SUMÁRIO:
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O artigo 110.º do TFUE estabelece a impossibilidade de fazer incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares.
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Sob a orientação da linha da jurisprudência constante do TJUE, a redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei 75-B, de 31 de dezembro, ao artigo 11.º, n.º 1, do CISV, ao desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados, postos em circulação no território português, e adquiridos noutro Estado‑Membro, nomeadamente, por discriminar no âmbito do cálculo do imposto, a taxa de redução que é aplicável à componente ambiental, por confronto à aplicada à componente cilindrada, é violado o artigo 110.º TFUE.
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O artigo 11.º, n.º 1, do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei 75-B, de 31 de Dezembro, não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP), porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa redução aplicada à componente cilindrada (65%), na taxa redução de ISV relativa à componente ambiental, onde aplicou apenas a taxa de 43%, em violação do disposto no artigo 110.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro designado para formar o Tribunal Arbitral Singular constituído em 31 de agosto de 2021, Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), decide o seguinte:
I. Relatório
A..., adiante “Requerente”, titular do número de identificação fiscal..., com residência na Rua ..., ..., ...-... Vila Nova de Gaia, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
O Requerente no âmbito do identificado pedido de pronúncia arbitral impugna a liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV) sobre a introdução em Portugal do veículo automóvel de passageiros, no estado de usado, da marca ..., modelo ..., de utilização do combustível gasóleo, com a matrícula atribuída de ..., correspondente à Declaração Aduaneira de Veículo n.º 2021/..., no montante global de € 6.063,37, do qual impugna o valor da componente ambiental que ascende em tal liquidação ao montante de € 7.947,63, e que o Requerente entende que deveria ter sido aplicada a redução correspondente a 65%, em vez dos 43% aplicados, encontrando-se liquidado em excesso o montante de € 1.748,48, de onde resultaria que o valor da componente ambiental ascenderia apenas a € 2.781,67, e o valor global do imposto seria a final apenas de € 4.314,89.
O Requerente pretende que o Tribunal arbitral declare a anulação parcial da liquidação de imposto sobre veículos n.º 2021/..., de 2021-06-04, e seja ainda a AT condenada a reembolsar o Requerente da quantia paga em excesso, no montante de € 1.748,48, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º, da LGT, calculados sobre o montante de ISV pago em excesso, desde a data do pagamento do referido imposto até à data da devolução integral dessa quantia.
O Requerente alega, sumariamente, que introduziu em Portugal, com origem em França, pelo valor de € 11.560,00 (onze mil quinhentos e sessenta euros), o veículo automóvel ligeiro de passageiros, usado, de marca..., modelo..., designação comercial “...”, movido a gasóleo, nº de motor ..., n.º quadro ..., cilindrada ... cc, de cor branca e outras, com 194.351 km percorridos.
O Requerente alega que o veículo tinha sido matriculado pela primeira vez no seu país de origem [França], a 14 de novembro de 2013, tendo-lhe sido atribuída a matrícula n.º... .
O Requerente alega ainda que, após a concretização da compra e venda do veículo, ocorrida em 14 de abril de 2021, procedeu à sua “importação”, e, por conseguinte, em 17 de abril de 2021 deu entrada do mesmo em território nacional tendo, em 7 de maio de 2021, apresentado junto da Alfândega de Leixões a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), dentro dos 20 dias posteriores à entrada do veículo em território nacional, para introdução no consumo do veículo, nos termos e para os efeitos da al. a), do n.º 1, do art.º 20.º, do Código do Imposto Sobre Veículos (CISV).
A DAV (à qual foi atribuído o nº 2021/..., de 2021-06-04), foi apresentada pelo Requerente através de representante direto, tendo o declarante inscrito nos Quadro F e G (referentes à apresentação do veículo e matrículas anteriores), que o mesmo era uma viatura usada proveniente de França e com 194.351 km percorridos. No Quadro E da DAV, relativo às características do veículo, no item 51 (atinente à emissão de partículas) consta o valor de 0,0001 g/km, e no item 50 (relativo à emissão de Gases CO2) consta o valor de 156 g/km. Atenta a data da 1.ª matrícula do veículo no país de origem, o veículo foi considerado, por um lado, um veículo com mais de 7 anos a 8 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, aplicáveis à componente de cilindrada, prevista no nº 1, do artigo 11º do CISV, ao qual correspondeu uma percentagem de redução de 65%, mas que só se aplicou a esta componente. Por outro lado, para efeitos da componente ambiental considerou-se o mesmo veículo com mais de 7 a 9 anos, para efeitos dos escalões da Tabela D, ao qual correspondeu uma percentagem de redução de apenas 43%.
No Quadro R da referida DAV, alusivo ao cálculo ISV, alega o Requerente que se verifica que o cálculo desse imposto foi efetuado pela AT, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de € 6.063,37.
Do valor total de imposto, € 4.380,64 são relativos à componente cilindrada, e € 7.947,63 são relativos à componente ambiental. No que concerne à componente cilindrada, ao valor de € 4.380,64 foi deduzida a quantia correspondente a 65% do seu montante, ou seja, € 2.847,42, por força da redução resultante do número de anos do veículo (mais de 7 anos a 8 anos), de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1, do artigo 11.º, do CISV, aplicável aos veículos usados.
O Requerente suscita a questão que, no que concerne ao montante de € 7.947,63, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental não ter sido aplicada a mesma de redução, mas antes, uma taxa de redução de 43%, resultante da aplicação do escalão de antiguidade do veículo ser o de mais de 7 anos a 9 anos. Pelo que na componente ambiental, ao valor de € 7.947,63 foi apenas reduzida a quantia de correspondente a 43% do seu montante, ou seja, € 3.417,48. O Requerente entende que a redução deveria ter sido de 65%, a que corresponderia o montante de € 5.165,96.
Apesar disso, o Requerente alega que procedeu ao pagamento da totalidade do ISV, no montante de € 6.063,37, porque sem esse pagamento não poderia legalizar o identificado veículo para circular em território português.
O Requerente considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2, uma vez que, na sua perspetiva, a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – o artigo 11.º do CISV – viola o artigo 110.º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia).
Entre o demais, o Requerente sustenta, por um lado, a sua posição no acórdão do TJUE, de 16.06.2016, proferido no processo C-200/15. E, por outro, que a atual redação do artigo 11.º, do CISV, decorrente da alteração introduzida pelo artigo 391.º, da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro, viola frontalmente o artigo 110.º do TFUE, por permitir a cobrança do imposto com base num valor superior ao valor real do veículo, penalizado os veículos “importados” face aos veículos usados similares aos disponíveis no mercado nacional. Isto é, sustenta que o valor dos veículos “importados”, a ser utilizado para efeitos de tributação, deve refletir o valor de um veículo similar já registado no território nacional, uma vez que defende existir a necessidade de tomar em consideração a depreciação real do veículo, para que não se verifique que o imposto exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos usados semelhantes já matriculados em território nacional.
Refere ainda, que apesar da tabela D prever a redução na componente ambiental, não eliminou a discriminação na sua totalidade.
Ademais, o Requerente peticiona o direito a obter o recebimento de juros indemnizatórios, tendo em consideração que sustenta existir erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, do qual resultou o pagamento de dívida tributária de montante superior ao legalmente devido.
É demandada a AT, doravante também designada por “Requerida”.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado em 22 de junho de 2021, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 23 de junho de 2021 e, de seguida, notificado à AT.
Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 2, do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou o árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo.
Em 12 de agosto de 2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral singular foi constituído em 31 de agosto de 2021.
Em 24 de setembro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e por impugnação, pugnando pela absolvição da instância e, subsidiariamente, pela improcedência total do pedido. Com a resposta a Requerida juntou o processo administrativo.
A Requerida alega que, quanto à matéria de exceção, que se verifica a incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria, sustentando que o Requerente vem suscitar uma questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional da Lei do Orçamento para 2021, que alterou o artigo 11.º do CISV.
Nesse sentido, defende que é ultrapassado o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, por não se admitir o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a “atos de liquidação de tributos”, o que determinaria a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.
Refere, igualmente, que a competência é taxativa, pelo que sustenta que não se admite a apreciação de atos de natureza legislativa, emanados da função legislativa, como é o caso da Lei do Orçamento, pelo que pugna pelo reconhecimento da incompetência material do tribunal arbitral, que consubstanciará uma exceção dilatória, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, devendo conduzir à absolvição da Requerida da instância.
No que concerne à defesa por impugnação, sustenta que não pode ser imputado ao ato de liquidação qualquer vício de violação do direito da União Europeia, nomeadamente, a pretensa violação do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, por não ter sido aplicada a redução de anos de uso à componente ambiental, porque a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º, já prevê na Tabela D percentagens de redução para a componente ambiental.
Por um lado, sustenta com base no princípio da legalidade que a sua atuação se encontra sujeita a tal princípio, o que determina a sua vinculação à lei. Assim, sustenta que não podia contrariar ou desobedecer às normas legais pré-existentes. Logo, sustenta que o ato de liquidação em causa não pode ser considerado ilegal, pois o mesmo foi efetuado de acordo com a disciplina legal aplicável.
Por outro lado, sustenta que as razões pelas quais o Estado Português entendeu por bem que a desvalorização por anos de uso na componente ambiental deve ser inferior à praticada/operada na componente cilindrada, não podem nem poderiam deixar de ser as mesmas que justificavam/fundamentavam, na lei anterior, a não aplicação dessa redução à componente ambiental. Pois, defende que estão em causa preocupações ambientais com respeito pelas diretrizes emanadas pelas instâncias comunitárias e pelos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto e, mais tarde, pelo Acordo de Paris.
Neste contexto, a Requerida entende que no domínio do ambiente, contribuirá para a prossecução, entre outros, da preservação da proteção da proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, não podendo o artigo 110.º do TFUE ser interpretado nos termos defendidos pelo Requerente, mas antes à luz do artigo 191.º, do TFUE. Logo, pugna que a alteração legislativa ao artigo 11.º do CISV encontra-se em consonância com o disposto no artigo 1.º CISV, que consagra o “Princípio da Equivalência”, nos termos do qual o imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.
Seguidamente, defende que em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a inexistência de diferenciação nas percentagens de redução aplicáveis aos veículos usados nas duas componentes ambiental e cilindrada, violaria os princípios da equivalência, igualdade e de defesa do ambiente, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas. Entendendo, assim, que a aplicar uma igual redução na componente ambiental subverteria do princípio do poluidor-pagador, que decorre do artigo 191.º, do TFUE.
A Requerida sustenta desconhecer a existência de qualquer Acórdão do TJUE que vede, aos Estados Membros, a possibilidade de fixação de reduções diferenciadas para as duas componentes do ISV (componente cilindrada e componente ambiental). Pelo que defende que a posição do Requerente quanto ao artigo 11.º, do CISV, viola o princípio da legalidade consagrado na Constituição da República Portuguesa e na Lei Geral Tributária, bem como o princípio da equivalência, por via da violação dos artigos 9.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa. Por último, sustenta que a alteração implicaria uma inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
A Requerida entende que a elevada relevância social, e bem assim, a existência de disposições legais e objetivos de defesa ambiental definidos ao nível da União Europeia, internacional e nacional, justifica que não seja aplicada à componente ambiental a mesma redução que é aplicada à componente cilindrada no âmbito da tributação automóvel.
A Requerida entende que a interpretação defendida pela Requerente configura uma desaplicação do direito da União Europeia e do direito internacional.
Concluindo a Requerida que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.
Em face disso, entende que não se verifica qualquer erro que possa ser imputado à administração tributária, pelo que alega que o Requerente não tem o direito de exigir juros indemnizatórios.
Em 30 de setembro de 2021, foi o Requerente convidado a pronunciar-se ao abrigo do princípio do contraditório sobre a matéria da exceção suscitada pela Requerida. Em 12 de outubro de 2021, o Requerente pronunciou-se sobre a matéria de exceção, defendendo a sua improcedência, por não provada. Entre o demais sustentou o seguinte:
“2. (...) o Requerente peticiona que seja declarada a anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução do ISV para o valor resultante da aplicação do método alternativo através da fórmula em vigor.
3. (...) o Requerente não pretende obter a suspensão da eficácia de um ato legislativo, mas sim que seja reconhecida e declarada a ilegalidade da liquidação do imposto em causa, pelos fundamentos que invoca no seu requerimento inicial.
4. Ora, essa apreciação integra sem sombra de dúvidas a competência material deste Tribunal Arbitral.
5. A ilegalidade do ato que está ma base da presente impugnação é a violação do Direito Europeu que prevalece, nos termos do disposto no art. 8º da CRP, sobre o direito nacional.
6. Não está em causa nestes autos apreciar qualquer ato legislativo ou emanado pelo órgão do poder legislativo, mas sim a legalidade de um ato de liquidação de imposto praticado pela AT.
7. Em violação do direito vigente e com aplicação direta em Portugal.”
Em 3 de novembro de 2021, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como indeferida a produção de prova testemunhal, e foi concedido o prazo de 10 dias para alegações, indicando-se o dia 31 de janeiro de 2022 como data previsível para prolação da decisão arbitral.
O Requerente e a Requerida apresentaram alegações no prazo concedido.
A Requerida manteve e reiterou todo o conteúdo da resposta apresentada anteriormente, sustentando que o Requerente não tem razão quando sustenta que continua a existir um efeito discriminatório na componente ambiental a que se reporta a Tabela D do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, defendendo a sua conformidade face ao disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE, bem como dos artigos 66.º e 103.º da Constituição da República Portuguesa.
Por seu lado, o Requerente alega que não coloca em causa a politica fiscal aprovada pelos respetivos órgãos de competência legislativa, nem a sua execução pelo Governo e respetiva administração tributária, nem a importância da defesa do meio ambiente e a execução das políticas tendentes à sua execução, mas sim a liquidação de um imposto que na sua perspetiva é ilegal por violar uma norma do direito da União Europeia, decorrente da tributação diferenciada entre veículos usados comercializados em território português e os veículos usados introduzidos no mercado interno, no que respeita à componente ambiental. Para tanto, alega que nas viaturas usadas introduzidas no mercado português, a componente ambiental não tem em consideração o valor residual integral do imposto já incorporado no valor dos veículos automóveis. Isto é, o Requerente entende que não se considera a desvalorização real da viatura pelos anos de uso que já tem, pelo que alega ter sido violado o artigo 110.º, do TFUE.
Em 16 de novembro de 2021, o Requerente procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente.
Em 31 de janeiro de 2022, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, fez-se uso da possibilidade aí prevista, e determinou-se a prorrogação do prazo acima identificado por um período de 2 (dois) meses, indicando-se o dia 31 de março de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.
II. Do Saneamento do processo
O Tribunal Arbitral Singular encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 5.º e 6.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
A Requerida, na sua resposta veio invocar a exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria.
Da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria
O Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) procedeu à introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril.
Com efeito, a arbitragem em matéria tributária fixa com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral. Assim, encontram-se abrangidas pela competência dos tribunais arbitrais a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamento por conta, a declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais e, bem assim, a apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão anteriormente referida, tal como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
A competência dos tribunais arbitrais está prevista no artigo 2.º do referido diploma legal, que refere que:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
c) (Revogada.)
2 - Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade.”
O âmbito da jurisdição arbitral tributária, como refere a decisão arbitral proferida no processo n.º 669/2015-T, “ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (alínea a)).”.
Significa isto que, o tribunal arbitral apenas tem competência, ao abrigo do RJAT, para apreciar a declaração de ilegalidade de:
a) Liquidação de tributos;
b) Autoliquidação;
c) Retenção na fonte;
d) Pagamento por conta;
e) De atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo;
f) De atos de determinação da matéria coletável; e
g) de atos de fixação de valores patrimoniais.
Através da Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de abril, ficaram vinculados os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade.
Na referida portaria estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.
Com efeito, segundo Sérgio Vasques e Carla Castelo Trindade, em Cadernos de Justiça Tributária n.º 00, abril/junho de 2013, no artigo “O âmbito material da arbitragem tributária”:
“nos termos da alínea a) do n.º 1, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar as pretensões que se prendam com a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta. O âmbito material da arbitragem tributária, recortado por esta alínea, corresponde ao previsto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), estando-se perante questões que podem simultaneamente ser objecto de arbitragem e impugnação judicial. De facto, pode ler-se neste preceito do CPPT que o processo judicial tributário compreende “a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta”.
Assim, a competência dos tribunais arbitrais prevista no RJAT é taxativa, razão pela qual é o mesmo competente para decidir questões relacionadas apenas com a ilegalidade dos atos acima indicados.
Ora, a Requerida sustenta, entre o demais, que:
“5. (...) o Requerente vem suscitar uma questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional da Lei do Orçamento para 2021, que alterou o artigo 11.º do CISV.
6. Ora, considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a “atos de liquidação de tributos”, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.
7. Isto é, a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, não é da competência do tribunal arbitral.
(...)
13. Ora, a incompetência material do tribunal arbitral consubstancia uma exceção dilatória, nos termos da alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 99.º e n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.”
Por seu lado, o Requerente, entre o demais, sustenta que:
“2. (...) O Requerente peticiona que seja declarada a anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução da liquidação do ISV para o valor resultante da aplicação do método alternativo através da fórmula em vigor.
3. (...) o Requerente não pretende obter a suspensão da eficácia de um ato legislativo, mas sim que seja reconhecida e declarada a ilegalidade da liquidação do imposto em causa, pelos fundamentos que invoca no seu requerimento inicial.
4. Ora, essa apreciação integra sem sombra de dúvidas a competência material deste Tribunal Arbitral.
5. A ilegalidade do ato que está na base na presente impugnação é a violação do Direito Europeu que prevalece, nos termos do disposto no art. 8º da CRP, sobre o direito nacional.
6. Não está em causa nestes autos apreciar qualquer ato legislativo ou emanado pelo órgão do poder legislativo, mas sim a legalidade de um ato de liquidação de imposto praticado pela AT.
(...)”.
Vejamos, pois, a quem assiste razão.
Em causa está assim o objeto dos presentes autos, que se encontra delimitado pelo pedido e pela causa de pedir do pedido de pronúncia arbitral. Ora, in casu, o Requerente formula o seguinte pedido:
“Nestes termos deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução da percentagem de 65% aplicada à componente cilindrada, à componente ambiental.
Mais deve a AT ser condenada a restituir ao Impugnante a quantia de € 1.748,48 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição”
Do introito da sua petição inicial do pedido de pronúncia arbitral consta expressamente: “Vem, nos termos do art. 99º do CPPT, deduzir IMPUGNAÇÃO da liquidação do ISV (...)”.
Ademais, do formulário do pedido de pronúncia arbitral consta como pretensão “a declaração de ilegalidade de actos de: - Liquidação de tributos”, identificado o ato como sendo a “Liquidação n.º 2021/... de 2021 (ALFÂNDEGA DE LEIXÕES)”, com referência aos artigos 11.º do CISV e 110.º do TFUE.
Na fundamentação, entre o demais, o Requerente alega que “A norma do art. 11.º do CISV, viola diretamente o disposto no artigo 110.º do TFUE”.
Consequente, torna-se evidente que estando em causa ação em que se solicita a pronúncia do Tribunal Arbitral quanto a ato de liquidação, os factos correspondentes à identificação do ato tributário em causa representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir, o qual vem devidamente concretizado. Daí se retira que o pedido apresentado pelo Requerente diz respeito à declaração de ilegalidade da liquidação de ISV, no valor de € 6.063,37 (seis mil e sessenta e três euros e trinta e sete cêntimos), suportada pela Declaração Aduaneira de Veículo 2021/... .
Considerando que o objeto dos presentes autos reporta-se ao ato de liquidação de ISV, subjacente à referida Declaração Aduaneira de Veículo, ao qual é imputada a sua ilegalidade por violação do Direito da União Europeia, diretamente aplicável no ordenamento jurídico português, nomeadamente, a violação do artigo 110.º, do TFUE, entende-se que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar a pretensão do Requerente, que se consubstancia na declaração de ilegalidade do ato de liquidação do ISV já identificado, concluindo-se pela improcedência da exceção suscitada pela AT, relativa à incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral em razão da matéria.
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Da fundamentação
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Matéria de facto
A.1. Factos Provados
Com relevo para a decisão do processo arbitral, importa atender à seguinte factualidade, que se julga provada:
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O Requerente introduziu em Portugal, com origem em França, pelo valor de € 11.560,00 (onze mil quinhentos e sessenta euros), o veículo automóvel ligeiro de passageiros, usado, de marca ..., modelo ..., designação comercial “...”, movido a gasóleo, nº de motor ..., n.º quadro..., cilindrada ... cc, de cor branca e outras, com 194.351 km percorridos.
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O veículo foi matriculado pela primeira vez na França a 14 de novembro de 2013, tendo-lhe sido atribuída a matrícula ... .
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Após a concretização da compra e venda do veículo, ocorrida em 14 de abril de 2021, procedeu à sua importação, tendo em 17 de abril de 2021 dado entrada do mesmo em território nacional e, em 7 de maio de 2021, apresentado junto da Alfândega de Leixões a declaração aduaneira de veículo (DAV), para introdução no consumo do veículo.
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A DAV, à qual foi atribuído o nº. 2021/..., de 2020.05.07, foi apresentada pelo Requerente através de representante direto, tendo o declarante inscrito nos Quadro F e G (referentes à apresentação do veículo e matrículas anteriores), que o mesmo era uma viatura usada proveniente de França e com 194.351 km percorridos.
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No quadro E da DAV, relativo às características do veículo, no item 51 (atinente à emissão de partículas) consta o valor de 0,0001 g/km, e no item 50 (relativo à emissão de Gases CO2) consta o valor de 156 g/km.
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Atenta a data da 1.ª matrícula do veículo no país de origem, o veículo foi considerado um veículo com mais de 7 ano a 8 anos de uso, quanto à componente cilindrada, e com mais de 7 a 9 anos, quanto à componente ambiental, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, ao qual correspondem, respetivamente, percentagens de redução de 65% (componente cilindrada) e 43% (componente ambiental).
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No Quadro R da referida DAV, alusivo ao cálculo ISV, o cálculo desse imposto foi efetuado, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de € 6.063,37.
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Do valor total de imposto, € 4.380,64 são relativos à componente cilindrada, e € 7.947,63 são relativos à componente ambiental.
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No que concerne à componente cilindrada, ao valor de € 4.380,64 foi deduzida a quantia correspondente a 65% do seu montante, ou seja, € 2.847,42, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do CISV, aplicável aos veículos usados.
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No que concerne à componente ambiental, ao valor de € 7.947,63 foi deduzida a quantia correspondente a 43% do seu montante, ou seja, € 3.417,48, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do CISV, aplicável aos veículos usados
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A liquidação de imposto sobre o veículo em causa tem o n.º 2021/..., de 2021-05-07.
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O Requerente procedeu ao pagamento da totalidade do ISV, no montante de € 6.063,37, em 27.05.2021.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 22 de junho de 2021.
A.2. Factos não Provados
Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
A.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto dada como provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.
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Do direito
O pedido de pronúncia arbitral fundamenta-se na ilegalidade da norma do artigo 11.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), na redação dada pelo artigo 391.º, da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro, relevante na liquidação ora impugnada, por violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE). Com efeito, coloca-se a questão de saber se a liquidação de ISV, relativa à viatura usada identificada nos autos, padece ou não de ilegalidade parcial devendo, em caso afirmativo, anular-se parcialmente aquele ato tributário ou se, pelo contrário, como defende a Requerida, deverá aquele ato de liquidação de ISV ser integralmente mantido na ordem jurídica, por não enfermar de qualquer ilegalidade.
A mencionada disposição legal vem questionada no sentido de se saber se, quando aplicável aos veículos portadores de matrículas comunitárias, com vista a contemplar no cálculo do imposto devido a desvalorização comercial média dos veículos usados no mercado nacional, ao prever uma redução percentual pelo número de anos de uso do veículo, sob distintas percentagens de redução para a componente cilindrada e ambiental, com menor redução nesta última, sob um escalão de idade mais alargado, será a mesma violadora da necessidade de tomar em consideração a depreciação real do veículo, para que não se verifique que o imposto exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos usados semelhantes já matriculados em território nacional.
Segundo o Requerente, a norma aplicada na liquidação sub judice conduz a que seja cobrado sobre os veículos “importados” de outros Estados Membros da União Europeia um imposto determinado com base em valor superior ao valor real do veículo, onerando-os com uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. Esta posição é contestada pela Requerida, no sentido que a componente ambiental já se encontra a ser objeto de redução, mas que a mesma tem de ser distinta (menor percentagem), uma vez que representa o custo do impacto ambiental, não devendo ser entendida como contrária ao espírito do artigo 110.º do TFUE, uma vez que tal disposição do Direito da União Europeia terá como objetivo orientar os consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.
Ora, de acordo com o disposto no CISV, estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, os veículos referidos no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CISV:
1 - Estão sujeitos ao imposto os seguintes veículos:
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Automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas;
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(...)
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do CISV, consideram-se sujeitos passivos do imposto sobre veículos:
1 - São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos.
Por seu lado, o artigo 5.º, do CISV, estabelece que:
1 - Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.
2 – (...)
3 - Para efeitos do presente código entende-se por:
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«Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional;
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«Importação», a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional.
No que concerne à questão da exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea b), “o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (…) no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”, sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” [n.º 3].
Acresce que, quanto à introdução no consumo, estabelece o artigo 17.º, n.º 1 do CISV que “a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”, sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV”.
De acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 1 do CISV, “os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV (…)” nos prazos aí previstos, sendo que, nos termos do seu n.º 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar.
As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel, mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados, nos termos do disposto nos artigos 7.º a 11.º do Código do ISV. Assim, no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.
O cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 do Código do ISV dispõe que:
1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
Por seu lado, os n.ºs 3 e 4 do referido artigo 11.º do Código do ISV referem que “sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula (…) [aí] indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa (…) que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto (…)”, sob pena de se presumir “(…) que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1”.
A temática relativamente sobre o modo como o Estado português vem tributando os veículos automóveis usados, proveniente do espaço da União Europeia tem sido objeto de múltiplas decisões, tanto pelos tribunais superiores e pelo CAAD, como pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o que conduziu o Estado português a promover ao longo dos anos distintas redações para o mencionado artigo 11.º, do CISV.
Sem prejuízo, dos presentes autos terem em consideração uma distinta redação da norma objeto de outras decisões, com vista à integral compreensão da decisão a adotar, mostra-se necessário fazer referência à extensa jurisprudência sobre o artigo 11.º, do CISV. Na realidade, quanto a esta matéria, entre muitas outras decisões já proferidas pelo CAAD, que sufragamos, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados.
Efetivamente, a legalidade foi questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, “(...) porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95.º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos (...)” (negrito nosso).
Por isso, o Acórdão do TJCE (de 22-02-2001) denominado “Gomes Valente”, proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do número de anos de uso. Neste âmbito, conforme resulta da referida decisão, embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95.º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros fatores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objetivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.
Conforme resulta de anteriores decisões do CAAD, como por exemplo as proferidas, no âmbito dos processos 572/2018-T e 776/2019-T:
“esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95.º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90.º, primeiro parágrafo) permitia a um Estado Membro (EM) aplicar aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional”.
Acrescentando que:
“(...) na sequência do designado Acórdão “Gomes Valente”, a jurisprudência tem entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adopte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório”.
Na realidade, o atual artigo 110.º, do TFUE, opõe-se a que um Estado Membro aplique aos veículos usados importados de outro Estado-membro um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional. Pois, quando um Estado-membro aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrato com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório.
Pelo que, in casu, embora estejamos perante uma distinta redação do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, as mesmas considerações de análise devem ser observadas, designadamente, é necessário verificar se a nova redação garante de uma forma precisa a depreciação real dos veículos e, bem assim, se o atual modelo de tributação implica ou não tributação superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional. Por seu lado, como face à extensa jurisprudência europeia o modelo português não assenta na avaliação de cada veículo, mas antes, num modelo de tributação baseado em tabelas fixas, torna-se necessário averiguar se o mesmo não promove nenhum efeito discriminatório, uma vez que o TJUE é claro ao exigir que o modelo de tributação “exclua todo e qualquer efeito discriminatório” (negrito e sublinhado nosso). Em causa está a recusa do TJUE em aceitar como sendo conforme ao direito da União Europeia qualquer modelo de tributação que não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.
Nos presentes autos volta a estar em causa a questão da componente ambiental, embora não pela inexistência de redução na componente ambiental, como vinha sendo a questão apreciada pela jurisprudência nacional e europeia, mas pelo facto de existir distintas reduções aplicáveis aos veículos usados, para as componentes cilindrada e ambiental, e se tal será conforme ao direito da União Europeia, nomeadamente, face ao artigo 110.º do TFUE.
A jurisprudência europeia, em 2006, no âmbito do sistema de tributação húngaro, no Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), caso Nádasdi, analisou pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia, aí se referindo expressamente que:
“(...) o sistema fiscal Húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental”.
Contudo, o referido acórdão veio declarar que:
“o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida — em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e — em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto”.
Adicionalmente, considerou-se que os Estados-Membros têm a liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objetivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da União Europeia se, por um lado, prosseguirem objetivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam de molde a evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, das “importações” provenientes dos outros Estados-membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes.
Consequentemente, no âmbito da anterior redação do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, que não comportava qualquer redução na componente ambiental, foi entendimento reiterado deste CAAD, que:
“(...) no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos e possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.”.
Efetivamente, em 2009, interpretando o mesmo artigo 110.º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.
Vejamos, então, se a atual redação do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, é compatível com o artigo 110.º, do TFUE.
No que a Portugal diz respeito, nos termos do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é diretamente aplicável em território nacional, sem desenvolver qualquer fundamentação, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11.º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem é considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, acima já referido.
Com efeito, em matéria de direito internacional, o artigo 8.º, n.º 4 da CRP estabelece que “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetiva competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático”.
Neste sentido, a Decisão Arbitral n.º 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017, refere, que:
“(…) apesar de só os Estados Membros terem competência em matéria de impostos diretos, o Tribunal de Justiça (TJ) tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente (…) a livre circulação de mercadorias (artigos 28.º e seguintes do TFUE) (…). Ora, é precisamente através da proteção de cada uma destas liberdades, diretamente aplicáveis, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades. (…) O direito português consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação (…). Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados perante os tribunais”.
Com razão, a referida decisão salienta que:
“os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8.º n.ºs 1 e 2 da CRP. Apresenta-se, pois, como claro que, para que a convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar. Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas. Sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa”.
Posto isto, o artigo 110.º do TFUE (na esteira do artigo 90.º do Tratado de Roma), preceitua que:
“nenhum EM fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares”.
Ademais, sobre a interpretação deste artigo face aos direitos nacionais já o TJUE se pronunciou por diversas vezes, precisando o seu alcance dado que a admissão nos mercados nacionais de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da UE. Por isso, ainda que sobre distinta redação da norma interna em questão, salientam as citadas decisões do CAAD, que “dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a quem cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo” (negrito nosso).
E, tanto assim é, que o Estado Português, já anteriormente à atual redação, havido sido interpelado pela Comissão Europeia em 2009/2010, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110.º do TFUE), o que o veio a obrigar a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV, em concreto o artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV (naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de “O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental”.
Posteriormente, surgiu o já citado Acórdão do TJUE n.º C–200/15, de 16 de Junho de 2016, visando diretamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11.º do Código do ISV (na redação em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que:
“a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE”.
E, assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11.º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização, através da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (em vigor de 2017 a 2020, inclusive), mas excluindo de novo da redação do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV. Com esta redação ignorava-se no artigo 11.º, n.º 1 Tabela D, o previsto no artigo 110.º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90.º do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.
A situação descrita levou a Comissão Europeia a dar início a um procedimento contra Portugal, conforme se extrai da decisão arbitral, “por este EM não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados “importados” de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional”.
De acordo com o artigo 4.º do TFUE:
“(…) as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados-Membros” (nº 1), sendo que “os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União” (nº4).
Ainda, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1 do TFUE:
“A Comissão promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito. A Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições por força destes. Controla a aplicação do direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia. (…)”.
Por sua vez, de acordo com o artigo 258.º do TFUE:
“se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações. Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia”.
Tal como resulta das decisões do CAAD 572/2018-T e 776/2019-T:
“uma eventual infração à legislação europeia for identificada pela Comissão ou denunciada por queixa, esta última tenta resolver o problema que lhe está subjacente através do diálogo com o EM em causa, com o objetivo de encontrar uma solução rápida que esteja em conformidade com a legislação da UE e evitar assim o recurso a um processo formal por infração”.
No caso de o Estado-membro não concordar com a Comissão ou não tomar medidas para retificar a eventual violação da legislação da UE, a Comissão pode abrir um processo formal por infração, sendo que este processo compreende várias etapas. Neste contexto, a Comissão Europeia convida, através de notificação por carta, as autoridades nacionais do Estado-membro a pronunciarem-se sobre o problema de incumprimento identificado, no prazo máximo de dois meses, sendo que, em caso de ausência de resposta ou de resposta não satisfatória, a Comissão indicará as razões por que considera que o Estado-membro violou a legislação da UE e as autoridades nacionais dispõem de um prazo máximo de dois meses para dar cumprimento à legislação europeia. Não obstante, em caso de ausência de resposta ou resposta não satisfatória, a Comissão pode pedir ao TJUE que abra um procedimento contencioso ao Estado-membro incumpridor, decidindo o TJUE, em média, no prazo de dois anos, sobre a existência de uma infração à legislação europeia.
No decurso desse procedimento, veio a ser alterada a redação do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, por via da alteração introduzida pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro, que lhe conferiu a seguinte redação:
1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:
Com efeito, tal como resulta da nova redação passou o sistema de tributação dos veículos usados a contemplar na componente ambiental uma redução, de acordo do tempo de uso. A referida alteração vem sustentada nos termos da proposta de Lei 61/XIV, no sentido que:
“(...) que se procurou salvaguardar os ambiciosos objetivos ambientais do País e a incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, prevê-se, à semelhança do que já sucede com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados –membros da União Europeia passem a beneficiar de um desconto sobre a componente ambiental do ISV, o qual, ao contrário do que sucede com a componente cilindrada, não estará associado à desvalorização comercial dos veículos, mas antes à sua vida útil média remanescente (medida pela idade média dos veículos enviados para abate), por se entender que a mesma é uma boa métrica do horizonte temporal de poluição do veículo, assegurando-se, deste modo, que os carros poluentes serão justamente tributados à entrada em Portugal.”
Posto isto, no âmbito do presente pedido de pronuncia arbitral, e de acordo com a factualidade dada como provada, Portugal passou a contemplar uma redução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre veículos usados “importados” de outros Estados-Membros. Porém, tal redução não está associada à desvalorização comercial dos veículos, mas antes à sua vida útil média remanescente, o que conduz a que as taxas de redução da componente cilindrada e ambiental não sejam similares, bem como os escalões, de acordo com o tempo de uso, sejam diferentes em cada uma das componentes. Esta circunstância conduz ao agravamento deliberado da componente ambiental, por via da menor redução aplicada às viaturas.
No caso em apreço, conduziu a que a taxa de redução da cilindrada fosse de 65%, enquanto a taxa de redução na componente ambiental fosse somente de 43%, o que representa um diferencial de 22%. Esta diferença continua, tal como sucedia nas anteriores redações da norma legal, a ser sustentada nos objetivos ambientais do Estado português, ou seja, que objetivos de natureza ambiental justificam o distinto tratamento, sem que tal implique a violação do artigo 110.º, do TFUE, por o mesmo dever ser interpretado à luz do artigo 191.º do TFUE.
Porém, à revelia do direito da União Europeia, o artigo 11.º, n.º 1, do CISV, na redação dada pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro, continua a não se mostrar conforme ao artigo 110.º, do TFUE. Na realidade, conforme referido pela jurisprudência da União Europeia, a referida disposição legal não atende à depreciação real do veículo e não permite garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional. Pois, quando um Estado-membro aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrato com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório.
Embora o atual modelo de tributação tenha diminuído significativamente a discriminação que existia entre os veículos usados “importados” e os veículos usados do mercado nacional, a verdade é que não se pode afirmar que tenha sido eliminado qualquer efeito discriminatório. Assim, da aplicação de diferentes metodologias de redução, daquela que se aplica à componente ambiental, resulta a conclusão que não foi excluído todo o efeito discriminatório, que continua a existir à luz da jurisprudência europeia invocada.
Com efeito, haveria que na componente ambiental, calcular a redução nos termos previstos para a componente de cilindrada, de modo a salvaguardar a depreciação dos veículos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, não ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. A não ser assim, não se vê como se possa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados.
Essa perfeita neutralidade pressupõe, à luz da jurisprudência do TJUE, que não possa, em caso algum, ter efeitos discriminatório. Portanto, ainda que esse efeito discriminatório tenha sido efetivamente reduzido (limitado), a verdade é que ele ainda se mantém, entre os referidos veículos usados “importados” e os veículos usados do mercado interno, atenta a menor redução na componente ambiental aplicada no sistema de tributação portuguesa dos veículos automóveis “importados”. Pois, da referida jurisprudência resulta a necessidade de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, das “importações” provenientes dos outros Estados-membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes.
A Requerida continua a suscitar o princípio da proteção do ambiente consagrado no artigo 191.º do TFUE, no sentido que se deve interpretar o artigo 110.º do TFUE à luz do disposto desse artigo 191.º, sob pena de conflitualidade entre as duas normas. Para além dos preceitos constitucionais referidos, que ficam em crise com uma interpretação discordante com a da Requerida, a verdade é que o artigo 191.º do TFUE teve origem no artigo 174.º daquele Tratado, e também a jurisprudência do TJUE se referiu em diversos momentos às questões ambientais na interpretação do referido artigo 90.º, nomeadamente, no processo C-290/05.
Por seu turno, do Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, resulta que o “artigo (110.º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)”.
Portanto, a posição da Requerida, no entender deste tribunal arbitral, importa uma violação ao aludido artigo 110.º, do TFUE e, ao contrário do que defende, não é compatível com o modelo de tributação existente, uma vez que a jurisprudência europeia impõe que tais sistemas de tributação sejam expurgados de qualquer efeito discriminatório, por menor que ele seja, não havendo que aceitar uma discriminação menor face à situação anteriormente vigente. Sendo, por isso, que o atual artigo 110.º do TFUE se opõe a que um Estado Membro aplique aos veículos usados importados de outro Estado-membro um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional. Nestes termos, não pode este Tribunal arbitral deixar de considerar que, o que deverá aqui relevar, é que o artigo 11.º do CISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE, não havendo, de acordo com os fundamentos da Requerida, qualquer interpretação desconforme à Constituição, por parte do Requerente, nem quanto ao direito da União Europeia e direito internacional, porquanto os fins que visam não se podem assegurar com base num sistema tributário discriminatório.
É, que, o artigo 110.º TFUE não permite qualquer derrogação ao princípio da não discriminação, direta ou indireta, no que diz respeito às «importações» de outros Estados‑Membros. Por outro lado, no caso dos veículos registados como novos, a componente ambiental do imposto em causa é coletada apenas uma vez, no momento do registo do veículo em questão, pelo que, consequentemente, o montante a pagar para registar um veículo usado importado excede o aplicável a um veículo usado semelhante já registado em Portugal, o que constitui uma violação do artigo 110.º TFUE.
Igualmente, neste âmbito não há que comparar a tributação de um veículo usado com a de um veículo novo.
Embora sob a análise da anterior redação doa artigo 11.º, n.º 1, do CISV, é sintomático o posicionamento do TJUE no acórdão de 2 de setembro de 2021, no âmbito do processo C-169/20, que opunha a Comissão Europeia e a República Portuguesa, em que se discutia, entre o demais, a componente do imposto de registo calculada com base nas emissões de dióxido de carbono e a não consideração da desvalorização do veículo. Nesse concreto contexto, que é atualmente distinto, decidiu-se que:
“há que declarar que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”.
Se é verdade que, na atualidade se veio passar a considerar a desvalorização do veículo, não se pode deixar de citar no entendimento deste tribunal arbitral várias passagens do referido acórdão, que permitem concluir que se continua a violar o artigo 110.º, do TFUE, no sentido que é entendido pelo TJUE:
“o artigo 110.º TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados‑Membros. Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado” (negrito e sublinhado nosso).
Assim, o acórdão acabado de citar, decidiu que:
“a cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.º TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional”.
Ora, é, pois, entendimento deste tribunal arbitral que a atual redação não tem em consideração a depreciação real do veículo, quando aplica distintas taxas de redução, conforme se está na componente de cilindrada ou na competente ambiental. Sendo a viatura a mesma, não se justifica a existência de diferentes depreciações, por efeito da imposição de objetivos ambientais, porque dessa forma se gera, uma vez mais, um fator discriminativo, ainda que de menor dimensão, por continuar a exceder o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.
Na realidade, a Requerida nem sequer se esforça por demonstrar o contrário, uma vez que continua a remeter a justificação dessa discriminação para fatores de índole ambiental, nomeadamente, para a defesa do meio ambiente, ao abrigo das disposições do artigo 66.º e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, bem como, do artigo 191.º, do TFUE.
Com efeito, esta linha argumentativa não permite ultrapassar o entendimento do TJUE sobre o modelo de tributação português dos veículos usados “importados” de outros países da União Europeia, uma vez que defendeu no citado acórdão de 2 de setembro de 2021 que:
“um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional” (negrito nosso).
No caso em apreço, não se pode assim considerar, nem tal vem alegado ou demonstrado pela Requerida, que o valor do veículo usado “importado” utilizado pela AT como base de tributação reflete fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional.
Como bem refere o mencionado acórdão do TJUE (processo C-169/20):
“(...) a legislação nacional que institui o imposto em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo para os veículos usados importados em Portugal de outros Estados-Membros é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. Por conseguinte, a referida legislação não garante que os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares já presentes no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.º TFUE.”.
E a situação analisada pelo referido acórdão, ainda à luz da anterior redação do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, não se alterou integralmente com a nova redação, uma vez que não se pode deixar de considerar que não é tomada em consideração em toda a sua amplitude a desvalorização real destes veículos, pelo que não estando garantido que os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares já presentes no mercado nacional, tal implica a violação do artigo 110.º TFUE.
Sobre a linha argumentativa da Requerida para justificar a existência de uma taxa de redução menor na componente ambiental, que se funda num objetivo de proteção do ambiente, o TJUE entende que, embora os Estados‑Membros sejam livres de estabelecer um sistema de tributação diferenciada para certos produtos e, portanto, de definir as modalidades de cálculo do imposto de registo de modo a ter em conta considerações relacionadas com a proteção do ambiente, não é menos verdade que essas modalidades devem, nomeadamente, ser suscetíveis de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, relativamente às importações provenientes de outros Estados‑Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes, em conformidade com o artigo 110.º do TFUE
Por isso, é entendimento do TJUE que:
“(...) se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação”.
Ainda que esta decisão se tenha fundado na redação anterior do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, que não contemplava nenhuma redução na componente ambiental, a verdade é que a sua atual redação não tem integralmente em consideração, conforme atrás referido, a depreciação dos veículos, pelo que apenas se limita a descriminação, e não se limita de forma plena o seu efeito discriminatório, o qual não pode ser justificado por razões de política ambiental e de defesa do princípio de defesa ambiental.
Aliás, a referida e citada jurisprudência da União Europeia, avança como uma solução para contabilizar o artigo 110.º, do TFUE, com os princípios e objetivos ambientais referenciados pela Requerida, nomeadamente, quando refere que:
“o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor” (negrito nosso).
Porém, ao arrepio das indicações dadas pela jurisprudência comunitária, a atual redação do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, mantém, ainda que de forma mais limitada, os mesmos problemas que lhe vinham sendo apontados, em violação do Direito da União Europeia, designadamente do artigo 110.º, do TFUE. Pois, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado‑Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.º do TFUE.
Pelo que cai a linha argumentativa das alegações da Requerida nos presentes autos de arbitragem, uma vez que a questão fulcral, tal como reconhece a jurisprudência comunitária, é que “(...) em qualquer caso, (...), tal imposto (...) continuaria a ser discriminatório em relação aos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, uma vez que o referido imposto excederia o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares comprados e registados no território nacional”. Logo, a nova redação não ultrapassando integralmente a discriminação apontada, conduz a que referida norma interna continue a violar o artigo 110.º, do TFUE, não havendo que ponderar o facto dessa discriminação ser menos extensa, do que aquela que se encontrava na redação anterior, visto que a jurisprudência comunitária exige a inexistência em absoluto de discriminação.
De notar ainda que o acórdão de 2 de setembro de 2021, decidiu que embora “(...) ao abrigo do artigo 11.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre Veículos, os contribuintes possam optar por um método alternativo de cálculo do imposto em causa, requerendo ao diretor da alfândega que recalcule o referido imposto com base na avaliação efetiva do veículo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de um método alternativo de cálculo de um imposto não dispensa um Estado‑Membro da obrigação de respeitar os princípios fundamentais de uma norma essencial do Tratado FUE, nem autoriza esse Estado‑Membro a violar esse Tratado”.
Em conclusão, haverá que continuar a entender, sob a orientação da linha da jurisprudência constante do TJUE, que o Estado português ao desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados, postos em circulação no território português, e adquiridos noutro Estado‑Membro, nomeadamente, por discriminar no âmbito do cálculo do imposto, a taxa de redução que é aplicável à componente ambiental, por confronto à aplicada à componente cilindrada, violou efetivamente o artigo 110.º TFUE.
Em consequência, entende-se que o artigo 11.º, n.º 1, do CISV não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o ato tributário de ISV objeto do pedido, porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa redução aplicada à componente cilindrada (65%), na taxa redução de ISV relativa à componente ambiental, onde aplicou apenas a taxa de 43%, em violação do disposto no artigo 110.º do TFUE.
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Dos juros indemnizatórios
O Requerente finaliza o seu pedido no sentido da condenação da AT (Requerida) a “(...) a restituir ao Impugnante a quantia de € 1.748,48, cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição”.
Dispõe o artigo 43.º, n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT) que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Prevê ainda o artigo 100.º do indicado compêndio normativo que “A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
Com efeito, determinando o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá o mesmo ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário, ou seja, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do ato tributário. De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
Posto isto, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Pois, os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.
Na sequência da declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de ISV identificado na medida do peticionado pelo Requerente, e nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso parcial do montante pago pelo Requerente, relativos ao ISV na parte em que a liquidação se deve considerar anulada, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade já assinalada.
Assim, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia de ISV paga indevidamente, os quais serão contados de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 61.º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da efetiva restituição.
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Da Responsabilidade pelas custas
Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Consequentemente, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.
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Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral Singular decide:
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Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de ISV identificada no pedido arbitral, determinando-se a sua anulação parcial, da quantia paga em excesso, no montante de € 1.748,48;
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Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao integral reembolso (restituição).
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Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.
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Valor do processo
Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 1.748,48.
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Custas
Entende este Tribunal Arbitral Singular que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, i.e., o valor de € 41.748,48, correspondente ao valor da liquidação de ISV impugnada pelo Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral.
Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
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Remessa ao Ministério Público
Nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, dispõe-se que “Sempre que seja recusada a aplicação de uma norma, por inconstitucionalidade ou ilegalidade, constante de convenção internacional, ato legislativo ou decreto regulamentar, o tribunal arbitral notifica o representante do Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual”.
No caso em apreço desaplica-se a norma do artigo. 11.º, n.º 1, do CISV, por violação das normas do Direito da União Europeia, nomeadamente, do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Pelo que se ordena a notificação da presente decisão arbitral ao representante do Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento da impugnação.
Notifique-se as Partes e o Ministério Público
Lisboa, 28 de março de 2022
O árbitro,
Rui Miguel Zeferino Ferreira