Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 187/2021-T
Data da decisão: 2022-03-31  IRS  
Valor do pedido: € 17.166,95
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias. Não residente. Inutilidade Superveniente da Lide
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SUMÁRIO:

A inutilidade superveniente da lide verifica-se e a instância extingue-se porque a Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto de liquidação impugnado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro José Almeida Fernandes, designado no Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. A..., titular do número de identificação fiscal ..., com residência fiscal em..., Suíça, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.os 2020..., 2020... e 2021..., relativos ao período de tributação de 2019, à anulação do montante de juros compensatórios indevidamente liquidados, bem como à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”) no pagamento indemnização pela prestação de garantia.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 5 de Abril de 2021 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 20 de Maio de 2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

 

4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 9 de Junho de 2021.

 

5. Para fundamentar o seu pedido alegou a Requerente, sumariamente, que o acto de liquidação ora impugnado, ao concretizar um acréscimo de tributação resultante da consideração integral da mais-valia imobiliária e não apenas 50% do respectivo valor, era ilegal, padecendo de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Isto na medida em que a legislação nacional que apenas permite a consideração em 50% do valor das mais-valias realizadas para os residentes em Portugal é incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais, não respeitando, assim, o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 56.º, do Tratado da Comunidade Europeia (actual artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). A Requerente requereu ainda a condenação da Requerida no pagamento de indemnização por garantia que viesse a ser obrigada a prestar para a suspensão de processo executivo.

 

6. Em 9 de Junho de 2021 foi proferido despacho tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional. A Requerida não apresentou resposta.

 

7. Em 2 de Julho de 2021, mediante requerimento, veio a Requerida informar que o acto objecto de impugnação havia sido revogado pela Subdirectora-geral do Rendimento por despacho proferido em 29 de Junho de 2021, conforme Informação n.º 336/2021 da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares junta aos autos. Neste sentido requereu a inutilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (“CPC”), atenta a extinção do objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

8. Em 13 de Julho de 2021 veio a Requerente declarar que, em face da revogação do acto impugnado, nada obstar ao arquivamento dos presentes autos por extinção da instância em virtude de inutilidade superveniente da lide, tendo ainda requerido o reembolso das custas pagas e de juros indemnizatórios sobre um pagamento parcial da dívida no valor de €1.000,00 que indicou apenas então ter realizado no âmbito de processo de execução fiscal em 24 de Dezembro de 2020.

 

II. SANEAMENTO

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

III. DO MÉRITO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

10. Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a) Em 5 de Abril de 2021 a AT foi notificada por e-mail da apresentação do pedido de pronúncia arbitral;

b) Em 9 de Junho de 2021 o Tribunal Arbitral ficou constituído;

c) Em 29 de Junho de 2021 foram revogados os actos de liquidação impugnados, por despacho proferido pela Subdirectora-geral do Rendimento;

d) A AT deu conhecimento da revogação do acto mediante requerimento apresentado em 2 de Julho de 2021;

e) A Requerente não prestou qualquer garantia para a suspensão de processo de execução fiscal;

d) A Requerente procedeu a um pagamento parcial da dívida de €1.000,00 em 24 de Dezembro de 2020;

e) A Requerida, em cumprimento da revogação do acto impugnado, procedeu ao estorno da liquidação anterior e emitiu nova liquidação tendo em consideração o pagamento parcial da Requerente de €1.000,00 já efectuado.

 

III.1.2. Factos não provados

11. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

12. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

III.2.1. Da inutilidade superveniente da lide

13. Tendo sido revogado o acto de liquidação impugnado pela Requerente nos presentes autos, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido.

 

A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

 

A doutrina tem conferido ao conceito em análise também este sentido, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, os actos tributários impugnados pela Requerente foram revogados pela Requerida, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de actos que já se encontram suprimidos da ordem jurídica. Com a referida revogação a Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral, já que a Requerente reconheceu ainda que não foi prestada qualquer garantia para suspender qualquer processo de execução fiscal e, por isso, não é devida qualquer indemnização pela prestação de garantia.

 

Acresce que na nova liquidação emitida pela Requerida, após a revogação dos actos impugnados, o montante do pagamento parcial antes efectuado pela Requerente foi considerado, porque dessa nova liquidação ainda resulta imposto a pagar, e, por isso, não se entende serem devidos juros indemnizatórios por esse pagamento parcial não se considerar dizer respeito ao montante objecto de anulação parcial do acto impugnado decorrente da revogação efectuada pela Requerida.

 

Em face do exposto entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do acto tributário impugnado pela Requerente, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IV. DECISÃO

Termos em que se decide:

a) Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;

b) Condenar a Requerida nas custas do processo, no valor de € 1.224,00, por a revogação do acto impugnado pela Requerida ter ocorrido após a constituição do Tribunal Arbitral.

 

V. VALOR DO PROCESSO

Atendendo ao disposto no artigo 32.º, do CPTA e no artigo 97.º-A, do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 17.166,95.

 

VI. CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 1.224,00 a cargo da Requerida, já que foi esta que deu causa à presente acção, apenas tendo revogado e comunicado a anulação do acto após a constituição do tribunal arbitral, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Março de 2022.

 

O Árbitro,

 

 

 

José Almeida Fernandes