DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Dr. Francisco Carvalho Furtado e Dr. Nuno Maldonado Sousa designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-10-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, titular do número de identificação fiscal..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número (doravante designada como “Requerente”), veio ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa com o n.º ...2020..., e a correspondente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2020..., relativa ao período de tributação de 2015.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-01-2021.
Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.
Em 22-09-2021, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13-10-2021.
A AT apresentou resposta, em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve improceder.
Em 25-01-2022, foi realizada uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente dedica-se à aquisição de imóveis para posterior gestão, rentabilização e revenda, designadamente aquisição de imóveis associados aos designados “créditos malparados” detidos pelas instituições financeiras nacionais, ou seja, imóveis obtidos na sequência da execução das garantias associadas aos referidos créditos;
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Os imóveis adquiridos pela Requerente vinham normalmente com problemas que impediam que fossem escriturados (como falta de licenciamento ou certificações energéticas), ou estavam ocupados e era necessário desocupá-los,
implicando por vezes pagamentos para conseguir a saída dos ocupantes (depoimento da testemunha B...);
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Havia riscos inerentes a esta actividade e por vezes, as vendas dos imóveis eram efetuadas abaixo do valor patrimonial (depoimento da testemunha B...);
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Até 30-09-2015, a Requerente era detida pela sociedade C..., com sede no Luxemburgo (Relatório da Inspecção Tributária e depoimentos das testemunhas D... e B...);
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No decorrer do exercício fiscal de 2012, a Requerente contraiu financiamentos, sob a forma de suprimentos, junto do seu acionista único (à data), a C..., de forma a dispor de fundos para o desenvolvimento da sua actividade, sendo fixada uma taxa de 12% ao ano (Relatório da Inspecção Tributária e depoimentos das testemunhas D... e B...);
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A Requerente não tinha possibilidade de obter financiamento bancário, pois a concessão de garantia real sobre os imóveis impedia a sua actividade comercial (depoimento da testemunha B...);
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A solução do recurso a suprimentos foi a que a Requerente considerou preferível para assegurar a sua actividade e poder fazer o repatriamento dos dinheiros existentes para remunerar os investidores (depoimento da testemunha B...);
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Em 30-09-2015, a Requerente foi adquirida pela E..., com sede no Luxemburgo (Relatório da Inspecção Tributária e depoimentos das testemunhas D... e B...);
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A partir de 01-10-2015, passou a ser aplicada aos suprimentos referidos a taxa de juro de 9% ao ano, que foi aplicada, para efeitos fiscais, a todo o ano de 2015 (Relatório da Inspecção Tributária e depoimentos das testemunhas D... e B...);
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A taxa de juro de 9% foi aplicada nos períodos posteriores ao início do exercício de 2015, aos suprimentos efectuados pela E... em Portugal e aproximava-se da rentabilidade que esta empresa, enquanto gestora de fundos, proporcionava aos seus investidores (página 7 do Relatório da Inspecção Tributária e depoimento da testemunha B...);
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Foi convencionado que os juros dos suprimentos eram contados dia a dia, numa base de 360 dias por ano, não foram capitalizados e não dispõem de garantias associadas (contrato que constitui anexo ao Relatório da Inspecção Tributária e depoimento da testemunha B...);
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No âmbito do procedimento de inspeção tributária levado a cabo pela AT, a Requerente apresentou estudo específico de preços de transferência preparado no ano de contratualização dos suprimentos em análise (ano de 2012), que denominou de “"A..., S.A. Transfer Pricing Report of economic analysis of the financial transactions (FY2012)", elaborado pela F..., S.A., com o objectivo de demonstrar que as taxas de juro aplicáveis nos suprimentos em vigor se encontravam em linha com as taxas de juro praticadas no mercado para operações de financiamento comparáveis (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Foi realizada uma inspecção à Requerente, relativa ao exercício desde 2015, em que foi elaborado o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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A Requerente não exerceu o direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária;
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Na sequência, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte:
Análise Documental
Da análise documental efetuada no âmbito da presente ação inspetiva cabe fazer as seguintes considerações;
- a atividade do sujeito passivo nos exercício de 2015 consistiu, essencialmente, na atividade Imobiliária de compra e venda de imóveis
As aquisições de imóveis foram realizadas por diferentes vias:
- aquisição de Imóveis via dação em pagamento. Esta forma é utilizada tendo também como interveniente a sociedade G..., SA, cujos financiamentos titularizados são liquidados pelos devedores junto da G... . Ou seja, dado que a sociedade G..., como sociedade de titularização de créditos, não pode ter imóveis em carteira, os mesmos foram entregues pelos respetivos proprietários à A..., que fica obrigada a proceder ao pagamento do preço de compra perante a G..., mas apenas na data em que o imóvel for vendido pela A... (a aquisição de créditos pela sociedade G... é uma operação relacionada com as operações E... 1' e "E... 2"). No final do exercício de 2015 o montante a pagar à sociedade G... assumia o valor de € 933.166,64
- aquisição de imóveis por via de execução fiscal ou por via de oportunidades de negócio identificadas pela sociedade H... .
Os Imóveis são adquiridos com vista à posterior revenda. Os inventários são registados inicialmente pelo seu custo que inclui o seu preço de compra e outros custos incorridos para colocar os inventários na sua atual condição que se traduzem no preço de aquisição, no IMT e no imposto de Selo. Verificou-se, também, que são imputados aos inventários gastos com a realização de pequenas obras de reparação.
No decurso do exercício de 2016, o sujeito passivou alienou 165 Imóveis, pelo montante global de €11.569.600,00.
Da análise efetuada aos elementos contabilísticos não se delataram irregularidades quer no registo dos ativos quer no registo dos ganhos obtidos.
Como já foi anteriormente referido a atividade o sujeito passivo tem como objeto principal a compra e venda de imóveis. Para a dimensão das operações realizadas, nomeadamente as realizadas no exercício de 2012, ao nível das aquisições de imóveis, o sujeito passivo não dispunha dos suficientes meios financeiros, motivo pelo qual a então empresa-mãe C... SARL concedeu financiamentos no montante global de € 15.866.543,06. Tais financiamentos foram concedidos de forma faseada:
- em 2012/05/08, financiamento no montante de € 7.596.774.08 (a seguir identificado como Emp. 1);
- em 2012/10/03, financiamento no valor de € 6.269.769,00 (a seguir identificado como Emp. 2);
- em 2012/11/19, financiamento no valor de € 2.000 000,00 (a seguir identificado como Emp. 3).
Refere-se, ainda, que todos os contratos de financiamento prevêem que os Juros são calculados dia-a-dia, numa base de 360 dias (vd. Anexo 1). Pese embora não esteja expressamente prevista a taxa de juro aplicável, verifica-se que o sujeito passivo considerou contabilisticamente, até 2015/09/30, em todos os financiamentos, a aplicação de uma taxa de Juro anual de 12%. Em 2015/10/01, a casa-mãe enviou uma comunicação dirigida à sociedade A... a informar que a partir dessa data deve ser aplicada a taxa de juro de 9% aos suprimentos, (vd. Anexo Z)
Face a esta comunicação, o sujeito passivo optou por repercutir fiscalmente a taxa de 9% a todo o exercício de 2015, ou seja, inscreveu no campo 744 do quadro 07 da respetiva modelo 22, o valor de € 203.228,84 resultante do diferencial entre as taxas de 12% e 9% como a seguir se retrata:
Nestes termos, verifica-se que, fiscalmente, o sujeito passivo considera serem dedutíveis os gastos de financiamento obtidos com a aplicação da taxa anual da 9% a todos os seus financiamentos.
Face à relevância desta temática, procedeu-se à análise do seu enquadramento fiscal, encontrando-se as conclusões descritas no ponto seguinte no presente relatório.
III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
Da análise documental verificou-se que o sujeito passivo contraiu financiamentos junto do sócio (detentor da totalidade do capital social), que a seguir se detalham:
Analisaram-se os contratos de financiamento celebrados entre a A... e a C..., S.A.R.L. que suportam os gastos financeiros registados na conta 6911 - Juros de Financiamentos obtidos (todos os contratos apresentados foram redigidos em língua estrangeira). Da análise aos mencionados contratos verifica-se que as cláusulas contratuais estabelecidas são, genericamente, idênticas entre os contratos, designadamente, no respeita ao acordo de o capital e os juros serem reembolsados na maturidade do empréstimo.
Constatou-se, ainda, que existiram reembolsos antecipados parciais que a seguir se detalham:
Em 2015/09/30, o acionista único decidiu converter parcialmente suprimentos em prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares nos seguintes termos:
Os gastos financeiros relativos a juros a pagar ao detentor do capital social da sociedade por suprimentos encontram-se registados na conta 6911 - Juros de financiamentos obtidos (vd. Anexo 3).
A contabilização na conta de gastos (a débito) ocorreu por contrapartida da conta 2531 - Empresa-mãe -Suprimentos e outros mútuos (a crédito) pois apesar de não ter sido emitida qualquer nota de débito por parte do sócio, atendendo ao princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º do CIRC, a A... tem vindo a calcular os juros, registando o respetivo valor em gastos do período por contrapartida desta conta.
III.1.1 - ENQUADRAMENTO LEGAL DOS GASTOS FINANCEIROS RESULTANTES DE JUROS DE SUPRIMENTOS
Conforme o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23º do CIRC, consideram-se gastos do período os que comprovadamente sejam incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, nomeadamente os de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios.
Ora, de acordo com a informação recolhida no decurso da ação inspetiva. os suprimentos realizados em 2012 pelo sacio tiveram como propósito dotar a sociedade de meios financeiros para poder adquirir imóveis. Relativamente às aquisições de imóveis, verificou-se que foram realizadas por diferentes vias:
- duas importantes carteiras de imóveis adquiridas através de escrituras celebradas com a I..., que ocorreram em 10 de maio e em 13 de setembro de 2012, no valor global de € 13.090.820,24 (€ 8.821.023,77 + € 6.269.798,47), celebradas ao abrigo de duas operações designadas de "E... 1" e "E... 2";
- aquisição de imóveis via dação em pagamento. Esta forma é utilizada tendo também como interveniente a sociedade G..., SA, cujos financiamentos titularizados são liquidados pelos devedores junto da G... . Ou seja, dado que 3 sociedade G..., como sociedade de titularização de créditos, não pode ler imóveis em carteira, os mesmos foram entregues pelos respetivos proprietários à A..., que fica obrigada a proceder ao pagamento do preço de compra perante a G..., mas apenas na data em que o imóvel for vendido pela A... (a aquisição de créditos pela sociedade G... é uma operação relacionada com as operações E... 1" e "E... 2*).
Tal como já fel referido neste relatório, o sujeito passivo não tem uma estrutura empresarial e, de facto, o seu capital social não é por si suficiente para a realização da atividade desenvolvida.
Assim se conclui que os financiamentos realizados dotaram efetivamente a empresa de meios financeiros por forma a se apresentar mais sólida e abrangente no mercado em que opera.
Pelo referido, os juros resultantes dos suprimentos efetuados serão de aceitar, de um modo geral, para efeitos fiscais de acordo com o já mencionado artigo 23º do CIRC.
No entanto, dispõe a alínea m) do n.º 1 do artigo 23.º A do CIRC que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos com "juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelo sócio à sociedade, na parte em que excedam a taxa de definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, salvo no caso de se aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º".
Assim importa, então, analisar o enquadramento da situação concreta à luz do Princípio de Plena Concorrência e dos Preços de Transferência, previsto no artigo 63.º do CIRC atendendo a que se trata de financiamentos concedidos pelo único sócio C..., S.A.R.L. (C...) à sociedade A... .
III.1.2 - ENQUADRAMENTO LEGAL DO PRINCÍPIO DA PLENA CONCORRÊNCIA E DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA NAS OPERAÇÕES VINCULADAS
O Princípio de Plena Concorrência, consagrado no ordenamento jurídico nacional no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC define que "nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis" (sublinhado nosso).
Para determinar quais os termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, refere ú n.º 2 do mesmo artigo que "o sujeito passivo deve adotar(...) o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência da relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco."
Para tal, deverá o sujeito passivo eleger um dos métodos referidos no n.º 3 do artigo 63º do CIRC, que se encontram mais detalhados na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, a qual veio regular os preços de transferência nas operações efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade.
Deverá ainda o sujeito passivo, de acordo com o n.º 6 do artigo 63º do CIRC, "manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130º, a documentação respeitante a política adotada em matéria de preços de transferência, incluindo as diretrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros atos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos tens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os ciados setoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a seleção do método ou métodos utilizados".
1.1.3 - SUBORDINAÇÃO DOS SUPRIMENTOS REALIZADOS (OPERAÇÃO VINCULADA) ÀS REGRAS DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
Conforme já referido, para aplicação das regras» de preços de transferência, é necessário que o sujeito passivo realize operações com uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, devendo então, certificar-se de que estão a ser contratados e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente o seriam entre entidades independentes em operações comparáveis.
Importa assim saber qual a definição legal de relações especiais e se esta se aplica ao caso em análise, Isto é, aos suprimentos realizados pelo detentora do capital social da A... em 2012.
Define o n.º 4 do artigo 63.º do CIRC que "existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital ou dos direitos de voto, (...)
b) (...)
c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes: (...)
Relativamente ao estipulado, e considerando que o capital social da A... era detido na totalidade pela C..., S.A.R.L., entidade sedeada no Luxemburgo, podemos concluir se enquadra na alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC. Pese embora no exercício em análise tenha ocorrido uma alteração no detentor do capital social do sujeito passivo, passando a ser detido na íntegra pela sociedade E... S.A.R.L., o acionista único ao adquirir suprimentos em questão tem o poder de exercer influência significativa nas decisões de gestão da empresa existindo relações especiais entre as duas entidades. Como retrato do exercício deste poder tem-se, por exemplo, a comunicação enviada a A... a alterar a taxa de juro para 9%.
Pelo exposto, somos de concluir que o caso em apreço - a realização de suprimentos pelo sócio à sociedade - é uma operação vinculada, nos termos do n.º 4 do artigo 63º do CIRC e da alínea b) do n.º 3 do artigo 1* da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, estando, no exercido de 2015, sujeito à observância do Princípio de Plena Concorrência, já referido.
Face ao volume de negócios, o sujeito passivo deve proceder à elaboração do dossier de preços de transferência, nos termos do estipulado no artigo 13.º da mencionada Portaria a que se refere o n.º 6 do artigo 63º do CIRC, para o exercício de 2015. Apesar de ter sido solicitado, o sujeito passivo não apresentou o dossier de preços de transferência, não existindo, por isso, evidência que é dado cumprimento a este normativo fiscal.
Da análise documental aos valores assumidos em gastos do exercício verificou-se que não existe, na contabilidade, qualquer documentação que demonstre a taxa de juro assumida contratualmente, não existindo evidência dos pressupostos Inerentes à fórmula de cálculo da taxa de juro praticada no exercício de 2015, apenas existe uma comunicação do representante do detentor do capital social do sujeito passivo a informar que deve ser considerada a taxa de Juro de 9% aos suprimentos.
Apesar de não ter sido apresentado o dossier dos preços de transferência, a Autoridade Tributária dispõe de um relatório elaborado pelo sujeito passivo para enquadrar em matéria de preços de transferência a taxa de juro considerada aquando da contratualizam dos financiamentos.
Assim sendo, à presente data, estes serviços de inspeção, para documentar a taxa de juro praticada, apenas dispõem de um relatório elaborado em Maio de 2013 com a designação A..., S.A. - Transfer Pricing - Report of economic analysis of the financial transactions (FY2012)" que se consta em anexo (vd. Anexo 4) ao presente relatório.
Este documento foi considerado pertinente para a análise da presente temática dado que a contratualização dos financiamentos ocorreu no decurso do exercício de 2012, sendo por isso, este o exercício a considerar para efeitos de análise dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes.
Ora sobre o referido documento retiraram-se as seguintes conclusões:
- Expressamente é assumido que os suprimentos visaram dotar o sujeito passivo de meios financeiros para dar início ao exercício da sua atividade no mercado português, de modo a constituir uma carteira inicial de ativos para ser capitalizada e gerar rendimento.
- Para a análise desta temática foi efetuado um estudo, no mercado ibérico, para obter empresas com características similares às da A..., designadamente quanto à natureza atividade desenvolvida, riscos e ativos assumidos no exercício da sua atividade, por forma a que seja possível comparar os dados financeiros obtidos pela A... com os obtidos por essas empresas.
- O mencionado estudo foi efetuado com recurso à base de dados "Bureau Van Dijk SABI" que acolhe informação sobre mais de um milhão de empresas portuguesas e espanholas. Em resultado de tal pesquisa, obtiveram-se 10 empresas (9 portuguesas e 1 espanhola) como entidades comparáveis com a A..., que o sujeito passivo considera que desempenham uma atividade idêntica à sua e que assumem riscos semelhantes aos que estão associados à atividade imobiliária.
O recurso a rácios financeiros permite comparar o desempenho da atividade desenvolvida por uma empresas com o obtida por outras empresas do mesmo sector de atividade. Este rácio é muito utilizado na análise da estrutura financeira de empresas, principalmente pelas instituições financeiras que concedem crédito, dado que permite avaliar a capacidade de uma empresa pagar os empréstimos que contrai.
O rácio Debt to Equity é um rácio financeiro que compara o passivo total de uma empresa com o seu património líquido total. A relação dívida / património é um indicador do grau de financiamento de uma empresa que permite avaliar o seu grau de alavancagem financeira (que se traduz no uso de ativos ou recursos com encargos financeiros fixos para aumentar os efeitos de variações do lucro antes de juros e imposto, ou seja, para aumentar o retorno dos acionistas da empresa). Este rácio contribui também como indicador do grande risco a que a empresa está submetida.
Para a finalidade desta análise, a A... apresentou o cálculo do referido rácio para as entidades que considera comparáveis. Concluiu, então, para essas 10 entidades que o rácio Debito Equity apresentava as seguintes caraterísticas:
Para o exercício de 2012, o sujeito passivo argumentou que, para si, o rácio Debit to Equity apresentava o valor de 12,1 pelo que, tendo em conta as entidades comparáveis, enquadra-se entre o quartil superior e o máximo, estando por isso em linha com os padrões de mercado, conforme o descrito no relatório apresentado com a designação "A... S.A. - Transfer Pricing - Report of economic analysis of the financial transactions (FY2012)
- Pese embora tenham sido apresentadas entidades comparáveis, não foi identificada nenhuma operação comparável com as que foram realizadas pela A... . O sujeito passivo refere, então, que para efeitos de aplicação do método do preço comparável de mercado (previsto na legislação portuguesa em matéria dos preços de transferência) recorreu à base de dados ... Banker que agrega uma vasta informação sobre transações financeiras. No entanto, salienta que embora possa ser possível comparar as taxas de empréstimos entre empresas com as taxas de juro fornecidas pelos bancos, esses dados não contêm detalhes sobre as características inerentes às operações subjacentes, não permitindo por isso, a seleção de operações especificamente comparáveis.
Para sanar esta limitação, o sujeito passivo alega que no mercado obrigacionista os títulos são negociados com frequência estando, por isso, as bases de dados constantemente atualizadas com informação sobre o rendimento de títulos com diferentes termos e condições. Por estas razões, entende a A... que o recurso a dados do mercado obrigacionista permite a identificação de operações com as características idênticas aos contratos de suprimentos em análise (veja-se página 9 do estudo apresentado pelo sujeito passivo).
- Nesta sequência, o sujeito passivo considerou as suas operações de financiamento como instrumentos de dívida subordinada (obrigações subordinadas são títulos de dívida abrangidos por uma cláusula de subordinação, i.e., no caso de falência da entidade emissora, apenas são reembolsados após os demais credores por dívida não subordinada), com um nível de risco elevado.
- Como justificação para a taxa de juro contratada, apresenta um conjunto final de 12 operações que considera como comparáveis. De modo a demonstrar que a laxa de juro praticada está em linha com o intervalo de mercado obtido com as taxas de juro estabelecidas nas operações selecionadas como comparáveis, apresenta o seguinte quadro com o intervalo de plena concorrência (Anexo 5)
Ora, e de acordo com o intervalo de mercado obtido da análise aos dados selecionados pelo sujeito passivo, verifica-se que 50% dos financiamentos nas operações seccionadas como comparáveis têm taxa de juro até 10,38%, 75% até 12,00%.
Analisando o documento anexado com as operações tidas como comparáveis pelo sujeito passivo, verifica-se que todas as operações têm taxas de juro respeitantes a operações que se caraterizam a investimentos especulativos e a instrumentos de dívida subordinada.
Face ao descrito, cabe, agora, tecer algumas considerações sobre o documento apresentado:
- Os financiamentos provenientes do detentor do capital social da A... visaram dotar a sociedade de meios financeiros para adquirir património imobiliário. Efetivamente comprovou-se a utilização dos fundos obtidos nesse objetivo.
- Verificou-se que os financiamentos permitiram a aquisição de imóveis, na sua maior parte, ao I... . O valor de transação dos imóveis adquiridos não assume a característica de ter intrínseco um valor especulativo, não existindo por isso aquisições com valores acima do valor de mercado dos bens (pelo contrário em alguns casos estão abaixo do valor de mercado).
- Pelo exposto, retira-se que a aplicação dos fundos obtidos tem um risco inerente reduzido pelo facto de ser aplicado em património imobiliário e pelo facto de este ser adquirido por preços mais baixos (valores abaixo do valor de mercado).
- Para enquadrar a taxa de juro assumida, o sujeito passivo apresentou um intervalo de taxas que emerge de operações de dívida subordinada, consequentemente operações com um risco elevado e com ausência de garantia, e de entidades com áreas de negócio distintas (designadamente financiamentos concedidos a empresas da área financeira que nestes exercícios encontravam-se fortemente pressionados pela crise no sistema bancário), todas localizadas fora de Portugal, (vd. Anexo 5)
- Para a Autoridade Tributária não é plausível a comparação/justificação a dívida subordinada efetuada pelo sujeito passivo dado que se baseia em créditos que têm um nível de risco elevado. As operações em comparação, apresentadas pelo sujeito passivo, não envolvem nem funções, nem ativos e nem riscos similares. Nestes termos, as operações que o sujeito passivo considera como comparáveis não são corroboradas pela AT uma vez que as situações identificadas têm caraterísticas que influenciam fortemente a comparabilidade das operações.
- Sobre esta questão refere-se que empresas com mais ativos deste tipo têm maior facilidade de obtenção de crédito uma vez que estes mesmos ativos colateralizam a própria dívida. Estudos académicos realizados, sobre o mercado de financeiro, concluem que as empresas com mais ativos tangíveis tendem a ter maior nível de endividamento, os investidores preferem financiar empresas com uma proporção maior de ativos tangíveis no seu balanço (colateral), inclusivamente, consideram a tangibilidade como fator indispensável e estando este diretamente relacionado com a dívida.
Quer isto dizer que a tangibilidade dos ativos reduz o risco do financiamento para os investidores na medida em que servem de garantia em caso de incumprimento.
- Da análise das taxas de juro praticadas em operações tidas pelo sujeito passivo como comparáveis, verifica-se que estas têm subjacentes apenas obrigações subordinadas, quanto ao nível de segurança da operação de financiamento. As obrigações abrangidas por uma cláusula de subordinação retratam que, no caso de falência ou liquidação da entidade emitente, estas apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo, todavia, prioridade sobre os acionistas.
Ora face ao descrito, não nos parece plausível a comparação/justificação efetuada pelo sujeito passivo dado que se fundamenta em créditos que têm um nível de risco elevado. Não é de aceitar que, se as operações financeiras em análise, fossem realizadas entre entidades independentes teriam um enquadramento igual ao das obrigações subordinadas, quer a nível do risco inerente à operação quer no caso de falência, serem só reembolsadas após os demais credores.
Os financiamentos em questão visaram a aquisição de imóveis, por valores abaixo e/ou de acordo com os valores de mercado, o que implica que estes estão protegidos com a existência de uma garantia real, facto que permite baixar significativamente o custo do capital.
Deste modo, entende-se que as operações em comparação, apresentadas pelo sujeito passivo, não envolvem nem funções, nem ativos e nem riscos similares.
Conclui-se, portanto, que as operações têm características económicas e financeiras distintas, não sendo por isso operações consideradas como mais apropriadas para fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados, numa situação de plena concorrência, ou seja, contratados entre entidades independentes.
III.1.4 - SELEÇÃO DO MÉTODO MAIS ADEQUADO DE DETERMINAÇÃO DO PREÇO DE TRANSFERÊNCIA DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 63.º do Código do IRC, bem como no n.º 1 do artigo 4º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro, o sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que normalmente seriam acordados, aceites ou praticados entre entidade independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações.
Segundo o n.º 2 do artigo 4º da referida Portaria, considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados numa situação de plena concorrência devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de Informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.
O Código do IRC e a referida Portaria enumeram os métodos a utilizar, em linha com as orientações do Relatório da OCDE, que se agrupam numa de duas tipologias, a saber:
-
Métodos Tradicionais ou Métodos Baseados nas Operações (Traditional Transactional Methods);
-
Métodos Baseados no Lucro das Operações (Transactional Profil Methods).
São identificados no n.º 3 do artigo 63.º do Código do IRC e no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria, os seguintes métodos baseados nas operações:
- Método do Preço Comparável de Mercado;
- Método do Preço de Revenda Minorado;
- Método do Custo Majorado;
e, ainda, os seguintes métodos baseados no lucro das operações:
- Método do Fracionamento do Lucro;
- Método da Margem Líquida da Operação.
Em conformidade com as mais recentes Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência (vide § 2.1 e seguintes das Guidelines) a seleção de um destes métodos para a avaliação da conformidade de uma operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência visa encontrar o método mais apropriado para cada caso específico.
Neste sentido, e considerando o disposto no § 2.3. daquelas Orientações, os métodos baseados nas operações são vistos como os métodos mais diretos de estabelecer se as condições praticadas no âmbito de uma operação vinculada são de plena concorrência
Mais ainda, desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o Método do Preço Comparável de Mercado constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do Princípio de Plena Concorrência, devendo-lhe ser dada preferência sobre todos os demais.
De acordo com o n.º 2 do artigo 6.º da Portaria, este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes condições:
"a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares (comparáveis internos)";
"b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares" (comparáveis externos).
O Método do Preço Comparável de Mercado
O Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM) consiste em comparar o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação vinculada com o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação comparável não vinculada.
Este método pode ser utilizado, designadamente, quando o sujeito passivo em análise ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo, realiza uma operação da mesma natureza, que tenha por objeto um serviço idêntico, com uma entidade independente. Desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o MPCM constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do princípio de plena concorrência. Por consequência, neste caso deve ser dada preferência a este método sobre todos os demais.
De Igual forma o n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001 refere que "a adução do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes", o que significa que, podendo ser aplicado, satisfaz a condição prevista no n.º 2 do artigo 4.º da mesma portaria sendo por isso considerado o método mais apropriado.
O Método do Preço Comparável de Mercado assume-se, assim, como o método mais adequado a aplicar, sendo que a sua preferência em relação aos demais métodos advém do facto de constituir a forma mais direta de determinar se as condições acordadas entre entidades relacionadas, são condições de Plena Concorrência.
Deste modo, uma vez que, conforme se verá, se encontram reunidas as condições de aplicação deste método à operação financeira em análise, encontra-se perfeitamente justificada a escolha deste método em detrimento dos demais.
Rejeição do Método do Preço de Revenda Minorado
O Método do Preço de Revenda Minorado tem como base o preço de revenda praticado pelo Sujeito Passivo numa operação comparável realizada com uma entidade independente, tendo por objeto um produto adquirido a uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, ao qual é subtraída a margem de lucro bruto praticada por uma terceira entidade numa operação comparável (Cfr. artigo 7.º da Portaria).
Este método é especialmente recomendado para atividades de distribuição (Cfr. parágrafo 2.14. a 2.31. do Relatório da OCDE 1995). Assim, uma vez que as operações em análise não se enquadram como atividades de distribuição, rejeitamos a utilização deste método.
Rejeição do Método do Custo Majorado
O Método do Custo Majorado tem como base o montante dos custos suportados por um fornecedor de um produto ou serviço fornecido numa operação vinculada, ao qual é adicionada a margem de lucro bruto praticada numa operação não vinculada comparável (cfr. artigo 6.º da Portaria).
A utilização deste método é recomendada pela OCDE essencialmente no caso de vendas de produtos semiacabados entre empresas associadas, no quadro de acordos celebrados entre empresas associadas com vista à usufruição em comum de equipamentos ou ao aprovisionamento a longo prazo, ou quando a operação vinculada consiste na prestação de serviços (cfr. parágrafo 2.32. do Relatório da OCDE de 1995). Assim, atendendo à operação controvertida, rejeitamos a utilização deste método.
Rejeição dos métodos não tradicionais
Os vulgarmente designados métodos não tradicionais (método do fracionamento do lucro e método da margem líquida da operação) apenas serão suscetíveis de utilização quando os métodos tradicionais (método do preço comparável de mercado, método do preço de revenda minorado e método do custo majorado) não possam ser aplicados (cfr, alínea b) in fins do n.º 1 do artigo 4.º da Portaria). Face a tudo o que foi exposto, o método do preço comparável de mercado revela-se o mais apropriado à situação em apreço, em conformidade com o previsto no n º 2 do artigo 4.º da Portaria, pelo que seria o utilizado na pesquisa de condições que seriam praticadas entre entidades independentes em operações similares às ora analisadas.
- Pesquisa de uma operação comparável
O Método do Preço Comparável de Mercado pode ser utilizado comparando as condições ocorridas numa operação vinculada com as condições praticadas numa operação realizada com uma entidade independente.
De acordo com o n.º 3 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas
Ora, para o caso em apreço, efetuou-se, relativamente ao exercício de 2012 (ano de obtenção dos financiamentos), uma análise:
- às taxas de juro divulgadas mensalmente pelo Banco Central Europeu (BCE) - MR Interest Rates, respeitantes a financiamentos, superiores € 1.000.000,00. a entidades não financeiras, verificando-se que:
• relativamente a maio de 2012, as taxas não ultrapassam a taxa de 4,5%;
• em outubro de 2012, não ultrapassam 4% e em novembro, do mesmo ano, continua patente a diminuição das taxas de juro.
- à informação estatística divulgada pelo Banco de Portugal, relativa às taxas de juro sobre novas operações de empréstimos concedidos a sociedades não financeiras, constatando-se que relativamente a maio e outubro de 2012, as taxas praticadas (médias ponderadas) não ultrapassam 5,5%;
- a nota de informação estatística reportada às taxas de juro relativas a 2012, divulgada pelo Banco de Portugal, onde se refere que as taxas da juro de novos empréstimos registaram uma tendência de descida,... Em dezembro de 2012, as taxas da juro médias da novos empréstimos concedidos a particulares e a sociedades não financeiras fixaram-se, respetivamente, em 6,17 por cento e 5,69 por cento..."
Conforme se verifica a remuneração dos financiamentos do sujeito passivo estão a ser remunerados a taxas superiores às constantes da informação estatística atrás descrita.
Neste âmbito, entende-se por empréstimo comparável ou similar, será necessário atender a fatores, tais como o montante e a duração do empréstimo, a sua natureza ou o seu objetivo, a divisa em que se encontra especificado, e a situação financeira do mutuário.
Ora, constatando-se que as operações apresentadas pelo sujeito passivo não são comparáveis com as operações de financiamento por este obtidas e por não se conseguir obter no mercado uma operação exatamente idêntica, que permita conhecer os termos e condições que normalmente seriam acordados, aceites ou praticados entre entidade independentes, tal como refere o sujeito passivo, considera-se que tem mais elevado grau de comparabilidade a informação financeira relativa às empresas que o próprio sujeito passivo identifica como sendo comparáveis ao seu negócio (9 empresas nacionais e 1 empresa espanhola). Na realidade, se o próprio sujeito passivo considera este universo como comparável para aferir o seu nível de risco (Debt/Equity) (vd. Anexo 6) a Autoridade Tributária aceita que este mesmo universo apresente um maior grau de comparabilidade face à escassez de outras operações comparáveis.
Neste contexto, evoca-se as orientações das Guidelines da OCDE em matéria de preços de transferência (vistas como um elemento técnico-doutrinal importante quando se analisam preços de transferência), designadamente os seguintes parágrafos:
§ 3.56 - Estabelece que sempre que seja possível concluir que uma operação tomada como comparável apresenta um menor grau de comparabilidade que as restantes, esta deve ser excluída. Recomendação a ter em consideração no que respeita às fragilidades evidenciadas nos estudos apresentados pelo sujeito passivo, anteriormente relatadas, relativamente ao exercício em que foram contratados os financiamentos.
As operações apresentadas pelo sujeito passivo com taxas elevadas, com referência ao exercício de 2012, referem-se a empresas com atividade no setor financeiro (sector que nos anos em análise se encontrava sobre forte pressão).
§ 3.57 – A interpretação deste parágrafo permite referir que sempre que o estudo de comparabilidade apresente limitações, a utilização de medidas estatísticas, limitando a amplitude do intervalo, poderá fomentar a fiabilidade da análise.
§ 3.62 – Refere que quando persistam alguns defeitos de comparabilidade da amostra devem utilizar-se medidas de tendência central como a mediana, a média ou a média ponderada, a fim de minimizar os riscos de erro provocado por defeitos de comparabilidade.
Perante as dificuldades em encontrar operações comparáveis e, pelo facto de as operações identificadas pelo sujeito passivo apresentarem fragilidades que afetam a comparabilidade com as operações de financiamento obtidas junto do seu detentor de capital, a AT socorreu-se das recomendações da OCDE, recorrendo a medidas estatísticas (no caso em concreto, análise de taxas de juro implícitas em entidades consideradas pelo sujeito passivo como comparáveis a si).
Assim sendo, a informação financeira relativamente às empresas nacionais, informação esta recolhida e analisada pelo sujeito passivo, considerada por este suficientemente comparável para aferir o seu grau de endividamento para efeitos de localização no rácio Debt to Equity, constante no estudo "A..., S.A. - Transfer Pricing - Report of economic analysis of the financial transactions (FY2012), permitiu verificar que (vd. Anexo 7):
Do exposto no quadro anterior, verifica-se que os valores da taxa de juro implícita obtido nas empresas J..., Lda e K..., SA caraterizam-se por serem um outliers dado que apresentam um grande afastamento dos demais valores. Estatisticamente a existência de outliers implica prejuízo na interpretação dos resultados dos testes estatísticos aplicados às amostras pelo que não devem ser tidos em consideração na análise.
Desconsiderando os outliers, verifica-se que a média das taxas de juro implícita nos financiamentos que as empresas, identificadas pelo sujeito passivo como comparáveis, suportam é de 5,10% o que evidencia estar em consonância com a informação estatística divulgada pelo Banco de Portugal e, também, não se afasta das divulgações do Banco central Europeu Por outro lado, verifica-se que a taxa de juro considerada pelo sujeito passivo de 9% corresponde a 175% da taxa de juro suportada pelas empresas que a A... identifica como semelhantes.
No que respeita ao rácio Debt-to-Equity, a A... apurou o valor de 12,1, identificando-se, no mercado nacional, as empresas L..., SA, M... Lda K..., SA e N..., Lda com Idênticos desempenhos financeiros, ou seja, com capacidade para suportar financiamentos idêntica à da A... .
Nestes termos, desconsiderando o outlier registado com a empresa K..., verifica-se que as empresas L..., M... e N... são as empresas que apresentam o rácio debt-to-equity mais próximo do apurado pelo sujeito passivo, constatando-se, nestes casos, que a taxa de juro implícita varia entre 2,83% e 4,98%.
De tudo o que foi exposto até aqui, conclui-se que, apesar de ser fundamental que a realidade comparada e a comparável comunguem de idênticas características, ou no caso de essa comparabilidade ser parcial, que seja viável realizar os ajustamentos necessários em ordem a assegurá-la, o sujeito passivo recorre, apenas, a uma seleção de 12 operações do mercado obrigacionista (cujas entidades se localizam todas fora de Portugal) para justificar que a taxa de juro praticada se encontra em linha como praticado no mercado. Facilmente se constata que tal seleção de mercado obrigacionista não pode ser considerada comparável aos financiamentos obtidos pela A... pois para além de serem financiamentos com natureza diferente, também, não são conhecidas as operações subjacentes às taxas de Juro divulgadas, ou seja, desconhece-se, por exemplo, se os meios financeiros se destinam a financiamento de atividades de risco agravado ou de menor risco, se os devedores estão com boa ou má situação financeira, se dedicam apenas à comercialização de imóveis ou se dedicam a outras atividades. É importante que os "fatores de comparabilidade" incluam aspetos tais como as "caraterísticas dos bens e serviços, as funções desempenhadas pelas empresas (considerando-se nelas os ativos utilizados e riscos assumidos), a posição no mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de mercado adotada e outras caraterísticas relevantes das partes envolvidas na transação, no entanto, verifica-se que o sujeito passivo ignorou relevantes fatores de comparabilidade que têm influência na determinação da remuneração de mercado de empréstimos concedidos
Assim sendo, e não se identificando operações com mais elevado grau de comparabilidade, a AT opta nesta situação, por considerar, relativamente às operações comparáveis, relevante a informação respeitante às empresas nacionais identificadas pelo próprio sujeito passivo uma vez que traduz o ponto de equilíbrio de entre várias realidades do mercado onde o sujeito passivo opera e são empresas que de dedicam igualmente à comercialização de imóveis.
Nestes termos, de entre as 10 empresas identificadas pela A..., fiscalmente considera-se ser de expurgar a empresa espanhola por não retratar a realidade do mercado e da economia portuguesa (refletem as caraterísticas do mercado financeiro português) e, de entre as empresas nacionais, deve ser dada primazia àquelas que apresentam um rácio financeiro debt-to-equity em linha com o obtido pelo sujeito passivo. Face ao exposto, a AT considera como referência a taxa de juro de 4,98% por ser a taxa de juro implícita nos financiamentos obtidos pela empresa L.... SA, uma vez que é a empresa com o rácio financeiro mais próximo do obtido pela A... .
Face a tudo que já foi referido, somos de concluir que os comparáveis externos utilizados pelo sujeito passiva para justificar a conformidade da operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência não preenchem os requisitos impostos pela Portaria n.º 1446-C/2001, de 21/12, não proporcionando assim o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e outra(s) não vinculada(s) e, consequentemente, não satisfazendo o Princípio de Plena Concorrência. Pelo facto de não ter sido possível obter no mercado uma operação financeira, realizada entre entidades independentes, que possa ser utilizada como comparável para os termos e condições praticados e aceites pelo sujeito passivo optou-se por considerar como referência a taxa de juro de 4,98%.
Concluiu-se, então, que a taxa de juro assumida contratualmente pelo sujeito passivo manifesta uma forma de remunerar a detentora do seu capital social, uma vez que ultrapassa as taxas de remuneração, dos financiamentos, utilizadas pelas instituições financeiras monetárias em Portugal.
Assim, atendendo aos fundamentos aduzidos nos pontos anteriores, se as operações contratadas entre a A... e a C... tivessem sido celebradas entre entidades independentes, teriam sido contratados, aceites e praticados termos similares aos definidos no mercado financeiro, e a A... teria suportado uma taxa de financiamento inferior. Deste modo conclui-se que o seu lucro tributável encontra-se sub-quantificado, em resultado da contabilização de encargos financeiros excessivos, face aos que seriam exigíveis em condições de plena concorrência, verificando-se assim uma violação do Princípio de Plena Concorrência consagrado no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC.
III.1.5 - IMPACTO DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA NA DETERMINAÇÃO DO RESULTADO TRIBUTÁVEL
Face a todo o exposto, dever-se-á proceder ao cálculo do impacto da violação do Princípio de Plena Concorrência na determinação do lucro tributável da A..., considerando que tal transação, em condições de plena concorrência, e em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC, deveria envolver termos análogos, aos que seriam definidos entre entidades independentes em operações comparáveis, utilizando para o efeito uma taxa de remuneração similar às taxas de mercado atrás indicadas. Por conseguinte, considera-se que a taxa de juro de 4,98% é aplicável aos empréstimos de 2012 concedidos pela casa-mãe.
Deste modo, verificando-se que a taxa de juro aplicada pelo sujeito passivo para a remuneração dos empréstimos, de 9%, respetivamente para os financiamentos atrás mencionados no ponto III.1.1 do presente relatório, não consubstancia a taxa de mercado para o efeito e existindo uma taxa de referência para o exercício em análise, atrás exposta, verifica-se que não são aceites como custos fiscais os encargos (juros) correspondentes ao excedente na taxa de juro dos empréstimos, pelo que nos quadros abaixo estão retratados os juros considerados razoáveis e, por isso aceites, como custos fiscais em cada um dos empréstimos.
Nestes termos, considerando o disposto no artigo 3º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, que refere que "sempre que os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade não residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, deve aquele efetuar, na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 112.º do Código do IRC, uma correção positiva correspondente aos efeitos fiscais imputáveis àquele desvio, por forma que o lucro tributável não seja diferente do que se apuraria na ausência de relações especiais," e o disposto no n.º 1 do artigo 63 º do CIRC, deve ser acrescido ao resultado apurado, pelo sujeito passivo para o exercícios de 2015, do montante correspondente aos encargos não dedutíveis.
Este valor resulta da diferença entre os gastos financeiros registados contabilisticamente pelo sujeito passivo e os gastos financeiros considerados como correspondentes a operações realizadas entre entidades independentes, apurado como a seguir de detalha:
Análise dos encargos financeiros à luz do disposto no artigo 67.º do CIRC - Limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento
Relativamente aos gastos e perdas de financiamento, o sujeito passivo teve em consideração a nova redação do artigo 67.º do CIRC, introduzida pelo Orçamento do Estado para 2013, que introduziu regras de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento.
Segundo este normativo, os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à concorrência do maior dos seguintes limites:
• €1.000.000;
• 30% do resultado antes de depreciação, gastos de financiamento líquidos e impostos.
O Orçamento do Estado para 2013 fixa, ainda, um regime transitório aplicável entre 2013 e 2017, pelo que para este exercício deve ser considerado para efeitos da nova regra de limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento o limite de 50% resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos, normativo que foi respeitado pelo sujeito passivo.
Para o exercício de 2015, o limite a considerar para a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo é o estabelecido na alínea a) do mencionado preceito legal, isto é, € 1.000.000,00, o que conduz a que não seja necessário efetuar qualquer ajustamento no quadro 07 da respetiva modelo 22.
No entanto, relativamente à alínea b), permanece em vigor o regime transitório atrás referido.
Ou seja, o sujeito passivo registou contabilisticamente encargos financeiros no montante global €852,694,63 e face ao limite de dedutibilidade aplicável, no montante de € 1.000.000,00, não efetuou qualquer ajuste fiscal neste âmbito.
III.2. - CORREÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS
O sujeito passivo procedeu, ao preenchimento do quadro 09 da modelo 22 relativamente ao valor dos prejuízos fiscais considerados por si dedutíveis.
Ora atendendo a que ocorreu uma alteração à titularidade do capital social do sujeito passivo em mais de 50% e nos financiamentos o disposto no n.º 8 do artigo 52.º do CIRC, deixa de lhe ser aplicável o princípio da dedução de prejuízos previsto no n.º 1 do citado preceito legal.
Pese embora a A... tenha efetuado um requerimento nos termos do n.º 12 para que não lhe seja aplicada a limitação do n.º 8, ambos do referido artigo 52.º do CIRC, constatou-se que, por despacho de 2018/08/22, da Subdiretora-Geral do IRC, proferido por subdelegação, tal foi indeferido em virtude de não existirem razões económicas válidas que sustentem a alteração da titularidade do capital. Tal decisão foi dada a conhecer através do ofício n.º... de 2018/08/24.
Assim nestes termos, os prejuízos dedutíveis inscritos pelo sujeito passivo, no montante de €5.954.401,87, no campo 303 do quadro 09, devem ser corrigidos.
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Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2020..., relativa ao período de tributação de 2015, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Em 30-06-2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, que veio a ter o n.º ...2020... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A reclamação graciosa não foi decidida até 21-01-2021, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo e, nos pontos indicados, também com base nas afirmações das testemunhas D... e B... .
As testemunhas aparentaram depor com isenção estabelecimento comercial conhecimento dos factos dados como provados com base seus depoimentos.
3. Matéria de direito
Foram efectuados suprimentos à Requerente realizados pela detentora do seu capital social, sociedade C..., SARL (doravante “C...”), sendo fixada a taxa de juro de 12%.
A partir de 01-10-2015, a Requerente passou a ser detida integralmente pela E..., SARL (doravante “E...”) com sede no Luxemburgo, mantendo-se os suprimentos mas com aplicação da taxa de juros de 9%, que foi aplicada a todo o ano de 2015.
Na inspecção que realizou à Requerente, relativa ao exercício de 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou «os juros resultantes dos suprimentos efetuados serão de aceitar, de um modo geral, para efeitos fiscais», de acordo como o artigo 23.º do CIRC.
No artigo 23.º-A, n.º 1, alínea m) do CIRC, prevê-se uma limitação à dedutibilidade dos juros e outras formas de remuneração de suprimentos, «na parte em que excedam a taxa de definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, salvo no caso de se aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º».
Neste caso, existindo relações especiais entre as entidades intervenientes na operação (a Requerente e a C..., que efectuou os suprimentos e, depois, a E... que adquiriu a Requerente), à face do n º 4 do artigo 63.º do CIRC, a Autoridade Tributária e Aduaneira analisou a operação à face do regime dos preços de transferência, que se refere aquele artigo e a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.
Não há controvérsia sobre a existência dessas relações especiais e aplicação do regime dos preços de transferência, pelo que não é de equacionar a existência ou não de vícios relativos à aplicabilidade deste regime.
O artigo 63.º do CIRC, na redacção vigente em 2015, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 63.º
Preços de transferência
1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
2 - O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.
3 - Os métodos utilizados devem ser:
a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;
b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
No caso em apreço, tanto a Requerente como a Autoridade Tributária e Aduaneira entenderam que é de aplicar o método do preço comparável de mercado.
A Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Portaria n.º 1446-C/2001
Artigo 4.º
Determinação do método mais apropriado
1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:
a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;
b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.
3 - Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.
4 - Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.
5 - Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.
Artigo 5.º
Factores de comparabilidade
Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:
a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;
b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;
c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;
d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;
e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;
f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.
Artigo 6.º
Método do preço comparável de mercado
1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.
2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:
a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;
b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.
3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.
A Requerente não apresentou dossier de preços de transferência, mas apresentou um relatório elaborado pela empresa F... em 2013, que consta do documento n.º 6, relativo à determinação da taxa de juro, em 2012, em que se refere a existência de 10 empresas (9 portuguesas e 1 espanhola) como entidades comparáveis com a A..., que esta considerou que desempenhavam uma actividade idêntica à sua e que assumem riscos semelhantes aos que estão associados à actividade imobiliária.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, na inspecção que efectuou, não considerou adequada a comparação e justificação da taxa de juro de 12% fixada em 2012, pelo seguinte, em suma:
- a aplicação dos fundos obtidos tem um risco inerente reduzido pelo facto de ser aplicado em património imobiliário e pelo facto de este ser adquirido por preços mais baixos (valores abaixo do valor de mercado);
– para enquadrar a taxa de juro assumida, o sujeito passivo apresentou um intervalo de taxas que emerge de operações de dívida subordinada, consequentemente operações com um risco elevado e com ausência de garantia, e de entidades com áreas de negócio distintas (designadamente financiamentos concedidos a empresas da área financeira que nestes exercícios encontravam-se fortemente pressionados pela crise no sistema bancário), todas localizadas fora de Portugal;
– não é plausível a comparação/justificação a dívida subordinada efetuada pelo sujeito passivo dado que se baseia em créditos que têm um nível de risco elevado. As operações em comparação, apresentadas pelo sujeito passivo, não envolvem nem funções, nem ativos e nem riscos similares. Nestes termos, as operações que o sujeito passivo considera como comparáveis não são corroboradas pela AT uma vez que as situações identificadas têm caraterísticas que influenciam fortemente a comparabilidade das operações;
– empresas com mais ativos deste tipo têm maior facilidade de obtenção de crédito uma vez que estes mesmos ativos colateralizam a própria dívida;
– a tangibilidade dos ativos reduz o risco do financiamento para os investidores na medida em que servem de garantia em caso de incumprimento;
– da análise das taxas de juro praticadas em operações tidas pelo sujeito passivo como comparáveis, verifica-se que estas têm subjacentes apenas obrigações subordinadas, quanto ao nível de segurança da operação de financiamento. As obrigações abrangidas por uma cláusula de subordinação retratam que, no caso de falência ou liquidação da entidade emitente, estas apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo, todavia, prioridade sobre os acionistas;
– não parece plausível a comparação/justificação efetuada pelo sujeito passivo dado que se fundamenta em créditos que têm um nível de risco elevado. Não é de aceitar que, se as operações financeiras em análise, fossem realizadas entre entidades independentes teriam um enquadramento igual ao das obrigações subordinadas, quer a nível do risco inerente à operação quer no caso de falência, serem só reembolsadas após os demais credores;
– os financiamentos em questão visaram a aquisição de imóveis, por valores abaixo e/ou de acordo com os valores de mercado, o que implica que estes estão protegidos com a existência de uma garantia real, facto que permite baixar significativamente o custo do capital.
– deste modo, entende-se que as operações em comparação, apresentadas pelo sujeito passivo, não envolvem nem funções, nem ativos e nem riscos similares.
Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não aceitar a taxa de juro de 12% fixada em 2012 nem a de 9% que veio a ser aplicada ao ano de 2015 e decidiu aplicar o método do preço comparável de mercado, mas com pressupostos e em termos diferentes.
Na «pesquisa de uma operação comparável de mercado», a Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência a 2012, analisou:
- as taxas de juro divulgadas mensalmente pelo Banco Central Europeu (BCE) - MR Interest Rates, respeitantes a financiamentos, superiores € 1.000.000,00. a entidades não financeiras, verificando-se que:
• relativamente a maio de 2012, as taxas não ultrapassam a taxa de 4,5%;
• em outubro de 2012, não ultrapassam 4% e em novembro, do mesmo ano, continua patente a diminuição das taxas de juro.
- a informação estatística divulgada pelo Banco de Portugal, relativa às taxas de juro sobre novas operações de empréstimos concedidos a sociedades não financeiras, constatando-se que relativamente a maio e outubro de 2012, as taxas praticadas (médias ponderadas) não ultrapassam 5,5%;
- a nota de informação estatística reportada às taxas de juro relativas a 2012, divulgada pelo Banco de Portugal, onde se refere que as taxas da juro de novos empréstimos registaram uma tendência de descida, .... Em dezembro de 2012, as taxas de juro médias da novos empréstimos concedidos a particulares e a sociedades não financeiras fixaram-se, respetivamente, em 6,17 por cento e 5,69 por cento..."
Após essa análise, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que:
as operações apresentadas pelo sujeito passivo não são comparáveis com as operações de financiamento por este obtidas e por não se conseguir obter no mercado uma operação exatamente idêntica, que permita conhecer os termos e condições que normalmente seriam acordados, aceites ou praticados entre entidade independentes, tal como refere o sujeito passivo, considera-se que tem mais elevado grau de comparabilidade a informação financeira relativa às empresas que o próprio sujeito passivo identifica como sendo comparáveis ao seu negócio (9 empresas nacionais e 1 empresa espanhola). Na realidade, se o próprio sujeito passivo considera este universo como comparável para aferir o seu nível de risco (Debt/Equity) (vd. Anexo 6) a Autoridade Tributária aceita que este mesmo universo apresente um maior grau de comparabilidade face à escassez de outras operações comparáveis;
– perante as dificuldades em encontrar operações comparáveis e, pelo facto de as operações identificadas pelo sujeito passivo apresentarem fragilidades que afetam a comparabilidade com as operações de financiamento obtidas junto do seu detentor de capital, a AT socorreu-se das recomendações da OCDE, recorrendo a medidas estatísticas (no caso em concreto, análise de taxas de juro implícitas em entidades consideradas pelo sujeito passivo como comparáveis a si).
– considerada a informação financeira comparável, constante no estudo "A..., S.A. - Transfer Pricing - Report of economic analysis of the financial transactions, desconsiderando os valores da taxa de juro implícita obtido nas empresas J..., Lda e K..., SA que considerou serem outliers, por apresentarem um grande afastamento dos demais valores, verificou que a média das taxas de juro implícita nos financiamentos que as empresas, identificadas pelo sujeito passivo como comparáveis, suportam é de 5,10% o que evidencia estar em consonância com a informação estatística divulgada pelo Banco de Portugal e, também, não se afasta das divulgações do Banco Central Europeu;
No que respeita ao rácio Debt-to-Equity, desconsiderando o outlier registado com a empresa K..., verifica-se que as empresas L..., M... e N... são as empresas que apresentam o rácio debt-to-equity mais próximo do apurado pelo sujeito passivo, constatando-se, nestes casos, que a taxa de juro implícita varia entre 2,83% e 4,98%;
– não se identificando operações com mais elevado grau de comparabilidade, a AT opta nesta situação, por considerar, relativamente às operações comparáveis, relevante a informação respeitante às empresas nacionais identificadas pelo próprio sujeito passivo uma vez que traduz o ponto de equilíbrio de entre várias realidades do mercado onde o sujeito passivo opera e são empresas que de dedicam igualmente à comercialização de imóveis;
de entre as 10 empresas identificadas pela A..., fiscalmente considera-se ser de expurgar a empresa espanhola por não retratar a realidade do mercado e da economia portuguesa (refletem as caraterísticas do mercado financeiro português) e, de entre as empresas nacionais, deve ser dada primazia àquelas que apresentam um rácio financeiro debt-to-equity em linha com o obtido pelo sujeito passivo.
– face ao exposto, a AT considera como referência a taxa de juro de 4,98% por ser a taxa de juro implícita nos financiamentos obtidos pela empresa L... SA, uma vez que é a empresa com o rácio financeiro mais próximo do obtido pela A...;
– «pelo facto de não ter sido possível obter no mercado uma operação financeira, realizada entre entidades independentes, que possa ser utilizada como comparável para os termos e condições praticados e aceites pelo sujeito passivo optou-se por considerar como referência a taxa de juro de 4,98%».
3.1. A questão que é objecto do processo
Antes de mais, há que esclarecer que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].
Por isso, os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [1] )
Decorre deste objecto do processo arbitral, que não está em causa apreciar a actuação da Requerente (nomeadamente, saber se a Requerente devia utilizar o método que utilizou e o aplicou correctamente), mas sim apreciar se as correcções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira enfermam ou não dos vícios que lhe imputa a Requerente.
3.2. Apreciação da questão
A Requerente defende, em primeira linha, que:
– o Método do Preço Comparável de Mercado exige o maior grau de comparabilidade da operação realizada pelo Sujeito Passivo com o comparável ou comparáveis utilizados para determinar o preço de plena concorrência:
– no caso em apreço, apesar da solidez da informação constante da base de dados SABI, a informação disponibilizada por essa base de dados não incorpora elementos sobre as caraterísticas das dívidas contraídas pelas empresas, pelo que a informação constante desta base de dados não possibilita a avaliação da conformidade dos termos e condições praticados em operações de financiamento, pelo facto de não permitir identificar operações com caraterísticas semelhantes para poder garantir o “grau mais elevado de comparabilidade” proferido no n.º 1 do artigo 6.º da Portaria;
– nada sabe sobre as eventuais operações de financiamento subjacentes ao referencial que a AT elegeu como comparável (que a AT utilizou para apurar a taxa de juro média implícita, taxa esta que a AT utilizou para corrigir os suprimentos em análise), e que as mesmas podem eventualmente revestir características distintas dos suprimentos sob apreço.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, no presente processo, defende a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária.
Como decorre do n.º 3 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, «duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas».
Para utilização do método do preço comparável de mercado é necessário «o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes» (artigo 6.º, n.º 1, da Portaria).
Relativamente ao uso de comparáveis externos, a alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º daquela Portaria estabelece que o Método do Preço Comparável de Mercado pode ser utilizado, designadamente, «quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares».
No caso em apreço, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece expressamente no Relatório da Inspecção Tributária, a inviabilidade de encontrar operações com o maior grau de comparabilidade, dizendo:
– «não se identificando operações com mais elevado grau de comparabilidade, a AT opta nesta situação, por considerar, relativamente às operações comparáveis, relevante a informação respeitante às empresas nacionais identificadas pelo próprio sujeito passivo uma vez que traduz o ponto de equilíbrio de entre várias realidades do mercado onde o sujeito passivo opera e são empresas que de dedicam igualmente à comercialização de imóveis» e
– «a AT considera como referência a taxa de juro de 4,98% por ser a taxa de juro implícita nos financiamentos obtidos pela empresa L... SA, uma vez que é a empresa com o rácio financeiro mais próximo do obtido pela A...»;
– «pelo facto de não ter sido possível obter no mercado uma operação financeira, realizada entre entidades independentes, que possa ser utilizada como comparável para os termos e condições praticados e aceites pelo sujeito passivo optou-se por considerar como referência a taxa de juro de 4,98%».
Como se vê, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira chegou à conclusão de que não foi possível encontrar uma operação financeira que possa considerar-se comparável às efectuadas pela Requerente.
Ora, como estabelece o n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, «a adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes».
Por isso, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira concluído que não foram identificáveis operações com mais elevado grau de comparabilidade, desde logo falta o pressuposto essencial para aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado.
Por outro lado, como resulta do artigo 5.º daquela Portaria, em sintonia com o n.º 2 do artigo 63.º do CIRC, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, todas as circunstâncias susceptíveis de influenciar as operações.
No caso em apreço, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que, com o estudo apresentado pela Requerente, «não são conhecidas as operações subjacentes às taxas de juro divulgadas».
Assim, quanto aos financiamentos obtidos pela empresa L..., SA, cuja informação a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou para comparação, apenas se sabe «que é a empresa com o rácio financeiro mais próximo do obtido pela A...».
Mas, esse rácio Debt-to-Equity em valor semelhante ao que foi obtido pela Requerente, apenas pode indiciar que aquela empresa terá capacidade para obter financiamentos idêntica à da Requerente, mas não dá qualquer informação sobre as circunstâncias da operação ou operações de financiamento, que determinaram a taxa de juro implícita de 4,98%, que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu ser de utilizar para a correcção efectuada.
Designadamente, aquele rácio não permite saber quando foram contratados os financiamentos pela L..., SA (poderão ter sido contratados vários anos antes se se tratar de financiamento a longo prazo e o período analisado no estudo que consta do documento n.º 6 reporta-se ao período 2009-2011), nem possibilita apurar se se trata apenas da taxa de uma operação ou se se trata da taxa média de várias operações com taxas diferentes, realizadas no período abrangido pelo estudo, nem esclarece se se tratava ou não de empréstimos com a mesma duração, se tratava de empréstimos subordinados e sem garantias, qual a moeda ou moedas em que foram feitos os financiamentos ou se a taxa de juro era fixa ou variável.
Na verdade, como bem refere a Requerente, há vários factores não apurados que podem influenciar a fixação das taxas de juro:
– operações contratadas em datas diferentes implicam conjunturas de mercado distintas, que podem influenciar a negociação de taxas de juro;
– operações com maturidades diferentes, dependendo da expectativa de tendência da evolução dos mercados, podem implicar riscos diferentes para o credor de recuperar os fundos por si disponibilizados, assim como maior ou menor indisponibilidade de fundos, o que pode ter influência na remuneração das operações;
– moedas diferentes evoluem igualmente de forma distinta, pelo que a moeda de contratação em que as operações são estabelecidas pode ter implicações na assunção de possíveis riscos/perdas cambiais;
– as taxas variáveis irão evoluir de acordo com os indexantes de mercado enquanto as taxas fixas mantém-se imutáveis ao longo da maturidade das operações, e são contextos diferentes que implicam naturalmente uma assunção de riscos distintos por parte do credor, e, naturalmente, também remunerações diferenciadas no mercado;
– a ausência de prestação de garantias ou o carácter de subordinação das operações, produz efeitos na proteção do credor e, nessa medida, na sua perceção de risco (associado ao receio de o credor não ser reembolsado em caso de falência).
A existência de garantias de um empréstimo é um elemento que pode diminuir acentuadamente o risco que nele está inerente, para o credor e, consequentemente, justificar uma taxa de juro inferior à de um empréstimo semelhante, mas sem garantias. «Normalmente, no mercado aberto, a hipótese de aumento do risco também seria compensada por um aumento no retorno esperado, embora o retorno real possa ou não aumentar dependendo do grau em que os riscos são efetivamente realizados». ( [2] )
No caso de suprimentos não existe a preferência de pagamento que pode resultar de garantias, pois a sua subordinação aos restantes créditos é imposta por lei [artigo 258.º, n.º 3, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais e artigo 48.º, alínea g), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas] e, por isso, para considerar como comparáveis adequados a operação o operações realizadas pela empresa A L..., SA, teria de se demonstrar que se estava perante créditos com idêntica subordinação e idêntico risco para o financiador.
Por outro lado, como diz a Requerente, tendo ocorrido em 2015 uma alteração da taxa de juro dos suprimentos, a análise adequada para encontrar uma operação comparável deveria ser feita utilizando base dados que refletissem as condições de mercado vigentes em 2015, que não tinham de ser idênticas às que existiam em 2012, nem às que existiam no período de 2009 a 2011, a que se reporta o estudo utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Assim, em face do défice de informação sobre operações comparáveis, afigura-se, desde logo, que o Método do Preço Comparável de Mercado não seria o adequado, à face do preceituado no n.º 2 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, pois é manifesto que não existiam a «melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação», aí exigidas.
Por outro lado, constata-se que a análise efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira não teve em conta factores de comparabilidade exigidos pelo artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001, em sintonia com o artigo 63.º, n.º 2, do CIRC, factores esses de ponderação obrigatória para aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado, como a quantidade de operações e as suas características, designadamente a nível da duração dos financiamentos, moeda utilizada e tipo de taxa ou taxas utilizadas, o grau de protecção e riscos assumidos pelos credores, nem mesmo apurou qualquer factor de comparabilidade reportado ao ano de 2015, em que foi fixada a remuneração dos financiamentos obtidos pela Requerente.
Por isso, tem de se concluir que a correcção efectuada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, por errada aplicação do regime dos artigos 5.º, 6.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, que justifica a anulação da liquidação impugnada, bem como do indeferimento tácito da reclamação graciosa que a manteve.
3.3. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objecto do presente processo, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes questões colocadas.
4. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular liquidação adicional de IRC n.º 2020..., relativa ao ano de 2015, que efectuou acréscimo à matéria tributável da Requerente no montante de € 290.059,46;
-
Anular o indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2020... .
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 290.059,46, valor indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 04-03-2022
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Francisco Carvalho Furtado)
(Nuno Maldonado Sousa)
[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
- de 10-11-98, do Pleno, processo n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207;
- de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.
- de 09/10/2002, processo n.º 600/02.
- de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.
[2] Parágrafo 1.45 das TRANSFER PRICING GUIDELINES, da OCDE, revisão de 2010: «Usually, in the open market, the assumption of increased risk would also be compensated by an increase in the expected return, although the actual return may or may not increase depending on the degree to which the risks are actually realised».