Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 627/2020-T
Data da decisão: 2022-04-12  IRC  
Valor do pedido: € 82.241,78
Tema: IRC - artigo 22.º do EBF; fundos de investimento não residentes; dividendos; retenção na fonte; livre circulação de capitais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

1. No dia 13 de novembro de 2020, A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, NIPC ..., com sede em ..., ..., Alemanha, representado por B... GmbH, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação:

(i) dos atos de retenção na fonte de IRC, incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2017 e 2018, no montante total de € 82.241,78;

(ii) do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... .

O Requerente juntou 16 (dezasseis) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.    

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), o Requerente alega, nuclearmente, o seguinte que passamos a citar:

«- O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária, comumente designada de fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país (…).

- O Requerente é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora, (…), os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários.

- O objeto do fundo de investimento prende-se exclusivamente com a administração, gestão e com o investimento do seu património.

- Do ponto de vista tributário, o Requerente está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido, todavia, concedida uma isenção (…) o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro (…).     

            - O Requerente detém diversos investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.

            - O Requerente, nos dois anos em causa [2017 e 2018], na qualidade de acionista de sociedade residente em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.

            - Os dividendos recebidos nos anos em causa foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 35% prevista no artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”).

            - Na ótica do Requerente, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos em Estados Membros da UE (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), conforme tem sido entendimento unânime do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”).

            - (…) um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, nos anos em causa, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da UE aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa, por força do disposto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF.

            - Com efeito, a legislação nacional concede expressamente aos OIC constituídos em Portugal a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receber dividendos totalmente isentos de tributação, bastando, para tal, que estejam constituídos de acordo com a legislação nacional.

            - Por oposição, no caso de OIC constituídos noutros Estados Membros da UE, os mesmos não são passíveis de beneficiar de idêntica isenção, estando sujeitos sempre a uma tributação efetiva e liberatória de 25% (ou 35%...) em sede de IRC, sobre os dividendos auferidos, no ano de 2018, em Portugal.

            - Facto que assume maior gravidade no caso do ora Requerente, uma vez que o mesmo não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação nesse país.

            - (…), poderíamos ser levados a sustentar que o Requerente, por não ser uma entidade constituída em Portugal, não estaria em condições semelhantes a um OIC nacional; contudo, o que está em causa é um tratamento discriminatório na liberdade de circulação de capitais e no próprio acesso ao mercado de capitais, baseado exclusivamente no critério da residência, sendo que, para esse efeito, o Requerente e os OIC estabelecidos em Portugal estão inequivocamente em situações comparáveis.

            - De referir ainda que a própria legislação nacional impede que o Requerente possa beneficiar da isenção de IRC uma vez que está legalmente impedido de constituir um fundo em Portugal já que a respetiva sociedade gestora não é domiciliada em Portugal, aqui residindo mais um aspeto discriminatório do regime nacional – discriminação em função da residência e da nacionalidade.

            - O imposto sindicado em causa é o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e não qualquer outro tipo de tributo devido pelos OIC decorrente da sua atividade e incidente sobre a sua atividade, mas apenas e tão só um imposto de rendimento incidente sobre dividendos obtidos em Portugal.

            - Tratando-se, portanto, de uma discriminação evidente em sede de tributação direta sobre o rendimento, é irrelevante o regime de Imposto do Selo aplicável aos OIC residentes em Portugal, (…).

            - (…), a taxa de Imposto do Selo incide sobre o valor líquido global do OIC português, e não sobre o rendimento que por este é auferido.

            - É de atentar que o efetivo valor global de um OIC não corresponde necessariamente aos rendimentos que por este são auferidos, não tendo ambos os montantes uma correlação direta, numa demonstração patente da sua irrelevância para análise e ponderação da situação aqui em análise.

            - Daqui resulta que, por estarem em causa impostos de natureza e com objetos diferentes – rendimento, no caso de IRC e IRS, e património, no caso do Imposto do Selo – não é lícito, legítimo, ou mesmo adequado, que a análise de comparabilidade dos OIC residentes e OIC não residentes no que respeita à tributação de dividendos (como é o caso do ora Requerente) tenha em consideração outros impostos que não estritamente o incidente sobre o rendimento – in casu, o IRC.

            - Pelo que a sujeição de um OIC português a Imposto do Selo não deve obstar a que se faça uma análise concreta do artigo 22.º do EBF.

            - (…) a tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 11 CIRC não integra o regime fiscal específico dos OIC previsto no artigo 22.º do EBF.

            - Ao invés, estamos perante uma norma de caráter geral, dirigida (i) ao combate a práticas abusivas e (ii) a todos os sujeitos passivos de IRC residentes em Portugal que beneficiem de uma isenção total ou parcial de IRC.

            - (…), não se poderá admitir que uma tributação autónoma, com natureza anti abuso, expressa e intencionalmente dirigida a residentes em território português, seja considerada como parte integrante das regras gerais de tributação dos OIC residentes em Portugal.

            - Salientar a eventual aplicação de taxas de tributação autónoma sobre os OIC em Portugal não altera o facto de os sujeitos estarem em situações comparáveis nem tampouco a existência de discriminação ao nível da retenção na fonte sobre dividendos auferidos em Portugal.

            - (…) a legislação portuguesa em análise não visa estabelecer qualquer medida anti abuso ou evitar práticas abusivas em matéria fiscal, pelo que o tratamento discriminatório conferido ao Requerente não encontra aqui qualquer justificação, (…).

            - Pelo que se conclui que a norma controvertida do EBF se mostra contrária ao Direito da UE, uma vez que colide com as disposições do Tratado relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como com as garantias associadas ao direito de estabelecimento e, ainda, com as disposições relativas à livre circulação de capitais previstas no seu artigo 63.º, tendo o efeito de dissuadir os OIC estabelecidos noutros Estados Membros de investirem os respetivos capitais em sociedades com sede em Portugal.

            - Assim, forçoso será concluir que o preceito do EBF em análise (…), viola também a CRP, em concreto, o artigo 8.º da CRP o qual estabelece o princípio do primado do Direito Comunitário face ao direito interno.

- (…) é inequívoco que a norma constante do artigo 22.º do EBF, à data dos factos tributários ora sindicados, padece de manifesto vício de lei, por violação ostensiva dos princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional e da liberdade de circulação de capitais, violando, por conseguinte, os artigos 8.º da CRP e 18.º e 63.º do TFUE e a jurisprudência firmada sobre a matéria pelo TJUE, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de revogação da decisão de indeferimento expresso da reclamação, de anulação dos atos de retenção na fonte de IRC ora sindicados e de restituição ao Requerente da quantia de EUR 82.241,78 (…), tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.»           

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 23 de novembro de 2020.

           

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11 de janeiro de 2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 3 de maio de 2021.

 

4. No dia 8 de junho de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida juntou um documento, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas; na mesma ocasião, a Requerida procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:

            «- (…) a legislação nacional sobre a tributação dos OIC’s está conforme com o princípio da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, (…).

            - O quase esvaziamento da tributação, em IRC, dos OIC’s é compensado pela tributação destas entidades em imposto do selo, de acordo com a Verba 29 da TGIS, que prevê a incidência de uma taxa de 0,0025%, por cada trimestre, sobre o valor líquido global do património dos organismos de investimento coletivo que invistam, exclusivamente, em instrumentos do mercado monetário e depósitos (Verba 29.1) e a incidência da taxa de 0,0125%, por cada trimestre, sobre o valor líquido global dos restantes OIC’s (verba 29.2 da TGIS).

            - Assim, os dividendos distribuídos a OIC’s constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional estão, em geral, quase isentos de IRC, mas estas entidades são tributadas em imposto do selo, a pagar em cada trimestre, sobre o valor contabilístico do ativo líquido, que pode incluir os investimentos realizados, designadamente em partes do capital de sociedades, e bem assim os rendimentos (incluindo os dividendos) acumulados até ao momento da atribuição aos investidores.

            - (…), os rendimentos obtidos pelo Requerente apenas são tributados na esfera dos investidores ou participantes que estão obrigados a declarar não apenas o rendimento distribuído, mas também o rendimento do Fundo calculado por imputação proporcional.

            - Donde resulta que o IRC retido em Portugal sobre os dividendos pagos ao Requerente pode ser objeto de imputação proporcional aos investidores ou participantes dando direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional.

- Os dividendos que lhe são distribuídos por sociedades residentes em território português estão sujeitos a tributação no IRC, por retenção na fonte, à taxa de 25%, conforme decorre do artigo 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b) e n.º 5, bem como artigo 87.º, n.º 4, do respetivo Código.

            - Ao que parece, não foi invocada a Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e a Alemanha, para efeitos de limitação do imposto cobrado na fonte, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2, que não pode ultrapassar 15% dos dividendos.

            - De todo o modo, a isenção de retenção na fonte do IRC, prevista no n.º 10 do artigo 22.º do EBF não é aplicável ao Requerente, por não ser uma entidade residente fiscal em Portugal.

            - De acordo com o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE, o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

            - Por conseguinte, há que distinguir entre as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), e as discriminações proibidas pelo n.º 3 do mesmo artigo, resultando da jurisprudência do TJUE que, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações que não são comparáveis objetivamente ou que se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (…).

            - Assim, para avaliar da compatibilidade dos normativos da lei nacional sobre o regime de tributação dos dividendos recebidos por OIC’s residentes e OIC’s não residentes com a liberdade de circulação de capitais, importa determinar se ambas as situações são objetivamente comparáveis.

            - E, para esse efeito, importa ter em conta não apenas a isenção de retenção na fonte do IRC aplicada aos dividendos pagos aos OIC’s residentes, mas sim a carga fiscal global incidente sobre as entidades abrangidas pelo artigo 22.º do EBF, pois, os rendimentos obtidos através destas entidades quando atribuídos aos investidores ou participantes refletem toda a tributação aplicada na esfera dos OIC’s, seja por via do imposto sobre o rendimento seja de outros impostos aplicados em substituição, in casu, o imposto do selo.

            - Ou seja, a rendibilidade dos investimentos efetuados pelos participantes através dos OIC’s depende da carga fiscal global que incide sobre os rendimentos e, por isso é são as diferenças nesse fator que podem dissuadir ou incentivar a realização de investimentos em Portugal.

            - Ora, os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, em regra não são tributadas, à entrada, pelos dividendos recebidos mas suportam o imposto do selo, trimestralmente que, nos termos do artigo 9.º, n.º 5 do respetivo Código incide sobre o valor líquido global destas entidades (…).

            - Por conseguinte, o valor tributável em imposto selo inclui o stock de capital e os rendimentos acumulados no último dia de cada trimestre, ao passo que um OIC não residente como o Requerente é tributado uma única vez, no momento em que os dividendos são pagos ou colocados à disposição, a uma taxa máxima de 25%, no caso de não beneficiar da limitação do imposto previsto na CDT.

            - Portanto, é legítimo concluir que um OIC residente em território português e um OIC não residente, geralmente, não se encontram numa situação comparável no plano da tributação e, consequentemente, as diferenças nos regimes de tributação dos dividendos não constituem uma restrição à livre circulação de capitais.

            - Mas, mesmo que as situações possam ser consideradas comparáveis, pelo TJUE, (…), a diferença de tratamento pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral traduzidos na salvaguarda da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados Membros, na aplicação efetiva dos direitos de tributação a fim de evitar dupla não tributação e na preservação da coerência do sistema fiscal português e que, no caso concreto, a limitação da isenção da retenção na fonte sobre os dividendos apenas aos OIC residentes em Portugal é adequada e não excede o que é necessário para atingir esses objetivos, ou seja respeita o princípio da proporcionalidade.

            - Nesse sentido, a restrição à livre circulação de capitais que eventualmente decorra das disposições do direito português é, em qualquer caso, justificada.

            - A argumentação do Requerente peca por uma visão redutora do regime de tributação dos OIC’s residentes, na medida em que se atém exclusivamente ao artigo 22.º do EBF, desvalorizando a tributação em sede de imposto do selo, que ao incidir sobre o valor do ativo líquido no final de cada trimestre inclui os rendimentos acumulados até ao momento de atribuição aos investidores.

            - E labora em erro ao defender que a taxa de Imposto do Selo incide sobre o valor líquido global do OIC português, e não sobre o rendimento auferido, porquanto, esquece que os rendimentos acumulados, isto é, ainda não distribuídos, são parte integrante do ativo líquido global.

            - Ademais, tal posição nega que o imposto do selo suportado pelos OIC’s abrangidos pelo artigo 22.º do EBF afete a sua rendibilidade, só pelo facto de incidir sobre o ativo líquido global e não sobre os fluxos de rendimentos.

            - O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.

            - Não se vislumbrando qualquer ilegalidade que acometa a liquidação contestada, encontra-se prejudicada a possibilidade de pagamento de juros indemnizatórios.

            - Ainda que se considere que a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

            - No entanto, os erros que afetam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.

            - Só se concebendo a sua ocorrência com a decisão da reclamação graciosa, caso se considere que deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente, aí sim, ocorrendo eventual erro imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

            - Devendo no caso sub judice, considerar-se para efeitos de eventual contagem de juros apenas a partir da data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ou, caso tenha sido posterior ao prazo de 4 meses previsto no artigo 57.º da LGT, a data de término deste prazo.»

 

5. No dia 10 de junho de 2021, foi proferido despacho arbitral a determinar a suspensão da instância no presente processo, nos termos previstos nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c) e 272.º, n.º 1, do CPC, até à decisão a proferir pelo TJUE no processo C-545/19, sobre as questões objeto do reenvio prejudicial suscitado no âmbito do processo n.º 93/2019-T. 

 

6. No dia 18 de março de 2022, após a junção aos autos do acórdão proferido pelo TJUE no processo C-545/19, foi proferido despacho arbitral a conceder prazo às partes para, querendo, apresentarem alegações escritas e a indicar o dia 8 de agosto de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.

 

7. Ambas as partes apresentaram as alegações escritas que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, tendo essencialmente reiterado as posições anteriormente vertidas nos respetivos articulados.

 

II. Saneamento

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa atos de retenção na fonte de IRC, referentes aos anos de 2017 e 2018, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pelo Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.  

 

            III. Fundamentação

            III.1. De Facto

§1. Factos ProvadosROVADOS                   

9. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

            a) O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo, com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual (fundo de investimento) e não societária (sociedade de investimento), sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]  

b) O objeto do Requerente prende-se exclusivamente com a administração, gestão e investimento do seu património.

c) Por não revestir juridicamente a forma de sociedade comercial, o Requerente não está, nos termos da legislação alemã aplicável, sujeito a qualquer obrigação de registo no Registo Comercial alemão e, como tal, não pode ser titular de direitos ou obrigações. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA]   

d) O Requerente está sujeito a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido concedida uma isenção (nos termos da Secção 11 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades alemão e da Secção 11 parágrafo 2 do Código Fiscal de Investimento alemão) que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA]     

e) O Requerente obedece à estrutura de investimento coletivo prevista na Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM). [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]   

f) O Requerente era, à data dos factos, gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a “B... GmbH”, entidade igualmente com sede na Alemanha. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]    

g) O Requerente e a respetiva entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão do “Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht” (“BaFin”), entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha. [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA]   

h) O Requerente é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora, a “B... GmbH”, os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários, permitindo aos seus investidores agregar o respetivo capital e investir em conjunto, em alternativa à aquisição individual de fundos. 

i) Ao abrigo das regras a que está sujeito o Requerente, a entidade gestora investe o capital depositado por parte dos investidores em seu próprio nome, sendo que os ativos pertencentes ao Fundo estão num regime de compropriedade com os respetivos investidores.

j) É à entidade gestora que cabe decidir, distribuir ou reservar os proveitos do Requerente, sendo que os direitos dos investidores estão limitados ao direito de receber dividendos e de solicitar, a qualquer momento, o resgate das unidades de participação.

k) Nos anos de 2017 e 2018, o Requerente era detentor dos seguintes lotes de participações sociais em sociedade residente, para efeitos fiscais, em Portugal [cf. documentos n.ºs 6 e 7 anexos ao PPA]:   

C... SGPS, S.A.

249.745

C... SGPS, S.A.

300.070

C... SGPS, S.A.

300.070

            l) A entidade responsável pela custódia dos títulos em Portugal era a “D...” que celebrou um acordo de custódia dos títulos com a “E... Luxembourg”. [cf. documentos n.ºs 6 e 7 anexos ao PPA]

m) Nos anos de 2017 e 2018, o Requerente, na qualidade de acionista de sociedade residente em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por retenção na fonte com caráter liberatório; concretamente, recebeu dividendos e suportou imposto nos seguintes montantes [cf. documentos n.ºs 8 e 9 anexos ao PPA]:

Ano da retenção

Valor bruto de dividendo (€)

Data de pagamento

Taxa de retenção na fonte

Guias de pagamento

Valor da retenção na fonte (€)

2017

62.436,25

21.09.2017

35%

...

21.852,69

2018

90.021,00

30.05.2018

35%

...

31.507,35

2018

82.519,25

20.09.2018

35%

...

28.881,74

Total

82.241,78

            n) Em 22 de outubro de 2019, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2017 e 2018, elencados no facto provado anterior – cujo requerimento inicial consta do documento n.º 10 anexo ao PPA e do PA e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, a qual foi autuada sob o n.º ...2019... e correu termos na Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa.

o) A mencionada reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa (por subdelegação de competências), datado de 11.08.2020, com a fundamentação constante do respetivo projeto de decisão e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, com destaque para os seguintes segmentos [cf. documentos n.ºs 11 e 12 anexos ao PPA e PA]:     

«III – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

(…)

14. Quanto à alegada desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no n.º 3 do artigo 22.º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte:

15. Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, no que aqui importa ressaltar, a redação do artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, conforme resulta do n.º 1 do artigo 22.º do EBF e Circular n.º 6/2015.

16. Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código de IRS, conforme resulta do n.º 3 do referido artigo 22.º do EBF.

17. Exclusão esta não aplicável à reclamante – pessoa coletiva de direito alemão – por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido.

18. A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos artigos 63.º e seguintes do TFUE, concretização do artigo 18.º do TFUE, aplicável entre Estados-membros que integram a UE.

19. Não obstante, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(…) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.

20. Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta, embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos artigos 114.º e 115.º do referido Tratado.

21. Cumpre referir que não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tão pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo, atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281.º da CRP.

22. E, por outro lado, não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.

23. Sendo que a jurisprudência trazida à colação pela reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, com o TFUE.

24. Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira, “(…) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (…)”, considerando a autora que “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.”

25. Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido.

26. Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do artigo 43.º da LGT, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios.»

p) O Requerente foi notificado do aludido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, através do ofício n.º ..., datado de 13.08.2020, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA]

q) No dia 13 de novembro de 2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. Factos não Provados

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. Motivação quanto à Matéria de Facto

11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

O Tribunal não se pronunciou sobre o demais vertido nos articulados das partes por constituírem afirmações conclusivas e/ou juízos de direito – e que, por isso, não podem ser objeto de uma pronúncia em termos de “provado” ou “não provado” – ou por se tratar de factualidade irrelevante à boa decisão da causa.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja adesão à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos (incluindo o processo administrativo), o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

            III.2. De Direito

§1. O thema decidendum: delimitação e apreciação

12. A questão jurídico-tributária que emerge do dissídio existente entre as partes consiste, nuclearmente, em determinar a conformidade do artigo 22.º do EBF – nos segmentos normativos que preveem a isenção de tributação em IRC dos dividendos distribuídos por sociedades portuguesas aos organismos de investimento coletivo (doravante, OIC) que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, dispensando-os, igualmente, da obrigação de efetuarem a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos por eles obtidos – com o disposto nos artigos 63.º, n.º 1, e 65.º do TFUE, por a referida isenção não abranger os OIC estabelecidos noutros Estados-membros da União Europeia (in casu, a Alemanha) que, assim, ficam sujeitos a tributação por retenção na fonte com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas (cf. artigo 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, do CIRC).

Com efeito, atentos os vícios que o Requerente imputa aos atos de retenção na fonte de IRC controvertidos, a apreciação da respetiva (i)legalidade está necessária e intrinsecamente dependente da resposta que for dada àquela questão cimeira.

 

            13. O artigo 20.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC determina que são considerados “rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: (…) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado”.

Por seu turno, o artigo 94.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC estatui que este imposto “é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: (…) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade”.

Como flui do n.º 3 do mesmo artigo 94.º, as retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos casos elencados nas suas diversas alíneas em que têm caráter definitivo, importando aqui considerar a respetiva alínea b): Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis”.

O subsequente n.º 4 estipula que as retenções na fonte são efetuadas à taxa de 25%; só assim não será, como resulta do n.º 5 do mesmo artigo, relativamente às retenções que, nos termos do n.º 3, tenham caráter definitivo, sendo então aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º do Código do IRC, cujo n.º 4 preceitua que “tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%”.

Ainda neste conspecto, importa termos em consideração o artigo 22.º do EBF e, mais concretamente, os seus n.ºs 1, 2, 3 e 10 que estatuem o seguinte:

1. São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2. O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3. Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

10. Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

(…)

 

14. A fim de respondermos à aludida questão jurídico-tributária, não podemos deixar de convocar o acórdão proferido pelo TJUE, em 17 de março de 2022, no processo C-545/19, decorrente do pedido de reenvio prejudicial deduzido no âmbito do processo arbitral n.º 93/2019-T – que, como acima ficou dito, motivou a suspensão deste processo arbitral – e que teve por objeto as seguintes questões (similares às que se colocam no presente processo):

«1. O artigo 56.º [CE] (atual artigo 63.º TFUE), relativo à livre circulação de capitais, ou o artigo 49.º [CE] (atual artigo 56.º TFUE), relativo à livre prestação de serviços, opõem-se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.º do EBF, que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?

2. Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?

3. O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?

4. Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e não residentes em Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?

5. Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?»

 

15. O TJUE, no aludido acórdão, decidiu o seguinte:

«O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um EstadoMembro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.»

 

16. Tal decisão está esteada, nuclearmente, no seguinte discurso fundamentador vertido no citado aresto:

«Quanto às questões prejudiciais

29. Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.° e 63.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um EstadoMembro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interrogase, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse EstadoMembro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais.

(…)

 

Quanto à liberdade de circulação aplicável

35. (…), há que examinar a legislação nacional em causa no processo principal exclusivamente à luz do artigo 63.° TFUE.

 

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

36. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num EstadoMembro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, KölnAktienfonds Deka, C156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).

37. No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro EstadoMembro não podem beneficiar dessa isenção.

38. Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39. Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40. Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os EstadosMembros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41. Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do EstadoMembro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].

 

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

43. Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interrogase, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.

44. O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes — a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

45. Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

46. Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

47. Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

48. Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiuse de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

49. Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelhase à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

50. Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).

51. Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52. No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

53. A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogadageral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C252/14, EU:C:2016:402).

55. Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56. Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57. Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58. Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num EstadoMembro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro EstadoMembro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59. Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do EstadoMembro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).

60. Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

61. No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62. Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

63. Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, KölnAktienfonds Deka, C156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).

64. Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um EstadoMembro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).

65. Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um EstadoMembro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelhase à das sociedades residentes.

66. Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro EstadoMembro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).

67. Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontramse, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).

68. Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).

69. Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este EstadoMembro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontrase numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).

70. É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).

71. No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72. Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

73. Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

 

Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75. Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].

76. No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois EstadosMembros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77. No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78. A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C338/11 a C347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

79. Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C338/11 a C347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).

80. Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81. A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82. No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os EstadosMembros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um EstadoMembro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

83. No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um EstadoMembro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os EstadosMembros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).

84. Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os EstadosMembros também não pode ser acolhida.»

 

17. Como é consabido, a jurisprudência do TJUE tem caráter vinculativo para os tribunais nacionais, em matéria de Direito Europeu (ver, neste sentido e entre outros, os acórdãos do STA de 26.03.2003, processo n.º 01716/02, de 09.11.2005, processo n.º 01090/03 e de 03.12.2008, processo n.º 0587/08); como salientado no acórdão do STA, de 18.12.2013, proferido no processo n.º 0568/13, «atento o primado do direito comunitário (…), é vedado ao tribunal aplicar normas do direito nacional que afrontem o que naquele se impõe, sendo que, havendo acórdão interpretativo proferido pelo TJUE a decisão nele proferida retroage à data da entrada em vigor da respectiva norma, excepto se no próprio acórdão se dispusesse de forma diferente, como claramente se vê do seguinte trecho do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 10/05/2012, nos processos apensos C-338/11 a C-347/11:

«58. (…) segundo jurisprudência constante, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267º TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido cumprida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se também se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., designadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2002, Barreira Pérez, C-347/00, Colet., p. I-8191, nº 44, e de 17 de fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis, C-453/02 e C-462/02, Colet., p. I-1131, nº 41, e de 6 de março de 2007, Meilicke e o., C-292/04, Colet., p. I-1835, nº 34).

59. Só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé. Para que se possa decidir por esta limitação, é necessário que se encontrem preenchidos dois critérios essenciais, ou seja, a boa-fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (v., designadamente, acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Skov e Bilka, C-402/03, Colet., p. I-199, nº 51, e de 3 de junho de 2010, Kalinchev, C-2/09, Colet., p. I-4939, nº 50).».» 

Ainda a este propósito, como é referido no acórdão do TCAS, de 08.05.2019, proferido no processo n.º 1358/08.9BESNT, «considerando que o “reenvio prejudicial” constitui um mecanismo processual criado com vista alcançar a interpretação e a aplicação uniformes do Direito da União, em todo o espaço da União Europeia (UE), com o intuito de garantir a igualdade jurídica de todos os cidadãos europeus, e tutelar os direitos que lhes são conferidos por aquele Direito da União, decidida que seja uma questão colocada, nestes termos, ao TJUE, ela acarreta, para o tribunal que a colocou e para os que julguem a causa em sede de recurso, carater vinculativo quer quanto aos seus efeitos materiais, quer temporais (assim foi estabelecido no Acórdão Milch-, Fett-, und Eierkontor, acórdão de 24.06.69, processo C-29/68 quanto a questão prejudicial de interpretação).».     

 

18. Assim, à face do decidido pelo TJUE e atento o circunstancialismo do caso concreto, impõe-se julgar procedente o vício de violação de lei imputado pela Requerente aos atos tributários controvertidos, por incompatibilidade dos sobreditos segmentos normativos do artigo 22.º do EBF com o artigo 63.º do TFUE, na medida em que, por força daqueles, “os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”; por isso, os atos de retenção na fonte de IRC controvertidos e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019..., que os manteve, devem ser anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).  

 

§2. O reembolso do montante de imposto indevidamente retido na fonte, acrescido de juros Indemnizatórios

 

19. O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o pedido de condenação da AT no reembolso do montante de imposto indevidamente retido na fonte e no pagamento de juros indemnizatórios.

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Cumpre, então, apreciar e decidir.

 

20. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos de retenção na fonte de IRC controvertidos e da decisão de indeferimento da sobredita reclamação graciosa, há lugar ao reembolso das prestações tributárias indevidamente suportadas pela Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.

Destarte, procede o pedido de reembolso à Requerente dos montantes por esta indevidamente suportados a título de retenções na fonte de IRC, cujo somatório ascende ao valor global de € 82.241,78 (oitenta e dois mil duzentos e quarenta e um euros e setenta e oito cêntimos) [cf. facto provado m)].

 

21. Para além do reembolso deste valor global de imposto que indevidamente suportou, tem ainda a Requerente direito a juros indemnizatórios, pois, como estatui o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

No caso concreto, tais juros indemnizatórios são calculados, à taxa legal supletiva (cf. artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e a Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril), desde a data em que se formou a presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa (22.02.2020) – uma vez que o respetivo ato de indeferimento expresso (datado de 11.08.2020) é posterior ao termo do prazo legal previsto para a conclusão desse procedimento tributário impugnatório (cf. artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT) – até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigo 61.º do CPPT). Com efeito, não tendo a AT tido qualquer intervenção na prática dos atos de retenção na fonte de IRC controvertidos, não se verifica, quanto a estes, a ocorrência de erro imputável aos serviços e, consequentemente, não existe direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática; contudo, o mesmo não sucede com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, pois deveria ter sido acolhida a pretensão da Requerente, quanto à ilegalidade das retenções na fonte e o não acolhimento dessa pretensão é inteiramente imputável à AT.

*

22. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. Decisão

            Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, em:

  1. Declarar ilegais e anular:
  • os atos de retenção na fonte de IRC a que correspondem as seguintes guias de pagamento: guia n.º..., no valor de € 21.852,69, respeitante a setembro de 2017; guia n.º..., no valor de € 31.507,35, respeitante a maio de 2018; e, guia n.º..., no valor de € 28.881,74, respeitante a setembro de 2018, com as legais consequências;        
  • o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019..., com as legais consequências;
  1. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente os montantes de imposto indevidamente suportados, no montante global de € 82.241,78 (oitenta e dois mil duzentos e quarenta e um euros e setenta e oito cêntimos), acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos legais acima enunciados;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

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V. Valor do Processo

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 82.241,78 (oitenta e dois mil duzentos e quarenta e um euros e setenta e oito cêntimos).

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VI. Custas

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Notifique.

 

Lisboa, 12 de abril de 2022.

 

 

O Presidente do Tribunal Arbitral,

 

 

 

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

 

O Árbitro vogal,

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 

 

O Árbitro vogal (Relator),

 

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)