DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 3 de maio de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), Clotilde Celorico Palma, indicada pela Requerente, e Sofia Ricardo Borges, designada pela Requerida, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., S.A., doravante “Requerente”, pessoa coletiva número ..., com sede na ...n.º..., ...-... Lisboa, apresentou, em 24 de novembro de 2020, pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea b) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também identificada por “AT”.
A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios, referentes a 12 períodos mensais do ano 2016, perfazendo o valor global de € 145.244,06 (€ 126.188,77 de imposto e € 19.055,29 de juros compensatórios).
Pretende ainda a condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, no montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 53.º, n.ºs 1 a 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”). Juntou trinta documentos e requereu prova testemunhal.
Em 25 de novembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, com a notificação da AT.
A Requerente designou como árbitro a Prof. Doutora Clotilde Celorico Palma, no uso da prerrogativa prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.
Nos termos do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, e dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, a Requerida indicou como árbitro a Dra. Sofia Ricardo Borges.
As árbitros designadas pelas Partes comunicaram ao CAAD a designação da Dra. Alexandra Coelho Martins como árbitro presidente, conforme previsto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º, n.º 6 do RJAT.
Todas as árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Exmo. Presidente do CAAD informado as Partes dessa designação em 21 de janeiro de 2021, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo estas manifestado oposição.
Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 3 de maio de 2021.
Em 7 de junho de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).
Em 15 de setembro de 2021, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com declarações de parte e inquirição de uma testemunha indicada pela Requerente (tendo as demais sido por esta prescindidas). O Tribunal determinou a junção de documentos adicionais ao abrigo do princípio da verdade material e as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas. Fixou-se, ainda, o prazo para prolação da decisão (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).
Em 23 de setembro de 2021, a Requerente procedeu à junção de exemplos de contratos, conforme solicitado pelo Tribunal, e apresentou as suas alegações em 11 de outubro de 2021. A Requerida contra-alegou em 4 de novembro de 2021, tendo ambas as Partes reafirmado, no essencial, as posições assumidas nos articulados iniciais.
Por despachos de 25 de outubro de 2021, de 28 de dezembro de 2021 e de 28 de fevereiro de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.
Posição da Requerente
Como fundamento do seu pedido, a Requerente alega vício de violação de lei por considerar que as regularizações de IVA por si efetuadas, na sequência da emissão de notas de crédito respeitantes a “anulações totais ou parciais de contratos”, cujos clientes desistiram ou deixaram de pagar as respetivas prestações, são legais e devidas. Sustenta que, no seu caso concreto, não é possível nem praticável apresentar prova de que levou ao conhecimento dos clientes as regularizações em apreço, como prevê o artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA.
Defende ainda que, nas situações em que as notas de crédito são emitidas pelo valor total do contrato, nem sequer ocorre uma prestação de serviços. Por outro lado, afirma não poder ser cobrado pela AT um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo.
A Requerente alega assistir-lhe o efetivo direito à dedução do IVA, devendo o encargo do imposto recair sobre o consumidor final e não sobre os sujeitos passivos, a quem é conferido esse direito [à dedução], que não pode ser limitado, exceto nos casos expressamente previstos na Diretiva ou na lei. Apesar de o artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA constituir uma limitação legalmente prevista, este apenas é aplicável quando os adquirentes sejam sujeitos passivos de IVA e não quando os destinatários dos serviços são particulares, como sucede na situação sub iudice.
Acresce que o citado artigo 78.º, n.º 5 tem por razão de ser prevenir o enriquecimento sem causa do sujeito passivo e a fraude fiscal, pontos que estão devidamente acautelados no seu caso, pois, quanto ao risco de fraude, o IVA foi entregue ao Estado quando liquidado, e em relação ao enriquecimento sem causa, ao consumidor final está vedado o direito à dedução, pelo que não lhe é possível locupletar-se.
A Requerente sustenta ainda que a posição da Requerida viola o princípio da neutralidade do IVA, o princípio da capacidade contributiva, o princípio da proporcionalidade e o princípio da praticabilidade.
Para suportar a sua posição, invoca jurisprudência dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Justiça e dois pareceres, um do Prof. Doutor Sérgio Vasques e outro do Dr. João Taborda da Gama.
Posição da Requerida
A Requerida mantém a posição dos Serviços de Inspeção Tributária, no sentido de que a regularização de IVA constante das notas de crédito emitidas pela Requerente é indevida, dado o incumprimento, por parte desta, do requisito legal, de natureza formal, exigido pelo artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA, relativo à posse de prova de que os adquirentes tomaram conhecimento da retificação (aplicável a sujeitos passivos do imposto), ou de que foram reembolsados do imposto (referente a consumidores finais, categoria na qual se enquadram os clientes da Requerente).
Segundo entende, o n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA abrange, quer sujeitos passivos, quer consumidores finais, ao contrário do n.º 4 do mesmo artigo que se refere exclusivamente a adquirentes que sejam sujeitos passivos do imposto. No caso de não sujeitos passivos, a exigência legal do referido n.º 5 do artigo 78.º é de reembolso do imposto, implicando que, efetivamente, tenha existido um recebimento e um pagamento.
No caso, está em causa a falta de recebimento definitiva, total ou parcial, da contrapartida por parte dos clientes da Requerente. Sendo a anulação total (a que corresponde IVA no valor de € 26.407,90), a Requerida concede proceder a argumentação da Requerente, por não ter ocorrido qualquer pagamento da contrapartida, sendo desprovida de sentido a exigência de comprovativo da tomada de conhecimento da regularização.
Diferentemente, quanto às notas de crédito parciais, a Requerida considera que, tendo existindo um pagamento parcial, a necessidade de reembolsar o eventual imposto pago pelo adquirente não fica salvaguardada, a menos que estivesse comprovado nos autos que os clientes da Requerente não suportaram economicamente o imposto liquidado/regularizado, ónus que sobre esta impende nos termos previstos no artigo 74.º da LGT.
Por outro lado, afirma revelar-se impercetível apreender a razão da impraticabilidade ou exigibilidade da prova exigida: do reembolso do imposto ou da falta de recebimento da contrapartida nos períodos de tributação em causa.
Quanto às notas de crédito da série 3 (taxas administrativas ou fees de gestão), a Requerida aceita ter sido feita prova, através da junção aos autos da comunicação do Banco (“ficheiro de revogação”), que demonstra a não cobrança, em relação ao mês de dezembro, cujo IVA totaliza € 1.224,30. Porém, afirma não ser possível extrapolar para outros períodos em relação aos quais a Requerente não procedeu à respetiva comprovação.
A Requerida conclui pela procedência parcial do pedido, quanto às notas de crédito “totais”. E, bem assim, em relação às notas de crédito da série 3, na parte comprovada, relativa a dezembro de 2016. No remanescente pugna pela improcedência da ação.
No tocante ao pedido de indemnização por garantia indevida, a Requerida considera-o desprovido de suporte legal e improcedente, dado que o penhor de ações não é equivalente a uma garantia bancária, pelo que não se encontra abrangido pela previsão do artigo 53.º, n.º 1 da LGT. Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, a indemnização permitida por lei respeita aos custos ou despesas suportadas e não ao montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios.
Tal como a Requerente, a Requerida cita jurisprudência dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Justiça.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios controvertidos, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da data limite de pagamento, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT (no caso, releva a alínea a)).
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Fundamentação de Facto
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Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
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A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade comercial inscrita no cadastro das finanças com a atividade principal “Outros Serviços de Reservas e Atividades Relacionadas”, a que corresponde o CAE 79900, e tem por objeto social a “[e]missão, comercialização e gestão de cartões de desconto em estabelecimentos comerciais, hoteleiros e similares, bem como a gestão e exploração de estabelecimentos dessa natureza. Organização de férias organizadas” – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto como documento 25.
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A Requerente iniciou a sua atividade em 3 de novembro de 1997 e está enquadrada no regime normal de IVA de periodicidade mensal – cf. RIT.
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A Requerente desenvolve a atividade de comercialização de contratos de “clube de férias”, assente na venda e gestão de cartões denominados “...” e “...”, que conferem descontos aos sócios em estabelecimentos hoteleiros e na organização de férias, sendo que os seus clientes são, na quase totalidade, pessoas singulares – cf. RIT.
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Para acederem aos cartões e aos benefícios inerentes, os clientes da Requerente celebram um contrato e suportam um fee de entrada, cujo pagamento pode ser imediato (pronto pagamento) ou fracionado em mensalidades ao longo de diversos anos (entre 3 a 6 anos), e fees de gestão, estes últimos de periodicidade anual vencendo-se a primeira anuidade um ano após a assinatura do contrato – cf. RIT, cópia dos contratos juntas pela Requerente (cláusula 2) e declarações de parte.
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O contrato estipula que as “regalias ficam suspensas sempre que o seu subscritor entre em mora, quer no pagamento dos valores acordados [fee de entrada], quer no pagamento do custo administrativo” [fee de gestão] – cf. cópia dos contratos juntas pela Requerente (cláusula 2.3).
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Os detentores do cartão podem resolver o contrato celebrado, sem necessidade de indicação do motivo e sem quaisquer encargos, no prazo de 14 dias a contar da data da sua celebração – cf. cópia dos contratos juntas pela Requerente (cláusula 6.6).
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Mesmo quando o pagamento do fee de entrada é repartido por múltiplas mensalidades, a serem pagas ao longo dos anos, a Requerente emite uma só fatura no início da vigência do contrato, pela totalidade do seu valor. Nessa fatura liquida IVA à taxa aplicável (reduzida, de 6%), entregando o correspondente imposto ao Estado – cf. RIT e cópia das faturas juntas pela Requerente.
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Os membros do A... ficam com acesso à disponibilidade dos serviços, desde que não se verifique na sua conta corrente qualquer quantia em dívida, seja de prestações vencidas do fee de entrada, seja de taxas administrativas, mas são livres de nunca utilizar esses serviços – cf. cópia dos contratos juntas pela Requerente (v.g., cláusula 2.3) e declarações de parte.
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Quando os clientes da Requerente desistem do contrato ou entram em incumprimento e não pagam as prestações acordadas, esta emite notas de crédito. As notas de crédito podem respeitar – cf. RIT, declarações de parte e depoimento da testemunha:
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a contratos que nunca chegaram a ser iniciados e em relação aos quais não se verificou o pagamento de qualquer contrapartida, como, por exemplo, se tiver ocorrido desistência do contrato no momento inicial. Neste caso, as notas de crédito são emitidas pelo valor total do contrato (nota de crédito “total”). O IVA regularizado pela Requerente em 2016 e não aceite pelos serviços de inspeção da AT, nesta espécie, foi de € 26.407,90; ou
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a contratos que foram “interrompidos” por incumprimento. Aqui, as notas de crédito são emitidas pelos valores parciais que persistem em dívida (nota de crédito “parcial”). O IVA regularizado pela Requerente em 2016 e não aceite pelos serviços de inspeção da AT, nesta espécie, foi de € 80.902,04; ou
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A taxas administrativas. O IVA regularizado pela Requerente em 2016 e não aceite pelos serviços de inspeção da AT, nesta espécie, foi de € 18.875,14.
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As notas de crédito emitidas quando da desistência ou da resolução do contrato por incumprimento / falta de pagamento, incluindo a falta de pagamento de taxas administrativas, não implicam a restituição de qualquer valor aos clientes, pois respeitam unicamente a pagamentos não satisfeitos por estes da contraprestação do serviço já faturada e sujeita a IVA pela Requerente – cf. declarações de parte e depoimento da testemunha.
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Com a emissão das notas de crédito, a Requerente adota iniciativas de contacto dos clientes, para lhes dar conhecimento das mesmas, por diversos meios, incluindo e-mail e telefone. Porém, nem sempre consegue obter prova de que o cliente tomou conhecimento, nomeadamente através da recolha da assinatura do cliente na nota de crédito – cf. declarações de parte, depoimento da testemunha e cópia de alguns e-mails juntos pela Requerente em conjunto com exemplos de contratos.
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Acresce que, com a emissão das notas de crédito, a Requerente comunica aos clientes a “anulação” do contrato, informando não advir do mesmo quaisquer direitos ou responsabilidades para ambas as partes – cf. declarações de parte, depoimento da testemunha e cópia de exemplos de cartas remetidas aos clientes.
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As notas de crédito emitidas no ano 2016, cuja regularização do IVA não foi aceite, no valor de € 126.185,08, respeitam a três séries distintas que refletem valores não cobrados aos clientes – cf. RIT, documentos 26 e 27 e documento junto na audiência e declarações de parte:
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Série 1 – relativa a valores de fees de entrada de contratos celebrados e faturados no ano corrente [2016] – valor de IVA em causa € 16.469,53;
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Série 2 – relativa a valores de fees de entrada não pagos reportados a contratos celebrados e faturados em anos anteriores – valor de IVA em causa € 90.840,41;
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Série 3 – referente a taxas administrativas não cobradas € 18.875,14.
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Em 30 de janeiro de 2020, teve início um procedimento inspetivo realizado ao ano de 2016, em cumprimento da ordem de serviço OI2017..., de 28 de agosto de 2017, de natureza externa e âmbito parcial – cf. RIT.
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Na sequência do referido procedimento foram propostas à Requerente correções de IVA no valor de € 126.188,77, com fundamento exclusivo na regularização indevida de IVA por falta de cumprimento do disposto no artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA – cf. RIT.
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A Requerente optou por não exercer o direito de audição, tendo-o exercido, sem sucesso, relativamente a outros anos. A proposta de correções convolou-se em definitiva, do que foi a Requerente notificada por ofício datado de 22 de junho de 2020, da Direção de Finanças de Lisboa – Inspeção Tributária – cf. provado por acordo e RIT.
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Como fundamento para as correções de IVA refere o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), com relevância para a matéria dos autos, o seguinte – cf. RIT:
“II.3.2 – Atividade do sujeito passivo
[…]
«Em sede de IVA, foi verificada a aderência entre os valores contabilizados/apurados contabilisticamente e os valores declarados nas D.P.'s, tendo-se concluído o seguinte:
1 – O sujeito passivo efetua operações, pelo qual, liquida imposto à taxa reduzida de IVA, nomeadamente na venda dos cartões “..." e “...", valores que se encontram inscritos no campo 02 - Imposto liquidado / taxa reduzida, enquanto que os valores que constam no campo 04 - Imposto liquidado / taxa normal, são respeitantes a custos administrativos, que constam nas cláusulas dos contratos celebrados com a venda dos referidos cartões, que são atualizados com a respetiva taxa de inflação.
2 – A montante os inputs resultam essencialmente da aquisição de serviços, com imposto deduzido a 23%, respeitantes, a aluguer de salas em estabelecimentos hoteleiros em vários zonas do país para apresentação aos clientes dos cartões de sócios do clube ..., utilização dos serviços de reservas de alojamentos faturados pela B..., serviços jurídicos, informáticos, etc, relevados no campo 24 das DPS.
Da análise, por amostragem, efetuada, através da verificação documental do IVA deduzido, contabilizado nas contas 2432, ao longo do exercício de 2016, não se detetaram inconformidades com o plasmado nos artigos 19.º a 26.º e 36.º, todos do Código do IVA.
3 – Do total de IVA deduzido no valor de € 787.139,77, no ano de 2016, € 623.695.43 são referentes à dedução de outros bens e serviços (OBS) e € 182.044,21 são relativos a regularizações a favor do sujeito passivo. Da análise efetuada, através da verificação documental, por amostragem, do IVA deduzido, contabilizado nas contas 2432, ao longo do exercício de 2016, não se detetaram inconformidades com o plasmado nos artigos 19.º a 26.º e artigo 36.º do CIVA.
Já, relativamente aos montantes inscritos/declarados no campo 40 das DP's, relativos a regularizações de imposto a seu favor, que dizem respeito a contratos que tinham sido celebrados e faturados, mas que os clientes posteriormente desistiram ou deixaram de pagar as respetivas prestações, pelo que, as anulações nuns casos foram totais noutros parciais, também aqui, foram analisados os respetivos documentos de suporte e foram propostas as correções fiscais que se encontram devidamente explanadas no ponto III.1 do presente relatório.
[…]
III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas À Matéria Tributável
Com base na análise efetuada e dos elementos e documentos de suporte disponíveis, relativos ao exercício de 2016, detetaram-se irregularidades de natureza tributária, para as quais se propõem as seguintes correções, devidamente evidenciadas e documentadas.
Correções Aritméticas – Exercício de 2016
III.1- Em sede de IVA: Regularizações indevidas de IVA a favor do sujeito passivo
O sujeito passivo no desenvolvimento da sua atividade, procedeu, todos os meses, à regularização de imposto a seu favor, contabilizado nas contas 2434106 – Iva regularizado a favor SP / Tx 6%, 2434105 - Iva regularizado a favor SP / Tx 5% (relativos a contratos antigos), e na conta 24331123- Iva liquidado Tx 23%, que através de um movimento contabilístico manual mensal, foi transferido/contabilizado para a conta 2434123- IVA regularizado a favor SP/ Tx 23%, montantes/regularizações essas, que foram declaradas, mensalmente, no campo 40 das DP’s IVA, sendo que para o efeito, foram emitidas ao longo do exercício de 2016, várias notas de crédito, com intuito de anular faturação desses exercícios, bem como, de exercícios anteriores.
Importa sublinhar que, tal como as faturas, no caso das notas de crédito, as denominadas de série 1, anulam faturas do próprio exercício e as de série 2 anulam faturas de exercícios anteriores, as da série 3 anulam taxas administrativas, constando no anexo II cópias de alguns exemplos desses documentos emitidos, bem como os extratos das contas 2434106, 24331123 e 2434123, relativos à sua contabilização.
Importa, então, efetuar a análise aos documentos apresentados que servem de suporte às referidas regularizações de imposto, sendo que, o código do IVA, no seu artigo 78.º regula as retificações de imposto, ora em análise.
Solicitados ao sujeito passivo todos os documentos de suporte relativamente às regularizações de IVA declaradas no campo 40 das DP’s, da análise efetuada, designadamente às notas de crédito assinadas apresentadas pelo sujeito passivo, conjuntamente com os contratos assinados pelo cliente, no sentido de aferir e verificar o preenchimento dos requisitos legais impostos pelo n.º 5 do artigo 78.º do CIVA, verificou-se, documentalmente, que relativamente ao valor de € 35.144,78, assim como ao valor de € 710,66 relativo a outros movimentos de regularização, tais documentos preenchem os requisitos impostos pelo citado normativo legal, como adiante se concretizará com a quantificação por período/mês de tais montantes.
No entanto, verificou-se a existência de documentos (notas de crédito) no valor total de € 126.188,77 que não estão assinados, isto é, não se demonstrou, pois, que o adquirente tenha tomado efetivo conhecimento da retificação/regularização de IVA, requisito legal essencial para a aceitação da regularização de IVA, nos termos do n.º 5 do artigo 78.º do CIVA.
Atente-se que nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, ou seja, se depois de registado na contabilidade, “(…) for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efetuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável…”.
As regularizações que se encontram plasmadas no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, constituem uma faculdade para o sujeito passivo, de acordo com o n.º 3 do citado artigo, sendo que, sempre que este opte por efetuar tais regularizações, é requisito necessário e essencial dar cumprimento ao expressamente imposto no n.º 5 do artigo 78.º do referido diploma legal.
De acordo com o n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, “Quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respetiva dedução.”.
Acresce, ainda, que de acordo com a Direção de Serviços do IVA, tendo por base o ofício circulado 33129/1993, para efeitos do n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, são considerados documentos idóneos, emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor, qualquer um dos meios de comunicação escrita – carta, ofício, telex, telefax, telegrama – com referência expressa ao conhecimento da retificação do IVA, bem como nota de devolução ou nota de recebimento da retificação do IVA ou fotocópia da nota de crédito, após assinatura e carimbo do adquirente, constituindo documento por ele enviado após tomada de conhecimento da regularização do imposto a efetuar.
Isto é, a prova de que o adquirente, independentemente da sua natureza, tomou conhecimento, suportado por meio de documentos idóneos, é um requisito legal de natureza formal do qual depende o exercício do direito à dedução/regularização.
Em suma, sem que o sujeito passivo tenha na sua posse confirmação escrita efetuada pelos seus clientes de que receberam a comunicação evidenciando o montante do IVA retificado, ou de que foram reembolsados do respetivo imposto, só pode a administração fiscal considerar que não estão verificados e preenchidos os requisitos e as disposições expressamente impostas pelo n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA.
Face ao exposto, nos casos ora em análise e cujos registos contabilísticos se encontram devidamente identificados e detalhados no anexo II, conclui-se que o sujeito passivo não apresentou prova documental cabal e idónea, relativamente a notas de crédito no valor total de € 126.188,77, em como os adquirentes haviam tomado efetivo conhecimento da retificação do imposto, pelo que, só pode a Administração Fiscal, considerar tais regularizações de IVA como indevidas, em cada um dos períodos e montantes abaixo identificados, à luz do n.º 5 do art.º 78º do Código do IVA, conforme se apresenta seguidamente:
[…]
Atentas as correções expostas, no presente capítulo e conforme demonstrado, tendo sido, por razões imputáveis ao contribuinte, retardada a liquidação do imposto, verifica-se que, ao abrigo do disposto no artigo 35.º, da Lei Geral Tributária e do n.º 1 do artigo 96.º do Código do IVA, conjugados com o preceituado no artigo 559.º do Código Civil subsidiariamente aplicável às obrigações tributárias ex vi do artigo 2.º da LGT, se demonstra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, ao montante de imposto em falta.
[…]”
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Subsequentemente, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios aqui impugnadas, relativas ao ano 2016, perfazendo o valor total a pagar, de € 145.244,06, com data limite de pagamento fixada em 28 de agosto de 2020, conforme quadro resumo infra – cf. documentos 1 a 24 juntos pela Requerente:
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Para fazer para fazer face à suspensão do processo de execução fiscal instaurado na sequência das liquidações controvertidas, a Requerente apresentou garantia voluntária traduzida num penhor de ações, no âmbito do processo ...2020... – cf. provado por acordo.
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Em 24 de novembro de 2020, por não se conformar com as referidas liquidações de IVA e juros compensatórios, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.
2. Factos não Provados
Com relevo para a decisão, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
3. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos. Foram também relevantes as declarações do presidente do Conselho de Administração da Requerente, C..., e da Diretora Administrativa, D..., que manifestaram conhecimento direto e detalhado das matéria a que responderam, fazendo-o com objetividade e clareza.
IV. Do Direito
1. Questão Decidenda – Quadro Legal
A única questão em discussão nos presentes autos respeita à aplicabilidade do requisito formal previsto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, às notas de crédito emitidas pela Requerente em 2016, tendo sido este o único fundamento de rejeição, pela Requerida, das regularizações a favor do sujeito passivo.
Neste âmbito, interessa começar por compulsar o disposto na norma em referência e, de igual modo, o regime da Diretiva IVA (2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006), cujas coordenadas conformam o direito interno, de acordo com o preceituado no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição e com o princípio do primado do direito europeu[1], em relação aos ajustamentos ao imposto liquidado em excesso pelos sujeitos passivos do imposto.
No Direito Interno
Dispõe o artigo 78.º do Código do IVA, nos seus n.ºs 1, 2 e 5, o seguinte:
“Artigo 78.º
Regularizações
1 - As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo.
2 - Se, depois de efetuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efetuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.
[…]
5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respetiva dedução.”
No Direito da União Europeia
A Diretiva IVA (Diretiva do Conselho, 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006), que institui o sistema harmonizado do IVA e constitui a fonte habilitante do regime doméstico, de acordo com o artigo 113.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), prevê, no Título VII, relativo ao Valor Tributável, Capítulo 5 (Disposições diversas), uma norma que rege as situações de redução desse valor e, em consequência, do IVA liquidado, nos termos infra transcritos:
“Artigo 90.º
1. Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.
2. Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.º 1.”
Acresce mencionar a regra fundamental de determinação do valor tributável, para efeitos de IVA, que consta do Capítulo 2 (Entregas de bens e transmissões de serviços):
“Artigo 73.º
Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.”
O Tribunal de Justiça veio clarificar os pressupostos da distinção estabelecida pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º da Diretiva IVA. No primeiro caso, enquadram-se as situações de anulação, rescisão ou resolução das operações, no segundo, está em causa o não pagamento. Neste último, a relação jurídica subsiste, continuando a ser devida a prestação pelo devedor, que permanece responsável pelo pagamento do preço da transação, e o credor “ainda dispõe, em princípio, do seu direito de crédito, que poderá ser exercido nos tribunais” [2].
Em ambas as situações, os Estados-Membros devem assegurar a possibilidade de retificação do valor tributável a favor dos sujeitos passivos, podendo, no entanto, derrogá-la no caso de créditos de cobrança duvidosa/incobráveis.
Numa análise aprofundada, constata-se que a diferenciação das duas situações não é, porém, significativa, pois a opção concedida aos Estados-Membros relativamente aos créditos incobráveis (artigo 90.º, n.º 2 da Diretiva), que lhes permitiria impedir a redução do valor tributável e a retificação do IVA a favor dos sujeitos passivos, não subsiste se a incobrabilidade for definitiva, que acaba por ser, desta forma, equiparada ao caso de anulação, rescisão ou resolução das operações (artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva).
Assim, apenas nas situações de não pagamento temporárias (chamemos-lhes de ‘“cobrança duvidosa”) os Estados-Membros podem beneficiar do regime de exceção aberto no n.º 2 do artigo 90.º da Diretiva, i.e., não admitindo a redução do imposto, que tem subjacente a circunstância do “não pagamento” ser meramente transitória, de caráter incerto (no sentido de ainda não definitivo) e de difícil verificação – v. acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de julho de 1997, Goldsmiths, processo C-330/95, ponto 18.
Nos demais casos (ou seja, naqueles previstos no n.º 1 do artigo 90.º da Diretiva IVA), a obrigação de redução do valor tributável e do IVA correspondente tem efeito direto, como afirma o acórdão Almos, de 15 de maio de 2014, C-337/13 (pontos 23 e 31 a 35) e a jurisprudência subsequente, nomeadamente nos processos C-589/12, GMAC (acórdão de 3 de setembro de 2014, pontos 29 a 32) e C-404/16, Lombard (acórdão de 12 de outubro de 2017, pontos 29 e 31).
Mais ainda, para o Tribunal de Justiça, apesar de o efeito direto do n.º 1 do artigo 90.º da Diretiva IVA[3] não poder ser invocado no caso específico de créditos de cobrança duvidosa (n.º 2), em virtude da mencionada faculdade de derrogação, não é de admitir que os Estados-Membros possam excluir pura e simplesmente a redução da matéria coletável do IVA – v. acórdão Di Maura, de 23 de novembro de 2017, C-246/16 (pontos 19 a 21). Assim, o efeito direto projeta-se também nos casos do n.º 2, a partir do momento em que estes se transformem numa incobrabilidade definitiva (acórdão Almos, ponto 40).
Do ponto de vista substantivo, o Tribunal de Justiça afirma de forma lapidar que as Autoridades Fiscais não devem cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo prestador, nem o sujeito passivo considerar um montante inferior ao recebido, ou ao que ainda espera receber, de molde a salvaguardar a neutralidade do imposto[4] – v. acórdãos Lombard, de 12 de outubro de 2017, C-404/16, ponto 26, e Almos, de 15 de maio de 2014, C-337/13, ponto 22.
Da combinação das duas normas [artigos 73.º e 90.º da Diretiva IVA] sobressai o princípio estruturante de que o IVA deve ser proporcional ao preço efetivamente auferido pelas operações praticadas “o princípio da contraprestação efetiva”, sem prejuízo de, como o próprio artigo 90.º expressa, serem fixadas para o efeito condições pelos Estados-Membros.
Além do citado artigo 90.º, o artigo 273.º da Diretiva IVA permite também que os Estados-Membros prevejam “outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude”.
No entanto, essas condições devem ser apenas formais, tendo-se suscitado aos longo dos anos, dúvidas interpretativas sobre o seu alcance, que estão na origem de processos de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça, órgão competente para interpretar o direito da União Europeia[5] [6].
Em matéria de requisitos formais, o Tribunal de Justiça afirma consistentemente, desde o processo Kraft Foods, C-588/10, de 26 de janeiro de 2012, que os Estados-Membros os podem impor como pressuposto prévio da redução do valor tributável. Porém, a sua validade depende de se limitarem ao estritamente necessário à prossecução do objetivo de evitar a fraude e evasão fiscal, não podendo ser utilizados por forma a pôr em causa a neutralidade do IVA (ponto 28).
Tais requisitos [formais] estão, desta forma, condicionados pelo princípio da proporcionalidade, sendo de notar que, nesta matéria, a alusão ao parâmetro da proporcionalidade tem origem nas conclusões elaboradas pelo advogado-geral La Pergola no caso Goldsmiths, processo C-330/95, que refere que o poder discricionário atribuído ao legislador nacional pela Diretiva para introduzir condições formais tem limites que reclamam que a derrogação seja conforme aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade e que respeite os objetivos de harmonização do sistema comum do IVA[7]. Conclui o advogado-geral La Pergola que se essa faculdade discricionária for exercida em termos tais que afastem a regra geral da contraprestação efetiva e vedem a redução da matéria coletável de uma “forma global e sistemática” não será conforme aos imperativos do direito europeu, por “violação do princípio da neutralidade fiscal, o qual está ligado ao princípio fundamental da não discriminação”, entendimento que veio a ser sufragado pelo Tribunal de Justiça[8].
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Análise Concreta
Retomando o caso concreto, constata-se que o não pagamento, pelos clientes, do fee de entrada, de alguma das suas prestações, ou ainda da taxa administrativa anual debitada pela Requerente suscita a resolução dos contratos celebrados com os clientes, deixando qualquer das Partes de ter direitos e responsabilidades derivadas do contrato celebrado (que a Requerente designa nas cartas de comunicação aos clientes de “anulação”).
Assim, a Requerente não prossegue a cobrança dos referidos valores, optando por extinguir o contrato, deixando de ser devidas as mencionadas importâncias, situação que é enquadrável no disposto no artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA, nos termos do supra exposto, de que o artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA constitui transposição.
Dado o efeito direto da norma da Diretiva, que postula a redução do valor tributável e do IVA correspondente nas condições fixadas pelos Estados-Membros, impende sobre o legislador nacional a obrigação de assegurar essa redução, sem prejuízo da possibilidade de, para tal, serem estabelecidas condições formais, que foram, no caso, contempladas no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, cuja aplicação está em discussão nestes autos.
Como referem os pareceres juntos aos autos, esta norma justifica-se por dois objetivos essenciais, “prevenir o enriquecimento sem causa do sujeito passivo, evitando que recupere do Estado imposto que não transmite ao adquirente; e prevenir a fraude fiscal, que pode resultar de o sujeito passivo regularizar o imposto liquidado sem que o adquirente regularize o imposto que deduz” – citação extraída do parecer do Prof. Sérgio Vasques. No caso de não pagamento das quantias faturadas aos clientes particulares, o «reembolso do IVA» está demonstrado por natureza, pois não tendo sido recebido/cobrado qualquer imposto pela Requerente, não há nada a devolver (ideia ressaltada no parecer do Dr. João Taborda da Gama).
A Requerida na sua Resposta veio reconhecer a ilegalidade das correções efetuadas pelos serviços de inspeção, no tocante às notas de crédito da 1.ª série, respeitantes à “anulação total” dos contratos, no valor de € 26.407,90 (de IVA). Entende que, sendo os clientes da Requerente particulares, ou seja, não sujeitos passivos (que, por essa razão, não podem deduzir qualquer imposto), e não tendo ocorrido qualquer pagamento, é desprovida de sentido a exigência de comprovativo da tomada de conhecimento da regularização, cujo objetivo é precisamente, como acabado de referir, acautelar que:
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Por um lado, não ocorra o enriquecimento do sujeito passivo [a aqui Requerente], por retenção indevida do valor do IVA regularizado, não o repercutindo ao cliente que o suportou (e deve suportar) economicamente. Ora, na situação vertente esta retenção não é sequer equacionável, pois a Requerente não chegou a receber qualquer pagamento do IVA, pelo que também não há que restituí-lo;
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Por outro lado, não se verifiquem situações em que o sujeito passivo regularize o IVA a seu favor sem que o adquirente reponha a dedução do mesmo imposto. Também esta preocupação não tem pertinência no caso da Requerente, uma vez que os seus clientes não são sujeitos passivos de IVA, não se colocando a questão da inicial dedutibilidade do imposto regularizado.
A Requerida também aceita que o IVA regularizado das notas de crédito da 3.ª série (reportada a taxas administrativas), na parte em que a Requerente, através da junção aos autos da comunicação do Banco de dezembro de 2016, comprova não terem sido cobradas, não deva ser objeto de correção, pelo mesmo motivo. Com efeito, não tendo ocorrido prévia cobrança daquelas taxas, encontrando-se os clientes em incumprimento, não existe risco de fraude ou de enriquecimento sem causa da Requerente, atento o facto de o correspondente IVA nunca ter sido por esta cobrado, pelo que não pode locupletar-se do mesmo.
Neste ponto, importa referir que, na pendência desta ação, a Requerente (que inicialmente só tinha feito prova das taxas administrativas não cobradas relativas ao mês de dezembro de 2016) juntou elementos comprovativos da não cobrança das taxas administrativas constantes das notas de crédito da 3.ª série para todos os meses do ano 2016, tendo demonstrado os pressupostos do direito à regularização de IVA efetuada, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) – v. pontos I, J e M da matéria de facto.
Nestes termos, considera-se legalmente regularizada a totalidade do valor do IVA destas notas de crédito, na importância de € 18.875,14, e não somente a quantia de € 1.224,30, referente ao mês de dezembro de 2016, com a consequente ilegalidade da correção efetuada pela AT, também nesta parte.
Resta apreciar as notas de crédito da 2.ª série cuja única diferença discernível em relação à 1.ª série é a de que respeitam a contratos em que ocorreram pagamentos antes da entrada dos clientes em incumprimento. Os argumentos atrás enumerados são, de igual modo, válidos nesta espécie, sendo que, em sede de Resposta, a Requerida refere que não podem ser aplicados por não ter sido comprovado nos autos que os clientes da Requerente não suportaram economicamente o imposto regularizado.
Porém, não é assim. Resulta do probatório (v. pontos I, J e M da matéria de facto) que as notas de crédito, cuja regularização de IVA foi desconsiderada pelos serviços de inspeção tributária, se referem a importâncias monetárias faturadas que não foram pagas pelos clientes, em qualquer das três séries acima identificadas.
Acresce que esse não foi o fundamento dos atos tributários controvertidos que assentou exclusivamente no facto de as notas de créditos não estarem “assinadas” pelos clientes, conforme excerto retirado do RIT: “não se demonstrou, pois, que o adquirente tenha tomado efetivo conhecimento da retificação/regularização de IVA, requisito legal essencial para a aceitação da regularização de IVA, nos termos do n.º 5 do artigo 78.º do CIVA”.
E este fundamento único das correções, que se prende com o alegado incumprimento dos requisitos formais previstos no artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA, não reúne condições de procedência, tendo em conta as circunstâncias específicas da Requerente, em virtude de os seus clientes não serem sujeitos passivos de IVA, não sendo aplicável o primeiro segmento da norma – ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação (pois não há qualquer IVA dedutível a retificar justificativo da observância deste procedimento) – nem o segundo – relativo à prova de que o cliente foi reembolsado do imposto (dado inexistir qualquer reembolso de imposto a efetuar uma vez que este não chegou a ser pago pelo cliente).
A situação de regularização do IVA liquidado em excesso que constitui o objeto da presente ação, enquadra-se, como referido, no âmbito das regras do valor tributável das operações e da sua redução obrigatória, quando a contraprestação (efetivamente) recebida é inferior àquela que foi considerada como base de cálculo (de incidência) do IVA a liquidar nas operações ativas (transmissões de bens e prestações de serviços).
Questão distinta é a do exercício do direito à dedução, regulado nos artigos 19.º e seguintes do Código do IVA, que não tem qualquer aplicação à situação em análise, pelo que o Tribunal não se pronunciará sobre essa linha de argumentação suscitada pelas Partes.
Atento o exposto, considera-se procedente o vício de erro de direito invocado pela Requerente.
3. Indemnização por Prestação de Garantia
A Requerente peticiona a indemnização por prestação de garantia indevida, para o que invoca o artigo 53.º da LGT, alegando, para o efeito, ter constituído um penhor de ações para suster o processo executivo (execução fiscal) contra si instaurado.
No entanto, apesar de a possibilidade de atribuição de indemnização por prestação de garantia indevida estar, de facto, prevista no artigo 53.º da LGT, encontra-se limitada ao prejuízo sofrido por prestação de garantia bancária ou equivalente (seguro-caução), não contemplando a lei a possibilidade de indemnização por prestação de outro tipo de garantia, nomeadamente penhor ou hipoteca. Não pode dizer-se que a prestação de garantia através de um penhor de ações consubstancia uma garantia equivalente à garantia bancária. Neste sentido se pronuncia a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, citando-se, a título ilustrativo, o acórdão de 24 de outubro de 2012, processo n.º 528/12[9].
Adicionalmente, mesmo que fosse de admitir tal pretensão (que não é), o valor da indemnização reportar-se-ia aos prejuízos com a sua prestação e não a um hipotético cálculo de juros indemnizatórios que o n.º 3 do artigo 53.º da LGT apenas convoca como limite máximo da indemnização e não como critério de determinação do montante do prejuízo sofrido que, em geral, se retira dos encargos suportados para a prestação de garantia.
Em Síntese,
Pelo exposto, procede a ilegalidade substantiva invocada pela Requerente, geradora de invalidade, sendo as liquidações de IVA e de juros compensatórios dos períodos de tributação de janeiro a dezembro de 2016 anuladas in totum, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do novo CPA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.
É improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (artigo 608.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), nomeadamente no que se refere aos princípios da neutralidade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, à face da interpretação adotada.
V. Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a anulação dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios impugnados, referentes aos doze períodos de 2016;
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Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia.
VI. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 145.244,06, correspondente ao valor das liquidações de IVA e juros compensatórios cuja anulação é peticionada, conforme indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
Notifique-se.
Lisboa, 6 de abril de 2022
Os Árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Clotilde Celorico Palma
Sofia Ricardo Borges (com a declaração de voto que segue)
Declaração de voto
Não obstante acompanharmos o sentido da Decisão, não nos revemos num seu segmento fundamentador. Como segue. Em breve súmula e sempre com todo o respeito.
Num ponto preliminar (que ainda assim, veremos, nem se tornava determinante no entendimento que temos da situação), de referir que não nos é dado acompanhar o raciocínio no sentido de que quando perante pessoas singulares, particulares (como a maioria no caso), impossível se torna estarmos perante Sujeitos Passivos de IVA. Para não ir mais longe, um profissional liberal será uma pessoa singular, e, ainda assim, poderá estar a adquirir um serviço/um bem seja enquanto profissional liberal, seja enquanto consumidor final. O nif do mesmo, que constará da factura (e, assim, a factura), não responde à questão de saber em qual dessas qualidades está a adquirir (e, assim, parece-nos, as deduções a jusante não seriam, sempre e sem excepção, impossíveis). E no caso não se entende, também, que o IVA em causa não pudesse ser dedutível - mesmo que residualmente (v. n.º 2, al.s d) e e), do art.º 21.º do CIVA e, ademais, tenha-se presente que na actividade da Requerente se incluía também o facultar do acesso a descontos “em estabelecimentos comerciais” – cfr. A) factos provados, e a “serviços acessórios proporcionados por outras empresas” – cfr. 23., c) PPA). Posto o que, se se entendesse o n.º 5 do art.º 78.º aplicável à situação sub judice (no que, já se antecipa, não nos revemos), não seria por se estar perante pessoas individuais que acaso não houvessem realizado o pagamento da factura que, de pronto, os riscos que esse normativo visa prevenir se haveriam de dar, quanto a nós, por assegurados como estando ultrapassados (v. p. 22, 2.º parágrafo, in fine, do Acórdão).
Como quer que seja.
A situação em apreciação nos autos, no âmbito da qual a Requerente procedeu a Regularizações de IVA (a seu favor), as quais a Requerida não aceitou (corrigindo-as), cremos, não se enquadrava no n.º 2 do art.º 78.º do CIVA. Sendo que para ser dado ao Sujeito Passivo optar por tais Regularizações (as tratadas pelo nosso legislador no art.º 78.º - e cfr. n.º 2, segunda parte, do mesmo dispositivo legal) necessário será encontrarem-se reunidas as condições substanciais dali, n.º 2[10], constantes – a saber, “(...) em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos (...)”.[11]
Pela prova carreada nos autos, não nos é dado formar um juízo no sentido de ser possível considerar ter havido incumprimento definitivo dos contratos, ao a Requerente emitir as Notas de Crédito (NC) (nem antes, ou após). Não detectamos, na situação, e cfr. a prova nos autos, ter ocorrido, se se quiser assim denominar - para melhor clarificar os conceitos - supressão da fonte das obrigações em questão. Extinção do(s) contrato(s). Não houve resolução - cfr., no Código Civil, o art.º 432.º e ss. e, entre o mais, o art.º 808.º[12].
Sem maiores desenvolvimentos. Houve, efectivamente - cfr. probatório, e como logo parece também implícito no racional do(s) acto(s) tributário(s) impugnado(s) - falta de pagamento. Não pagamento, portanto. Total ou parcial. Realizada a Audiência (reunião do art.º 18.º do RJAT) e analisada a documentação, porém, não ficámos convencidos tenha resultado demonstrado incumprimento definitivo. Antes, e diferentemente, simples mora, do devedor. O devedor da FC não estava senão em mora. (Não tendo sido feita, no caso, qualquer notificação admonitória, a conceder um prazo razoável ao devedor para pagar, o atraso no cumprimento gera simplesmente mora - que assim não se considera convertida em incumprimento definitivo – cfr. 808.º do CC, necessariamente aplicável na ausência de convenção das partes, como é o caso).
Não deixa, aliás, parece-nos, de ser coerente com o que acabamos de dizer o constante, desde logo, do probatório (v. I, J, K e L). E em conjugação seja com o nosso regime jurídico de extinção dos contratos, seja com a ausência de qualquer cláusula a tanto reportada nos contratos celebrados pela Requerente (a não ser a cláusula, de lei, reportada aos 14 dias de direito ao arrependimento), seja com as declarações de Parte (em que a Requerente, na pessoa do seu Administrador, de antemão confirmou, entre o mais, não crer haver cláusula nos contratos a tratar da questão, e de forma clara expôs o procedimento que seguem ser o de em situação de atraso de pagamentos, sem duração pré-definida, mais ou menos variável, pois, ou nas situações de já não conseguirem contactar os clientes, verem o valor que está em dívida e emitirem a NC. Ponto; que as NC coincidiam com “os valores em dívida, vencidos e vincendos”, e ao pedido de esclarecimento do Tribunal sobre se os Clientes tinham facilidade em pôr termo ao contrato respondeu “A maior facilidade é que deixam de pagar”, que as NC são emitidas “pelo valor que está em dívida”, e assim: “Então como é que termino um contrato se tenho a facturação feita e não paga?”[13]) e o depoimento da Contabilista Certificada (que, entre o mais, igualmente expôs que quando o departamento de pós-venda chega à conclusão que os clientes não têm condições, ou quando não é mais possível o contacto com os clientes, “vai-se anular pelas prestações que estiverem vencidas mais pelas vincendas, se não pelo valor total em dívida”[14]).
Sendo que, cfr. Artigo 73.º da DIVA, o valor tributável deverá ser o que o prestador “tenha recebido ou deva receber”.
E sendo que é por poder ser difícil distinguir as situações de incumprimento definitivo das situações que aí se não enquadrem – i.e., das situações de mero “incumprimento transitório” (mora, portanto), que o legislador Comunitário permitiu aos EM decidirem como tratar (e eventualmente não permitirem regularizar) as situações que retirou do n.º 1 do Artigo 90.º e colocou no seu n.º 2 (DIVA).
Como se lê no Acórdão do TJUE no Caso E. sp. z o. o. sp. k., Proc. C-335/19 (de 15.10.2020), “(...) o legislador da União decidiu deixar a cada Estado-Membro a escolha de determinar se o não pagamento do preço, que, por si só, contrariamente à resolução ou à anulação do contrato, não coloca as partes na situação inicial, dá direito à redução correspondente do valor tributável nas condições fixadas pelo Estado -Membro, ou se, nesse caso, não é admitida qualquer redução (...)” - (Par. 27).
A qualificação da situação nos autos como sendo, ou não, de incumprimento definitivo é passível de efeitos jurídicos relevantes. Como no Acórdão não deixa de reconhecer-se. E cfr. bem se apreende no confronto entre o Artigo 90.º, n.º 1 da DIVA e o art.º 78.º, n.º 2 do CIVA. E atentando, ainda, no n.º 2 daquele Artigo 90.º.
O não pagamento, total ou parcial, não foi acolhido pelo nosso legislador no n.º 2 do art.º 78.º (CIVA). Foi acolhido pelo nosso legislador, mas não ali, se se preferir.
Isto dito. Também não se provou o carácter definitivo do incumprimento. Quanto a nós.
A situação vem, porém, configurada como sendo enquadrável enquanto tal. E a Requerida, no acto em crise, fundamentou-se, apenas, no n.º 5 do art.º 78.º (na sua relação com o n.º 2).
Consequentemente, não podia senão ser procedente o Pedido.
Acompanhamos a fundamentação da Decisão, assim, no essencialmente respeitante a os requisitos de forma convocados em fundamento do acto pela Requerida não serem de molde a exigir, no caso, e tendo em conta também o que vimos de expôr, invalidar-se as Regularizações efectuadas pela Requerente.
Lisboa, 6 de Abril de 2022
(Sofia Ricardo Borges)
[1] Sobre a génese e evolução do princípio do primado, de construção jurisprudencial, veja-se Diogo Freitas do Amaral e Nuno Piçarra, O Tratado de Lisboa e o Princípio do Primado do Direito da União Europeia: uma “Evolução na Continuidade”, Revista de Direito Público, Ano I, n.º 1, 2009, Almedina, pp. 9-56, que fazem o percurso da origem jurisprudencial deste princípio, desde os acórdãos Van Gend Loos (processo 26/62, de 5 de fevereiro de 1963), Costa/ENEL (processo 6/64, de 15 de julho de 1964) e Simmenthal (processo 106/77, de 9 de março de 1978), entre outros que se sucederam. Especificamente em matéria de IVA e ligando o primado do direito europeu ao princípio da efetividade vide Sérgio Vasques, op. cit. p. 93.
[2] Ponto 25 do acórdão Almos (de 15 de maio de 2014, C-337/13) reiterado em jurisprudência posterior, v.g. no acórdão do Tribunal de Justiça, de 12 de outubro de 2017, processo Lombard, C-404/16, e de 2 de julho de 2015, processo NLB Leasing, C-209/14. Este último refere no ponto 36: “Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, fora dos casos de anulação ou resolução dos contratos, no qual as partes voltam à situação em que se encontravam antes da celebração do contrato e em que o sujeito passivo já não dispõe do seu crédito, o artigo 90.º, n.º 1, da Diretiva IVA visa apenas as situações nas quais a contraparte no contrato não cumpre ou cumpre apenas parcialmente uma obrigação que resulta desse contrato […]”. Sobre esta distinção v. também o processo C-396/16, T-2, de 22 de fevereiro de 2018.
[3] Correspondente ao artigo 11.º, C, n.º 1, 2.º parágrafo da Sexta Diretiva, a que se refere o acórdão Di Maura.
[4] Neste sentido, v. Michael Lang et al., op. cit., p. 253.
[5] O artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) estabelece que o Tribunal de Justiça da União Europeia é a instituição competente para decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas demais instituições, órgãos ou organismos da União (alínea b) da citada norma).
[6] Sobre a jurisprudência de direito europeu relativa à aplicação do artigo 90.º da Diretiva IVA, veja-se Ben Terra, Julie Kajus, Commentary – A Guide to the Recast Directive, IBFD, versão eletrónica a 14 de novembro de 2017 (em particular a secção “7.6.1 Cancellation, refusal, non-payment and price reductions (Article 90)”, pp. 1572-1588) e Michael Lang et al., CJEU – Recent Developments in Value Added Tax 2017, Linde Verlag, 2018, pp. 259-264.
[7] Conclusões do advogado-geral La Pergola no processo Goldsmiths, pontos 20 a 30.
[8] V. a título de exemplo o caso Almos, que versa sobre a incobrabilidade definitiva, em que o Tribunal também declara que as formalidades têm de limitar-se às que são necessárias para provar que, depois de efetuada uma transação, os sujeitos passivos não receberão, definitivamente, uma parte ou a totalidade da contrapartida (pontos 38 e 39).
[9] De que se reproduz o esclarecedor sumário:
“I - No caso concreto dos autos, em que a garantia prestada para suspender a execução, foi uma hipoteca, esta garantia real não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos do artº 171º do CPPT.
II - Com efeito, esta hipoteca voluntária, em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Assim, não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.
III - Também não podia, ser requerida a fixação da indemnização ao abrigo da norma quantificadora do artº 53º nº 3 da LGT pois esta é inaplicável ao caso dos autos.
IV - É no entanto certo que o recorrido pode ter outros danos para além dos prejuízos decorrentes do pagamento de emolumentos. Assim é de admitir a possibilidade de o pedido indemnizatório ser efectuado em processo autónomo onde se possam averiguar com mais acuidade os danos que o interessado possa ter sofrido ( este deve especificar os concretos prejuízos) à semelhança do que estipula o artº 53º nº 3 da LGT para a garantia bancária e seguro caução.”
[11] Quaisquer sublinhados e/ou negritos na presente são nossos.
[12] (Divisão III – Mora do devedor)
[13] Tudo cfr. gravação da Audiência, Parte 1.
[14] Cfr. gravação da Audiência, Parte 2.