Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 150/2021-T
Data da decisão: 2022-03-19  IRC  
Valor do pedido: € 26.068,04
Tema: IRC – Dedutibilidade gastos fiscais — Artigo 23.º CIRC. Ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

            O árbitro Dr. Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

 

I. Relatório

1) No dia 12 de março de 2021, A..., S.A, com número único de pessoa coletiva (NIPC)..., com sede na ..., ..., ..., ...-... ... (doravante, apenas Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente (i): à declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação adicional de IRC nº 2019..., no montante de € 21.914,12 bem como dos atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs nºs 2019 ... e 2019 ..., todos relativos ao ano de 2015, dos quais resultou um saldo apurado de € 25.817,14;  (ii): à declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2020..., proferida em 10/11/2020; (iii): à condenação da requerida a restituir à Requerente as quantias que por ela foram ilegalmente pagas, no valor total de € 26.068,04; (iv): ao reconhecimento do direito da Requerente ao pagamento dos juros indemnizatórios vencidos sobre aquela quantia de € 26.068,04, contados à taxa legal de 4% ao ano ou de outra que venha a ser fixada, desde a data em que foram efetuados os respetivos pagamentos, até à data da emissão da nota de crédito em que esses juros indemnizatórios devem ser incluídos, condenando-se a AT no pagamento desses mesmos juros indemnizatórios;

2) O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, e notificado automaticamente à AT em 16 de março de 2021.

3) A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Nos termos do disposto da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 05 de maio de 2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 11.º, do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 25 de maio de 2021.

4) No dia 05 de julho de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com a consequente absolvição do pedido. A Requerida ainda juntou aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

5) No dia 6 de julho de 2021, tendo sido manifestado interesse na produção da prova testemunhal, foi proferido despacho arbitral no sentido de proceder à realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, designando-se para o efeito o dia 08 de setembro de 2021, às 15h00.

6) A reunião foi realizada na data agendada.

Dada a impossibilidade de comparência de uma das testemunhas arroladas, foi a sua inquirição adiada para o dia 06 de outubro de 2021, pelas 10h00.

Em 06 de outubro de 2021, foi proferido despacho arbitral, na sequência de requerimento apresentado pelo SP, adiando a diligência para o dia 07 de dezembro, pelas 10h00.

Em 12 de outubro de 2021, em razão da indisponibilidade superveniente de agenda que impedia o Tribunal de realizar a diligência indicada na referida data, determinou-se o seu reagendamento, com o acordo dos mandatários das partes, para o dia 09 de dezembro, pelas 10h00.

Em 02 de dezembro de 2021, veio o SP requerer que o seu administrador único prestasse declarações de parte, o que foi deferido.

7) Na data prevista foi realizada a referida reunião, e decidido que o processo prosseguisse com alegações escrita sucessivas, no prazo de 15 dias, assim como determinado o dia 25 de janeiro de 2022 para o efeito de prolação da decisão arbitral.

8) O SP apresentou alegações escritas a 05 de janeiro de 2022.

9) A 22 de janeiro de 2022 foi proferido despacho arbitral determinando a prorrogação do prazo para prolação da decisão arbitral para o dia 25 de março de 2022 (art. 21.º, 1, RJAT).

10) A AT apresentou contra-alegações escritas a 26 de janeiro de 2022.

 

B. Posição das partes

 

Para fundamentar o seu pedido, alega o SP que foi alvo de uma inspeção tributária relativa ao período de 2015, tendo o respetivo relatório, proferido pela AT (o RIT), concluído pela necessidade de efetuar correções técnicas em sede de IRC resultantes da desconsideração dos juros por ela suportados no valor de € 21.581,16, relativos a empréstimos bancários por ela contraídos, contas caucionadas em entidades bancárias, contratos de factoring, locação de viaturas e utilização de cartão de crédito, pois o que se verifica, na verdade, é, na ótica da AT, a concessão de mútuos não remunerados a favor dos seus sócios, B..., C... e. D... .

Ora, na ótica do SP, nunca foram concedidos quaisquer empréstimos não remunerados aos seus acionistas. A argumentação da AT fundamenta-se apenas nas inscrições contabilísticas mas em lado algum demonstra que saiu qualquer montante da esfera patrimonial da Requerente para a dos acionistas. Além disso, e quanto à D..., os saldos devedores existentes respeitam essencialmente a pagamentos efetuados pela Requerente àquela no âmbito e por conta dos contratos de arrendamento de imóveis existentes entre elas, e benfeitorias efetuadas.

Acresce que a AT não considerou a natureza dos financiamentos, não estabeleceu qualquer relação entre, v.g., as datas dos vários financiamentos bancários contraídos pela Requerente e as datas dos mútuos não remunerados que alega terem sido por ela efetuados, e ainda não considerou todos os meios de financiamento utilizados pelo SP, designadamente, os réditos provenientes dos bens vendidos e serviços por ela prestados.

Era sobre a AT que recairia o ónus probatório, na medida em que, pretendendo a mesma desconsiderar um gasto da Requerente, está obrigada a demonstrar que não se verificam os pressupostos do art. 23.º, CIRC.

Além da desconsideração de juros, a AT também desconsiderou, enquanto custo, o montante de € 79.014,29, relativo a uma avença mensal paga pela Requerente à sociedade “E..., Lda, por não saber que serviços, concretamente, estão a ser faturados. Acontece que, na perspetiva da Requerente, as faturas emitidas respeitam a serviços efetivamente prestados tendo sido determinantes para obter e garantir rendimentos sujeitos a IRC. Por isso, pelo que não pode deixar de se concluir pela respetiva dedutibilidade nos termos do art. 23.º, 1, CIRC.

A Requerente ainda vem alegar vício de forma que se infiltra e gera a invalidade das liquidações em apreço, por violação do direito de defesa, previsto no art. 268.º, 4, CRP, e que se concretiza no previsto nos arts. 60.º, RCPITA, e 60.º., LGT, na medida em que não foi facultada a possibilidade de provar o que tinha alegado em sede de reclamação graciosa, pois, tendo indicado prova testemunhal, foi a mesma indeferida pela AT, alegando serem 'manobras dilatórias por parte dos responsáveis do SP'.

Conclui pedindo a ilegalidade dos atos de liquidação já identificados, a restituição das quantias pagas bem como o recebimento dos correspondentes juros indemnizatórios.       

Por sua vez, vem a AT, na sua Resposta, concluir que não resultam quaisquer ilegalidades nas liquidações em apreço, pois não foi efetuada prova relevante que acolitasse a posição alegada pelo SP, já que o ónus sobre ele recaia, e, a final, defender que o ato posto em crise deve ser mantido na ordem jurídica por entender que o mesmo consubstancia uma correta aplicação do direito aos factos.

 

II. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.  

 

            III. Fundamentação

            III.1. De Facto

§1. Factos Provados                   

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A A..., S.A, com número único de pessoa coletiva (NIPC)..., encontra-se registada em sede de IRC, com o capital social de 176.000,00 euros, subscrita pelos seguintes sócios: i) C...; ii) D..., SA, iii) F...; iv) B...; v) G... .
  2. Encontra-se registada com o CAE 074100, que corresponde a "atividades de design".
  3. Tem como atividade principal a prestação de serviços especializados na área do retalho, nomeadamente, apoio a empresas relativo à exposição dos seus produtos e interatividade com os clientes finais dessas empresas. Estas prestações de serviços englobam também o design e fabricação dos diversos expositores.
  4. Entre a Requerente e a D... foram celebrados contratos de arrendamento para fins não habitacionais, tendo por objeto os imóveis descritos nas Conservatórias do Registo Predial de ... e de ..., sob o n.º..., e os ns. ... e..., respetivamente, datados de 1 de janeiro de 2013, 28 de fevereiro de 2005 e 1 de janeiro de 2009.
  5. A Requerente realizou obras no armazém propriedade da D... tendo despendido o valor de €122.863,47, descrito como 'Construção de pavilhão com 580 m2', que foi lançado a débito na conta 2680003.
  6. A Requerente pagava as rendas no decurso do ano, pelo que com a emissão das respetivas faturas pela D..., a Requerente regularizava o saldo da conta 2680003.
  7. Do valor de €227.020,05 registado a débito na conta 2680003 no exercício de 2015, €142.515,00 correspondiam ao pagamento adiantado de rendas cujo valor foi, no final do ano, deduzido.
  8. A Requerente celebrou contratos de locação de viaturas, cujo valor se cifrava, a 31/12/2015, num total de €37.559,20, para serem utilizadas pelos funcionários da Requerente na prossecução da sua atividade.
  9. A Requerente utilizou em 2015 cartão de crédito para pagar despesas correntes, tendo-se cifrado, em 2015, em € 3.237,55.
  10. A Requerente celebrou contratos de mútuo com entidades bancárias contratos de factoring e contratos de contas caucionados, em número não apurado, mas pelo menos com o H... e com a I..., para colmatar situações temporárias de liquidez, em data anterior à sua inscrição contabilística.
  11. À data de 31 de dezembro de 2015, o valor total dos empréstimos contraídos pela Requerente ascendia ao montante de € 1 413 165,94, conforme discriminado:

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

  • E... é uma sociedade comercial com o número de pessoa coletiva..., com sede na ..., n.º...,..., Macau, que, entre outros, presta serviços de “Concepção e desenvolvimento na área do design de interiores e exposição”.
  •  E... contratou serviços de consultadoria e apoio nos negócios a J..., que fala português e mandarim, que deveriam ser prestados a favor da Requerente tendo em vista o desenvolvimento de negócios desta na China.
  • Para o efeito, foi celebrado entre a Requerente e a E... um contrato de prestação de serviços remunerados por avença.
  • Os serviços consistiam em consultadoria na área da indústria da China (Mainland), angariação de clientes em feiras, acompanhamento da Requerente, juntamente com a sua equipa, a feiras realizadas em território chines, designadamente, na ... em Outubro e na ... em Guangzhou em novembro, e tradução de documentos, como foi o caso de caderno de encargos.
  • A E..., concretamente, prestou serviços de angariação de clientes, gestão de leads, project management, procura de fornecedores para a Requerente, controlo de qualidade e gestão de transitários.
  • Na sequência disso, a Requerente conseguiu passar a prestar serviços a favor da "K...", da "L..." e, mais recentemente, da "M...".
  • A Requerente despendeu € 79.014,29, com os serviços referidos.
  • A Requerente foi objeto de uma inspeção tributária, na sequência da ordem de serviço OI2018... .
  • Resulta do RIT o seguinte:

      Da análise das demonstrações financeiras do sujeito passivo e da sua contabilidade dos períodos de 2015 e 2016, verificamos que detém saldos devedores na conta de Acionistas/sócios-Outras operações, relacionados a montantes concedidos a entidades relacionadas / acionistas ou órgãos de administrações, montantes relevantes, contas SNC 2680001 B..., 2680002-C... e 2680003- D..., sendo que esses saldos não derivam, de qualquer transação comercial, os quais se discriminam:

Este saldo é essencialmente constituído por valores resultantes de transferências efetuadas das contas bancárias do sujeito passivo para contas tituladas por aqueles devedores, sendo, maioritariamente, os documentos de suporte arquivados na contabilidade maioritariamente os comprovativo das transferências efetuadas.

Tendo em conta que o sujeito passivo também se financia junto da banca para obter os meios financeiros necessários ao normal desenvolvimento da sua atividade, donde decorre o vencimento de juros (gastos financeiros) que o SP regista como componente negativa do seu resultado tributável, coloca-se a questão da necessidade daqueles encargos na ótica do artigo 23o do CIRC, ou pelo menos de parte deles, na justa medida em que o sujeito passivo aplica parte dos financiamentos contraídos na concessão de facilidades / empréstimos não remunerados terceiros.

Da contabilidade e das demonstrações financeiras apresentadas, o sujeito passivo indicou gastos (juros) suportados com os financiamentos obtidos no período de 2015, o montante de € 46 194,14.

À data de 31 de dezembro de 2015, o valor total dos empréstimos contraídos pelo sujeito passivo ascendia ao montante de € 1 413 165,94, conforme se discrimina:

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Conforme se pode verificar da análise destes quadros, os financiamentos contraídos pelo sujeito passivo são utilizados em parte para financiar terceiros, sem qualquer nexo causal com a atividade comercial exercida pelo sujeito passivo. A 31 de dezembro de 2015, os empréstimos concedidos pelo sujeito passivo a entidades relacionadas representam 46,7% do valor dos financiamentos obtidos.

Da análise da contabilidade do sujeito passivo e documentos auxiliares, constatou-se que este não debitou quaisquer juros pelos montantes concedidos a essas entidades.

Assim, e conforme já referido, importa demonstrar se o valor de juros suportados pelo sujeito passivo, associados aos empréstimos contraídos, são, na totalidade, efetivamente suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos, na medida em que não exerce atividades que incluam a concessão de empréstimos.

(...)

Assim, relativamente aos factos descritos quanto ao quadro legal e interpretativo, será de concluir que pelo menos parte dos encargos financeiros, suportados pelo sujeito passivo com os fundos obtidos para conceder empréstimos não remunerados, não cumprem o requisito da conexão com rendimentos sujeitos a tributação naquela sociedade, não podendo ser dedutíveis para a determinação do lucro tributável.

Em face do exposto, podemos concluir que o sujeito passivo financiou-se junto de instituições de crédito tendo aplicado uma parte significativa daqueles financiamentos na concessão de empréstimos não remunerados a terceiros (acionistas).

Consequentemente, os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo correspondentes à parcela dos financiamentos/empréstimos atribuídos aos acionistas não configuram um gasto com relevância fiscal na esfera do sujeito passivo, sendo determinada essa parcela no quadro seguinte: Assim, propõe-se uma correção positiva, acréscimo, ao resultado tributável declarado pelo sujeito passivo, no montante de € 21 581,16, com referência ao período de 2015, nos termos do artigo 23.º do CIRC.

  1. O SP apresentou reclamação graciosa contra as liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, a que foi atribuído o n.º ...2020... .
  2. A referida reclamação graciosa foi indeferida, por decisão proferida em 10/11/2020 pelo Chefe de Divisão (por subdelegação de competências da Diretora de Finanças adjunta) da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ... .
  3. Na sequência da sobredita ação inspetiva e indeferimento da mencionada reclamação graciosa, a AT emitiu e notificou a Requerente da liquidação oficiosa de imposto de IRC nº 2019..., bem como dos atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs nºs 2019... e 2019..., todos relativos ao ano de 2015, dos quais resultou o montante total a pagar de €25.817,14.
  4. O Serviço de Finanças de ... instaurou contra o SP execução fiscal a que foi atribuído o n.º ... 2020..., para cobrança coerciva da importância total de €30.617,14.
  5. A Requerente procedeu ao pagamento da quantia exequenda a 26/03/2020.

 

§2. Factos não Provados

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. Motivação quanto à Matéria de Facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

O Tribunal não se pronunciou sobre o demais vertido nos articulados das partes por constituírem afirmações conclusivas e/ou juízos de direito – e que, por isso, não podem ser objeto de uma pronúncia em termos de “provado” ou “não provado” – ou por se tratar de factualidade irrelevante à boa decisão da causa.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja adesão à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos (incluindo o processo administrativo), o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, assim como do depoimento da testemunha N..., responsável da contabilidade desde 2020 da Requerente, e de B..., administrador da Requerente, que prestou declarações de parte produzidas em sede de reunião. Em particular, quanto a estes depoimentos, eles corroboraram, no essencial, a matéria de facto alegada pela Requerente, tendo-o feito de forma objetiva e isenta, com conhecimento direto desses mesmos factos, pelo que esses depoimentos merecem-nos toda a credibilidade. Os depoimentos prestados foram particularmente relevantes para que fosse julgados provados os pontos relativos aos gastos em causa.

 

III.2. De Direito

            §1. Ordem de conhecimento dos vícios

 

10. A Requerente invoca, para além do vício de violação de lei, um vício de forma, por  violação do direito de defesa, estabelecido no art. 268.º, 4, CRP, por parte da AT.

Conforme  dispõe o artigo 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na sentença a proferir no processo de impugnação, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar, no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior (n.º 2).

No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato administrativo. Por outro lado, a Requerente não indica uma relação de subsidiariedade entre os vícios, pelo que se afigura haver lugar ao conhecimento prioritário do vício de violação de lei por ser este que confere mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

§2. Thema Decidendum

 

A questão jurídico-tributária que está em causa e sobre que existe dissidência das partes consiste em determinar se os juros suportados pelo SP, no valor de €21.581,16, relativos a empréstimos bancários, contas caucionadas em entidades bancárias, contratos de factoring, locação de viaturas e utilização de cartão de crédito, devem ser ou não desconsiderados, assim como se devem ser desconsiderados os custos decorrentes de uma avença mensal paga pela Requerente à E..., Lda.

Sendo ainda pertinente, coloca-se ainda a questão de um alegado vício de forma resultante da violação do direito de defesa que assistiria à Requerente no âmbito do procedimento que se desenrolou.

Conforme já verificámos, para a Requerente as correções técnicas efetuadas à matéria tributável são ilegais, na medida em que os gastos em causa foram realizados com o propósito de a sociedade obter rendimentos ou ganhos; para a AT, os referidos gastos foram efetuados à margem do interesse social.

Ora, antes de mais importa referir que o critério que resulta do disposto no artigo 74.º, 1, LGT, e estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação oficiosa, praticado pela Autoridade Tributária, corrigindo liquidação anterior baseada na declaração do contribuinte, é o de que incumbe à Administração o ónus da prova dos pressupostos legais da correção que operou, e, na situação do caso, a demonstração de que tais gastos não tiveram qualquer conexão com a atividade da sociedade no sentido de criar rendimento.

Posto isto, o enquadramento do caso passa necessariamente por considerar o art. 23.º, 1, CIRC.

            Dispõe o art. 23.º, 1, CIRC, que " Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC". 2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:  c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado."

            O teor do art. 23.º, 1, estatui que «Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.».

            A anterior redação postulava "Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a um posto ou para a manutenção da fonte produtora (...)"

            Ora, seguindo o entendimento perfilhado pelo STA e também pelo Tribunal Arbitral Coletivo presidido pelo Cons. Jorge Lopes de Sousa, nos autos 329/2019-T, que seguiremos de perto, "À face desta anterior redacção do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, foi-se estabilizando o entendimento doutrinal e jurisprudencial no sentido de para ser permitida a dedutibilidade de gastos e para se demonstrar sua indispensabilidade para obtenção de rendimentos sujeitos a imposto não era necessária uma relação de causalidade entre os gastos e a obtenção de rendimentos, bastando que aqueles fossem suportados no interesse da empresa, como foi reconhecido nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21-9-2016, processo n.º 0571/13 e de 15-11-2017, processo n.º 0372/16: I – No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adotar quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2009), está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos. II – No mesmo entendimento, um custo será́ aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da atividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios."

            Não foi dado como provado, relativamente à conta 2680002 —C..., que tivessem ocorrido fluxos financeiros entre a Requerente e este credor, nomeadamente, tendo como causa um mútuo entre as partes. Para que se conclua que a Requerente financiou o seu sócio à custa de empréstimos que ela própria contraiu e, consequentemente, desconsiderar o gasto ocorrido, é essencial demonstrar esse fluxo financeiro entre as referidas entidades. Não foi o caso.

            Com relação à D..., ficou demostrada a relação existente entre as partes e a sustentação para os fluxos financeiros existentes, já que resulta provado que entre a Requerente e a aquela entidade foram celebrados contratos de arrendamento para fins não habitacionais pelo quais se pagavam as respetivas rendas além de que a Requerente realizou obras no armazém propriedade da D... tendo despendido o valor de €122.863,47.

            Do mesmo modo, ficou demonstrado que a Requerente celebrou contratos de locação de viaturas para serem utilizadas pelos funcionários da Requerente na prossecução da sua atividade, pelos valores referidos bem como utilizou, em 2015, cartão de crédito para pagar despesas correntes, tendo-se cifrado, em 2015, em € 3.237,55 e ainda que celebrou contratos de mútuo com entidades bancárias em número não apurado, contratos de factoring e contratos de contas caucionados, para colmatar situações temporárias de liquidez, em data anterior à sua inscrição contabilística.

            O mesmo se verificou com a relação existente entre a E... . Como vimos, a E..., concretamente, prestou serviços de angariação de clientes, gestão de leads, project management, procura de fornecedores para a Requerente, controlo de qualidade e gestão de transitários. Foi na sequência disso que a Requerente conseguiu passar a prestar serviços a favor da "K...", da "L..." e, mais recentemente, da "M...", tendo despendido, por esses serviços, a quantia de € 79.014,29.  

            Ora, estamos perante custos adequados à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros. Como se disse, a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da atividade do SP e foram contraídos, não no interesse deste, mas tendo em vista interesses ou finalidades terceiras.

            Como o ónus da prova recai sobre a AT, pelas razões já mencionadas, basta que a AT não consiga fazer a prova dos factos em que se encontra onerada para que se tenha de concluir como se conclui.

            Quanto ao valor peticionado. O SP pede que seja devolvido a quantia de €26.068,04. No entanto, como verificámos, os atos que se atacam foram liquidados no montante de €25.817,14. Sendo assim é este o valor de capital que deve ser devolvido ao Requerente.

            Posto isto, as correções efetuadas que originaram as subsequentes liquidações padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que origina a sua anulação, de acordo com o artigo 163.º, 1, do Código do Procedimento Administrativo, ex vi art. 2.º, c), LGT. Em consequência, é também anulado o despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

            Face ao referido, encontra-se prejudicado a análise do alegado vício de forma resultante da violação do direito de defesa que assistiria à Requerente no âmbito do procedimento que se desenrolou.

Quanto aos juros indemnizatórios.

Determina o art. 24.º, 5, RJAT que "“é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, 1 e 2, e 100.º, LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Determina o art. 24.º, 1, b), RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Consequentemente, terá de se proceder ao reembolso dos montantes pagos pelo SP, na sequência da anulação dos atos de liquidação já melhor identificados, de modo a que se reconstitua a situação que existiria se não se tivesse cometido a ilegalidade já identificada.

Deste modo, considerando o disposto no art. 61.º, CPPT, como se verificam preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o SP terá direito a esses juros, calculados à taxa legal sobre o montante de IRC de 2015 pago indevidamente, contabilizado de acordo com o disposto no art. 61.º, 3, CPPT, isto é, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão das respetivas nota de crédito.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Determinar a anulação das liquidações de IRC de 2015 identificada no pedido arbitral, ordenando-se o reembolso à Requerente das quantias pagas, no montante de € 25.817,14 e condenando a Requerida no pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, de acordo com o peticionado;
  2. Anular o despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., que indeferiu a reclamação graciosa já melhor identificado;
  3. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 26.068,04, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.530,00 euros nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de março de 2022

 

O Árbitro Singular

 

 

(Ricardo Marques Candeias)