Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 192/2013-T
Data da decisão: 2014-01-06  IRC  
Valor do pedido: € 105.348,16
Tema: Derrama Municipal
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 Processo n.º 192/2013-T

Decisão Arbitral

 

 

Requerente:

A …

 

Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (Ministério das Finanças)

 

I.         Relatório

 

1.        A, pessoa colectiva com o n.º … (doravante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”), com vista:

i)                    à declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação da derrama municipal do grupo fiscal da Requerente, relativa ao exercício de 2011, no montante € 105.348,16, com a sua consequente anulação nesta parte;

ii)                  ao reembolso à Requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal e

iii)                à condenação da Requerida ao ressarcimento à Requerente das despesas resultantes da lide.

Por entender que incorreu em erro de autoliquidação do imposto, em virtude das orientações proferidas no Ofício … da DS IRC, de 14 de Abril de 2008, que não se encontram concordante com a legislação em vigor.

 

2.        O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite em 29 de Julho de 2013 pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado por “CAAD”) como processo em fase de procedimento arbitral, tendo sido a AT notificada da apresentação do aludido pedido em 30 de Julho de 2013.

 

3.        No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou árbitros o Exmo. Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, o Exmo. Senhor Dr. António Rocha Mendes e o Exmo. Senhor Dr. Jorge Carita, o que foi notificado às partes em 12 de Setembro de 2013.

4.        De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RGAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído no dia 1 de Outubro de 2013.

5.        Quer a resposta da AT, quer o processo administrativo subjacente à liquidação de imposto em causa, foram juntos aos autos e notificados à Requerente e aos árbitros.

6.        A reunião com as partes, a que se refere o artigo 18.º, n.º 2, do RJAT, foi dispensada, atenta a repetição em anteriores processos das questões levantadas, e a não oposição das partes a essa dispensa, tendo o Tribunal, em face disso, comunicado às partes que a decisão final no processo seria proferida até ao dia 6 de Janeiro de 2014.

 

II.      Apreciação das Questões Prévias – Excepções Suscitadas pela Requerente

 

1.    A Requerida, na sua Resposta ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente, invoca algumas excepções que pelo facto de poderem obstar ao conhecimento do mérito do pedido, importa antecipadamente conhecer.

2.    Com efeito, trata-se de questões que se encontram sintetizadas nos artigos 79.º e 80.º da Resposta da Requerida e consistem no seguinte:

A) Ilegitimidade passiva da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira para estar em juízo como única demandada em matéria respeitante à Derrama Municipal, na medida em que este é um imposto co-administrado com os municípios.

B) Interesse em agir dos municípios neste litígio, porquanto, além de co-administradores do tributo, têm um interesse pessoal e directo no seu resultado, devendo qualquer decisão que seja proferida sobre o litígio fazer necessariamente caso julgado em relação a estes.

C) Possibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva através de um incidente de intervenção provocada, a apreciar pelo tribunal arbitral, questão que todavia estará dependente da apreciação da questão da não vinculação dos municípios à jurisdição do CAAD e, consequentemente, incompetência do Tribunal Arbitral para proferir decisão de mérito sobre a questão em litígio, porquanto esta não será apta a fazer caso julgado em relação aos municípios, o que terá consequências relevantes no caso de ser dado provimento ao pedido da Requerente, ficando esta impossibilitada de executar a decisão arbitral contra os municípios, por não ter quanto a eles a natureza de caso julgado.

D) Acautelando a possibilidade de o Tribunal Arbitral considerar verificada a sua legitimidade para proferir decisão de mérito, fica suscitado o incidente de intervenção provocada dos municípios.

3. Não colhem, porém, como se explicará, os presentes argumentos, já por diversas vezes invocados pela AT em processos referentes à tributação da Derrama Municipal, e ora novamente suscitados, todos reconduzidos in fine à questão da competência do presente Tribunal para apreciar e decidir a matéria, tendo vindo a ser unanimemente entendido ter o CAAD competência para proferir decisão de mérito sem necessidade de intervenção dos municípios.

4. E este, também, é o entendimento que este Tribunal sufraga.

 

Vejamos:

 

A.    Da incompetência do Tribunal Arbitral e ilegitimidade passiva da AT para estar em juízo como única demandada

 

Primeiro, apreciaremos a invocada excepção dilatória da incompetência do tribunal arbitral, dado que, se o tribunal arbitral for considerado incompetente, fica impedido de apreciar as demais excepções e incidentes. Devendo, deste modo, a decisão sobre esta excepção preceder o conhecimento de qualquer outra questão.

 

1.      A alegada incompetência do tribunal arbitral para apreciar a questão sub judice é fundamentada no facto dos municípios não se encontrarem submetidos à jurisdição arbitral, por falta de vinculação. Acresce que no caso da derrama são os municípios os sujeitos activos da relação jurídico tributária controvertida e não a AT.

2.      Ora, a Portaria n.º 112-A/2012, no seu artigo 1.º, estabelece que: “Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública: a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

3.      E o artigo 2.º da mesma Portaria dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.

4.      Resulta, assim, dos preceitos citados que a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo - a que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a suceder - ficam vinculadas à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida.

5.      Assim, coloca-se aqui uma outra questão cuja resposta se mostra premente, e que se prende em saber a quem incumbe a administração da Derrama Municipal.

6.      Ora, neste ponto, é irrefutável que é à AT que compete: i) fazer a administração do tributo (ainda que não disponha sobre o destino da sua receita), porquanto é essa entidade que compete conduzir todo o procedimento de liquidação e de cobrança da Derrama Municipal; e ii) confirmar os valores declarados e liquidados pelos sujeitos passivos, na declarações relevantes, emitir liquidações adicionais e/ou oficiosas, e também fiscalizar, através dos serviços de inspecção tributária e dos poderes que lhe são acometidos, o cumprimento das obrigações tributárias em sede deste imposto.

7.      Com pertinência para o caso, refira-se, também que é à AT que compete apreciar e exclusivamente decidir sobre reclamações graciosas interpostas pelos sujeitos passivos e os consequentes recursos hierárquicos e, bem assim, rever oficiosamente os actos de autoliquidação que hajam sido emanados com base em erro ou injustiça grave ou notória.

8.      Desta forma, não oferecem quaisquer dúvidas quanto à competência exclusiva da AT para a prática dos actos de administração da Derrama Municipal.

9.      Na verdade, a circunstância de estarmos perante um imposto administrado pela AT, não se confunde com a circunstância de os Municípios serem os beneficiários da receita da Derrama, revertendo para estes a receita deste imposto, aliás como sucede noutros impostos. Contudo, para determinar a legitimidade processual passiva é relevante a titularidade da competência para liquidar e cobrar o tributo – que cabe, no presente caso, à AT por aplicação dos números 9.º e 11.º do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais, e não o beneficiário da receita.

10.  Não procede, portanto, nesta parte, a tese da Requerida quanto à questão prévia suscitada, relativa à incompetência do Tribunal arbitral para se pronunciar sobre o pedido apresentado pela Requerente.

 

 

 

B.     Do interesse em agir dos municípios e da necessidade da sua intervenção provocada

 

1.      A Requerida sustenta que os Municípios são co-administradores da Derrama Municipal, o que, consequentemente, geraria uma situação de ilegitimidade passiva, pelo menos parcial, uma vez que também os Municípios deveriam ser, na sua óptica, igualmente, demandados.

2.      Porém, como já se deixou fundamentado e explanado supra, para apurar a legitimidade processual das partes intervenientes, não é necessário saber quem é o credor tributário da receita fiscal em apreço, mas sim a quem a lei atribui as competências para a liquidação e cobrança do tributo – o que, como concluímos supra, incumbe à AT.

3.      Repare-se no n.º 1 do artigo 9.º do CPPT que prevê o seguinte: “Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.” Dispondo, com semelhante importância, o n.º 4 do mesmo artigo que “têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.”

4.      A Requerida entende e pretende que se considere que os Municípios têm interesse pessoal e directo em agir, por aplicação do n.º 1 do artigo 26.ºdo Código de Processo Civil (“CPC”), que prescreve que “O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”, o que mostraria necessária a intervenção provocada dos mesmos.

5.      Ora, o n.º 1 do artigo 26.º do CPC não tem aplicação prática ao presente caso, dado que o disposto no artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) constitui norma especial sobre a legitimidade no processo judicial tributário e, portanto, afasta a aplicação daquele artigo 26.º do CPC, invocado pela Requerida.

6.      Assim sendo, competindo à AT, nos termos previstos na Lei, e como vimos, a administração efectiva da Derrama Municipal relativamente a todos os actos administrativos intermédios ou finais e detendo sobre estes competência decisória exclusiva, terá de se concluir que assistem a essa entidade os poderes para a representação da entidade credora em juízo arbitral quanto à legalidade de actos de liquidação ou de autoliquidação da Derrama Municipal.

7.      Não havendo disposição alguma que atribua legitimidade passiva aos Municípios, conclui-se pela legitimidade passiva, em exclusivo, da AT para estar em juízo no presente processo.

8.      E, deste modo, considerando-se que essa competência pertence exclusivamente à AT, entende-se prejudicada a apreciação prévia da intervenção principal provocada dos Municípios.

9.      Não colhem, portanto, os argumentos vertidos pela AT quanto à falta de legitimidade do Tribunal nem, tão pouco, quanto à necessidade de fazer intervir os Municípios na presente acção.

 

III.   Saneamento

 

Vistas as questões prévias, cumpre promover o Saneamento do Processo:

 

O Tribunal Arbitral é competente (artigo 2º, número 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).

O processo não contém nulidades ou incidentes processuais dos quais cumpra conhecer.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3.º, 6.º e 15.º do CPPT, ex vi artigo 29.º, número 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).

 

IV.   Matéria de Facto

 

Apresenta-se como matéria de facto provada e com relevância para a presente decisão:

 

1. A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais ("SGPS"), sendo, em 2011 a sociedade dominante de um Grupo de sociedades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 69.° a 71.º do Código do IRC.

2. Na qualidade de sociedade dominante, a Requerente submeteu, em 31 de Maio de 2012, a sua declaração de rendimentos Modelo 22 do Grupo relativa ao exercício de 2011.

3. A declaração de rendimentos Modelo 22 reflecte o apuramento do lucro tributável do Grupo no exercício de 2011, no montante de € 513.400,50, calculados nos termos do artigo 70.° do Código do IRC,

4. E, apresenta a título de Derrama, o valor para pagamento de € 112.946,49, o qual foi autoliquidado e entregue nos cofres do Estado.

5. A Requerente, no dia 11 de Janeiro de 2013, apresentou reclamação graciosa da autoliquidação da Derrama, peticionando a sua anulação parcial, em virtude de considerar que incorreu em erro na autoliquidação daquele imposto, dado que é seu entendimento que a Derrama deveria ter incidido sobre o lucro tributável do grupo, e não pelo lucro tributável de cada uma das empresas (individualmente) que compõem o grupo fiscal de que é sociedade dominante, como sufragado pela AT no Ofício n.º … de 2008-04-14 da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Entende, assim, a Requerente que a Derrama autoliquidada não respeita as regras previstas no artigo 14.º, número 1 da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro), de acordo com a redacção vigente no exercício de 2011.

6. Através de ofício de 6 de Maio de 2013 da Unidade dos Grande Contribuintes da Divisão de Gestão e Assistência Tributária, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, sendo que o único fundamento apresentado para o indeferimento do pedido, baseado em argumentos vertidos no citado Ofício, foi a discordância da questão substantiva.

7. Posteriormente, após o exercício do respectivo direito de audição por parte da Requerente, através de ofício de 20 de Junho de 2013, da Unidade dos Grandes Contribuintes, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, convertendo-se em definitivo o projecto de decisão antes notificado e sobre o qual a Requerente se havia pronunciado.

 

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

 

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

V.      Do Direito

 

A.    Da ilegalidade parcial da liquidação da Derrama municipal

 

1. A questão principal sub judice é a de determinar se o cálculo da Derrama Municipal devida por um agrupamento de sociedades, sujeito ao RETGS, quanto ao exercício de 2011, deverá incidir sobre o lucro consolidado do grupo, ou, e pelo contrário, deverá incidir sobre o lucro individual de cada uma das sociedades integrantes daquele.

2. Para apreciarmos devidamente a questão que nos ocupa, compulsemos as disposições legais mais relevantes.

3. O n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC (“CIRC”), na redacção vigente em 2011, dispunha que“1- Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.”

4. E o n.º 1 do artigo 64.º do mesmo diploma previa que: “Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

5. Já, a Lei das Finanças Locais, na redacção vigente em 2011, contemplava o artigo 14.º que dispunha que “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma Derrama, até ao limite de 1.5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território”.

6. Com particular significado, na última norma legal citada, encontramos a referência de que a Derrama Municipal será lançada “sobre o lucro tributável sujeito e não isento” de IRC. Ou seja, temos que o objecto de incidência do tributo em causa, não é apenas o “lucro tributável”, mas o “lucro tributável sujeito e não isento” de imposto, logo, a Derrama Municipal tinha como base de incidência o lucro tributável global do grupo e não aquele correspondente a cada sociedade individualmente considerada.

7. Efectivamente, apenas com a alteração legislativa concretizada com a entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei de Orçamento do Estado para 2012), a Derrama passou a conter uma norma própria de determinação do lucro tributável num conjunto como aquele em apreço.

8. Esta Lei de Orçamento do Estado para 2012 introduziu um aditamento ao artigo 14.º da LFL, estatuindo que “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a Derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.”

9. Assim, com esta alteração legislativa, e sempre que estejamos perante a aplicação do RETGS, a Derrama passou a incidir sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo. Afastou-se, assim, a regra geral prevista no CIRC, a qual tomava em consideração o lucro tributável consolidado e não o lucro tributável individual de cada sociedade que integra o grupo de sociedades sujeitas ao RETGS.

10. Quanto à matéria, aliás, era posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, antes da alteração legislativa operada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que a Derrama Municipal tinha como base de incidência o lucro tributável global do grupo e não aquele correspondente a cada sociedade individualmente considerada.

11. Assim, se pronunciou aquele Tribunal, em Acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, considerando que: “Prevendo o CIRC, nos seus artigos 69.º a 71.º, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, situação em que se encontra a Requerente, ora recorrida, e tendo esta optado, como a lei lhe faculta, pela aplicação desse regime para determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo. E, assim determinado o lucro tributável para efeito.”

12. Ora, esta interpretação foi repetida pelo Supremo Tribunal Administrativo, ainda antes da alteração legislativa que aqui se analisa, em Acórdão datado de Junho de 2011, podendo considerar-se pacífica, até à data, esta interpretação no seio daquele Tribunal.

13. E ao presente Tribunal Arbitral esta é, igualmente, a interpretação que se afigurava ser a mais concordante com o elemento literal da norma em apreço (o artigo 14.º da Lei das Finanças Locais) e com a lógica sistemática do sistema normativo vigente à data. De facto, de acordo com a lógica de unidade fiscal que preside ao RETGS, com a aplicação subsidiária das normas do CIRC, as sociedades pertencentes a um determinado grupo seriam tributadas numa lógica agregada.

14. Na verdade, não existia apoio numa interpretação literal ou sistemática dos normativos relevantes, antes das alterações operadas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, para considerar que, para efeitos de IRC, haveria apenas uma entidade fiscal e, para efeitos de Derrama, haveria tantas entidades fiscais quanto as pertencentes ao grupo.

15. A AT vem, porém, pugnar, neste processo, que a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, ao alterar o texto normativo, e ao estabelecer que “quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a Derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo” mais não fez do que consubstanciar uma mera lei interpretativa, sem carácter inovatório e que, portanto, haveria que estender esta interpretação mesmo aos casos de liquidação de Derrama anteriores à sua publicação, incluindo o dos presentes autos que se reporta ao exercício de 2011.

16. Não parece, porém, colher a argumentação da AT, não se mostrando viável a aplicação materialmente retroactiva pretendida. Em primeiro lugar, porque não se verifica estarmos perante uma norma de carácter interpretativo, quando nos referimos à alteração promovida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, ao artigo 14.º da Lei das Finanças Locais, designadamente porque a mesma vem determinar solução manifestamente contrária àquela que resultava da aplicação da norma anterior, sem que o legislador nada tivesse advertido quanto à sua intenção interpretativa, antes dando sinal de querer alterar o regime vigente (e que havia condicionado a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo até então emanada, que o legislador não desconhecia).

17. Por outro lado, é o próprio Supremo Tribunal Administrativo que até então, pelas razões supra citadas, defendia a posição que a AT quer afastar através da aplicação retroactiva da nova redacção da norma – e que, refira-se, à data era manifestamente a mais compatível com os normativos anteriormente existentes – que, em várias pronúncias após a dita alteração, esclarece que a norma não tem carácter interpretativo, mas sim inovador.

18. Veja-se, especificamente sobre o tema, a doutrina vertida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 2 de Maio de 2012, onde se afirmou que “por certo o legislador não deixaria de o fazer constar do respectivo texto, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa. Mas não o fez, nem se surpreende no texto da Lei do Orçamento de 2012 ou no referido nº 8º do art. 14º da Lei das Finanças Locais qualquer referência ao carácter interpretativo da norma ou a qualquer controvérsia gerada pela solução de direito anterior. Trata-se certamente de opção legislativa diversa, quiçá motivada pela necessidade de arrecadar receitas imposta pela conjuntura económica, dado que a interpretação possível da norma na sua redacção anterior, acolhida pela jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal Administrativo, tinha como consequência uma poupança fiscal significativa para os grupos de sociedades em que co-existissem sociedades com lucro tributável e sociedades com prejuízo fiscal”.

19. Esta posição foi, aliás, confirmada no Acórdão de 5 de Julho de 2012, onde o mesmo Tribunal afirmou que “A norma do n.º 8 do artigo 14.º, introduzida pela lei do orçamento de Estado para 2012, não de pode aplicar ao caso dos autos porque, pela interpretação que se acaba de fazer, não é uma norma interpretativa que se possa integrar no sentido e âmbito do n.º 1 do mesmo artigo. (…) Sendo uma norma inovadora, que afronta a lógica do RETGS, a alteração que introduz apenas vigora de 2012 em diante, pelo que o caso dos autos deve ser julgado em função do sentido que vinha sendo dado à norma do n.º 1 do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais de 2007, o que conduz à improcedência do recurso.”

20. Neste sentido, de que a nova redacção do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais não tem carácter interpretativo e que, portanto, a norma do seu n.º 8 apenas se aplica aos casos posteriores à sua entrada em vigor, se tem pronunciado unanimemente a restante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que versou sobre esta questão, após a alteração legislativa a que nos referimos.

21. E, quanto à jurisprudência do CAAD, verifica-se terem sido várias as decisões que perfilharam igual entendimento, destacando-se, de entre outras, as decisões proferidas nos processos n.º 19/2011-T de 29.03.2012, n.º 2/2012-T de 24.04.2012, n.º 5/2012-T de 24.05.2012, nº 16/2012-T de 08.06.2012, n.º 23/2011-T de 18.06.2012, n.º 40/2012-T de 26.06.2012, n.º 38/2012-T de 29.06.2012, n.º 18/2011-T de 05.07.2012 e n.º 82/2012-T de 18.10.2012, entre outras.

22. De acrescer, ainda, o recente Ofício n.º 19201 de 8 de Novembro de 2013 da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas que vem dar uma orientação final quanto ao assunto questão, no sentido de que: “(…) considerando que:

i) a jurisprudência já emitida, nomeadamente pelo Supremos Tribunal Administrativo, sobre o apuramento da derrama municipal a sociedades sujeitas, no âmbito do IRC, ao RETGS, é uniforme e contrária à interpretação assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sobre a mesma matéria;

ii) à alteração introduzida pela Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro, ao artigo 14.º da Lei das Finanças Locais (LFL), não foi introduzida natureza interpretativa;

Foi, pelo despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) n.º 464/2013-XIX, de 18 de outubro de 2013, exarado na informação da Direção de Serviços do IRC nº 1846/2013, determinada a não aplicação do Ofício-Circulado n.º 20132, de 14 de abril de 2008, da DS IRC, na parte que se refere ao RETGS (n.º 2 daquele ofício-circulado), relativamente aos períodos de imposto cujo facto tributário se considera ocorrido entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2011, retomando-se em pleno a sua aplicabilidade aos períodos seguintes, em conformidade com a nova redacção do artigo  14.º da LFL (Lei n.º 2/2007).

Assim, nos procedimentos que estejam pendentes de decisão, como sejam, nomeadamente, as reclamações, os recursos ou as impugnações, deverá ser reflectido o entendimento segundo o qual, relativamente às sociedades sujeitas a tributação em IRC no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama municipal incide sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades.”

23. E por não haver razões que abalem os sólidos argumentos em que se baseia tal jurisprudência, atendendo aos argumentos vertidos pelos intervenientes neste processo, é igualmente convicção deste Tribunal que a alteração ao artigo 14.º da Lei das Finanças Locais, promovida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, é aplicável apenas para o futuro, não sendo aplicável aos actos tributários praticados antes da sua entrada em vigor.

24. Diga-se, aliás, que o facto de a Derrama Municipal ter como base de incidência o lucro tributável global do grupo se afigurava ser mais compatível com o princípio constitucional da tributação pelo lucro real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), o qual determina que a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, situação ponderada pelo legislador que optou por alterar a norma em obediência a outros princípios.

25. Apresentando-se, em qualquer caso, a interpretação proposta pela jurisprudência analisada a mais conforme o princípio, constitucionalmente consagrado, da não retroactividade da lei fiscal (cfr. artigo 103º, número 3, da CRP).

26. Assim, acompanhando a jurisprudência do STA e deste Tribunal Arbitral, somos do entendimento que, não tendo, à data dos factos, o regime legal da Derrama Municipal normativo que dispusesse especificamente sobre a determinação da sua matéria colectável no contexto de um grupo de sociedade, deve esta, ser determinada pela aplicação das regras comuns do IRC, ou seja, atendendo ao lucro tributável do grupo e não ao lucro tributável individual de cada uma das entidades que o compõe.

27. Com base no acima exposto, em particular com base na ilegalidade parcial acima reconhecida, conclui-se que a Requerente auto liquidou e pagou Derrama Municipal em excesso no ano de 2011, no montante de € 105.348,16.

28. Conclui-se, assim, que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa enferma de ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de direito, ao não reconhecer a ilegalidade parcial dos actos de autoliquidação da Derrama Municipal relativa ao ano de 2011, no que concerne à utilização que nelas foi feita dos lucros tributáveis das empresas que constituem o grupo, como base de cálculo da Derrama Municipal.

 

B.     Dos juros indemnizatórios

 

29. Estabelece o artigo 43º, n.º 1, da LGT "São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido". Estabelece-se no n.º 2 do mesmo artigo que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas".

30. No presente caso a Requerente efectuou a autoliquidação da Derrama na declaração que entregou, sendo que, contudo, o erro gerado se mostra imputável aos serviços visto que o preenchimento da declaração decorreu da prossecução, pela Requerente, de doutrina constante de orientação genérica, no caso o ofício circulado n.º 20132/2008, de 14 Abril.

31. Afirma o referido ofício circulado, no seu ponto 2, que “para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a Derrama municipal deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração (…). O somatório das Derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante (…)”.

32. Portanto, mais não fez a Requerente do que aplicar o entendimento indicado em orientação genérica da Direcção-Geral de Impostos, pelo que o erro na autoliquidação se mostra ser “imputável aos serviços” e enquadrável no n.º 2 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

33. Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre os dias em que foram efectuados os pagamentos indevidos até à data da emissão das correspondentes notas de crédito.

 

VI.   Decisão

 

Atento a tudo o exposto, acorda este Tribunal Arbitral:

 

– julgar procedente o pedido de anulação parcial da autoliquidação de IRC e Derrama efectuada pela Requerente relativamente ao exercício de 2011, com fundamento em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, traduzido em violação do n.º1 do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais, no que concerne à determinação da matéria tributável da Derrama do grupo de sociedades;

– julgar procedentes os pedidos de reembolso da quantia de € 105.348,16 e pagamento de juros indemnizatórios calculados com base nessa quantia, à taxa legal, desde a data de pagamento até à data em que for efectuado integral reembolso daquela quantia, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar tal reembolso e pagamento.

 

 

Valor do processo: € 105.348,16

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

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Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, 6 de Janeiro de 2014

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo Colectivo de Árbitros.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

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Os Árbitros,

 

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

 

 

 

António Rocha Mendes

 

 

 

Jorge Carita