Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 509/2020-T
Data da decisão: 2022-03-07  IRC IRS  
Valor do pedido: € 39.939,92
Tema: IRC e IRS – Cumulação de Pedidos. Ónus da Prova. Custos dedutíveis. Despesas não documentadas. Adiantamentos por conta de lucros. Tributação autónoma.
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DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A..., Lda., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...-... ..., Aveiro, doravante designada por “Requerente”, “Sujeito Passivo”, ou simplesmente “SP”, veio, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a), 3.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), doravante “RJAT”, submeter ao CAAD pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação IRC e IRS.

 

Mais concretamente de actos de liquidação adicional de (i) IRC, referentes aos exercícios de 2016 e 2017, de (ii) IRS, retenções na fonte, referentes aos anos de 2016 e 2017, e, bem assim, nuns casos e nos outros (iii) das correspectivas liquidações de juros compensatórios, tudo em conjunto doravante também “as Liquidações”.

 

Liquidações adicionais estas nos montantes globais (imposto mais juros), referentes a 2016 e 2017, respectivamente, (i) em IRC: € 24.904,39 e € 6.495,30, e (ii) em IRS: € 1.181,54 e € 7.358,69.

 

As liquidações em crise foram emitidas na sequência de acção de inspecção à Requerente, com origem nas Ordens de Serviço n.ºs OI2019... e OI2019..., através das quais a Autoridade Tributária e Aduaneira visou apreciar do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários. Após o que foram propostas alterações aos valores declarados em IRC, e em retenções na fonte em IRS.

 

No respeitante a IRC, expõe a Requerente, foram reduzidos custos, aumentando-se consequentemente a matéria colectável, e determinadas verbas foram sujeitas a tributação autónoma. Assim se alterando a matéria tributável (2016 e 2017), conduzindo às liquidações adicionais. E em IRS foram emitidas notas de liquidação de retenção na fonte. Tudo com os valores globais supra.

 

A Requerente não se conforma com as correcções assim efectuadas e por isso vem impugnar as Liquidações. Cumulando os pedidos (refere o art.º 104.º do CPPT).

 

Em relação às correcções à matéria colectável, expõe, reportaram-se à não aceitação de gastos, por um lado gastos com amortizações de contentores afectos à actividade, e, por outro, com compras de sucata feitas pelo seu sócio-gerente a particulares e por este facturadas a si Requerente.

 

No caso das amortizações a Autoridade Tributária e Aduaneira justificou a não aceitação pela ausência de formalidades legais, que, faz notar, se reporta não à amortização, mas ao bem em si. A não aceitação deveu-se a não existir documento externo de suporte do lançamento contabilístico de compra dos contentores. Está em causa, expõe, um alegado incumprimento de formalidades e não a autenticidade da operação, pois que foi constatada a existência dos contentores. A não aceitação dos gastos é consequentemente ilegal.

 

No que às compras de sucata se refere, a não aceitação fundou-se em não existir um documento legal de suporte. O que não é verdade pois que a prova do custo pode ser feita por documento interno. E assim a Autoridade Tributária e Aduaneira excluiu compras provocando alterações na margem bruta de lucro sem que tenha diligenciado no sentido de justificar tais alterações. O que não pode manter-se pois não há fundamentos formais ou substanciais para tal.

 

Por fim, expõe, ainda em IRC, algumas verbas foram sujeitas à disciplina das despesas não documentadas (Tributação Autónoma).

 

Primeiro, a aquisição de 9 contentores, feita pela Requerente ao sócio. Que assim foi sujeita a tributação autónoma. A qualificação como despesas não documentadas é, entende, abusiva. Há um documento a titular a operação e que contém os requisitos legais (refere o art.º 23.º, n.º 4 do CIRC). Nota que no caso de despesas não devidamente documentadas (reportando-se à distinção entre estas e aquelas) não há lugar a tributação autónoma, e sim são consideradas custos não dedutíveis. Mais, só despesas que afectem resultados sujeitos a tributação poderão qualificar-se como despesas não documentadas. Não houve reflexos ao nível de resultados. Houve uma mera movimentação das contas do Balanço. Provocando apenas uma alteração qualitativa do património. A operação não é qualificável como despesa e, sobretudo, como despesa não documentada, expõe.

 

Foram também sujeitos à disciplina das despesas não documentadas, segundo refere, empréstimos ao sócio em 2016. Nota, igualmente aqui, que a relevação contabilística só provocou alterações qualitativas no património, sem reflexos nos resultados. Os fundos utilizados em compras a fornecedores “tituladas com documento do sócio” eram provenientes da Requerente, proveniência formalizada por “contrato de mútuo oportunamente elaborado”. Logo, não há despesa não documentada, nem sequer despesa, nem a sua relevação se reflecte em resultados. A correcção é, também aqui, ilegal.

 

A tributação (Tributações Autónomas) neste caso, como no anterior, não pode manter-se.

 

Por fim, e já em IRS, refere ter havido financiamento da sociedade ao sócio. E não se vislumbrar como possa tal qualificar-se, cfr. correcções, como adiantamento por conta de lucros. Trata-se, refere, de despesas pessoais do sócio que a Requerente lhe pagou com fundos próprios, e que registou como dívida do sócio. Portanto e assim, um activo da Requerente.

 

Só são lançamentos a favor dos sócios aqueles em que a sua conta for creditada (refere o art.º 6.º, n.º 4 do CIRS). A distribuição de resultados implica redução do património da sociedade, redução dos capitais próprios. E no caso não foi assim. Apenas se deu uma alteração qualitativa do património. Reduzindo os saldos de Caixa ou Bancos e constituindo o sócio seu devedor. Sujeitar meras alterações qualitativas de património a IRS “atenta contra o conceito de rendimento tributário uma vez que o CIRS adota o conceito de rendimento-acréscimo”.  Não há acréscimo ao rendimento seja do sócio, seja da sociedade.

 

Teria que haver lançamentos contabilísticos a favor dos sócios, lançamentos a crédito, para que se pudesse fazer a qualificação que foi feita. E o que se passa é o oposto. Assim se “sujeitando a tributação factos fiscalmente inexistentes”.

 

Foram violados “entre outros, os art.ºs 104.º e 266.º da CRP, 5.º da LGT, 23.º, 23.º-A e 88.º do CIRC e 99.º do CPPT.”

 

Requer a anulação das Liquidações, a “restituição dos valores já pagos”, juros indemnizatórios e a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira em custas de parte.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 06.10.2020 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 20.11.2020 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 23.12.2020.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral e consequente manutenção das Liquidações na Ordem Jurídica.

 

Entende a Requerida, contrariamente à Requerente, que as Liquidações em crise não padecem de qualquer ilegalidade.

 

Começa por defender-se por excepção. Entende não ser admissível a cumulação de pedidos no caso, por força do regime previsto no art.º 3.º, n.º 1 do RJAT e uma vez que os pedidos, respeitando a liquidações de IRC e de IRS, não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de Direito. A cumulação ilegal de pedidos constitui excepção dilatória determinante da absolvição da instância. Excepção que deverá ser julgada procedente e a Requerida absolvida da totalidade ou, subsidiariamente, quanto ao pedido que não prosseguir.

 

Defendendo-se por impugnação, por sua vez, entre o mais expõe, quanto às correcções em IRC:

(i) gastos não aceites fiscalmente - depreciação de contentores - a Requerente contabilizou no exercício de 2016 em activo fixo tangível (valor: € 29.250,00) 9 contentores, estando os respectivos registos suportados em documentos internos, intitulados “Comunicação ao contabilista certificado”. Tendo a Requerente sido questionada quanto à falta de documento válido que titule a aquisição dos contentores respondeu não existir documento externo/factura e os contentores terem sido adquiridos pelo sócio e depois cedidos à empresa. Não tendo sido demonstrada (a) a proveniência dos activos, (b) a que título passaram a estar na posse da empresa, e (c) a data da sua afectação, não poderão os gastos com a sua depreciação ser aceites fiscalmente. A sociedade regista desde 2010 um total de 21 contentores no activo fixo tangível, e assim não se compreende que venha, em 2016, reconhecer uma suposta aquisição de 9 contentores ao seu sócio gerente;

(ii) gastos não aceites fiscalmente – compras de sucata - em 2017 a Requerente contabilizou compras de sucata (valor: € 25.720,00) pelo sócio com base em documentos internos, intitulados “Comunicação à contabilidade”. Questionada sobre a falta de documento válido respondeu tratar-se de compras a particulares que se recusam a ser identificados. A Requerente está obrigada a emitir uma factura por cada compra de bens quando o transmitente não seja sujeito passivo, cfr. art.º 29.º, n.º 15 do CIVA. Não ficou demonstrado terem ocorrido as compras, e a terem existido haveria dualidade de critérios pois noutras situações emitiu facturas na aquisição de resíduos a particulares e já no que respeita aos valores aqui em causa não o fez (refere também a Lei n.º 54/2012, de 06.09, e o art.º 23.º, n.º 6 do CIRC);

            (iii) Tributações autónomas – despesas não documentadas – contentores – A alegada aquisição dos 9 contentores ao sócio (valor: € 29.250,00) suporta-se em documento interno, que não cumpre as formalidades legais para ser aceite como gasto. Para que pudesse tratar-se de despesas indevidamente documentadas, como a Requerente vem alegar, seria necessário comprovar-se os documentos espelharem a realidade das operações, nomeadamente que o sócio em 2016 efectivamente afectou os 9 contentores à actividade da empresa. O sócio não provou que os contentores pertenciam ao seu património pessoal. Acresce que não foi possível identificar sem margem para dúvidas os efectivos beneficiários das saídas de dinheiro da sociedade. Saíram do património da Requerente € 29.250,00 e não existe qualquer documento que revele o seu destino. Estamos perante lançamentos contabilísticos de valor significativo que revelam a saída de dinheiro das contas da sociedade sem que a mesma tenha demonstrado com documentos justificativos a origem e finalidade da despesa e os beneficiários dos valores.

            (iv) Tributações autónomas – despesas não documentadas – contrato de mútuo – Registo contabilístico, de 31.12.2016, a favor do sócio (valor: € 15.000,00) tendo como contrapartida a conta de caixa. Há várias saídas de numerário ao longo do exercício de 2016, como a Requerente reconheceu em sede de procedimento inspectivo. Ficou por provar que as mesmas foram em benefício do sócio. Não existe qualquer documento que revele o destino ou o beneficiário das mesmas, nem a contrapartida que a Requerente terá obtido em resultado destas saídas de dinheiro.

 

Também as despesas não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram (e que portanto não afectaram o resultado), deverão, contrariamente ao que a Requerente alega, ser sujeitas a tributação autónoma. Da mesma maneira que as não documentadas e levadas à contabilidade, também naquelas (não documentadas e não levadas à contabilidade) estão em causa encargos não dedutíveis, os efeitos são equivalentes num e no outro caso (refere os art.ºs 88.º, 23.º e 23.º-A do CIRC).  

 

As correcções em IRC devem manter-se.

 

No que respeita às retenções na fonte (RF) em IRS as correcções basearam-se em dados contabilísticos e extra-contabilísticos analisados. A Requerida demonstrou verificarem-se os pressupostos de aplicação da presunção do art.º 6.º, n.º 4 do CIRS. Foram confirmadas as transferências de fundos/operações financeiras e respectivos lançamentos (valor global: € 27.851,50) nas contas correntes do sócio-gerente (i.e., as contas correntes da sociedade com os n.ºs 253211 e 253213 e designação, respectivamente, “B...” e “B... – viatura”) e as mesmas não resultaram de mútuos, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais. Nem se trata de despesas pessoais do sócio pagas pela Requerente com fundos próprios. A Requerente não provou a legalidade e a regularidade das operações, e menos ainda ilidiu as presunções - cfr. art.º 6.º, n.ºs 4 e 5 do CIRS. Estamos perante verdadeiros adiantamentos por conta de lucros, sem que tenham sido sujeitos a tributação. Tributação devida em IRS cfr. art.ºs 5.º, n.º 1 e 2 al. h) e 6.º, n.º 4 – retenção na fonte à taxa liberatória de 28%.

 

Também as correcções em IRS são conformes à lei.

 

Não foi violado qualquer dos dispositivos legais que a Requerente invocou. Improcedem as alegações da mesma, conclui. As Liquidações são legais devendo manter-se na Ordem Jurídica.

 

*

Notificada da Resposta veio a Requerente pronunciar-se sobre a matéria de excepção, argumentando em defesa da legalidade da cumulação de pedidos.

 

Por despacho de 22.04.2021 o Tribunal, apreciando, admitiu a cumulação de pedidos – nos termos, entre o mais, do art.º 3.º, n.º 1 do RJAT, devidamente interpretado, e no cotejo com o art.º 104.º do CPPT[1] na sua versão actual. Mais, não tendo sido solicitada produção de prova adicional, dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT. E notificou as Partes para alegações escritas facultativas.  

 

A Requerente apresentou alegações, voltando a referir o já referido em sede de PPA. E a Requerida em alegações sumárias fez notar que deverão ser julgados provados os factos, que havia elencado em sede de Resposta – e que se baseiam nos documentos existentes, não impugnados –, e no mais remeteu para a sua Resposta.

Pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro – cfr. respectivos art.ºs 2.º e 4.º – ficou suspenso, com efeitos a 22.01.2021, o prazo do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT. Pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, com entrada em vigor a 6 de Abril - cfr. respectivos art.ºs 6.º e 7.º - o mesmo prazo retomou a contagem.

 

Por despacho de 06.09.2021 o Tribunal determinou, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, a prorrogação por dois meses, por motivos justificados, do prazo para prolação da Decisão. E assim novamente por despachos de 04.11.2021 e de 29.12.2021.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

A cumulação de pedidos é admissível, tendo em consideração, entre o mais, o disposto no art.º 3.º, n.º 1 do RJAT em conjugação com o art.º 104.º do CPPT, versão actual, estando em causa, ademais, correcções em exercícios coincidentes e com base num mesmo RIT, todas em tributos da mesma natureza, e todas em tributação directa (tudo cfr. desenvolvidamente no despacho do Tribunal de 22.04.2021).

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe, assim, matéria de excepção por decidir, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

 

O PPA é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias – cfr. duas últimas al.s dos factos provados, infra, e art.º 10.º, n.º 1, al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT).

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas, constituída ao abrigo da lei Portuguesa, com o objecto social de comércio por grosso de sucatas e desperdícios;

 

  1. A Requerente tem o capital social de € 10.000,00, distribuído por duas quotas, uma no valor nominal de € 9.500,00, e outra no valor nominal de € 500,00, na titularidade, respectivamente, de B... e de C...;

 

  1. A Requerente tem por actividade principal o comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos, CAE 46771, e por actividades secundárias as de valorização de resíduos, não metálicos e metálicos (CAEs 38322 e 38321), tem contabilista certificado, contabilidade organizada, informatizada, e está enquadrada no regime geral em IRC;

 

  1. A Requerente obriga-se pela assinatura de um gerente, e o sócio B... é o gerente de facto desde o início de actividade da Requerente, em 2008;

 

  1. Pelas Ordens de Serviço n.ºs OI2019... e OI2019... foi determinada uma acção de inspecção externa, de âmbito geral, à Requerente, aos exercícios de 2016 e 2017;

 

  1. Na acção inspectiva foram detectadas divergências de valores, em 2017, nas compras de sucatas a particulares, sendo que apesar de estar contabilizado (na Conta SNC 311141) um total a esse título de € 150.353,24, nos ficheiros excell facultados pela Requerente a soma anual é de € 124.633,24, e a diferença (€ 25.720,00) foi contabilizada como aquisições por parte do sócio, tendo como único suporte documentos internos intitulados “Comunicação à contabilidade” e, questionada a respeito, a Requerente informou em sede inspectiva tratar-se de compras a particulares que se recusam a identificar-se;

 

  1. Dos documentos intitulados “Comunicação à contabilidade”, referidos na alínea anterior, consta, além do referido título, da denominação e morada da Requerente no canto superior esquerdo, e de uma assinatura (singela, sem nome a acompanhar ou carimbo, mas que é idêntica à que consta em outros documentos nos autos em que o sócio B... assina com aposição do Carimbo da Requerente) mais local e data no final, o seguinte (cfr. doc. 6 junto pelo SP, e que inclui cópia de quatro documentos deste teor, fazendo-se aí referência, no seu conjunto, aos 12 meses do ano de 2017):

Venho por este meio comunicar que, durante o período de (...) a (...) de 2017, foram efectuadas compras de sucata a particulares, no montante de (...) euros), das quais não houve qualquer registo, repartido da seguinte forma: 

Cartão _______ kg x ___ € = _____ €

Ferro _______ kg x ___ € = _____ €

Baterias _______ kg x ___ € = _____ €

Por ser verdade vai esta declaração ser assinada e carimbada.”

 

  1. O registo na contabilidade das referidas compras (v. al.s anteriores) é de Março, Junho, Outubro e Dezembro (2017), perfazendo o total de € 25.720,00;

 

  1. Em outras situações a Requerente ao realizar compras a não sujeitos passivos (particulares) emitiu facturas cfr. art.º 29.º, n.º 15 do CIVA;

 

  1. A Requerida - cfr. RIT - não aceitou como gastos fiscais as compras de sucatas a particulares, no valor total de € 25.720,00, com fundamento essencialmente em não existir um documento legal de suporte mas tão só documento interno intitulado “comunicação à contabilidade”, que não cumpre as formalidades legais para ser aceite como gasto fiscal; mais em ter a Requerente, questionada, afirmado que as compras suportadas por tais documentos se referem ao registo de compras acumuladas no trimestre, a particulares, que se recusam a identificar; mais não terem sido exibidos outros documentos, nomeadamente documento de transporte e talão de pesagem; e por aplicação do art.º 23.º, n.ºs 1, 3 e 4 e 23.º-A, n.º 1, al. b) do CIRC; e nesse sentido efectuou a correcção – acréscimo do valor de € 25.720,00 ao campo 752 do Quadro 7 da Declaração Mod. 22 (ref. 2017);

 

  1. No mapa de depreciações e amortizações, e fichas de imobilizado, a Requerente regista, desde 2010, em activo fixo tangível (AFT) o total de 21 contentores; e em 2016 registou, em AFT, 9 (nove) contentores com um valor total de € 29.250,00 cfr. registos de movimentos de € 15.000,00 a 31.03.2016, e de € 14.250,00 a 30.11.2016, com as descrições, respectivamente, de “Contentores” e “Afectação ao Imob. Contentores”, sem documentos externos de aquisição dos contentores a suportar o lançamento, apenas existindo como documentos de suporte para o registo dos contentores como AFT documentos internos denominados “Comunicação ao contabilista certificado”, tendo a Requerente informado em sede inspectiva não existir documento externo/factura de aquisição dos contentores e estes terem sido adquiridos pelo sócio e cedidos depois à Requerente;

 

  • Dos documentos intitulados “Comunicação ao contabilista certificado” referidos na alínea anterior consta, além do referido título, da denominação e morada da Requerente no canto superior esquerdo, e de uma assinatura (mais carimbo, da própria Requerente) mais local e data no final, o seguinte (cfr. doc. 5 junto pelo SP, e que inclui cópia de dois documentos deste teor, datados um de Março e outro de Dezembro de 2016):

Venho por este meio comunicar que da conferência do imobilizado detetamos que este não inclui os seguintes elementos que o sócio (...) afectou à atividade da empresa (...). Concretamente estão em causa os seguintes bens: 5 Contentores (...) colocados em várias empresas (...) – Valor atribuído: 5 x 2.850,00 € = 14.250,00 € (catorze mil...)”

Por ser verdade vai esta declaração ser assinada e carimbada.”

(nota: no documento similar datado de Março a referência é a 4 Contentores, descritos da mesma exacta maneira, e em que o valor atribuído é: 4 x € 3.750,00 = € 15.000,00)

 

  1. O pagamento das despesas com relação à contabilização como AFT dos 9 contentores em 2016 (valor total: € 29.250,00) foi reflectido na Conta Caixa nas datas de 30.09.2016 (€ 5.000,00), 31.10.2016 (€ 5.000,00), e 30.11.2016 (€ 5.000,00 + € 14.250,00);

 

  • A Requerida - cfr. RIT - não aceitou como gastos fiscais as depreciações contabilizadas pela Requerente com fundamento essencialmente em o reconhecimento como AFT ser suportado em documentos internos, que não cumprem as formalidades legais para suportar um gasto aceite fiscalmente - onde se lê cfr. al. anterior -, não existir documento externo de compra a suportar o lançamento - factura de aquisição dos contentores, tendo assim ficado por demonstrar a origem dos mesmos, e registando a Requerente em AFT desde 2010 o total de 21 contentores; tendo a Requerente informado, questionada, que não existe factura de aquisição dos contentores, que foram adquiridos pelo sócio e cedidos depois à empresa; e nesse sentido (e por aplicação dos art.ºs 23.º, 23.º-A e 29.º do CIRC e Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14.09) efectuou a correcção pelo acréscimo dos valores de € 1.249,52 e € 2.436,57 ao campo 752 do Quadro 07 de cada uma das Modelos 22 de 2016 e 2017;

 

  • Com referência, ainda, à contabilização como AFT dos 9 contentores em 2016 a Requerida - cfr. RIT - considerou (o total € 29.250,00, cfr. als. anteriores) tratar-se de contabilização de gastos com despesas não documentadas com fundamento na ausência de documento externo que suporte os encargos e permita aferir da sua natureza, não existindo um documento legal de suporte de aquisição mas apenas uma comunicação interna que não cumpre as formalidades legais para ser aceite como gasto (cfr. art.º 23.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CIRC), o pagamento ter sido feito através da Conta Caixa - no final dos meses de Setembro, Outubro e Novembro (2016) -, e o saldo da Conta Caixa no início do ano de 2016 ser € 37.279,74 e em 2016 os levantamentos por multibanco pelo sócio que reforçaram a Conta Caixa ascenderem a € 31.880,00; e nesse sentido efectuou a correcção - tributação de despesas não documentadas à taxa de 50% cfr. art.º 88.º, n.º 1 do CIRC – sendo a acrescer o montante de € 14.625,00 ao campo 365 do Quadro 10 da Modelo 22 ref. 2016;

 

  1. Com a descrição “Constituição de empréstimo” consta um movimento, no valor € 15.000,00, a crédito na Conta Caixa, a 31.12.2016, com a descrição “Empréstimo a favor do sócio B... (contentores)”, pelo qual o saldo devedor na Conta Caixa ficou reduzido a € 377,55, e que tem correspondência no lançamento feito a 10.07.2017 conforme informação via ficheiro SAFT, sendo que solicitada a Requerente em sede inspectiva a exibir documento externo de suporte informou a mesma da existência de um contrato de mútuo de 31.12.2016;

 

  1. Do documento “contrato de mútuo” referido na alínea anterior, que contém quatro cláusulas, consta, entre o mais: “Cláusula 1.ª - Constitui-se, hoje mesmo, devedor perante o segundo contratante do montante de € 15.000,00 (quinze mil euros), que corresponde a várias retiradas da empresa, de valores variáveis, ao longo do exercício de 2016.”; as demais cláusulas tratam, a 2.ª, prazo de amortização, a 3.ª, taxa de juro, e a 4.ª, antecipação de amortização; não constam do contrato os montantes das retiradas nem os seus fins; as retiradas foram feitas em numerário e nada consta do contrato quanto a pagamento de Imposto do Selo, que não foi liquidado nem entregue nos cofres do Estado;

 

  1. Com referência ao movimento referido nas al.s o) e p), a Requerida – cfr. RIT – considerou tratar-se de pagamento de despesas não documentadas, contabilizadas pela Requerente no valor total de € 15.000,00, com fundamento essencialmente em o movimento estar suportado em documento interno, com lançamento a crédito na Conta Caixa e a débito na Conta B..., e tendo a Requerente informado existir um contrato de mútuo (de 31.12.2016) o mesmo vir assinado pela mesma pessoa (B...) em representação de ambas as Partes, conter irregularidades que põem em causa a sua veracidade, estabelecer (cláusula 1.ª) que a Requerente (não sequer o sócio) se constitui “devedor” do montante (€ 15.000,00) “que corresponde a várias retiradas da empresa, de valores variáveis, ao longo do exercício de 2016”, assim um só contrato para formalizar várias retiradas ao longo de 2016, sem que seja possível estabelecer uma relação directa e inequívoca entre o contrato e os movimentos contabilísticos registados a crédito na Conta Caixa, desconhecendo-se também os montantes reais das retiradas, os fins a que se destinaram e os reais beneficiários, mesmo porque as retiradas não se fizeram via contas bancárias (cfr 63.º-C/2 da LGT) não sendo assim possível provar documentalmente o verdadeiro beneficiário, e mais não ter sido liquidado nem entregue imposto do selo (cfr. art.ºs 2.º, n.º 1 e 41.º do CIS), nem estando a ser cumprido o contrato (nos termos da cláusula 2.ª o prazo de amortização é de 6 anos em prestações anuais de € 2.500,00 e cfr., contabilidade a da Requerente de 2017, não houve amortização); mais através dessa retirada de caixa de 15.000,00 (a 31.12.2016) passar a Conta Caixa, que tinha saldo devedor elevado ao longo do ano, a ter saldo de € 377,55; o contrato permite concluir que o dinheiro não se encontrava então em caixa - datado de 31.12.2016 e sendo o lançamento feito, cfr. ficheiro SAFT, a 10.07.2017 - e correspondendo “a várias retiradas da empresa, de valores variáveis, ao longo do exercício de 2016” - a contabilidade não atesta a veracidade do contrato; este traduz assim um expediente para eliminar o saldo contabilístico da Conta Caixa e evitar consequências fiscais; há saídas de caixa não efectuadas na data do contrato cuja contrapartida não se provou ser um ativo – o valor inscrito na Conta corrente do sócio não permite comprovação documental; e nesse sentido a Requerida efectuou a correcção - tributação de despesas não documentadas à taxa de 50% cfr. art.º 88.º, n.º 1 do CIRC – sendo a acrescer o montante de € 7.500,00 ao campo 365 do Quadro 10 da Modelo 22 ref. 2016;

 

  1. Da contabilidade da Requerente constam operações entre si e o sócio B..., registadas por lançamentos em contas correntes do sócio, escrituradas na contabilidade da Requerente, a saber nas contas “253211 – B...” e “253213 – B... - viatura”, no valor de € 3.689,39 em 2016, e de € 24.162,11 (€ 22.000,00 + € 2.162,11) em 2017, num total de € 27.851,50;

 

  1. A Requerida – cfr. RIT – considerou, no que se refere às operações cfr al. anterior, estar-se perante adiantamentos por conta de lucros contabilizadas pela Requerente - no valor de € 3.689,42 em 2016, e de € 24.147,11 (€ 2.147,11 + € 22.000,00) em 2017 - com fundamento nos elementos recolhidos e justificações apresentadas em sede inspectiva e por aplicação do art.º 6.º/4 do CIRS; essencialmente com fundamento, por um lado, nos documentos de suporte permitirem identificar um conjunto de encargos pagos pela Requerente e que são despesas pessoais do sócio e esposa, assim deixando o sócio de desembolsar tais valores e existindo um reembolso das mesmas através do Caixa via substituição do pagador; e, por outro, sendo no início de 2017 o saldo devedor na Conta “B...-viatura” de € 27.500,00 e no final do mesmo ano, de € 5.500,00, com lançamento titulado por documento interno com descrição “regularização de conta caixa” no valor de € 22.000,00, vindo o sócio informar que o valor traduz o acumulado de pagamentos efectuados por si sócio nas compras a particulares e assim se tratando de uma regularização de saldos, contudo não havendo prova documental de a quem tenham sido feitos tais pagamentos, nem a que título ou valores envolvidos, mais tendo o saldo de Conta Caixa, que em 31.12.2017 era credor em € 20.618,94, passado, com este lançamento (€ 22.000,00) no mesmo dia, a devedor; assim inexistindo provas documentais de o sócio ter feito pagamentos por conta da empresa e sendo seguro a Requerente ter adiantado verbas a favor do sócio para a aquisição da sua viatura reflectidas nas Contas SNC “253211 – B...” e “253213 – B... – viatura”; e neste sentido efectuou a correcção - cfr. art.ºs 5.º, n.º 2, al. h), 6.º, n.º 4, 101.º, n.º 2, al. a) e 71.º, n.º 1 do CIRS – taxa liberatória de 28% de RF sobre os valores adiantados por conta de lucros;

 

  1. A Requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária e para o exercício do direito de audição, que não exerceu e, após, foi notificada do Relatório Final (RIT) nos termos do qual foram convertidas em definitas as correcções meramente aritméticas, daí constando no que aos autos releva:

(i) em IRC – Matéria coletável

  1. Gastos não aceites fiscalmente - Depreciação dos contentores – € 1.249,52 (2016)
  2. Gastos não aceites fiscalmente - Depreciação dos contentores - € 2.436,57 (2017)
  3. Gastos não aceites fiscalmente - compras de sucata - € 25.720,00 (2017) 
  4. Juros obtidos - correção favorável ao SP - € 525,00 (2017)

(ii) em IRC – Imposto

  1. Tributação autónoma – despesas não documentadas (contentores) – €

14.625,00 (2016)

  1. Tributação autónoma – despesas não documentadas (contrato de mútuo) – € 7.500,00 (2016)

(iii) em IRS – Retenções na fonte

g.    Adiantamento por conta de lucros – despesas pessoais do sócio e esposa - € 1.033,04 (2016)

h.    Adiantamento por conta de lucros – despesas pessoais do sócio e esposa, e “regularização de saldos” - € 6.765,39 (2017);

 

  1. Das correcções supra resultaram as Liquidações notificadas à Requerente (i) em IRC n.ºs 2020 ... de 01.01.2020 (ref. 2016), e 2020 ... de 17.06.2020 (ref. 2017), e (ii) em IRS - Demonstração de liquidação de retenções na fonte - n.ºs de identificação de documento 2020 ... (ref. 2016) e 2020 ... (ref. 2017); (cfr. doc.s 1 a 4 juntos pelo SP)

 

  1. As Demonstrações de acerto de contas, nos valores globais (imposto mais juros), referentes a 2016 e 2017, respectivamente, em IRC de € 24.904,39 e € 6.495,30, e em IRS de € 1.181,54 e € 7.358,69, têm como datas limite de pagamento, respectivamente, 21.07.2020, 05.08.2020, 20.07.2020 e 21.07.2020; (cfr. doc.s 1 a 4 juntos pelo SP)

 

  1. A 02.10.2020 a Requerente interpôs o Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) na origem do presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Não resultou provado:

- que o sócio tenha transferido o direito de propriedade sobre os 9 contentores - registados em AFT em 2016 - para a Requerente, nem que os tenha adquirido e os mesmos fossem sua propriedade em 2016;

- que as quantias no valor total de € 29.250,00 lançadas no exercício de 2016 cfr. lançamento a crédito na “Conta 111-Caixa” se tenham destinado à aquisição de contentores;

- que a contrapartida das saídas de caixa ao longo do exercício de 2016, genericamente referidas no “contrato de mútuo”, tenha sido um activo; que haja uma ligação entre o “contrato de mútuo” e a saída da Conta Caixa de € 15.000,00 a 31.12.2016; que haja uma ligação entre qualquer dessas saídas de caixa e compras pelo sócio a fornecedores;

- que as operações registadas ao longo dos anos de 2016 (€ 3.689,42) e 2017 (€ 2.147,11), sobre as quais a Requerida aplicou (via correcções) RF em IRS, tenham sido despesas pessoais do sócio que a Requerente lhe pagou com fundos próprios e que registou como um activo - como dívida do sócio à Requerente;

- que a operação no valor de € 22.000,00, cfr. lançamento, a 31.12.2017, “Reg saldo caixa”, sobre a qual a Requerida aplicou (via correcções) RF em IRS, se tenha destinado a o sócio fazer pagamentos por conta da Requerente;

- em relação a qualquer um dos dois últimos pontos, que tais operações, cfr. lançamentos em contas correntes do sócio escrituradas na contabilidade da Requerente, tenham resultado de mútuos, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais;

- que a Requerente tenha pago as Liquidações.

 

Com relevo para a decisão da causa não existem outros factos considerados não provados.

 

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados e, bem assim, os dados como não provados, foram-no com base nos documentos juntos aos autos, incluindo tudo o constante do PA, todos os documentos se dando por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados, e factos não controvertidos, tudo criticamente apreciado.

No que respeita ao facto dado como não provado em penúltimo lugar, refira-se, nem o mesmo vem alegado pela Requerente. Ainda que a mesma refira a certo passo no PPA ao argumentar no sentido de as operações em causa se tratarem de “despesas pessoais do sócio que a sociedade lhe pagou com fundos próprios e que registou como dívida” que “não se vislumbra como é que tal financiamento da sociedade ao sócio pode ser qualificado como adiantamento por conta de lucros” passa de imediato a tratar do art.º 6.º, n.º 4 do CIRS e sua interpretação e do que deva entender-se por lançamentos na conta corrente do sócio a seu favor, tecendo considerações em torno da evolução histórica e da ratio da norma, acabando por referir que no caso houve apenas uma alteração qualitativa do património constituindo o sócio seu devedor, que qualificá-lo como distribuição de resultados viola normas do CSC, e que a interpretação da norma por que pugna tem apoio na Jurisprudência. Nunca chegando a sequer alegar no sentido de ter havido um (ou mais) contrato de mútuo (ou sequer referindo também prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais).

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[2]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC[3]).

Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.

 

3. Matéria de Direito

 

Recapitulando muito brevemente.

 

A Requerente foi alvo de correcções no âmbito dos exercícios de 2016 e 2017, nas matérias supra percorridas, e alega que as mesmas (todas elas) carecem de apoio legal e que, assim, as (consequentes) Liquidações deverão ser anuladas, por ilegais.

As correcções reportaram-se a:

  1. custos, não aceitação como gastos para efeitos fiscais de encargos relacionados com depreciações (de contentores) e, ainda, relacionados com “compras de sucata a particulares”; sobre
  2. despesas que a Requerida qualificou como despesas não documentadas e, em consequência, sujeitou a tributação autónoma, a saber (assim as referiremos por facilidade) “compras de contentores” e, ainda, “contrato de mútuo”; e sobre
  3. lançamentos em contas correntes do sócio gerente aos quais a Requerida aplicou a norma constante do art.º 6.º, n.º 4 do CIRS e, assim, qualificou como adiantamentos por conta de lucros, sujeitos por isso a retenção na fonte de IRS.

 

Aproximemos então as questões a decidir, como segue: 

 

3.1. Questões a decidir

 

  1. É ilegal a liquidação, no caso, por não aceitação como gasto para efeitos fiscais de alegadas compras de sucata a particulares, relativamente à ocorrência das quais não existe senão uma declaração escrita subscrita pelo sócio gerente, onde se comunica à contabilidade da sociedade terem sido efectuadas compras de sucata a particulares “das quais não houve qualquer registo”?

 

  1. É ilegal a liquidação que reflecte uma correcção em IRC por não aceitação como gasto para efeitos fiscais de depreciações de contentores relativamente aos quais, apesar de registados no respectivo AFT, não se comprova a que título se encontram na posse da sociedade (da Requerente, no caso)?

 

C) É ilegal a liquidação que considera no caso como despesa não documentada, para efeitos do art.º 88.º, n.º 1 do CIRC, a saída da Conta Caixa da sociedade (da Requerente no caso) de montantes sucessivos (três) de € 5.000,00 mais um de € 14.250,00 (numerário), alegadamente utilizados na compra de contentores, quando como suporte dos movimentos contabilísticos respectivos (4 lançamentos – Crédito – Conta 111-Caixa) existe apenas uma declaração escrita, subscrita pelo sócio gerente, sob a referência “Comunicação ao contabilista certificado”, em que se lê “detetamos que este [o imobilizado] não inclui os seguintes elementos que o sócio afectou à atividade da empresa. Concretamente estão em causa os seguintes bens: (...) – Valor atribuído: (...).”?

 

D) É ilegal a liquidação que considera como despesa não documentada, para efeitos do art.º 88.º, n.º 1 do CIRC, a saída da Conta Caixa da sociedade (da Requerente no caso) de um montante de € 15.000,00 (numerário), para suporte de cujo lançamento, de 31.12.2016, a Requerente veio a juntar, a solicitação da Requerida, um “contrato de mútuo” entre si e o sócio gerente, assinado por este em representação de ambas as partes e datado de 31.12.2016, em cujo clausulado, composto por quatro cláusulas, se lê “Cláusula 1.º- Constitui-se, hoje mesmo, devedor perante o segundo contratante do montante de € 15.000,00 (quinze mil euros), que corresponde a várias retiradas da empresa, de valores variáveis, ao longo do exercício de 2016”, sem indicação dos montantes das “retiradas”, dos fins a que se destinaram, nem do beneficiário e no demais contexto que ficou percorrido?

 

E) É ilegal a liquidação que considera como adiantamento por conta de lucros, por aplicação do art.º 6.º, n.º 4 do CIRS e para efeitos do art.º 71.º, n.º 1 do CIRS, montantes registados em contas do sócio gerente escrituradas na Requerente (Conta 253211 e Conta 253213) e comprovando-se que tais montantes se destinaram ao pagamento pela sociedade de despesas pessoais do sócio e esposa e, numa parte, ao adiantamento ao sócio de verbas para aquisição de viatura?   

 

Caso se venha a responder afirmativamente às questões supra, ou a alguma delas, caberá ainda apreciar e decidir quanto a (i) reembolso de quantias alegadamente pagas e, decidindo-se pelo reembolso, quanto a (ii) juros indemnizatórios.

 

Refira-se brevemente que apesar de a Requerente invocar em abstracto a violação dos art.ºs 104.º e 266.º da CRP (quando genericamente invoca a violação de uma série de dispositivos legais a final nos seus articulados) nada concretiza a esse respeito, nem coloca uma questão de eventual interpretação/aplicação de uma norma nos autos que eventualmente ferisse tais normativos. Pelo que não se verifica uma situação em que seja de conhecer de uma questão de inconstitucionalidade (que não foi invocada). Cfr., entre o mais, art.ºs 204.º e 280.º, n.º 1, al. b) da CRP.

 

Vejamos então.

 

Estabelece o art.º 124.º do CPPT quanto à ordem de conhecimento dos vícios, e no que respeita aos vícios conducentes à anulação, que, não tendo sido estabelecida pelo impugnante uma relação de subsidiariedade (como é o caso nos autos, em que não estabeleceu), o Tribunal apreciará primeiro os vícios de cuja procedência decorra, “segundo o prudente critério do julgador”, “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”.

 

Afigurando-se nestes autos que os efeitos da procedência dos vícios que vêm invocados não são diferentes na perspectiva da tutela dos interesses da Requerente, seguiremos a ordem por que vêm invocados (custos não aceites / despesas não documentadas e tributação autónoma /  RF em IRS), pela ordem por que aproximámos as Questões a decidir, supra.

 

*

Assim prosseguindo, avancemos.

 

Quanto ao alegado vício de violação de lei por não aceitação de gastos com compras de sucata, no valor total de € 25.720,00 – cfr. Questão A).

 

Imputa a Requerente ilegalidade ao acto com fundamento em a não existência de documento externo de suporte não poder sustentar a correcção. Alega que não é verdadeiro não existir um documento legal de suporte pois que, entende, a prova do gasto (compras de sucata) pode ser feita por documento interno. Só poderia não aceitar-se fiscalmente o gasto “se o documento que titula tais aquisições não respeitar os requisitos a que se refere o n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, o que não é verdade”.[4] Reporta-se a Requerente, assim, à declaração que intitulou de “Comunicação à contabilidade” - cfr. supra, factos provados, al. g).

 

Por outro lado, invoca ainda a Requerente, em abono da ilegalidade que imputa à liquidação, que as suas margens brutas de lucro resultariam significativamente aumentadas a aceitar-se a correcção, e que a Requerida para assim o causar teria que ter efectuado diligências, que a Requerente desconhece, para as poder justificar.

 

A Requerida, por seu turno, fundamentou a correcção essencialmente como supra – factos provados – al. j). Por aplicação dos normativos legais ali também indicados. Entende que o documento interno em questão não cumpre as formalidades legais para o efeito. Tendo a Requerente confirmado ser apenas esse mesmo o documento em que as compras se suportam e que se tratará de compras a particulares, e não se conhecendo outros documentos como o seria um documento de transporte ou pesagem.

 

Vejamos.

 

Estamos perante a questão mais genérica da suficiência ou não de documentos meramente internos para fazer prova de custos e permitir a dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável. Assim também, e melhor colocado, das exigências formais de documentação para prova de custos fiscais.

 

A regra geral consta do art.º 23.º do CIRC que estabelece no seu n.º 1:

 

“Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”

 

E continua o artigo assim[5]:

“2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas: 


a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação; (...)

g) Depreciações e amortizações;

(...)

 

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: 
     a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; 
     b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; 
     c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; 
     d) Valor da contraprestação, designadamente o preço; 
     e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

(...)

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

(...)

 

Por sua vez estabelecendo o legislador no artigo seguinte, entre o mais, assim:

Artigo 23.º-A

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: 

a) (...)   

b) As despesas não documentadas; 

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º; 

(...)

Os gastos, para serem relevantes para efeitos fiscais - dedutíveis, carecem pois, e antes de mais, de se encontrar documentados.

 

E, assim, serão encargos não dedutíveis aqueles que, ainda que aceites como custo contabilístico, não cumpram com o que o legislador fiscal exige. Que assim não serão, pois, aceites enquanto gasto fiscal.

 

Em IRC estamos a tratar de rendimento de pessoas colectivas. Por definição, e desde logo por determinação do legislador, e em cumprimento também do comando Constitucional da tributação das empresas se fazer fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, n.º 2 da CRP), regendo regras contabilísticas. Entre o mais, cfr. art.º 17.º, n.º 1, do CIRC “O lucro tributável (…) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinadas com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.” E cfr. n.º 3 do mesmo dispositivo, “De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve: a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código; b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.” E, em coerência e reforço do que já vimos percorrendo, estabelece o art.º 123.º assim: “As sociedades (…) são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do art.º 17.º, permita o controlo do lucro tributável.” E assim: “2. Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário; b) As operações devem ser registadas cronologicamente, (…)”.

A Requerente nos autos, cfr. factos provados, estava sujeita a contabilidade organizada e dispunha de contabilista certificado, ao tempo.

O documento a que se reporta, cfr. factos provados supra al. g), é uma declaração da sociedade à sua contabilidade, em que se afirma não haver qualquer registo das alegadas compras e em que se indicam valores sem qualquer outro elemento documental, ou outro, de apoio.

A Requerente labora num ramo de actividade por lei sujeito a apertados requisitos no sentido de se evitarem situações de fuga e fraude fiscal, cfr. entre o mais Lei n.º 54/2012 (v. em especial art.ºs 3.º e 4.º). E a Requerente está obrigada por lei a emitir FC quando adquira as matérias primas a não sujeitos passivos – cfr. art.º 29.º/15) do CIVA e v. também art.º 23.º, n.º 6 do CIRC. Tendo resultado provado que em outras situações assim procedeu no ano em questão (2016).

Mais saindo os referidos montantes da Conta Caixa sem qualquer outro elemento documental que permita apurar quaisquer outros elementos das operações – cfr. art.º 23.º, n.º 4 do CIRC. Nem tão pouco documentos de transporte ou pesagem como bem nota a Requerida no RIT.

E tendo a Requerente sido solicitada a juntar elementos adicionais apenas veio informar tratar-se de compras a particulares que não querem identificar-se e confirmar ser apenas aquele o elemento documental (comunicação/declaração interna) existente. Mais tendo sido notificada para o exercício de Direito de audição em sede de procedimento inspectivo também não veio exercê-lo e assim não veio também a juntar qualquer outro elemento; como também nos presentes autos o não fez.

Não se vê como considerar, pois, suficiente para prova da efectividade dos custos e assim para a aceitação como gasto fiscal alegadas compras, neste contexto, sustentadas exclusivamente no referido elemento – declaração interna da sociedade à sua contabilidade. Como já fomos aproximando, por aplicação das normas já referidas, e como mais desenvolvidamente se expõe em recente Acórdão Arbitral em que interviemos e que aqui convocamos por integralmente aplicável nestes autos (Proc. 604/2020-T[6])[7]: “(...) A regra geral em matéria de dedutibilidade de encargos em sede de IRC é enunciada no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, que deve ser interpretado como abrangendo todos os encargos relacionados com a actividade empresarial e efectuados tendo em vista prosseguir essa actividade. ([8] )

No entanto, no artigo 23.º-A do mesmo Código indicam-se os «encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», «mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação».

Trata-se de excepções à regra da dedutibilidade de encargos, justificadas por razões de várias ordens, como a mera técnica de quantificação do imposto [é o caso dos encargos de natureza fiscal, a que se referem as alíneas a), p), q) e s) do n.º 1], a de as despesas corresponderem a actos reprováveis à face do ordenamento jurídico [é o que sucede com as despesas ilícitas e as multas, coimas indicadas nas alíneas d) e e) do n.º 1], a de as despesas serem atinentes a zonas de convergência de interesses pessoais e empresariais [é o caso das despesas referidas nas alíneas h), i), j), k) e l) do n.º 1] e a de despesas cuja realização e relação com a actividade da empresa não é susceptível de fácil comprovação, indispensável para a Administração Tributária exercer eficientemente os seus poderes de controle da legalidade [é o que sucede com as despesas a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1].

É nesta última situação que se enquadram as despesas cuja documentação não satisfaça os requisitos mínimos previstos no n.º 4 do artigo 23.º, cuja dedutibilidade é proibida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, que tem em vista impor aos sujeitos passivos os deveres de documentação de encargos considerados necessários para assegurar a eficiência do controle da afectação das despesas a fins empresariais, essencial para relevância de aquisições de serviços com gastos, e para evitar situações de evasão fiscal. ([9] )

Por outro lado, a exigência de referência à quantidade dos serviços tem em vista permitir à Administração Tributária controlar se não há pluralidade de facturação relativa a um mesmo tipo de encargos. ([10] )

É de notar que as exigências formais de documentação que constam daquele n.º 4 do artigo 23.º foram manifestamente acentuadas pela reforma do IRC operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que, em princípio, deixou de ser admissível no caso de falta dos requisitos mínimos, a possibilidade de utilização de quaisquer meios de prova da materialidade das operações cujos encargos estivessem indevidamente documentados, que era admitida jurisprudencialmente, à face do regime legal anterior. ([11] )

Nestas situações especiais de indedutibilidade por deficiências de documentação, o que justifica a não dedutibilidade não é a eventualidade de as despesas não terem sido efectuadas, mas sim o incumprimento dos deveres de documentação, com o que se tem em vista impor ao sujeito passivo o cumprimento desses deveres, facilitando a Administração Tributária o desempenho da sua missão de controle da actividade tributária dos sujeitos passivos.

No entanto, nos casos em que pode ser apurada com segurança pela Administração Tributária a materialidade da operação insuficientemente documentada, é de aventar que possam ser dispensadas certas exigências formais de prova relativas à dedutibilidade de encargos contabilizados, por imposição dos princípios constitucionais da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e com base na capacidade contributiva (que decorre do princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP), mas sem olvidar que estes princípios não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, pelo que não se opõem a que, legislativamente, numa ponderação global dos interesses em presença, deva dar-se prevalência à protecção do interesse público na efectividade do combate à fuga e evasão fiscal, subjacente à imposição das exigências formais de documentação. ([12] )

Por essa razão, poderá justificar-se a irrelevância do incumprimento dos requisitos formais quando houver um conhecimento seguro da materialidade das operações subjacentes aos documentos, mas estas exigências formais devem prevalecer sempre que a Administração Tributária não disponha da informação necessária para verificar se estão reunidos os requisitos materiais de que depende a dedutibilidade de encargos. (...)”

 

E quanto especificamente à relevância que poderá dar-se a documentos internos, ainda acompanhando como ali se decidiu: “(...) A questão da admissibilidade de documentos internos como suporte de registos contabilísticos foi adequadamente apreciada no acórdão arbitral de 04-05-2015, proferido no processo n.º 236/2014-T, em que se refere o seguinte:

A base documental dos registos pode ser de natureza externa ou interna.

Será de natureza externa, no caso de as operações a registar serem realizadas entre entidades diversas. Assim, as vendas de mercadorias a clientes, o pagamento de juros a um banco, são documentalmente baseados em facturas, notas de débito, ou outros documentos que são emitidos por uma entidade e remetidos à outra.

Casos existem, porém, relativamente aos quais os factos a registar pela contabilidade financeira ou patrimonial, respeitando a operações puramente internas, não se podem basear em documentos externos emitidos por terceiros ou a eles destinados. Será o caso, por exemplo, da deterioração de existências, ou do cálculo e registo como custo num determinado exercício dos valores referentes a encargos com férias e subsídios de férias cujo direito se constituiu nesse exercício, mas que apenas se pagarão no seguinte.

Em tais situações, o suporte documental dos registos contabilísticos é geralmente constituído por elementos elaborados internamente, nos quais se baseiam depois as notas de lançamento que evidenciam as contas movimentadas. ([13] )

Todavia, em matéria de gastos que resultem – ou se contabilizem em decorrência – de relações com terceiros, eles deverão, por regra, ser apoiados ou baseados em documentos de terceiras entidades (v.g., facturas, recibos, extractos, notas de débito, conta-corrente, contratos), exigindo-se, pois, que tais gastos sejam comprovados, em primeira linha, por tais documentos.

(...)

Mas as operações com terceiros têm de evidenciar, ao menos, base documental que se julgue como elemento mínimo de suporte, eventualmente reforçado por outro tipo de prova, que esclareça ou complemente o indício de que uma certa entidade incorreu num custo. Se forem documentos internos, têm de conter informação bastante para que a informação neles expressa sobre as transacções seja testada, no confronto com as entidades que deles constam como contrapartes.

Outros meios de prova, como a testemunhal, servirão fulcralmente, via de princípio, como elementos auxiliares ou de comprovação suplementar, caso a prova documental permita suscitar ou indagar esse tipo de comprovação adicional ou supletiva.

Assim, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.1.2014, proc. n.º 01632/13, considerou-se que “apesar de lei tributária fazer depender a dedutibilidade do gasto/custo da respectiva comprovação (art. 23º nº 1 e art. 45º nº 1 al. g) do CIRC), não a restringe à resultante da respectiva inscrição contabilística e documento externo de suporte, aceitando-se que, na insuficiência destes, seja, para este efeito (em sede de IRC), feita a prova da ocorrência do custo e da respectiva afectação empresarial, por outros meios de prova”, mas logo se assinalou que “aquela prova documental se deve ter como preponderante na documentação do custo e na sua consequente dedutibilidade”.

Em suma, os documentos - externos e internos - que sustentam custos decorrentes de operações que envolvem terceiras entidades deverão ser sujeitos a um escrutínio particular, até em função do princípio da real capacidade contributiva.

 

A exigência de documento externo, quando não se tratar de encargo que, por sua natureza, não seja susceptível de prova por documento interno, foi acentuada pela reforma do IRC de 2014, em que se passou a exigir que «quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma» (n.º 6 do artigo 23.º do CIRC).

E, embora esta aplicação das exigências de documentação aplicáveis em matéria de IVA deva [cum grano salis, quanto a nós][14] ser efetuada por força do princípio da coerência valorativa do sistema jurídico (artigo 9.º.n.º 1, do Código Civil) e da regra da primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional (artigo 8.º, n.º 4, da CRP), o certo é que não se pode prescindir da comprovação dos requisitos substantivos da operação cuja documentação não satisfaça esses requisitos. ([15] )”

(...) Como se referiu no ponto (...), a admissibilidade de documentos internos para demonstração de gastos depende de se tratar de despesas que, por sua natureza, não podem ser provadas por documentos externos.” (fim de transcrição)

 

Por tudo o que antecede, os requisitos exigidos pelo legislador fiscal não estão cumpridos e claramente no caso, além do mais, não sendo cognoscível a materialidade das operações. A posição defendida pela Requerente não merecendo, pois, acolhimento.

 

Acresce que não valendo a presunção da veracidade das declarações - cfr. art.º 75.º, n.º 1 da LGT - para afastar as exigências de forma referidas – como bem se compreende e como o legislador claramente deixou escrito na parte final do mesmo dispositivo legal (“(...) sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”), cabia à Requerente reunir elementos que lhe permitissem fazer prova do facto constitutivo do direito que invoca – à dedutibilidade do gasto. Cfr. art.º 74.º, n.º 1 da LGT. Prova que não fez, como supra.

 

Dispõe o art.º 74.º, n.º 1 da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” No Código Civil, por seu lado, quanto a ónus da prova, determina o art.º 342.º, n.º 1 que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.” Em coerência, dispõe por sua vez o CPC no seu art.º 414.º, sob a epígrafe “Princípio a observar em casos de dúvida”, que “A dúvida sobre a realidade de um facto (...) resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”.

 

Por fim não procede também o argumento da Requerente que relaciona com a margem bruta de lucro resultar afectada a alegada ilegalidade da não aceitação como gasto fiscal do referido montante saído de Conta Caixa. Com efeito do que aqui se trata é do cumprimento ou não de exigências de prova quanto aos gastos para que os mesmos possam ser aceites como gastos fiscais. O que a aceitação ou não possa trazer de consequências ao apuramento do lucro não é, naturalmente, condição da aplicação da lei que determina as exigências aplicáveis, como bem se compreende e sem necessidade de maiores desenvolvimentos.

As Liquidações, neste ponto, e por tudo o percorrido, são legais.

 

*

Quanto ao alegado vício de violação de lei por não aceitação de gastos com depreciações – cfr. Questão B).

 

Cfr. art.º 23.º, n.º 2 g) já supra, e ainda:

 

 

Artigo 29.º

Elementos depreciáveis ou amortizáveis

1 — São aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais: 


a) Os ativos fixos tangíveis e os ativos intangíveis; 

b) Os ativos biológicos não consumíveis e as propriedades de investimento contabilizados ao custo de aquisição.

(...) “

 

Determinou o legislador no CIRC que serão considerados custos para efeitos fiscais bens que estejam afectos às actividades empresariais dos sujeitos passivos.

A Requerente alega e imputa ilegalidade ao acto por motivos de a Requerida ter entendido que por não existir documento legal de prova da compra dos bens em causa (contentores) não ser possível aceitar o gasto de depreciação como fiscalmente dedutível.

Entende que é suficiente, para ser aceite este gasto, o documento, mais uma vez interno, consistente numa declaração sua (enquanto gerente da sociedade, portanto da sociedade) à contabilista certificada em que declara que foi detectado o imobilizado não incluir determinados elementos “que o sócio (...) afectou à actividade da empresa”. Dizendo-se aí também “Concretamente, estão em causa os seguintes bens (...)” cfr, supra factos provados al. l).

 

A Requerida, por seu lado, desconsiderou o custo com fundamento essencialmente como constante da al. n) supra, factos provados, para que ora se remete.

 

Não assiste, mais uma vez, razão à Requerente.

Como bem se compreende, para ser amortizável/depreciável e assim considerado em custos fiscais é condição que a entrada dos bens na esfera jurídica dos sujeitos passivos se encontre materialmente comprovada. Com efeito, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, tudo começa necessariamente na origem. Que será a compra, ou eventualmente um título translativo da posse, mas sendo comprovável a materialidade de tal operação. Como também por aplicação das considerações que já se percorreram a propósito das exigência formais da documentação para efeitos de dedutibilidade de custos fiscais – na Questão A). O mesmo também se aplicado aqui quando de documentos internos se fala, também agora. As mesmas considerações supra a este respeito se transpondo para aqui.

Neste ponto, sempre se diga, o próprio documento interno – dois documentos – revela além da insuficiência dos elementos, em violação do n.º 4 do art.º 23.º, ainda, contradição entre si de alguma maneira, quando confrontados os dois documentos, em que para o mesmo modelo de Contentores se atribuem valores diferentes consoante o n.º de bens em causa em cada um dos documentos (cfr. supra factos provados).

Ademais sendo mais uma vez as saídas da Conta Caixa e mais uma vez sem qualquer outro elemento documental ou outro de prova.

E ademais estando como refere a requerida em AFT desde muito tempo aos registados 21 contentores.

Nada nos autos permitia aferir da materialidade da operação que a Requerente invoca em sua defesa, de que o sócio teria adquirido e depois cedido os contentores à sociedade.

Todas as demais considerações também anteriormente tecidas (Questão A) ) quanto a não ter exercido direito de audição nem junto qualquer outro elemento de prova nos presentes autos aqui se aplicando igualmente.

Mais uma vez não resultando provado o facto, e por aplicação do art.º 74.º, n.º 1 da LGT (v supra), não tendo a Requerente feito prova do facto que lhe aproveitaria não pode o por si alegado proceder.

A liquidação é também, neste ponto, legal.

 

 

*

Quanto ao alegado vício de violação de lei por consideração como despesas não documentadas de pagamentos a partir da Conta Caixa, no total de € 29.250,00, alegadamente na compra de contentores em 2016 - cfr. Questão C).

 

Determina o legislador na al. b) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC, como já supra, que as despesas não documentadas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável. Acresce que determina também o legislador que não só as mesmas não são dedutíveis como, ainda, são sujeitas a tributação autónoma, à taxa de 50% – cfr., entre o mais, art.º 88.º, n.º 1, assim:

 

“Artigo 88.º

Taxas de tributação autónoma 

1 — As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.

(...) ”

 

Foi este o normativo que a Requerida aplicou na correcção de que agora se trata, e na seguinte (Questões C) e D) ).

Alega a Requerente que a qualificação como despesas não documentadas é abusiva no caso. Defende mais uma vez haver um documento que contém os elementos necessários – refere-se mais uma vez à “Comunicação ao contabilista certificado” – cfr supra, factos provados, al. l).

Referente a contentores, como também já vimos a propósito da Questão B).

Mais defende que como não houve afectação de resultados a qualificação despesas não documentadas não é aplicável.

A Requerida por seu turno fundamentou o acto essencialmente cfr al o) factos provados para que ora remetemos.

Adiante-se desde já que mais uma vez não assiste razão à Requerente.

Quanto à não suficiência do documento interno retomam-se e reiteram-se quer as considerações tecidas já na questão anterior quanto a este documento da Requerente. Quer as considerações feitas para efeitos de exigência / requisitos de documentos para dedutibilidade fiscal e medida da aceitação ou não para esse efeito de documentos internos, tudo como se desenvolveu na Questão A) e como se percorreu ali também em Jurisprudência.

Acrescem as demais considerações também já tecidas na Questão A9 sendo aqui novamente os movimentos de Conta Caixa.

 

Mais, quanto ao invocado pela Requerente no sentido de por não se terem afectado lucros não ser de convocar a disciplina das tributações autónomas também não pode proceder o alegado. Assim se deve entender, e assim é pacífico o entendimento seja na Doutrina seja na Jurisprudência, no sentido de que não será por não se levar um gasto incorrido pelo SP a custo na contabilidade que a mesma disciplina não será de aplicar. Se dúvidas houvesse, v. como também já em Decisão Arbitral que integrámos se lê (Proc. 105/2020-T): “(...) O conceito de «despesas» utilizado no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, não é definido neste Código e não coincide com o de «gastos», definido no artigo 23.º do CIRC (que inclui, designadamente, «perdas» e «ajustamentos»), pelo que deverá ser atribuído àquela expressão o alcance que tem na linguagem comum, de saída de dinheiro do património de uma empresa.

Não apresenta, assim, um nexo de conexão com a respetiva relevância como custos dedutíveis. Entendimento que resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelo acórdão do STA de 31-03-2016, processo n.º 0505/15, não faz depender a tributação autónoma baseada em despesas não documentadas da sua relevância como gastos para determinação do lucro tributável.

O referido acórdão, diz-nos: “O art.º 81.º do CIRC, na redacção vigente à data da tributação definia as diversas taxas que seriam utilizadas para tributação dos tipos de despesas ali enunciadas, sem haver qualquer dispositivo legal que determinasse que essa tributação só ocorreria se estas despesas houvessem sido tidas como custos fiscais da empresa para a determinação do seu lucro tributável. Admitindo-se que a finalidade da tributação autónoma apontada pela recorrente - reduzir a despesa fiscal evitando a fraude e evasão fiscais – seja um dos elementos considerados pelo legislador no estabelecimento desta regulamentação, essa finalidade não pode permitir, como aquela pretende que a interpretação do normativo em questão seja efectuada de molde a nele inserir um pressuposto legal sem qualquer assento no texto da lei, o que seria manifestamente desconforme com o disposto no art. 9.º do Código Civil.”

O Supremo Tribunal Administrativo anteriormente entendeu, no acórdão de 07-07-2010, proferido no processo n.º 0204/10, que “tratar-se-á de encargos ou despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afectam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o»: a apreciação da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC. Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa.”

No mesmo sentido, veja-se, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo  de 19/04/2017 processo nº01320/16, o qual decidiu “não era possível efectuar uma tributação autónoma de tais despesas, insuficientemente documentadas porque a insuficiência da documentação não é legalmente equiparada à ausência de documentação das despesas. A terminologia empregue no art.º 23.º e 81.º é suficientemente esclarecedora de que o legislador estabeleceu diferença entre encargos não devidamente documentados e despesas não documentadas, reservando esta qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental.”

Neste sentido, a jurisprudência arbitral já se pronunciou sobre a temática, na qual relevamos o processo n.º 486/2019-T, cuja fundamentação nos diz: “As despesas em questão são tributadas apenas porque são efectuadas, havendo mesmo a cargo do contribuinte a obrigação de as tornar aparentes na sua declaração de rendimentos. Se todas ou parte delas poderiam ter sido consideradas como custos da empresa para efeitos da determinação do seu lucro tributável, aumentando a despesa fiscal com a consequente diminuição do lucro tributável, e a empresa por decisão consciente, ou esquecimento, não as considerou desse modo na sua declaração de rendimentos, nem por isso, elas perdem a sua natureza de despesas tributáveis em sede de tributação autónoma, que, por definição é uma tributação destacável da tributação em sede de IRC.”

Entendimento, igualmente defendido anteriormente  no voto de vencido proferido pelo Senhor Professor Doutor Manuel Pires no processo arbitral n.º 7/2011- T:

«(...) devem ser incluídas na tributação autónoma em causa não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afectaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas».

Neste sentido, e seguindo a jurisprudência, supra citada, as despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC são em concreto saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário. Este entendimento é o que mais bem garante o sentido útil e a finalidade regulatória do preceito em causa, portanto o entendimento que adequadamente valora o elemento finalístico da lei. (...)” (fim de citação)

Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, aderindo ao que fica exposto e para aqui o transpondo, também no nosso caso estamos perante despesas não documentadas. Exfluxo financeiro da empresa, nos termos e com as características que ficam percorridas. Mesmo se não levado a custos, sendo o caso, não deixando de se aplicar a qualificação e o regime.

Assim, também neste ponto, a liquidação é legal, improcedendo o alegado pela Requerente. Por tudo o percorrido.

 

*

Quanto ao alegado vício de violação de lei por consideração como despesa não documentada, da saída da Conta Caixa de € 15.000,00 (numerário) - “contrato de mútuo” - cfr. Questão D).

 

A Requerente invoca que a correcção não se podia fazer – mais uma vez alegando haver documento cuja suficiente para efeitos de dedutibilidade tem que ser admitida.

 

Recordam-se e reiteram-se aqui as considerações em matéria de despesas não documentadas tecidas em resposta à Questão anterior.  Mais uma vez refere também a Requerente haver mera alteração qualitativa do património. Pelo que todas as considerações feitas antes, na Questão anterior, também aqui se aplicam.

Acresce que sendo as saídas de Conta Caixa, e mais uma vez, e como a demais fundamentação da Requerida, supra factos provados, al. r), não havia documento que comprovasse a materialidade da operação que a Requerente alega ter ocorrido.

Tendo sido solicitada a Requerente em sede inspectiva para o efeito veio a mesma, vimos supra,  e v. factos provados, juntar um contrato, de quatro cláusulas, entre si e o sócio gerente, em que se estipula que se constitui devedor (aliás dali constando ser afinal a sociedade quem se constitui devedor) do montante em causa (€ 15.000,00) se refere que o empréstimo corresponde a retiradas várias de caixa ao longo do ano em questão (2016). Por todas as incongruências do contrato – cfr. constante da al. r) factos provados e que constitui fundamentação do acto -, inclusive o não pagamento de imposto de selo (v. TGIS, verba 17.1.3.), o ser datado de 31.12.2016 e o lançamento, cfr. SAFT, ser muito posterior (meses depois, no ano seguinte), não só não se prova a correspondência entre a saída de caixa dos  15.000,00, ademais tendo que se concluir que quando o contrato foi feito já todas as saídas de caixa se haviam verificado, incluindo, pela contabilização em 2017 apenas, a saída dos € 15.000,00; como, ainda, nenhuma informação se apura quanto aos elementos essenciais da operação e, assim, à materialidade da mesma.

Mais uma vez é de aplicar a qualificação e o regime de despesa não documentada por tudo o que ficou percorrido a respeito deste tema imediatamente supra. A saída de conta caixa a 31.12.2016.

Inexiste, por tudo o que vimos, comprovativo documental válido, comprovativo documental. O documento interno exibido pela Requerente não permite fazer a prova que à Requerente cabia fazer e assim também lograr o que por aqui pretendia.

É legal a liquidação[16] também neste ponto.

 

*

Quanto ao alegado vício de violação de lei por consideração como adiantamento por conta de lucros de montantes registados em contas do sócio gerente, no total de € 27.836,53 - cfr. Questão E).

 

Dispõe o legislador no art.º 6.º, n.ºs 4 e 5 do CIRS, em sede de tributação de rendimentos da Categoria E, assim:

 

“Artigo 6.º
Presunções relativas a rendimentos da categoria E 

(...)

 

4 - Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

5 - As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira.”

 

 

A Requerente alega que as saídas de verbas em questão passaram a constituir um activo da sociedade sobre o sócio. Que a sociedade teria registado como dívida. E que não podem ser consideradas como lançamentos a favor do sócio. Tudo como supra, Relatório.

A Requerida, por seu lado, fundamenta o acto como supra factos provados al. t) para onde ora se remete.

Tendo resultado provado - cfr supra probatório- cfr – al. s) -lançamentos em contas correntes do sócio escrituradas na sociedade – e não tendo resultado provado que o que a Requerente alega e que acabamos de referir (antepenúltimo parágrafo), e estabelecendo o legislador no CIRS a este respeito como antecede, estabelecendo aí a presunção legal de se tratar, em tais situações – como fica provado ser a dos autos também – de adiantamento por conta de lucros/distribuição antecipada de lucros.

Não tendo a Requerente afastado a presunção – cfr factos não provados supra – e v. n.º 5 do mesmo art.º 6.º,

Não podia senão a Requerida, em aplicação da lei, operar a correcção que operou, aplicando o artigo e assim liquidando em IRS RF à taxa liberatória de 28%.

Improcede, também aqui, o alegado pela Requerente.

Por tudo o visto e em aplicação das normas também percorridas.

 

 

As Liquidações não se encontram, pois, feridas de ilegalidade.

 

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

As Liquidações comprovaram-se ser legais.

Improcedem consequentemente e assim os pedidos de reembolso de quantias pagas e de juros indemnizatórios.

 

 

5. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:

a)      Absolver a Requerida do pedido de anulação das Liquidações, todas melhor identificadas supra;

b)      Absolver a Requerida dos pedidos de devolução de quantias e juros indemnizatórios.

 

6. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 39.939,92.

 

7. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 7 de Março de 2022

 

O Árbitro

(Sofia Ricardo Borges)

 

 



[1] Diploma aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT.

[2]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[3]Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para qualquer deles - ou para Outros quando nos referirmos à aplicabilidade no caso dos respectivos artigos - se remeter na presente Decisão).

[4] Cfr. Artigos 28 – 29 do PPA

[5] No que aos autos mais possa relevar. E incluiremos aqui desde já as regras que irão relevar para vícios que vêm imputados em demais Questões a decidir infra;

[6] Disponível em www.caad.org.pt

[7] Quaisquer sublinhados serão nossos, nesta transcrição como ao longo da Decisão se for o caso.

[8] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 27-06-2018, proferido no processo n.º 01402/17.

[9] Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-07-2012, processo n.º 0658/11, as exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como ficou dito, à relevação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respectivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos.

[10] Como se assinala, relativamente ao IVA, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-10-2017, processo n.º 01141/16.

[11] Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 09-09-2015, processo n.º 028/15.

[12] Essencialmente neste sentido, pode ver-se o citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-07-2012, processo n.º 0658/11.

[13] Veja-se, sobre esta distinção entre documentos de natureza externa e interna, António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, Áreas Editora, 19.ª edição, 2001, p. 64 e também José Braz Machado, Contabilidade Financeira, Edição Protocontas, 1998, p. 160-161.

[14] Nota deste Tribunal Arbitral Singular.

[15] Como o TJUE entendeu, entre outros, no já citado acórdão de 15-09-2016, proferido no processo n.º C-516/14, em que se decidiu que artigo 178.º, alínea a), da Diretiva 2006/112, do Conselho, de 28-11-2006, se opõe a que «as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.ºs 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos».

[16] No singular sempre, ao concluirmos, por facilidade.