SUMÁRIO:
I. O pagamento de indemnização, incluindo lucros cessantes, poderá ter carácter remuneratório ou ressarcitório.
II. Apenas está sujeita a IVA a indemnização com função remuneratória.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 09 de Outubro de 2020, A..., S.A., NIPC ..., com sede na ..., ...-... Alverca do Ribatejo, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA n.º ..., relativo ao período 092018, n.º ..., relativo ao período 102018 e n.º ..., relativo ao período 112018, e da demonstração de acerto de contas n.º 2019 ..., no valor global de €83.549,85, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... que teve os referidos actos de liquidação como objecto.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
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está demonstrado que as notas de crédito, objecto de correcção em sede de IVA, são referentes a serviços de promoção e marketing, pelo que as mesmas foram correctamente emitidas pela Requerente com a utilização da taxa geral de IVA de 23%, motivo pelo qual a correcção efectuada pela AT é ilegal por incumprimento do disposto nos artigos 4.º, n.º 1 e 18.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA;
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vício de violação da regra do ónus da prova, constante do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, e violação do princípio do inquisitório, da descoberta da verdade material e da justiça, consagrados nos artigos 58.º da LGT e 266.º da CRP;
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incumprimento do disposto no artigo 16.º, n.º 1 e 6, alínea a) e dos artigos 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1 do CIVA, assim como dos artigos 55.º e 68.º-A da LGT.
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No dia 12-10-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 02-12-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 05-01-2020.
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No dia 16-04-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
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Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente tem por objecto a comercialização de frutas diversas e produtos hortícolas, excepto batatas, provenientes do mercado nacional, do mercado comunitário e do mercado externo, possuindo dois interpostos centrais, um em ... e outro na ..., tendo armazéns e postos de venda em vários mercados abastecedores do país, nomeadamente, Lisboa, Coimbra, Faro, Portimão, Aveiro, Porto e Braga.
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A Requerente emitiu ao cliente B..., as seguintes notas de crédito:
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As notas de crédito resultam dos contratos promocionais n.º .../00, .../00, .../00, .../00, .../00 e .../00.
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Os referidos contratos referem-se à colocação dos produtos da Requerente em certos espaços (“linear”) das lojas da B..., de forma a que tenham uma maior visibilidade para os consumidores finais e assim contribuir para um incremento das vendas.
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Os serviços de promoção e marketing relacionados com a colocação dos produtos nos expositores (“linear”), não se encontram expressamente descritos no clausulado do Contrato Geral de Fornecimento (“CGF”) celebrado entre a B... e a Requerente, pelo motivo de este se limitar “a definir enquanto contrato-quadro, os termos e condições que regularão as encomendas que vierem a ser colocadas pela Primeira Contraente [B...] e/ou suas representadas junto da Segunda Contraente [Requerente]”.
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O Contrato Geral de Fornecimento faz referência em várias cláusulas à possibilidade de as partes virem a celebrar acordos promocionais ou de parceria comercial.
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Nos termos do Acordo Geral de Investimento, que constitui um anexo ao Contrato Geral de Fornecimento, as partes acordaram que o valor a atribuir a tais serviços – designados por “Investimentos Promo Correntes” – seria calculado através da aplicação de uma percentagem ao valor das compras efectuadas pela B... à Requerente.
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A expressão linea/linear constante das notas de crédito refere-se a serviços de promoção e marketing, em particular, à colocação do produto da Requerente em determinados espaços (linear) das lojas B... .
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A Requerente mencionou IVA nas seguintes notas de crédito emitidas à B... e à C..., relativas a penalizações no valor total de € 2.425.06:
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As penalizações com o valor fixo de €250,00, constantes das notas de crédito emitidos pela Requerente à C..., respeitam a montantes cobrados por cada entrega de mercadoria efectuada fora dos horários pré-estabelecidos para o efeito.
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As notas de crédito emitidas à C... têm suporte na respectiva factura emitida pela C..., na qual se menciona expressamente “atraso na entrega da mercadoria” e se identifica o local, data e hora da referida entrega.
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A cláusula 18.º “Penalidades específicas” do CGF prevê diversas situações sujeitas à aplicação de penalidades:
““18.1 – Em caso de incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso (no qual se inclui a não conformidade qualitativa dos Produtos) da obrigação de entrega dos Produtos (…)”;
“18.3 - (…) (c) No caso de as entregas pela Segunda Contraente desrespeitarem o nível do serviço mensal ou os dias de cobertura, a Primeira Contraente ou as suas representadas têm o direito de aplicar àquela a penalização prevista (…)”;
“18.5 – A Primeira Contraente ou as suas representadas, consoante o caso, terão o direito a ser indemnizadas por atraso no cumprimento da obrigação de entrega (…) onde se incluem a não entrega do Produto por falta de conformidade qualitativa do mesmo com o contratualmente
acordado.”;
“18.6 – A Primeira Contraente ou as suas representadas, consoante o caso, terão ainda o direito a ser indemnizadas por falta de cumprimento do estabelecido no caderno de encargos ou de fichas técnicas de especificação dos Produtos (…).”;
“18.7 – A Primeira Contraente ou as suas representadas, consoante o caso, terão o direito a ser ressarcidas de todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais (…) decorrentes do fornecimento de Produtos que não estejam de acordo com o estabelecido nas leis aplicáveis e a cada momento em vigor.”;
“18.8 – (…) uma penalidade no valor de 1.000.000 € (um milhão de euros) caso aquela forneça Produtos que ponham em causa a saúde pública, a segurança alimentar ou a segurança geral dos consumidores (…).”;
“18.10 – No caso de o Produto não cumprir com o disposto na Clausula 4 [conformidade e entrega dos produtos] ou na Clausula 8 [garantia dos produtos e assistência técnica] a Primeira Contraente e/ou as suas representadas terá(ão) o direito (…) de ser(em) indemnizada(s) (…) num valor mínimo de 1.500 € (mil e quinhentos euros) por cada lote não entregue e devolvido (…)”
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As notas de crédito emitidas à B... destinam-se a repor o nível de rendimento que a B... deixou de obter por força do incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso do contrato por parte da Requerente.
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A Requerente efectuou um pedido de reembolso de IVA na declaração periódica de Novembro de 2018, no valor de €306.034,18.
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Na sequência do pedido de reembolso de IVA, foi instaurado o procedimento de inspecção, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de ... .
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Em 27-05-2019, a Requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, no qual foram propostas correcções ao crédito de imposto no valor de €105.834,81 e, em consequência, proposta a redução do reembolso de IVA para o montante de €200.199,37.
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Em 11-06-2019, a Requerente exerceu direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção tributária.
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Em 16-08-2019, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária, no qual se mantiveram as correcções propostas no projecto de relatório, com excepção da correcção proposta às notas de crédito n.ºs .../... e .../..., no valor de €6.532,00.
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Do relatório de inspecção notificado à Requerente consta, além do mais, o seguinte:
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O pedido de reembolso de IVA foi parcialmente indeferido, tendo apenas sido reembolsado à Requerente IVA no valor de €206.731,38.
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Em 31-08-2019, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA nos valores de €27.868,00 e €29.062,98, relativas aos períodos de 2018/09 e 2018/10, respectivamente.
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Em 03-09-2019, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA, no valor de €42.371,82, relativa ao período 2018/11, e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2019... .
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Em 20-11-2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa das referidas liquidações adicionais de IVA, no que concerne às correcções efectuadas ao IVA no valor de €83.549,85, que respeitam a:
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Regularizações indevidas decorrentes da aplicação da taxa de IVA normal, ao invés da aplicação da taxa de IVA reduzida, nas notas de crédito emitidas à B..., S.A., no valor de €81.124,79; e
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Incorrecta aplicação do imposto a penalizações (indemnizações) não tributáveis em sede de IVA, no valor de €2.425,06.
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Em 25-02-2020, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
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Em 17-07-2020, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019..., emitida pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de ... .
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], o “relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
a. Questão prévia: Da inutilidade superveniente da lide
A Requerente peticiona, em sede de pedido de pronúncia arbitral, a anulação das liquidações adicionais de IVA n.ºs ..., ... e ..., referentes, respectivamente, aos períodos de Setembro, Outubro e Novembro de 2018, no valor global de €83.549,85.
Porém, conforme resulta dos factos dados como provados, após a interposição do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerida procedeu à revogação parcial das liquidações sindicadas nos presentes autos, no que concerne à correcção referente a regularizações decorrentes da aplicação da taxa de IVA normal, nas notas de crédito emitidas ao B..., no valor total de € 81.124,79.
Face ao ocorrido, torna-se inútil, nessa parte, o prosseguimento da presente lide, quanto à correcção já objecto de anulação por parte da Requerida, na medida em que, do prosseguimento daquela, não resultará qualquer efeito sobre a relação jurídica material controvertida, no que as partes estão, de resto, de acordo.
Como se sabe, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância (cfr. artigo 277.º, al. e), do Código de Processo Civil). Como referem LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.
Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, parte do escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, pelo que a decisão a proferir não envolve efeito útil, ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide.
Decorre da actuação administrativa dada como provada que a pretensão formulada pela Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este Tribunal do acto sindicado, ficou, em parte, prejudicada porquanto a anulação das correcções e dos seus efeitos foi conseguida por outra via, depois de iniciada a instância. Na verdade, a revogação parcial da liquidação impugnada, implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessa liquidação na parte respeitante à correcção relativa a regularizações decorrentes da aplicação da taxa de IVA normal, nas notas de crédito emitidas ao B..., se extinga por inutilidade superveniente parcial da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto a pretensão impugnatória contra elas deduzida.
Permanecendo, porém, parcialmente na ordem jurídica o acto de liquidação, não tendo a Requerente encontrado totalmente na via administrativa a satisfação da sua pretensão, sempre se deverá manter a instância para apreciação da liquidação na parte relativa à correcção referente à aplicação de imposto a penalizações que a AT entende não serem tributáveis em sede de IVA, no valor de € 2.425,06.
Nestes termos, este Tribunal julga verificar-se a inutilidade superveniente parcial da lide no que concerne ao pedido de anulação do acto tributário relativamente à correcção no valor de €81.124,79, referente a regularizações decorrentes da aplicação da taxa normal de IVA, nas notas de créditos emitidas à B..., S.A., objecto do presente processo, o que implica a extinção parcial da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.
b. Da questão de fundo
A questão principal a decidir nos presentes autos prende-se em saber, conforme sintetiza a Requerente, se “os valores constantes das notas de crédito emitidas pela Requerente ao C... e ao B..., a título de compensação/remuneração por atraso na entrega de fruta e legumes, ou pela sua entrega em condições não conformes ao contrato de fornecimento, estão sujeitas a IVA”.
Sustenta a Requerente que as penalizações em causa têm subjacente uma transmissão de bens e se destinam, quanto à C..., a repor o nível de rendimento que aquela deixou de obter por força da entrega da fruta/legumes fora dos horários contratualmente acordados, pelo que tais penalizações têm natureza remuneratória e, quanto à B..., destinam-se a repor o nível de rendimento que esta deixou de obter por força do incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso do contrato por parte da Requerente, motivos pelos quais estão aquelas penalidades sujeitas a IVA.
Por sua vez, aponta a Requerida que as penalizações em causa não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, razão pela qual, em seu entender, não estão sujeitas a tributação em sede de IVA.
Vejamos:
O IVA é um imposto geral sobre o consumo que incide sobre uma actividade económica, ou seja, sobre operações que tendo enquadramento nos critérios de incidência objectiva do imposto previstos no artigo 1.º do CIVA, preenchem os pressupostos do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, nomeadamente actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as profissões liberais.
De acordo com o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, são consideradas prestações de serviços, as operações efectuadas a título oneroso que não constituam transmissões, importações ou aquisições intracomunitárias de bens.
A tributação em sede de IVA de uma determinada operação é, deste modo, feita com base na existência de uma contraprestação associada a uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços, enquanto expressão da actividade económica de cada agente.
Para o enquadramento da questão da sujeição ou não das quantias pagas a título de indemnização, há que ter em conta o principio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde ao disposto na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA) no sentido de que o que o IVA pretende tributar é a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, quando estes não tenham carácter remuneratório.
Assim, conforme sintetiza o Acórdão do TCA-Sul de 03-12-2020, proferido no processo n.º 8181/14.0BCLSB[2], “se as indemnizações apenas reparam a lesão de um interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a ressarcir um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma operação tributável. Isto quer a indemnização seja prestada para ressarcir danos emergentes quer lucros cessantes, porque, nos casos em que se justifica, é o resultado das duas que repõe as coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Pelo contrário, se a indemnização (com ou sem pagamento de lucros cessantes) tiver caráter remuneratório há uma operação económica subjacente que a torna sujeita a tributação, como regra geral”.
O artigo 16.º do CIVA, sob a epígrafe, “Valor tributável nas operações internas”, dispõe que o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.
Para além disso, o n.º 6, alínea a), do mesmo preceito, estabelece que do valor tributável referido no número anterior são excluídos “[o]s juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações”.
A adopção de uma interpretação estritamente literal levaria a restringir a aplicação do preceito apenas às indemnizações declaradas por decisão jurisdicional, o que afastaria, por exemplo, uma indemnização por falta de cumprimento da prestação no âmbito de um contrato só porque a mesma não foi declarada judicialmente. Pelo que tem sido entendido que a referência à indemnização declarada judicialmente não deverá constituir um sinal de exclusividade.
Deste modo, quando não sejam declaradas judicialmente, de forma a determinar se as indemnizações se encontram sujeitas a IVA, impõe-se que se atenda à natureza das mesmas, isto é, cumpre indagar se as indemnizações têm carácter remuneratório ou se visam apenas ressarcir um dano.
Tem o STA decidido serem tributadas as indemnizações que correspondem, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visam remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços.
Com efeito, como tem sido entendido pela jurisprudência[3]:
“1. O pagamento de indemnização, incluindo lucros cessantes, poderá ter caráter remuneratório ou ressarcitório.
2. Apenas está sujeita a IVA a indemnização com função remuneratória.”.
E como esclarece o STA, “Com base numa interpretação teleológica e sistemática do artº 16º, nº 6, alínea a), do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do mesmo normativo, e tendo presente o conceito de indemnização, serão tributadas as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços.”.
As indemnizações em causa nos presentes autos visam, no que diz respeito às indemnizações pagas à C..., compensar os danos decorrentes da entrega de mercadorias fora dos horários pré-estabelecidos, enquanto as indemnizações pagas à B... têm em vista compensá-la pelos rendimentos que deixou de obter por força do incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso.
Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, julga-se que estamos perante duas situações distintas.
As indemnizações pagas à C..., estarão ligadas aos eventuais custos operacionais acrescidos, derivados da circunstância de as mercadorias serem entregues fora dos horários estabelecidos, que poderão, naturalmente, passar pelo pagamento de horas extraordinárias ao pessoal encarregado de as receber, por despesas de armazenamento, ou outras relacionadas com necessidades operacionais em alturas em que a organização empresarial do destinatário das mercadorias não está, normalmente, disponível para tais operações.
Assim sendo, como será, não se poderão as mesmas julgar como sendo, directa ou indirectamente, uma contrapartida por uma entrega de bens ou prestação de serviços.
Já as indemnizações pagas à B..., tem em vista ressarcir lucros cessantes, ou seja, rendimentos que aquela deixou de obter por força do incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso, encontrando o seu fundamento na relação contratual estabelecida entre a Requerente e a sua cliente, sendo, por isso, directamente conexas com operações tributáveis.
Assim, as referidas penalizações devem ser consideradas, em termos económicos, como fazendo parte integrante das referidas operações e, em tal medida, têm carácter remuneratório, encontrando-se, desse modo, sujeitas a IVA, pelo que deverá proceder, também nesta parte, o presente pedido de pronúncia arbitral.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Declarar a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação do acto tributário na parte correspondente ao montante de €81.124,79;
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Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral subsistente, na parte relativa às indemnizações pagas à B..., e, por conseguinte, anular nessa parte os actos de liquidação de IVA n.ºs ..., relativo ao período 092018, n.º ..., relativo ao período 102018 e n.º ..., relativo ao período 112018, e da demonstração de acerto de contas n.º 2019 ...;
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Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral, absolvendo, nessa medida, a Requerida do pedido;
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Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 4,00, a cargo da Requerente, e de € 2.750,00, a cargo da Requerida.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €83.549,85, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
3 de Março de 2022
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Marcolino Pisão Pedreiro)
O Árbitro Vogal
(Rui Miguel Zeferino Ferreira)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[3] Cfr. Ac. do TCA-Sul de 03-12-2020, proferido no processo 8181/14.0BCLSB.