e nas Orientações da OCDE, no que ao princípio da comparabilidade e ao princípio da plena concorrência respeita. Concretamente, esta comparação é a que melhor observa o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 4º da Portaria, segundo os quais:
2- Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.
3 — Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptívies de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.
A escolha efetuada pela AT para estabelecer a comparação revela-se ainda a mais respeitadora do estatuído nos n.ºs 1 e 2, b), também da Portaria, que determinam que:
1-A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.
2 — Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:
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Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;
Como muito bem sintetizou a Requerida nas suas alegações (n.º 58) Ou seja, se uma instituição bancária independente aceitou conceder um financiamento à Requerente, de montante e prazo similar aos dos suprimentos, remunerado a uma taxa de juro anual nominal (TAN) calculada em função da média mensal da taxa Euribor a 6 meses do mês anterior, acrescida de um spread de 3 pontos percentuais, então, nada justifica que os sócios exijam à sociedade uma remuneração pelos suprimentos que comporta um spread de 14 pontos percentuais.
Ao atuar como atuou, cumpriu a Requerida o que lhe era exigível cumprir e que constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo: que à AT compete provar os pressupostos em que assentam as correções aos preços de transferência, ónus que abrange a identificação e prova de relações especiais e de que o preço praticado não é o de mercado, bem como de qual o preço de mercado aplicável ao caso (vd. Acórdãos do STA de: 27/6/2018 (proc. n.º 01402/2017; 21/9/2016 (proc. n.º 0571/2013; 14/5/2015 (proc. n.º 0833/2013); 11/3/2015 (proc. n.º 0145/2014).
Do alegado contrato de prestação de serviços celebrado entre a Requerente e a D...
Alega a Requerente que celebrou com a D... um contrato para prestação por esta de serviços técnicos de monitorização e acompanhamento de controlo de gestão e administração dos fundos afetos ao investimento, uma vez que não possui qualquer pessoal. Foi isto que as testemunhas também declararam na inquirição e é isso que a Requerente pretendeu provar com a junção do documento n.º 15 ao pedido de pronúncia arbitral
Porém, conforme já se disse, no RIT é provado que estes serviços não estão devidamente discriminados nem identificados na fatura e nem sequer é indicada a data em que os mesmos tivessem sido realizados, ou seja, não foram cumpridos os requisitos exigidos pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 23º CIRC, facto que, por força da alínea c) do n.º 1 do art.º 23º-A, conduz à não dedutibilidade dessas faturas.
Aliás, por ofício de 21 de outubro de 2020, a AT solicitou à Requerente que apresentasse a evidência material da prestação dos serviços pela D..., tendo a Requerente apresentado unicamente o contrato de prestação de serviços, sem qualquer prova documental de que os mesmos hajam efetivamente sido prestados.
Mas não foi apenas a questão formal que justificou a posição da AT e que leva este Tribunal a concordar com a mesma. É que aquela ausência de evidência material da realização dos trabalhos é ainda aumentada pela circunstância de a AT, na ação inspetiva, ter encontrado faturas (que a Requerente tem registadas na sua contabilidade na conta “62213 – Trabalhos especializados), emitidas pelo gabinete de contabilidade “H..., Lda, assim como outras, de “Trabalhos especializados”, relativas aos serviços relacionados com a execução e gestão dos contratos, emitidas pelos fornecedores B... e I..., o que indica que houve a intervenção de entidades alheias à D... na prestação de serviços. Os serviços de gestão dos contratos de ... e de ..., que se encontravam em curso no ano de 2017, e cuja faturação foi iniciada naquele ano, foram realizados pela B... e I... e não pela D... .
Assim, a associação de todos os factos conduz necessariamente à não dedutibilidade da fatura da D..., uma vez que competia à Requerente o ónus da prova da realização dos trabalhos pela D... e não o fez.
Como muito recentemente decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul por acórdão de 27 de maio de 2021 proferido no proc. n.º 744/11.1BELRA (disponível em www.dgsi.pt) I- As faturas configuram-se como documentos não só relevantes para efeito de exercício do direito à dedução, mas também pertinentes para efeitos de exercício dos poderes de controlo por parte da AT. II- Não existe qualquer hierarquia entre os diversos requisitos exigidos às faturas. III- O TJUE tem considerado ser admissível o direito à dedução, ainda que haja alguns requisitos formais por cumprir nas faturas, desde que a situação material seja demonstrada. IV- O não cumprimento escrupuloso das formalidades exigidas em termos de emissão de faturas pode não comprometer o exercício do direito à dedução, desde que as exigências de fundo tenham sido cumpridas e que a AT disponha de todos os elementos para substantivamente caraterizar a operação, sendo certo que o ónus da prova caberá ao sujeito passivo. V- Não tendo sido apresentados elementos documentais que contenham um conteúdo que permita suprir as lacunas das faturas, não é admissível o direito à dedução.
Termos em que, não havendo a Requerente dado cumprimento ao estatuído nos n.ºs 3 e 4 do art.º 23º do CIRC, por força da alínea c) do n.º 1 do art.º 23º-A, não pode ser dedutível a fatura de prestação de serviços do montante de €30.000,00, que determina a correção do lucro tributável naquele valor.
E tendo o Tribunal entendido não ser a fatura da D... dedutível, resolvida fica a questão do IVA, pois o mesmo apenas não seria devido se fosse considerado dedutível ao lucro tributável o montante de €30.000,00 fatura da D... .
E não tendo o Tribunal reconhecido a existência de qualquer erro imputável à Requerida AT, não tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos definidos no art.º 43º da Lei Geral Tributária.
VII – Decisão
Com base nesta fundamentação decide o Tribunal considerar totalmente improcedente o pedido formulado pela Requerente, não tendo esta direito a juros indemnizatórios, em virtude de serem legais as liquidações de:
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IRC, com o n.º 2020 ..., relativa ao ano de 2017, que ajustou a matéria coletável em €155.814,99;
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de IVA, com o n.º 2020..., relativa ao ano de 2018, nos termos da qual foi apurado imposto a pagar no montante de €6.900,00.
VIII – Valor
Fixa-se o valor do processo em € 162.714,99 (cento e sessenta e dois mil, setecentos e catorze euros e noventa e nove cêntimos ), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
IX – Custas
Custas a suportar pela Requerente, no montante de €12.000,00 (doze mil euros), calculadas nos termos do disposto nos artigos 12º, n.º3 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), dos artigos 3º, n.º 1, b) e 5º, n.º 2 do RCPAT (Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária) e na Tabela II anexa ao mesmo Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de março de 2022
Os árbitros
Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, Presidente
Dr. Nuno Maldonado Sousa
Dr. Francisco Carvalho Furtado