Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 744/2020-T
Data da decisão: 2022-04-12  IRS  
Valor do pedido: € 358.678,97
Tema: IRS – Mais-valias - Valor de aquisição – Art. 81.º, 3 da Lei n.º 3-B/2010. Alienação ou resgate de unidades de participação do Fundo Especial de Investimento Fechado
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Gustavo Gramaxo Rozeira e Augusto Vieira (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 3 de maio de 2021, acordam no seguinte:

 

 

  1. Relatório

 

Herança Indivisa De A..., com o número de identificação fiscal..., representada pelo cabeça de casal, B..., contribuinte número..., residente na Rua ..., n.º ..., ...-... Tondela, doravante “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2020..., datado de 28 de agosto de 2020, relativo ao ano 2016, de que resultou imposto a reembolsar no valor de € 95.336,11, entendendo que o valor correto deveria ter sido de € 454.015,98.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente peticiona a anulação do ato tributário com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito e o reembolso da quantia devida, que estima em € 454.015,08, acrescida dos respetivos juros.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 10 de dezembro de 2020 e automaticamente notificado à AT.

 

Nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários da presente decisão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes, notificadas dessa designação em 1 de fevereiro de 2021, não manifestaram vontade de a recusar, atento o preceituado nos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 3 de maio de 2021.

 

Em 7 de junho de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual se defende por impugnação, tendo junto, ulteriormente, em 2 de setembro de 2021, o processo administrativo (“PA”). Pugna pela improcedência do pedido arbitral

 

Por despacho de 14 de junho de 2021, o Tribunal dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

Em 14 de setembro de 2021 a Requerente apresentou as suas alegações e a Requerida contra-alegou em 28 de setembro de 2021, tendo ambas as Partes reafirmado, no essencial, as posições assumidas nos articulados iniciais.

 

Por despachos de 25 de outubro e 28 de dezembro de 2021 e de 28 de fevereiro de 2020, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

 

  1. Questão a Dirimir

 

Posição da Requerente

 

A dissonância entre a Requerente e a Requerida é essencialmente quanto ao valor de aquisição a atribuir às unidades de participação (“UP”) do Fundo Especial de Investimento Fechado (“FEI” ou “Fundo”) que resultaram da reestruturação de loans notes – Aplicações de Retorno Absoluto Investimento Indirecto com Garantia (“RAIIG”) – subscritas por A..., nos termos de um contrato de gestão de carteira celebrado com o Banco C... (“C...”), na sequência das dificuldades financeiras verificadas com esta instituição de crédito.

 

Uma vez que A... tinha investido € 10.748.430,44 em loan notes e estas foram trocadas por UP no FEI na importância de € 5.927.089,85, a Requerente considera que o valor de aquisição para efeitos fiscais (determinação de mais-valias) deve ser de € 10.748.430,44, correspondendo ao valor nominal dos contratos RAIIG, ou, dito de outra forma, ao capital investido pela participante nas referidas aplicações RAIIG que foram objeto de restruturação, na sequência de aprovação das autoridades competentes, face às mencionadas dificuldades de liquidez do C... . Tendo em conta o valor de realização que cifra em € 7.112.916,79, conclui pelo apuramento de uma menos-valia, no montante de € 3.635.513,65.

Neste sentido, a Requerente invoca a norma especial do n.º 3 do artigo 81.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (LOE2010), que prevê, de forma expressa, que “[e]m caso de alienação ou resgate das unidades de participação do Fundo Especial de Investimento por parte dos seus subscritores, considera-se valor de aquisição para efeitos fiscais o montante correspondente às aplicações em retorno absoluto de investimento indirecto garantido convertidas nas unidades de participação”.

 

Em qualquer caso, ainda que assim não se entendesse, os rendimentos das UP não estavam sujeitos a tributação por força da redação do n.º 2 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), que vigorou até 30 de junho de 2015. O que não impede que o Fundo tenha suportado imposto relativo aos rendimentos dos participantes no valor de € 0,076600 por UP, ou seja, de € 454.105,08 referentes à Requerente, reembolsáveis nos termos do disposto no artigo 78.º do Código do IRS, como previsto no artigo 22.º, n.ºs 2 e 3 do EBF, na redação então em vigor.

 

A Requerente assinala que o seu entendimento é também o que resulta de uma informação prestada pela própria Requerida, no ofício n.º ..., de 24 de janeiro de 2014, à sociedade gestora do FEI. Independentemente de não revestir a forma de informação vinculativa, não deixa de conformar a atuação dos órgãos da AT em obediência ao princípio da colaboração (v. artigo 59.º da LGT) e ao princípio da boa fé (v. artigo 266.º, n.º 2 da Constituição), além de que determinou a atuação do sujeito passivo em relação ao exercício da opção pelo englobamento dos rendimentos das UP em 2016.

 

Em relação aos rendimentos das UP gerados até 30 de junho de 2015, não poderia, pois, em caso algum, suscitar-se a tributação. De acordo com o regime transitório estabelecido na nova disciplina dos Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”), onde se inclui o FEI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (v. artigo 7.º, n.º 9), a tributação dos rendimentos das UP determinada pelo novo artigo 22.º-A do EBF “incide apenas sobre a parte dos rendimentos gerados a partir da data de início de produção de efeitos deste diploma [i.e., aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015] considerando-se, para efeitos de determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação ou das participações sociais, como valor de aquisição o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo presente decreto-lei ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas.”

 

Uma parte dos rendimentos a que a AT faz referência foram gerados antes de 1 de julho de 2015, resultantes de sucessivas liquidações parciais das UP, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 5 do Regime Geral dos OIC, constituindo a liquidação parcial das UP o facto tributário, à luz do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), subalínea 5) do Código do IRS, facto que era então isento. O exercício da opção de englobamento pela Requerente em 2016, como permite a lei, não visou a tributação, que nem sequer se equacionava por se registar uma menos-valia, mas a consideração do imposto suportado pelo FEI como imposto por conta (v. artigo 78.º do Código do IRS), nos moldes previstos no Anexo G do Modelo3 (declaração anual de IRS) através do código G30, com o respetivo reembolso à Requerente.

 

Acrescenta, ad cautelem, que a liquidação de IRS sobre valores/rendimentos resgatados antes de 1 de julho de 2015, sempre estaria ferida de caducidade, por força do artigo 45.º da LGT.

 

No tocante aos rendimentos auferidos a partir de 1 de julho de 2015, alega a existência de uma menos-valia fiscal, determinada nos moldes acima transcritos (artigo 7.º, n.º 9 do Decreto-Lei n.º 7/2015), em conformidade com a circular n.º 6/2015 do Gabinete do Diretor-geral dos Impostos.

 

Conclui a Requerente que o valor de aquisição de cada UP no FEI foi de € 1,81 (valor de aquisição de € 10.748.430,44 a dividir pelas 5.927.090 UP recebidas), conforme resulta da norma especial do n.º 3 do artigo 81.º da Lei n. º3-B/2010, de 28 de abril aplicável aos participantes do FEI. Mesmo que assim não se entendesse e se aceitasse o valor de aquisição defendido pela Requerida (de € 1,00), não ocorreria, de igual modo, tributação, atenta a isenção que vigorou até 30 de junho de 2015 e, em relação aos rendimentos posteriores, por ter ocorrido uma menos-valia fiscal.

 

Defende que o entendimento da AT, não só viola as normas acima citadas como infringe:

  • os princípios da segurança e da proibição de retroatividade fiscal previstos nos artigos 103.º, n.º 3 da Constituição e 12.º da LGT
  • o princípio da legalidade tributária previsto no artigo 103.º da Constituição e 8.º da LGT
  • o princípio da capacidade contributiva, nos termos da conjugação dos artigos 103.º e 104.º e do artigo 13.º da Constituição, por não ter obtido quaisquer ganhos/rendimento, ferindo a noção de “lucro” enquanto base de incidência do imposto.

 

Em sede de alegações, a Requerente reitera que, nos termos dos Acordos de Restruturação, recebeu, apenas, UP no valor de € 5.927.089,85, tendo sido reconhecido, nesses mesmos Acordos, que lhe assistiria o direito a um valor substancialmente superior. O que lhe seria, em princípio, devido e que o C... não honrou são os valores descritos no acordo de restruturação, “a título de depósitos e a título de créditos de garantia”, não sendo, portanto, “títulos de depósitos nem títulos de crédito”, e que apresentam valor nulo (ou eventualmente muito marginal), estando aquela instituição insolvente, pelo que é incorreto afirmar, como na Resposta,  que “... o restante valor investido foi restruturado através da aquisição (!?) de títulos de depósito e de crédito”.

 

Posição da Requerida

 

Com entendimento oposto, a Requerida começa por referir que até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, isentavam-se de tributação os titulares dos rendimentos gerados pelas UP. Após a entrada em vigor da redação dada por aquele diploma aos artigos 22.º e 22.º-A[1] do EBF, reportada a 1 de julho de 2015, esses rendimentos passaram a ser tributados por retenção na fonte (v. artigo 71.º, n.º 1 do Código do IRS ex vi artigo 22.º-A, n.º 1, alínea a), subalínea i) do EBF), com opção pelo englobamento (v. artigos 78.º do Código do IRS e 22.º-A, n.º 2 do EBF).

 

O artigo 7.º do citado Decreto-Lei n.º 7/2015 consagrou um regime transitório que, para efeitos de apuramento de mais-valias, estabelece que o valor de aquisição é o valor de mercado à data de 30 de junho de 2015, ou o valor de aquisição se superior a este. O resultado (positivo ou negativo) que é imputável ao período anterior à entrada em vigor do novo regime (até 30 de junho de 2015) fica sujeito ao disposto no artigo 22.º, n.ºs 2 a 5, 7, 10 e 14 do EBF, na redação anterior, conforme estatui o n.º 10 do artigo 7.º do Decreto-Lei antes referido.

 

Acrescenta, ainda, que no caso específico do resgate de UP do FEI, o disposto no artigo 81.º, n.º 3 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (LOE2010), determina que o valor de aquisição, para efeitos fiscais, corresponda ao valor nominal das aplicações RAIIG convertidas nas unidades de participação, entendido como capital investido por esses participantes nessas aplicações. Trata-se de uma norma especial ao regime-regra de IRS (v. artigo 48.º do Código) ou do IRC (v. artigo 46.º, n.º 2 do respetivo Código).

 

Preconiza que da articulação do artigo 81.º, n.º 3 da LOE2010 com o artigo 7.º, n. 9 do Decreto-Lei n.º 7/2015 resulta que o valor de aquisição a considerar no cálculo da mais ou menos-valia abrangida pelo novo regime de tributação é o mais alto dos seguintes valores:

  1. Valor de mercado das UP, reportado a 30 de junho de 2015;
  2. Valor do capital investido nas aplicações RAIIG.

 

Assim, entende a Requerida, que o valor de aquisição a tomar em consideração, para efeitos de apuramento do rendimento (mais-valias) sujeito a IRS, é o mais elevado dos seguintes termos de comparação:

  1. Valor de mercado das UP, a 30 de junho de 2015, indicado pela sociedade gestora de € 4.176.820,22 (€ 0,704700 x 5.927.089,8529);
  2. Valor do capital investido pela Requerente quando da subscrição das aplicações RAIIG em 2010, que considera ser de € 5.927.089,8529 e não de € 10.748.430,44.

 

Para a Requerida, foram atribuídos, nos Acordos de Reestruturação celebrados por  A... os seguintes produtos:

  • Unidades de participação (“UP”), no valor de € 5.927.089,85;
  • Títulos de depósito, no valor de € 2.811.312,17; e
  • Títulos de crédito de garantia, no valor de € 4.894.718,17.

 

De onde conclui que o valor de aquisição a ter em conta é de € 5.927.089,85, pois dos € 10.748.430,44, apenas € 5.927.089,85 foram convertidos de loan notes em UP, tendo o remanescente sido convertido em títulos de depósito e de crédito, tendo os respetivos direitos sido reclamados (no seu montante global de € 7.706.030,34) no processo de insolvência do C... . O valor de aquisição das UP do FEI atribuídas à Requerente é o do capital que lhe foi atribuído no FEI e não o valor inicialmente investido nas aplicações RAIIG.

 

Em relação ao valor de realização, sendo o FEI um Fundo Fechado, o resgate das UP somente tem (pode ter) lugar na data da liquidação do Fundo. Ocorreram reembolsos/amortizações parciais, mas nenhuma suscitou a redução ou o aumento do número de UP na titularidade da Requerente, que se manteve inalterado durante todo o período em que esta participou no FEI. A totalidade do valor recebido pela Requerente – de € 6.658.901,71, resultante da soma do montante recebido a título de amortizações parciais (€ 3.381.404,76) e do valor recebido a final com a liquidação do FEI (€ 3.227.496,95) – deve, segundo a Requerida, ser imputado a 2016, por ser a data do resgate e liquidação do Fundo, conforme definido pelo artigo 10.º, n.º 1, alínea b), subalínea 5) do Código do IRS.

 

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa à liquidação de IRS, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A... subscreveu em 2008, nos termos do contrato de gestão de carteira celebrado com o C..., várias Aplicações de Retorno Absoluto Investimento Indireto com Garantia, ou loan notes, no valor total de € 10.748.430,44, que na data de maturidade/vencimento lhe conferiam o direito a receber a totalidade do capital investido, acrescido de uma remuneração fixa, emitidas pelas seguintes entidades/valores:

PIHY 22 ...............€ 1.920.522,09

PIHY 31 ................  € 468.060,73

PIHY 32 ...............€ 1.032.307,64

SIV PIHY 36 ........€ 3.084.539,98

SW PIHY 37 ........€ 2.000.000,00

STIC 17 ................€ 2.243.000,00

– cf. PA (ficheiros 1 a 6 e 8 a 10).

  1. Face às dificuldades de liquidez do C..., que culminaram na sua insolvência, o Banco de Portugal (BdP) dispensou aquele Banco do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, para encontrar uma solução para os clientes de retorno absoluto do capital, cujas aplicações apresentavam valorizações de mercado muito inferiores ao montante global dos compromissos de reembolso de capital ou capital e remuneração assumidos pelo C..., no âmbito das garantias prestadas – cf. PA (ficheiros 12 a 16).
  2. Neste âmbito, em fevereiro de 2010, foi criado um Fundo Especial de Investimento Fechado (o “FEI”) para os clientes do C... que haviam subscrito tais aplicações de retorno absoluto, por um período de 4 anos, prorrogáveis por igual período de tempo[2], tendo-o sido em 2014 – cf. PA (ficheiros 7 e 12 a 16).
  3. Em 11 de março de 2010, A... assinou 6 (seis) Boletins de Ordem de Compra de Unidades de Participação do FEI, os quais mencionam como “Capital investido” o valor de € 10.748.430,44[3], identificando que a signatária “Pretende adquirir as unidades de participação que lhe vierem a ser atribuídas, nos termos do Prospecto […]” e que a “Forma de Pagamento” será através da “Alienação das loan notes identificadas” – cf. PA (ficheiros 17 a 22).
  4. Em 1 de abril de 2010, A... aderiu à proposta de reestruturação do produto “Aplicações de RAIIG”, tendo as loan notes que compunham estas aplicações sido convertidas em unidades de participação (“UP”) do mencionado Fundo, com valor nominal inicial de € 1,00, perfazendo 5.927.089,85 UP – cf. PA (ficheiros 7 e 12 a 22 e documento 2 junto pela Requerente).
  5. A correspondência entre as aplicações de RAIIG da Requerente e as UP recebidas do FEI é a seguinte – cf. PA (ficheiros 12 a 22):

Aplicações de RAIIG

Valor investido

UP do FEI recebidas

SIV PIHY 22

€ 1.920.522,09

 1.066.182,2041

PIHY 31

€ 468.060,73

259.180,8740

SIV PIHY 32

€ 1.032.307,64

569.618,5220

SIV PIHY 36

€ 3.084.539,98

1.700.649,6175

SIV PIHY 37

€ 2.000.000,00

1.100.363,6168

STLC 17

€ 2.243.000,00

1.231.095,0185

TOTAL

€ 10.748.430,44

5.927.089,8529

  1. Os Acordos de Reestruturação celebrados entre a Requerente e o C...[4] estipulam a transferência dos ativos e passivos subjacentes detidos pelos SIV’s (veículos especiais de investimento sedeados nas Ilhas Virgens Britânicas), a que se referem as aplicações de RAIIG, para o FEI, por contrapartida da emissão das UP, cuja titularidade passa para os investidores (no caso, para A...), e determinam o seguinte:

“IV, v) – Para além da troca das loan notes pelas UPs, os Clientes aderentes mantêm, ainda, os direitos que emergem das garantias prestadas, pelo C... ou pelo C... Cayman, consoante o caso, nos termos e condições constantes adiante da cláusula 8 do presente Acordo de Reestruturação, os quais serão igualmente repartidos pelos Clientes de acordo com o Critério de Repartição;

[…]

“V, aa) Para além disso, procurou-se que a solução encontrada salvaguardasse os direitos dos Clientes RA emergentes das garantias contratadas, reconhecendo-lhes o direito de reclamarem os Créditos da Garantia (tal como definidos na cláusula 8 do presente Acordo de Reestruturação), perante o C... ou C... Cayman, conforme o caso, na parte que lhes caiba de acordo com o Critério de Repartição, independentemente do valor das UPs que lhes tenham sido atribuídas na sequência do apuramento do resultado da Oferta Pública;

8.  Fixação do montante do Crédito da Garantia

8.1. Valor do Montante Garantido: Nos termos do Contrato de Gestão de Carteira, o C... garantiu ao Cliente (a "Garantia"), na data da maturidade da estratégia, 100 % o capital inicial investido, acrescido de uma remuneração Mínima de 5,2500 %, o que perfaz o montante de […] EUR (o "Montante Garantido").

8.2. Valor de crédito emergente da garantia: Resulta, igualmente, do Contrato de Gestão de Carteira, que o direito de crédito do Cliente ao abrigo da Garantia corresponde à diferença entre o Montante Garantido e o valor das Loan Notes; na data do vencimento da estratégia – i.e. em […].

8.3. Objecto do Acordo: O C... e o Cliente declaram e reconhecem que pretendem, pelo presente Acordo, determinar, de forma consensual, o âmbito e a extensão do crédito emergente da garantia.

8.4. Fixação Valor Garantia: O C... e o Cliente acordam que o crédito da garantia, desta data em diante e caso se verifique a condição suspensiva da cláusula 10 adiante do presente Acordo de Reestruturação, será apurado da seguinte forma:

(i)   Em relação aos Clientes C... aderentes, cuias estratégias estejam vencidas  até à data de referência do Parecer Final da entidade Certificadora da Avaliação (inclusive), o valor do crédito da garantia corresponderá à diferença, quando, positiva, entre o valor do capital investido (acrescido, quando aplicável, da remuneração mínima contratada até à data do vencimento) e o VLP das suas loan notes, na data de vencimento da estratégia, conforme estabelecido nos Contratos de RA, e incluindo, ainda, os juros que se mostrem devidos, contados sobre o montante da referida  diferença, desde a data do vencimento até à data da constituição do FEI;

       […]

(iv) Todos os valores indicados em (i), (ii) e (iii) supra, em relação aos Clientes C... cujas estratégias já estejam vencidas e em relação aos Clientes  C... cujas estratégias ainda não estejam vencidas (os "Créditos da Garantia"), serão somados e esta soma dividida por todos os Clientes C... de acordo com o Critério de Repartição.

(v)  O crédito do Cliente, emergente da garantia prestada ao abrigo do Contrato de Gestão de Carteira, fica definitivamente fixado na data da constituição do FEI em diante (desde que verificada a condição suspensiva constante da cláusula 10 do presente Acordo de Reestruturação), pelo montante que resulte da aplicação do Critério de Repartição à soma dos Créditos da Garantia relativos a todos os Clientes C... aderentes (o "Crédito Final da Garantia").

8.5. Valor do Crédito Final da Garantia atribuído ao Cliente: Em conformidade com o disposto no número anterior desta cláusula, o valor do Crédito Final da Garantia, atribuído ao Cliente, na sequência da celebração presente Acordo de Reestruturação, corresponderá a uma parte do valor global dos Créditos da Garantia relativos a todos os Clientes C... aderentes, de acordo com o Critério de Repartição. Para evitar dúvidas, o Cliente declara, ainda, que tem perfeita consciência e conhecimento que o valor do seu Crédito Final da Garantia vai depender do grau de adesão dos restantes Clientes C... à presente proposta (i.e. este valor só será possível de determinar depois de saber quantos e quais os Clientes C... que aderiram à presente proposta, subscrevendo um contrato igual a este e, consequentemente, qual o valor global dos Créditos da Garantia e a quota-parte que cabe ao Cliente de acordo com o Critério de Repartição), aceitando especificamente esta situação e mantendo firmes os acordos constantes do presente Acordo de Reestruturação, seja qual for o valor que, no final, venha a ter o Crédito Final da Garantia.

8.6. Conversão das estratégias denominadas em US dólares: Para efeitos da repartição dos Créditos da Garantia, o montante dos Créditos da Garantia e o Valor da Aplicação dos Clientes cujas estratégias estejam denominadas em dólares norte-americanos serão convertidos para euros à taxa de câmbio de referência do Banco Central Europeu da data da constituição do FEI. […]

8.7. Consentimento específico: o Cliente tem presente o disposto no considerando cc) da Secção VI supra, nos termos do qual se estabelece que o valor líquido, por referência à data de 31 de Dezembro de 2009, das Loan Notes (i.e., considerando apenas a situação líquida isolada […]. O Cliente declara ainda que tem perfeita consciência e aceita que, em virtude do presente Acordo de Reestruturação, deixou de ter direito ao valor emergente do crédito da garantia apurado em função do Montante Garantido e do valor de liquidação das suas Loan Notes, na data do vencimento da sua estratégia […] e que passa a ter direito à parte dos Créditos da Garantia relativos aos Clientes C... que lhe corresponda, de acordo com o Critério de  Repartição, a qual pode ser substancialmente diferente e que, por tudo o exposto no presente Acordo de Reestruturação, pretende especificamente essa alteração.

8.8. Execução da Garantia: Em conformidade com o disposto na presente cláusula, a   forma como o Crédito Final da Garantia será apurado fica definitivamente fixada na presente data, sendo o seu montante definitivamente apurado na data da constituição do FEI. Os valores dos Créditos da Garantia que servirão de base a este apuramento ficam, também, definitivamente fixados na data da constituição do FEI, pelo que quaisquer valorizações ou desvalorizações das loan notes posteriores a estas datas, bem como eventuais reembolsos resultantes da liquidação do FEI, resgates, distribuições de rendimentos ou amortizações a efectuar pelo FEI em virtude das UPs adquiridas no âmbito da Oferta Pública serão irrelevantes para efeitos do cálculo do Crédito Final da Garantia a reclamar pelo Cliente.

[…]

 

  1. A sociedade gestora do FEI solicitou um pedido de esclarecimento à Requerida, dirigido ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, sobre a interpretação do artigo 81.º, n.º 3 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril e a sua interação com o disposto no artigo 22.º do EBF, aplicável aos participantes do FEI. Por despacho da substituta legal do Diretor-geral da AT, de 17 de janeiro de 2014, foi sancionado o seguinte entendimento, constante do ofício n.º ..., de 24 de janeiro de 2014 – cf. documento 3 junto pela Requerente:

[…]

  1. Do inicial artigo 74.º, da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2010, o qual se dedicava somente a prever a atribuição de uma garantia de cobertura estatal a favor dos titulares, a 24.11.2008, das aplicações RAIIG do C..., S.A, que aderissem ao Fundo de Gestão Passiva — Fundo Especial de Investimento (FGP-FEI), chegamos enfim ao artigo 81.º, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, artigo esse que, além do conteúdo que constava já do artigo 74.º, da Proposta de Lei (n.ºs 1 e 2 do artigo 81.º), acabou também, em resultado de proposta de alteração de origem parlamentar, por acolher um n.º 3, o qual contém uma norma cuja prescrição provoca efeitos exclusivamente tributários.
  2. Esses efeitos são exclusivamente tributários uma vez que essa norma determina qual deva ser o valor assumido como “valor de aquisição”, para efeitos fiscais, em caso de alienação ou resgate, das unidades de participação no FEI, prescrevendo que nesses casos o valor de aquisição será o “montante correspondente às aplicações em retorno absoluto de investimento indirecto garantido convertidas nas unidades de participação.”, sendo que o conceito de “valor de aquisição” é um conceito que é próprio e intrínseco à determinação da matéria coletável em sede de impostos sobre o rendimento, nomeadamente a respeito do cálculo de mais ou menos-valias.
  3. Quanto à natureza e funcionalidade das normas incluídas no artigo 81.º, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, pese embora se encontrem previstas no mesmo artigo, julgamos que não são iguais.
  4. Com efeito, os n.ºs 1 e 2 desse artigo são dedicados a assegurar, e delimitar o âmbito, de uma garantia estatal de cobertura, a qual acrescerá ao acionamento do FGD e do SII relativamente aos titulares de unidades de participação no FGP-FEI, que (i) reúnam os critérios de elegibilidade à aplicabilidade destes dois últimos mecanismos, (ii) fossem titulares de aplicações RAIIG a 24.11.2008, e (iii) que tenham aderido ao FGP-FEI com a totalidade das aplicações RAIIG por si detidas, mantendo as correspondentes unidades de participação no FGP-FEI na sua titularidade até ao termo do período de duração inicial deste Fundo.
  5. Esta garantia estatal visa assegurar a diferença positiva, se alguma se observar, entre o valor nominal das aplicações RAIIG e o valor total recebido pelos respetivos titulares enquanto participantes do Fundo até ao termo do período de duração inicial deste.
  6. Quanto à natureza das normas em presença é notório que estes não comungam da mesma natureza, uma vez que destas apenas o n.º 3, do artigo 81.º, tem natureza tributária, ou seja, os seus efeitos projetam-se tão somente sobre matéria fiscal.
  7. Julgamos também que a norma do n.º 3, do artigo 81.º, não apresenta qualquer conexão com o funcionamento da supra referida garantia estatal.
  8. A norma prevista no n.º 3, do artigo 81.º, assume-se como uma norma especial em matéria tributária, aplicável à alienação e resgate de unidades de participação do FGP-FEI, afastando a aplicação, nestes casos, do regime tributário regra que se encontre previsto nas normas respeitantes a esta matéria, seja em sede de CIRS (artigo 48.º, do CIRS) ou de CIRC (artigo 46.º, n.º 2, do CIRC), conforme a concreta sujeição subjetiva do participante alienante a cada um desses impostos.
  9. Tendo, de caminho, o legislador resolvido o problema de se saber qual seja, para fins fiscais, o valor de aquisição das unidades de participação adquiridas por “conversão” das aplicações RAIIG – em face do complexo procedimento de atribuição das mesmas.
  10. Deste modo, identificamos como ratio legis desta norma a intenção de resolver de forma clara, afastando a aplicabilidade do disposto nas regras gerais tributárias a respeito de valor de aquisição, o problema de, in casu, identificar qual fosse o valor de aquisição destas unidades de participação face à complexidade inerente a todo o processo de reestruturação das aplicações RAIIG em unidades de participação do FGP-FEI – desconsiderando para o efeito, e perante os titulares de aplicações RAIIG aderentes ao Fundo. os efeitos tributários próprios dos vários passos inerentes à concretização do plano de reestruturação.
  11. Pelo que, e relativamente aos efeitos que esta norma projete sobre os participantes no FGP-FEI, temos por correta a interpretação segundo a qual esta norma determina que, para efeitos fiscais, em caso de alienação/resgate das unidades de participação do FEI detidas pelo participantes em razão da conversão naquelas das aplicações RAIIG de que era titular, o valor a assumir como valor de aquisição será o correspondente ao valor nominal das aplicações RAIIG convertidas, entendido este último como o capital investido por esse participante nas refendas aplicações, e não, como afirma a requerente, o valor de aquisição originário dos ativos subjacentes por parte dos SIV’s.
  12. Decorre da autonomia identificada entre o n.º 3, do artigo 81.º, da Lei n.º 3 - B/2010, de 28 de abril, e os n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, que os efeitos prescritos no n.º 3, do artigo 81.º, se projetam, por exemplo, também sobre os participantes no FEI em razão da conversão de aplicações RAIIG contratadas junto do C... Cayman, Ltd., ou ainda que os participantes alienem ou resgatem as suas unidades de participação antes de decorrer o período inicial de duração do Fundo.
  13. Não se aplicando o disposto no n.º 3, do artigo 81.º, da Lei n.º 3 – B/2010, de 28 de abril, contudo, às alienações ou resgates de unidades de participação no FGP-FEI que, pese embora sejam detidas por antigos titulares de aplicações RAIIG a quem seja assegurada a garantia estatal, não tenham sido adquiridas por conversão destas participações em unidades de participação, mas sim, por exemplo, por aquisição a outros participantes.
  14. Ao contrário do proposto pela requerente, não vislumbramos no disposto no n.º 3, do artigo 81.º, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que esta norma projete qualquer efeito sobre o regime de tributação aplicável às operações de alienação ou resgate que o FGP-FEI leve a cabo sobre elementos patrimoniais que o constituam, uma vez que não reconhecemos a esta norma caráter de especialidade em face do disposto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF, nem do respetivo elemento gramatical retiramos qualquer referência ao valor de aquisição, para efeitos fiscais, das operações de alienação ou resgate dos ativos constitutivos do Fundo.
  15. Bem como, em face da intenção legislativa identificada, não se observa qualquer omissão legislativa que importe suplantar por via interpretativa, nomeadamente pela via interpretativa apresentada pela ora requerente.
  16. Não se observando. igualmente, que da tributação do FEI, nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, resulte um tratamento tributário prejudicial dos participantes, uma vez que decorre do regime de tributação dos rendimentos das unidades de participação previsto nos artigos 22.º, n.ºs 2, 3 e 4, do EBF, que o imposto que seja retido ao ou devido pelo Fundo (por exemplo no âmbito de alienações de seus ativos), acabará por ser obrigatoriamente imputado, a título de imposto pago por conta, aos respetivos participantes (artigo 22.º, n.º 3, in fine, do EBF), ou facultativamente imputado a título de imposto pago por conta, por opção do sujeito passivo de IRS participante (nos termos do artigo 22.º, n.º 2, do EBF), ou mesmo restituído (quando o participante seja um sujeito passivo de IRC residente isento deste imposto e, por essa razão, dispensado de entregar declaração periódica de rendimentos – artigo 22.º, n.º 4 , do EBF).
  17. Pelo que a inicial diferença de tratamento tributário entre a alienação de unidades de participação pelo participante, e a alienação de ativos pelo Fundo. acabará por se esbater quando do ingresso simultâneo, na concreta situação tributária dos participantes, quer dos rendimentos obtidos pelo Fundo quer do imposto retido ou suportado por este último.
  18. Razão pela qual concluímos, em definitivo, no sentido de que não identificamos qualquer razão ou motivo para que o artigo 81.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, deva ser interpretado extensivamente por forma a que, com base nesta norma, se determine que o valor de aquisição, para efeitos fiscais, dos ativos que compõem o património do FEI e que venham ser alienados/resgatados por este, corresponda ao valor de aquisição que esses ativos assumiriam na esfera dos SIV’s, ao invés de corresponder ao valor com que esses ativos ingressaram no património do FEI”.
  1. Entre 5 de agosto de 2010 e 7 de outubro de 2015, a sociedade gestora do FEI realizou treze pagamentos à Requerente, a título de amortizações parciais do valor das UP, perfazendo € 3.381.404,76, sem que tenha ocorrido qualquer redução das UP – cf. documento 2 junto pela Requerente.
  2. O FEI suportou imposto relativo aos rendimentos dos participantes, no valor de € 0,0766 por unidade de participação, até 30 de junho de 2015, sendo imputável às UP da Requerente imposto retido no montante de € 454.015,08 – cf. documento 2 junto pela Requerente.
  3. Em 2016, verificou-se o resgate/liquidação das 5.927.089,85 UP que a Requerente detinha no FEI, o qual deu origem à consideração dos seguintes valores positivos:

 

 

Por UP

Para 5.927.089,853 UP

1

Amortização até 30.06.2015

0,4251 €

2.519.605,90 €

2

Imposto retido pelo Fundo até 30.06.2015

0,0766 €

454.015,08 €

3

Amortização após 30.06.2015

0,1454 €

861.798,86 €

4

Valor do Resgate

0,552969 €

3.277.496,95 €

Total

7.112.916,79 €

– cf. PA (ficheiro 23) e documento 2 junto pela Requerente.

  1. Em 18 de julho de 2016, a sociedade gestora do FEI, emitiu uma declaração para efeitos fiscais, tendo em vista a aplicação, pela Requerente, das regras do regime transitório de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo, nomeadamente do artigo 7.º, n.ºs 9 a 11 do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, informando que o FEI apresentava, a 30 de junho de 2015, os seguintes valores por UP – cf. documento 2 junto pela Requerente:

Descrição

Valor por Unidade de Participação

Valor base

0,574900 €

Valor do rendimento gerado (e não distribuído) pelo Fundo até 30 de junho de 2015

0,129800 €

Valor líquido

0,704700 €

 

  1. Nessa declaração, a sociedade gestora do FEI informa, para os mesmos efeitos, que o valor final de liquidação por UP (€ 0,552969) se decompõe nas seguintes parcelas:

 

 

Descrição

Valor por Unidade de Participação

Valor base

0,429500 €

Valor do rendimento

0,123460 €

  - Parcela do rendimento gerado pelo Fundo até 30 de junho de 2015

0,129800 €

  - Parcela das perdas incorridas pelo Fundo em e após 1 de julho de 2015

(0,006340 €)

Valor líquido

0,552969 €

 

  1. A Requerente considerou como valor de realização das ditas UP do FEI, o montante de € 7.112.916,79, correspondente à soma das parcelas 1, 2, 3 e 4 do quadro constante do ponto L anterior, e como valor de aquisição a importância investida inicialmente nas Aplicações RAIIG, de € 10.748.430,44, apurando uma menos-valia de € 3.635.513,65 – cf. declarações de IRS apresentadas pela Requerente (PA, ficheiro 25).
  2. Em 31 de maio de 2017, a Requerente apresentou a declaração de IRS, Modelo 3, n.º J0661-65, na qual exerceu a opção de englobamento e preencheu o quadro 10, reportando em duas linhas separadas o “rendimento negativo” que considerou ter recebido do resgate/liquidação das UP do FEI:

Titular

NIF da entidade emitente

Código

Rendimento

Retenções na fonte

NIF da entidade retentora

10001

A

...

G30

-3.597.989,24

454.015,08

...

10002

A

...

G31

-37.524,41

-

-

– cf. PA (ficheiro 27).

  1. O código descritivo G30 respeita a “Resgate ou liquidação de unidades de participação em fundos de investimento (mobiliário/imobiliário) ou de participações sociais em sociedades de investimento (mobiliário/imobiliário) a que seja aplicável o regime previsto no artigo 22.º do EBF, na redação em vigor até 30 de junho de 2015 (artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro)” – cf. instruções de preenchimento do anexo G da Declaração Modelo 3 – portal das finanças.
  2. O código descritivo G31 respeita a “Resgate ou liquidação de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou de participações sociais em sociedades de investimento mobiliário a que seja aplicável o regime previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 22.º-A do EBF, aditado pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (em vigor a partir de 1 de julho de 2015)” – cf. instruções de preenchimento do anexo G da Declaração Modelo 3 – portal das finanças.
  3. No âmbito do procedimento de divergências que lhe foi instaurado pela Requerida, a Requerente submeteu, em 8 de novembro de 2018, a declaração de substituição Modelo 2 de IRS, n.º..., referente ao ano de 2016, na qual manteve a opção de englobamento – v. quadro 15 do anexo G – e reportou neste mesmo anexo numa só linha, sob o código G31, o mesmo valor (agora agregado) relativo ao resgate das UP que detinha no FEI – cf. PA (ficheiros 25 e 30):

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

  1. Em discordância do valor de rendimento reportado pela Requerente, a AT procedeu à correção dos valores declarados emitindo, em 23 de julho de 2020, uma declaração oficiosa /DC, ao abrigo do artigo 65.º, n.º 4 do Código do IRS, tendo passado a constar do quadro 10 os seguintes valores relativos ao resgate das UP que a Requerente detinha no FEI – cf. PA (ficheiro 26):

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

  1. Com base na declaração oficiosa, a AT emitiu, em 28 de agosto de 2020, a liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano 2016, que resultou no valor a reembolsar de € 95.366,11 – cf. documento 1 junto pela Requerente.
  2. Em discordância com o ato de liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano 2016 (que resultou no reembolso de € 95.366,11), a Requerente apresentou junto do CAAD, em 9 de dezembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

  1. Factos Não Provados e Fundamentação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos por ambas as Partes, conforme referenciado em relação a cada facto enumerado no ponto 1 antecedente, e nas posições por estas assumidas em relação aos mesmos.

 

            Não se provou o alegado pela Requerida no artigo 12.º da Resposta, nem que do valor inicialmente investido nas loan notes por A..., no montante de € 10.748.430,44, a parcela de € 4.821.340,59 tenha sido convertida em “títulos de depósito e de crédito” (artigos 53.º, 55.º, 60.º da Resposta), nem que tenha sido recebido qualquer valor a esse título, nomeadamente no âmbito de um processo falimentar contra o C... .

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

  1. Do Direito

 

  1. Enquadramento Jurídico-Tributário

            A questão que se suscita nos presentes autos respeita à determinação do valor de aquisição a atribuir às UP subscritas pela autora da sucessão em 2010, por conversão das loan notes que compunham as Aplicações RAIIG. Estas aplicações tinham sido adquiridas por A... no âmbito do contrato de gestão de carteira celebrado com o C..., em 2008, encontrando-se o respetivo capital garantido pelo C... e pelo C... Cayman, garantia que se estendia, em alguns casos, à própria remuneração das aplicações.

 

            Como resulta da matéria de facto, as dificuldades financeiras do C,,,, que são do conhecimento público e terminaram na insolvência desta instituição, não permitiram o reembolso das Aplicações RAIIG na data do respetivo vencimento, que foi prorrogada para permitir encontrar, em coordenação com as autoridades competentes, uma solução para os investidores. Esta solução passou pela criação de um Fundo de Investimento Fechado, o FEI, cujas UP foram adquiridas por A...[5] por troca das loan notes, nos moldes acima referidos, tendo a alienação destas mesmas UP ocorrido com a liquidação do FEI em 2016.

 

            O enquadramento fiscal desta operação implica a análise do quadro jurídico-tributário vigente em 2016 que, em matéria de rendimentos gerados por Fundos de Investimento, foi alterado com a reforma da tributação das pessoas singulares, operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, que repartiu por duas categorias – a categoria E [rendimentos de capitais] e a categoria G [incrementos patrimoniais, incluindo mais-valias] – a tributação dos rendimentos gerados por fundos de investimento[6], permitindo, desta forma, que os titulares de UP pudessem deduzir menos-valias, o que lhes estava vedado na categoria E.

 

            De acordo com esta bipartição, o resgate de unidades de participação em fundos de investimento e a liquidação destes fundos passou a ser tributável na categoria G (v. artigo 10.º, n.º 1, alínea b), subalínea 5) do Código do IRS) e os demais rendimentos distribuídos das unidades de participação em fundos de investimento mantiveram o enquadramento como rendimento de capitais (v. artigo 5.º, n.º 2, alínea j) do mencionado Código).

 

            Importa ainda ter em conta a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que transformou o modelo de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”), nos quais se inserem os Fundos de Investimento, com início de vigência em 1 de julho de 2015 (v. artigo 7.º, n.º 1).

 

            Até 30 de junho de 2015, a tributação era realizada na esfera dos Fundos, isentando-se de IRS os titulares dos rendimentos gerados pelas UP, quando da sua distribuição.

 

            A partir dessa data, a tributação dos rendimentos decorrentes do resgate de unidades de participação passou a ser feita através de retenção na fonte a título definitivo à taxa de 28% prevista no artigo 72.º, n.º 1 do Código do IRS, por remissão do artigo 22.º-A, n.º 1, alínea b) do EBF, bem como dos demais rendimentos de UP, ao abrigo do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, ex vi artigo 22.º-A, n.º 1, alínea a), subalínea i) do EBF.

 

            Contudo, o aditado artigo 22.º-A do EBF permite a opção pelo englobamento quando os rendimentos sejam obtidos por sujeitos passivos de IRS fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, caso em que o imposto retido tem a natureza de imposto por conta, nos termos do artigo 78.º do Código do IRS. De notar que a opção de englobamento foi exercida pela Requerente.

 

            A sucessão no tempo dos dois regimes tributários aplicáveis aos rendimentos provenientes dos OIC foi regulada por normas transitórias constantes do artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 7/2015, de que se transcreve a parte com relevância para a matéria em apreciação, com destaque para o seu n.º 9:

“Artigo 7.º

Regime transitório

1 - As regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015.

[…]

9 - A tributação dos rendimentos das unidades de participação ou das ações auferidos pelos participantes ou acionistas dos organismos de investimento coletivo, nos termos do novo artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, incide apenas sobre a parte dos rendimentos gerados a partir da data de início de produção de efeitos deste diploma, considerando-se, para efeitos de determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação ou das participações sociais, como valor de aquisição o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo presente decreto-lei ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas.

10 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se distribuídos ou resgatados aos participantes, em primeiro lugar e até à sua concorrência, os rendimentos gerados até à data de início da produção de efeitos da redação dada pelo presente decreto-lei e que, até essa data, não tenham sido distribuídos ou resgatados, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 2 a 5, 7, 10 e 14 do artigo 22.º, na redação anterior.

11 - As sociedades gestoras dos organismos de investimento coletivo ou as sociedades de investimento, quando autogeridas, constituídos em data anterior à de produção de efeitos da redação do artigo 22.º do EBF, dada pelo presente decreto-lei, são obrigadas a comunicar a cada participante, quando procedam ao pagamento de rendimentos abrangidos pelo número anterior, o montante do rendimento que se encontra abrangido pelo disposto nesse número, o montante de imposto que lhe corresponda e, bem assim, o montante da dedução prevista no artigo 40.º-A do Código do IRS correspondente a esse rendimento.

 

Além de determinar a aplicação do novo regime somente à “parte dos rendimentos gerados a partir da data de início de produção de efeitos deste diploma”, ou seja, gerados de 1 de julho de 2015 em diante, o n.º 9 estabelece uma regra especial relativa ao valor de aquisição a atender para efeitos do apuramento de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das UP, a maior das seguintes importâncias:

  1. O valor de mercado das UP a 1 de julho de 2015 (data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo Decreto-Lei n.º 7/2015); ou
  2. O valor de aquisição das UP.

 

            Ainda sobre a definição do ao valor de aquisição das UP do FEI resgatadas em 2016, importa atender preceituado no artigo 81.º da LOE2010, que dispõe nos seguintes termos:

 

 

Artigo 81.º

Apoio à recuperação das aplicações de clientes do Banco C..., S. A.

1 - Fica o Governo autorizado, através do membro do Governo responsável pela área das finanças, com faculdade de delegação, a assegurar aos titulares de contas de retorno absoluto de investimento indirecto garantido junto do Banco C..., S. A., que sejam participantes do fundo especial de investimento que vier a ser constituído para recuperação das respectivas aplicações e que reúnam os critérios de elegibilidade legalmente aplicáveis do Fundo de Garantia de Depósitos e do Sistema de Indemnização dos Investidores a recuperação de até (euro) 250 000 por titular de conta das referidas aplicações, nos termos que vierem a ser definidos por despacho.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a recuperação de até (euro) 250 000 é fixada no montante correspondente exclusivamente à diferença entre o valor nominal das aplicações dos titulares de contas de retorno absoluto de investimento indirecto garantido, à data de 24 de Novembro de 2008, e o valor nominal total recebido pelos detentores das unidades de participação que beneficiem do disposto no número anterior, até ao termo final do período inicial de duração do Fundo Especial de Investimento, em resultado, designadamente, do accionamento do Fundo de Garantia de Depósitos e do Sistema de Indemnização dos Investidores, da participação no Fundo Especial de Investimento e na liquidação do seu património, independentemente da natureza desses recebimentos, a título de ressarcimento indemnizatório, amortização de capital, distribuição de rendimentos, partilha de activos em liquidação ou qualquer outro.

3 - Em caso de alienação ou resgate das unidades de participação do Fundo Especial de Investimento por parte dos seus subscritores, considera-se valor de aquisição para efeitos fiscais o montante correspondente às aplicações em retorno absoluto de investimento indirecto garantido convertidas nas unidades de participação.”

            O n.º 3 deste preceito contém uma norma específica para as aplicações dos clientes do C..., como é o caso da Requerente, segundo a qual, para efeitos fiscais (e apenas estes), o valor de aquisição deve corresponder ao montante das Aplicações RAIIG convertidas nas UP do FEI.

 

            Desta forma, quer o regime transitório previsto no artigo 7.º, n.º 9 do Decreto-Lei n.º 7/2015, quer o artigo 83.º, n.º 3 da LOE2010, constituem regimes especiais[7] face ao artigo 48.º do Código do IRS, que rege os critérios gerais para aferir o valor de aquisição de valores mobiliários[8], pelo que prevalecem sobre este.

 

            No entanto, o citado artigo 7.º, n.º 9 do Decreto-Lei n.º 7/2015 que consagra um regime específico em relação ao valor de aquisição das UP para apuramento dos rendimentos de mais-valias, é passível de aplicação conjunta com o disposto no artigo 83.º, n.º 3 da LOE2010. Ao convocar o valor de aquisição das UP como critério relevante, o n.º 9 permite a remissão para o valor de aquisição específico que resulta do 83.º, n.º 3 da LOE2010.

 

            A única interrogação que se pode suscitar a este respeito é a relativa a saber se o valor de aquisição determinado ao abrigo do artigo 83.º, n.º 3 da LOE2010 pode ser afastado pelo valor de mercado das UP a 1 de julho de 2015, caso este último seja superior. Não vemos razão para que assim não seja, uma vez que a solução do valor de mercado só prevalece se for favorável ao contribuinte, i.e., quando seja superior ao valor de aquisição, diminuindo assim o valor da mais-valia tributável.

 

            À face do exposto, tendo as UP da Requerente no FEI sido adquiridas (subscritas) por conversão das Aplicações RAIIG de que era titular, para efeitos da determinação das mais-valias ou menos-valias decorrentes do resgate ou da alienação daquelas UP, o valor de aquisição relevante para efeitos fiscais é o correspondente ao valor do capital investido nas Aplicações RAIIG, não sendo, nesse caso aplicáveis as regras gerais (as quais, no caso de participantes pessoas singulares, se encontram previstas no artigo 48.º do Código do IRS).

 

            Sabemos que o valor de aquisição dessas Aplicações RAIIG pela autora da sucessão A... em 2008 foi de € 10.748.430,44 (valor investido nas loan notes), facto que não é sequer controvertido. Ficou também assente nos autos que as UP que foram atribuídas por troca das loan notes foram 5.927.089,85, com o valor nominal de € 1,00 cada.

 

            Nas ordens de compra dessas UP (assinadas pela autora da sucessão), por conversão das Aplicações RAIIG, é clara e expressa a menção, no campo “Capital investido”, ao valor total de aquisição das mesmas, perfazendo € 10.748.430,44[9]. Ou seja, as próprias ordens de compra das UP consideram que o que está a ser trocado são loan notes com o valor de € 10.748.430,44, referindo que a signatária “Pretende adquirir as unidades de participação que lhe vierem a ser atribuídas, nos termos do Prospecto […]”, sendo a “Forma de Pagamento” através da “Alienação das loan notes identificadas”.

 

            É razoável inferir desta formulação e, bem assim, dos Acordos de Reestruturação celebrados com o C..., que A... trocou instrumentos financeiros nos quais investiu € 10.748.430,44 (loan notes), por outros, cujo valor nominal era de € 5.927.089,85 (UP do FEI), à data da conversão. 

 

            Esta conversão implicou uma “desvalorização”, à data, de cerca de 45% do investimento inicial, motivada pelas razões supra expostas de dificuldades de liquidez e de antecipação de insolvência do Banco garante (que veio a confirmar-se), numa tentativa de minimizar e evitar um desfecho ainda mais gravoso.

 

            O ponto essencial do dissídio reside na alegação, por parte da Requerida, de que o restante valor investido (~ 45%) foi reestruturado através da “aquisição de títulos de depósito e de crédito”, pelo que, em seu entender, o valor convertido em UP só teria sido no correspondente valor nominal de € 5.927.089,85, que devia, desta forma, ser considerado o valor de aquisição e não os € 10.748.430,44.

 

            Este raciocínio enferma de diversos problemas. Em primeiro lugar, deve sublinhar-se que não houve qualquer conversão de “valores” (numa aceção monetária) passível de ser fracionada, o que houve foi a conversão jurídica integral de produtos financeiros-instrumentos de dívida – as Aplicações RAIIG – em UP do FEI.

 

            E não subsistem dúvidas de que a totalidade das loan notes em que se materializavam as citadas Aplicações foi convertida em UP. Assim, não pode falar-se em reestruturação parcial, pois a totalidade dos títulos de dívida (cujo montante investido era de € 10.748.430,44) foi convertida. E foi-o em unidades de participação do Fundo Especial criado para esse efeito.

 

            Acresce que a AT não demonstrou que por troca “parcial” das loan notes tenham sido atribuídos a A... quaisquer “títulos de depósito e de crédito”. O que resulta da leitura dos Acordos de Reestruturação celebrados é uma solução complexa em que, dada a razão de troca “desfavorável” para os investidores, se acolhe a possibilidade de estes não perderem o direito a reclamarem créditos “independentemente do valor das UPs que lhes tenham sido atribuídas”, por forma a poderem ser ressarcidos do valor investido (v. considerandos IV, v) e V), aa) e cláusula 8 dos Acordos de Reestruturação, conforme consta do probatório).  Direito este que, dadas as circunstâncias, era, em grande medida, teórico e que em qualquer caso não afeta o valor investido (de aquisição) nas loan notes que foram totalmente convertidas em UP do FEI, nos termos dos Acordos de Reestruturação e de acordo com as cláusulas aí estabelecidas. 

 

            Neste quadro, assiste razão à Requerente quando afirma que o valor de aquisição das UP no FEI, à luz da disciplina específica do artigo 81.º, n.º 3 da LOE2010 é o do capital investido nas Aplicações RAIIG, convertidas nas mencionadas UP (€ 10.748.430,44), pelo que em relação a cada UP este valor foi de € 1,81 (€ 10.748.430,44 / 5.927.090 UP recebidas). Da concatenação deste regime com a norma transitória prevista no n.º 9 do artigo 7.º do citado Decreto-Lei n.º 7/2015, conclui-se ser este o valor de aquisição a considerar na determinação da mais-valia ou da menos-valia abrangida pelo novo regime dos OIC, pois é superior ao valor de mercado das UP a 30 de junho de 2015, que se calcula em € 4.176.820,32, com base na informação prestada pela sociedade gestora – 5.927.090 UP * 0,704700 (valor por UP com referência a essa data).

 

            Em relação à opção pelo englobamento e à natureza reembolsável do imposto incorrido ao longo dos anos na esfera do Fundo (€ 454.015,08, ao abrigo do anterior regime de tributação), ou aos demais elementos declarados pela Requerente relativos ao IRS de 2016, não se afigura existir qualquer dissonância na posição das Partes.

           

À face do exposto, procede a ilegalidade substantiva invocada pela Requerente, geradora de invalidade, anulando-se a liquidação de IRS impugnada nos presentes autos, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do novo CPA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT, com as legais consequências

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nomeadamente quanto à aplicação da isenção vigente até 30 de junho de 2015, à caducidade do direito à liquidação e à violação dos princípios segurança e colaboração e boa fé, retroatividade, legalidade e capacidade contributiva.

 

  1. Reembolso das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios

 

A Requerente, peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade do ato de liquidação de IRS, o reembolso da quantia devida, acrescida de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos termos da procedência da decisão arbitral e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Solução que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por remissão da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT .

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deve entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial[10]”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação (cassatório) de atos tributários, admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, que estabelece serem “devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, nos termos do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT, ou seja, contando-se o prazo de pagamento “a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso concreto, está em causa a errada interpretação e aplicação do direito imputável à Requerida, para o qual a Requerente não contribuiu, verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços. Deste modo, a anulação da liquidação de IRS é passível de constituir na esfera da Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios que a visam ressarcir da ilegal privação da quantia indevidamente paga pelo período de tempo que perdurar.

 

Procede, assim, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

 

VI. DECISÃO

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação totalmente procedente com as legais consequências.

 

  1. Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 358.678,97, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

  1. Custas

           

            Custas no montante de € 6.120,00, a suportar pela Requerida, em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 12 de abril de 2022

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira

 

 

Augusto Vieira



[1] Este, aditado pelo mencionado Decreto-Lei.

[2] Com o limite máximo de 10 anos.

[3] Correspondente à soma das quantias de capital investido referidas nos seis boletins (€ 2.243.000.00, 1.920.522,09, 468.060,73, 1.032.307,64, 3.084.539,98, 2.000.000,00).

[4] E demais entidades aí mencionadas, como o C... Cayman, as sociedades especiais de investimento emitentes das loan notes, e a sociedade veículo “SIV Único”.

[5] E pelos demais investidores que aderiram a este mecanismo.

[6] Que antes eram tributados, sem distinção, como rendimentos de capitais (categoria E).

[7] Do ponto de vista metodológico, a relação de especialidade entre normas elimina o problema de antinomias normativas através da prevalência da lei especial sobre a lei geral (lex specialis derogat legi generali).

[8] De acordo com a regra geral do artigo 48.º do Código do IRS para valores não cotados o valor de aquisição corresponde ao custo ou, na sua falta, ao valor nominal.

[9] Correspondente à soma das quantias de capital investido referidas nos seis boletins (€ 2.243.000.00, 1.920.522,09, 468.060,73, 1.032.307,64, 3.084.539,98, 2.000.000,00).

[10] Esta autorização legislativa refere ainda a ação para o reconhecimento de um direito, no entanto, esta forma processual acabou por não ser implementada na jurisdição arbitral pelo RJAT.