Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 274/2021-T
Data da decisão: 2022-03-04  ISV  
Valor do pedido: € 5.459,20
Tema: ISV – Admissão de veículo usado – Incidência sobre componente ambiental
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Sumário:

1. Na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, a norma do artigo 11.º do CISV, na redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, mostra-se incompatível com o direito comunitário, por violação do artigo 110º do TFUE.

2. Em consequência, os atos tributários de liquidação praticados ao abrigo da referida norma do artigo 11.º do CISV encontram-se feridos de ilegalidade.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., LDª., com o número de identificação fiscal ..., com sede social em Rua ..., n.º..., ...-... Porto, (doravante designado por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT),sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).
  2. No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 03.05.2021, a Requerente peticiona que o ato de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º 2020/..., de 28.11.2020, no valor total de € 46.983,36, relativo a um veículo de marca ...“importado” da Alemanha, a que se refere a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2020/..., apresentada em 23.11.2020 na Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, seja declarado ilegal na parte relativa às normas de incidência da componente ambiental e, consequentemente,  a referida liquidação seja anulada parcialmente, com fundamento em ilegalidade, por violação do artigo 110.º[1] do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).
  3. A Requerente pede a restituição do Imposto sobre veículos (ISV) liquidado em excesso, no valor de € 5.459,20, e o inerente pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do pagamento indevido e até à data da sua efetiva restituição.
  4. A requerente fundamenta a sua pretensão na circunstância da liquidação impugnada ter sido efetuada ao abrigo das normas dos artigos 7.º e 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, e enfermar de ilegalidade por, em conformidade com disposto no citado artigo 11.º, não ter sido considerada qualquer percentagem de redução do imposto relativamente à antiguidade do veículo e à componente ambiental, em violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
  5. Em 04.05.2021 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e em 09.05.2021 foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, em 03.05.2021 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o Tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.
  6. Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  7. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 13.07.2021 verificou-se a constituição do Tribunal arbitral.
  8. Em 13.07.2021 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.
  9. Na sequência do despacho arbitral proferido para os efeitos do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT, a Requerida não apresentou resposta e não juntou o processo administrativo. Nesta medida, em 17.12.2021, foi proferido despacho arbitral do teor seguinte:

“Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), não tendo a Requerida apresentado a resposta, e considerando a natureza das questões a decidir, o Tribunal decide:

  1. Determinar que, nos termos do n.º 5 do art.º 110.º do CPPT, a Requerida remeta ao Tribunal o processo administrativo;
  2. Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT;
  3. Determinar que o processo prossiga com alegações escritas, a apresentar pela Requerida no prazo de 20 dias e, neste mesmo prazo, subsequentemente e não em simultâneo, pela Requerente, por aplicação conjunta do previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, e no artigo 120.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do RJAT;
  4. Determinar que, no prazo definido na alínea anterior, as Partes enviem ao CAAD os respetivos articulados em formato editável (Word);
  5. Atentas as circunstâncias do Tribunal Arbitral ter sido constituído em 13.07.2021, e de entre 22 de dezembro de 2021 a dia 3 de janeiro de 2022 decorrerem as férias judiciais, em ordem à adequada e correta observância do prazo para a produção das alegações das partes, e no sentido de obter tempo útil para a prolação da decisão arbitral, prorroga-se, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, por dois meses o prazo para a emissão da decisão arbitral.
  6. Fixar o dia 04/03/2022 como data limite para a prolação da decisão arbitral. (…)”
  1. Em 21.01.2022, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, e juntou o processo administrativo. A Requerida defende-se por impugnação e pugna que atentas as razões invocadas, deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente.
  2. A Requerida alega que o cálculo do imposto sobre veículos descrito no Quadro R da DAV e foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, tendo sido calculado o ISV atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º do CISV, tendo, igualmente, sido deduzida a percentagem de redução correspondente, conforme o disposto na tabela D constante do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei de OE para 2017) prevista para os veículos usados.
  3. A Requerente optou por não apresentar alegações, e a Requerida apresentou-as em 24.01.2021, as quais reproduzem integralmente a defesa apresentada em 21.01.2022.

 

  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
  2. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
  4. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções. Assim, passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

17. Com base nos articulados e nos diversos elementos documentais que integram o processo arbitral, o Tribunal destaca os elementos factuais infra descritos que, não tendo sido contestados pelas Partes, se consideram provados:

17.1 Em 03.11.2020, a Requerente adquiriu na Alemanha, e procedeu à sua introdução em Portugal, o veículo automóvel ligeiro usado, de marca ..., movido a gasolina, com o motor n.º..., com cilindrada de ..., e a que foi atribuída a matrícula definitiva ... .

17.2 A primeira matrícula do veículo foi registada no país de origem – Alemanha – em 17.05.2017.

17.3 Em 23.11.2020, a Requerente apresentou na Alfândega da Figueira da Foz a DAV n.º 2020/..., para introdução no consumo do referido veículo ligeiro, na qual consta não só a identificação do veículo, mas, outrossim, os demais elementos necessários à liquidação do ISV.

17.4 Em face das disposições legais insertas nos artigos 7.º e 11.º do Código do Imposto sobre veículos, e com base nos elementos constantes da DAV, foi efetuado o ato de liquidação do ISV agora impugnado, no valor global de € 46.983,36.

17.5 Na Liquidação do ISV, referente ao veículo de marca ..., na componente cilindrada foi liquidado o valor de € 24.609,20, que após a redução legal (20% = € 4,921,84), em função do número de anos do veículo, esta componente passou a ser do valor de € 19.687,36. Em relação à componente ambiental foi liquidado imposto no valor de € 27.296,00. Ao contrário do que se verificou em relação à componente cilindrada, em relação à componente ambiental não foi efetuada qualquer redução e foi determinado o ISV a pagar pelo Requerente no valor de € 46.983,36 € =(19.687,36 + € 27.296,00).

17.6 A Requente realizou o pagamento do imposto através do DUC n.º 2020/..., no valor de € 46.983,36, com data limite de pagamento em 09.12.2020.

17.7 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 03.05.2021.

 

III.1.2. Factos não provados

 

18. Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

19. Em face do pedido de pronúncia arbitral a questão de direito que importa decidir é a de determinar se as normas do Código de Imposto sobre Veículos, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de julho, e subsequentes alterações legais, em concreto as normas do seu artigo 11.º, à data da pratica do ato de liquidação impugnado, evidenciam uma ilegalidade por violação do artigo 110.º do TFUE ou se pelo contrário, como alega a Requerida, não existe qualquer ilegalidade, existe sim, é a prossecução de interesses no domínio ambiental, porquanto, a solução legal consagrada na legislação nacional não visa criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado interno único, tem sim, é a intenção de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no Protocolo de Quioto e no acordo de Paris, designadamente a neutralidade carbónica em 2050.

20. Acresce referir que a Requerida também alega que da interpretação do artigo 110.º do TFUE, em conjugação com a que resulta do artigo 191.º do mesmo tratado, claramente se conclui que o modelo de tributação automóvel português, ao fazer incidir sobre os veículos ligeiros de passageiros, novos e usados, a componente ambiental, não pretende restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional, mas, tão só, (…), direcionar as escolhas dos consumidores para a aquisição de veículos com menores emissões de dióxido de carbono, isto é, mais “amigos do ambiente” tendo por fim último a proteção do ambiente, no estrito cumprimento dos princípios consagrados no artigo 191.º do TFUE.

21. A Requerente alega que as normas do CISV, aplicáveis aos veículos portadores de matrículas comunitárias com vista a contemplar no cálculo do imposto devido a desvalorização comercial média dos veículos usados no mercado nacional prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso do veículo, mas apenas na componente cilindrada, deixando de lado a componente ambiental.

22. E que as normas do artigo 11.º do CISV aplicadas nos atos de liquidação impugnados conduz a que seja cobrado sobre os veículos "importados" de outros Estados Membros da União Europeia um imposto determinado com base em valor superior ao valor real do veículo onerando-os com uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.

23. Em face das razões aduzidas na petição arbitral, e acima sumariadas, a Requerente conclui que deve ser parcialmente anulado o ato de liquidação impugnado com a condenação da Requerida a restituir à Requerente o valor do ISV cobrado em excesso, valor de € 5. 459,20, acrescido de juros indemnizatórios a contar desde a data do pagamento indevido.

24. Por sua vez, a Requerida conclui que a liquidação de ISV, em aplicação do artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição. Destarte, tendo sido o ato de liquidação impugnado efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, não enferma de qualquer vício, devendo, consequentemente, o ato liquidação de ISV efetuado pela Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, inclusive, na parte em que vêm impugnada, manter-se na ordem jurídica.

25. De acordo com os normativos da alínea a), n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Imposto sobre Veículos, estão sujeitos ao imposto, designadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros”, sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos”.

26. E como resulta dos normativos do artigo 5.º do CISV, “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, para este efeito, de acordo com o n.º 3 alínea a) do mesmo artigo, entende-se por “admissão”, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional.

27. Por sua vez, de acordo com os normativos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 17.º do CISV, a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV), sendo que, para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros estão sujeitos ao processamento da declaração aduaneira de veículo (DAV).

28. Atentos os normativos do artigo 4.º do CISV, o imposto sobre veículos possui natureza específica, incidindo as suas taxas sobre uma base tributável constituída por uma componente cilindrada e por uma componente ambiental, sendo que a primeira estipula uma taxa consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda uma discriminação entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, (de forma positiva relativamente aos primeiros) prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.

29. A ilegalidade do ato de liquidação de ISV que a Requerente invoca tem por base o artigo 110.º do TFEU, na medida em que a tributação nacional será mais gravosa para os veículos introduzidos no consumo em Portugal provenientes de outros Estados-Membros de União Europeia do que a que recai sobre veículos usados transacionados no mercado nacional.

30. Na verdade, estabelece aquele preceito que "Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções."

31. Considera a Requerente que aquela norma comunitária é violada pela legislação nacional, em concreto, pelo artigo 11.º do CISV. Importa, assim, analisar a redação dos artigos 7.º e 11.º doi CISV, na redação vigente à data da ocorrência dos factos tributários e no que concerne a veículos ligeiros de passageiros, movidos a gasolina. A saber:

Artigo 7.º do CISV - Taxas normais – automóveis

  1. A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:
  1. Aos automóveis de passageiros
  2. (…)

TABELA A

Componente cilindrada

Escalão de cilindrada (em centímetros cúbicos)

Taxas por centímetros cúbicos (em euros)

Parcela a abater (em euros)

Até 1000

0,99

769,80

Entre 1001 e 1250

1,07

771,31

Mais de 1250

5,08

5.616,80

(Redação dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março de 2020)

   

 

      Componente ambiental

 

Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado (New European Driving Cycle — NEDC)

 

Veículos a gasolina

 

Escalão de CO2 (em gramas por quilómetro)

Taxas (em euros)

Parcela a abater (em euros)

Até 99

4,19

387,16

De 100 a 115

7,33

680,91

De 116 a 145

47,65

5.353,01

De 146 a 175

55,52

6.473,8

De 176 a 195

141,42

21.422,47

Mais de 195

186,47

30.274,29

(Redação dada pela Lei n.º 2/2020 de 31 de Março de 2020)

   

 

Artigo 11.º Taxas – veículos usados

O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

 

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

  1. Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

(…)

32. Em relação ao ato de liquidação de ISV impugnado, e considerando que o veículo em causa é proveniente da Alemanha, a liquidação do ISV foi efetuada com observância da norma do artigo 11.º do CISV, sendo considerada uma redução [20% - ...] na componente cilindrada. Na componente ambiental não foi considerada qualquer redução em função do número de anos de uso do veículo, em conformidade com o disposto naquele preceito legal.

33. Está, portanto, em causa determinar-se se a referida norma do artigo 11.º do CISV, na medida em que não considera qualquer redução de imposto em função do número de anos de uso do veículo na componente ambiental, viola ou não o direito comunitário, em especial o já referido artigo 110.º do TFUE e, consequentemente, se a liquidação impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.

34. A questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados "importados" de outro Estado-Membro tem vindo, de forma recorrente, a ser objeto de apreciação no Tribunal de Justiça da União Europeia.

35. Há que referir que, outrossim, por infração ao artigo do 110.º do TFUE, a Comissão Europeia pediu ao Tribunal de Justiça da União Europeia que declarasse que, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta o valor real destes e, em particular, que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem qualquer outra desvalorização desses veículos no caso de veículos com mais de cinco anos, a República Portuguesa não cumpriu os deveres que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.

36. Houve, portanto, lugar à instauração de um procedimento por infração contra o Estado Português que correu termos sob o processo C-200/15, tendo dado lugar ao acórdão do TJUE (sétima secção) de 16 de junho de 2016, ao abrigo do qual foi decido que “A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.”

37. Em resultado desta decisão do TJUE, a legislação nacional foi alterada e no artigo 11.º do CISV, através da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Orçamento de Estado para 2017) foi introduzida nova redação, passando a contemplar a depreciação do valor do veículo antes de concluído um ano e posteriormente a cinco anos de uso. Porém, esta depreciação do valor dos veículos apenas é relevante, em termos de liquidação de ISV, na componente cilindrada, não se tendo verificado qualquer consideração da depreciação do valor do veículo usado para efeitos da componente ambiental, situação que na opinião da Requerente consubstancia uma ilegalidade por violação do artigo 110.º da TFUE, conforme já foi supra enunciado.

38. Atenta a sua relevância para a matéria em análise, vamos transcrever alguns pontos do acórdão do TJEU, referente ao processo C-200/15, a saber:

“12 A Comissão alega que a taxa do imposto sobre veículos usados admitidos em Portugal, calculada em função de uma tabela de percentagens fixas, não reflete de modo adequado a desvalorização destes veículos, uma vez que, como decorre do artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos, a desvalorização dos veículos utilizados há menos de um ano não é tomada em consideração e a desvalorização dos veículos com mais de cinco anos é limitada a 52%. No entendimento da Comissão, esta disposição é, pois, discriminatória.

13 A Comissão considera que, conforme o Tribunal de Justiça já referiu nos acórdãos de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin (C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 78), e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia (C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 30), a depreciação de um veículo começa no momento da sua compra ou da sua entrada em serviço. Ora, devido ao artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, os veículos automóveis usados da União, com menos de um ano, admitidos em Portugal, são tributados como veículos novos, o que constitui, segundo a Comissão, uma violação do artigo 110.° TFUE.

14 Além disso, os veículos automóveis continuam a desvalorizar‑se depois de decorridos cinco anos de utilização, facto de que resulta que os veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros, utilizados há mais de cinco anos, são sujeitos a um imposto de montante mais significativo do que os veículos automóveis usados similares inicialmente introduzidos no mercado em Portugal, o que também é contrário ao artigo 110.° TFUE.

15 Por outro lado, a Comissão salienta que, nos termos do artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, na medida em que a liquidação provisória do montante desse imposto é efetuada com base na tabela de percentagens fixas prevista neste artigo, o sujeito passivo tem de pagar o imposto no prazo de dez dias úteis. Se este sujeito passivo considerar que este montante é excessivo, pode requerer, observando o

mesmo prazo, uma avaliação do veículo tendo em vista a liquidação definitiva do montante do imposto.

No entanto, a regulamentação portuguesa não prevê nenhum prazo para efetuar esta avaliação, pelo que a Administração nacional recebe o imposto em causa entre a data da sua liquidação provisória e a data da sua liquidação definitiva. Na prática, em todos os casos em que se trate de um veículo automóvel usado importado de outro Estado‑Membro para Portugal e com menos de um ano ou que tenha sofrido uma desvalorização superior a 52%, o sujeito passivo tem de requerer uma avaliação para verificar se o montante do imposto sobre veículos não excede o imposto residual incorporado no valor de veículos similares matriculados em Portugal e se este não é, assim, excessivo.

16 A Comissão recorda que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, não basta, para evitar que um determinado sistema de tributação seja contrário ao artigo 110.° TFUE, que o proprietário de um veículo tenha possibilidade de requerer uma avaliação equitativa e, por outro, se a legislação nacional tiver previsto uma tabela de percentagens fixas, é necessário que esta tabela permita fixar o valor dos veículos usados num nível muito próximo do seu valor real e que o sujeito passivo possa contestar a aplicação desse método de cálculo. Ora, a tabela de percentagens fixas prevista no Código do Imposto sobre Veículos não permite fixar o valor dos veículos usados de acordo com estes requisitos, tanto mais que esta tabela foi organizada de acordo com um único critério, a saber, a idade do veículo, sem tomar em consideração a quilometragem.

17 A República Portuguesa pede que a ação seja julgada improcedente. Alega que o método de cálculo do imposto baseado na avaliação de cada veículo apresenta, como, no seu entender, o Tribunal de Justiça reconhece no seu acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente (C‑393/98, EU:C:2001:109), grandes dificuldades e gera custos elevados, quer para a Administração tributária quer para os contribuintes, bem como perdas de tempo e uma significativa carga burocrática. A elaboração de tabelas gerais que tenham em conta a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo também apresenta dificuldades.

18 A República Portuguesa, em execução do acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente (C‑393/98, EU:C:2001:109), adotou um sistema misto de tributação dos veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros, baseado em dois modelos de cálculo do imposto, ou seja, numa tabela de percentagens fixas e numa avaliação dos veículos. Este sistema vigora desde 2002 e teve, além disso, o apoio implícito da Comissão no âmbito da execução do referido acórdão. Neste sistema, aplica‑se uma tabela de percentagens fixas à maioria dos veículos tributáveis, ao passo que a avaliação é efetuada, em princípio, para os veículos não especificados nesta tabela, se o sujeito passivo a requerer. A República Portuguesa procurou, assim, aproveitar as vantagens dos dois modelos de cálculo e reduzir os inconvenientes administrativos resultantes da avaliação de cada veículo importado, bem como as dificuldades de elaboração e aplicação de uma tabela exaustiva que tenha em conta todos os critérios acima referidos.

19 Por outro lado, ao contrário do que a Comissão afirma, o sujeito passivo não tem de pagar o imposto sobre veículos imediatamente, com base numa liquidação provisória do imposto. Esta última só se torna definitiva e este imposto só tem de ser pago se o sujeito passivo não requerer uma avaliação do veículo.

20 A República Portuguesa acrescenta que a criação dos escalões da tabela de percentagens fixas que figura no artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos teve por base razões de ordem prática, dado que a maioria dos veículos automóveis usados importados para Portugal e provenientes de outros Estados‑Membros são veículos que têm entre um e cinco anos. No que respeita aos outros veículos, o sujeito passivo terá mais interesse em requerer a sua avaliação, dado que este método de cálculo do imposto é, com maior probabilidade, mais favorável. Por outro lado, a aplicação da tabela de percentagens fixas mostra‑se, frequentemente, mais vantajosa para os veículos automóveis com mais de cinco anos, nomeadamente quando estão em causa veículos clássicos ou de coleção, dado o seu valor histórico.

21 Em conclusão, o sistema misto de tributação dos veículos usados está concebido de forma a excluir qualquer efeito discriminatório e garante que o montante do imposto devido não excede, em caso algum, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos automóveis usados similares matriculados no território nacional. É, por conseguinte, compatível com o artigo 110.° TFUE.

Apreciação do Tribunal de Justiça

22 A título preliminar, importa referir que a Comissão solicita, no petitum da petição, que figura no n.° 1 do presente acórdão, que seja declarado que a República Portuguesa não cumpriu os deveres que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território nacional, um método de cálculo da desvalorização destes veículos «que não tem em conta o valor real do veículo e, em particular, que não tem em conta a desvalorização antes de o veículo atingir 1 ano, nem qualquer outra desvalorização no caso de veículos com mais de 5 anos». A este respeito, embora a Comissão utilize a expressão «em particular», decorre do corpo da sua petição que a Comissão formula, na realidade, duas acusações, a saber, por um lado, para efeitos do cálculo do imposto sobre os veículos em causa, a não tomada em consideração da desvalorização dos veículos automóveis utilizados há menos de um ano e, por outro, a determinação de um limite máximo de 52% da desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos. Nestas circunstâncias, deve entender‑se que a ação intentada pela Comissão abrange estas duas acusações.

23 Conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados‑Membros (v., designadamente, acórdãos de 18 de janeiro de 2007, Brzeziński, C‑313/05, EU:C:2007:33, n.° 27, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 34).

24 Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 25).

25 Assim, a cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v.,designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C‑345/93, EU:C:1995:66, n.° 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 23).

26 Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar‑se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados, mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

27 No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados‑Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.

28 Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.

29 Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 78).

30 Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.

31 Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE.

32 A este respeito, não procede o argumento da República Portuguesa segundo o qual a aplicação da tabela de percentagens fixas é frequentemente mais vantajosa para os veículos automóveis com mais de cinco anos, designadamente quando estão em causa veículos clássicos ou de coleção, dado o seu valor histórico. Com efeito, ainda que esta afirmação procedesse, esta tabela continuaria a ser, pelo menos nalguns dos casos indicados no n.° 30 do presente acórdão, discriminatória.

33 Há também que rejeitar o argumento da República Portuguesa segundo o qual o sistema de tributação misto dos veículos usados, baseado numa tabela de percentagens fixas e, complementarmente, quando o sujeito passivo o pretenda, numa avaliação do veículo, está organizado de modo a excluir qualquer efeito discriminatório, pelo que é compatível com o artigo 110.° TFUE.

34 Com efeito, não basta, para evitar que um sistema de tributação seja contrário a este artigo, que o sujeito passivo tenha possibilidade de requerer uma avaliação do veículo em causa (v., neste sentido, acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 41). Esta possibilidade não atenua o facto de que a tabela de percentagens fixas aplicável, a não ser que o sujeito passivo requeira uma avaliação do veículo, é discriminatória e não permite garantir que os veículos usados importados de outros Estados‑Membros sejam sujeitos a um imposto que não exceda o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional.

35 Do mesmo modo, há que afastar os argumentos da República Portuguesa relativos ao facto de o artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos assentar em razões de ordem prática, uma vez que, por um lado, a maioria dos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros para Portugal são veículos que têm entre um e cinco anos e que, por outro, tanto a aplicação do método de cálculo do imposto baseado na avaliação de todos os veículos automóveis em causa como a conceção e a aplicação de uma tabela que tenha exaustivamente em conta todos os critérios, tais como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, gerariam inconvenientes administrativos, custos elevados e perdas de tempo.

36 A este respeito, no que se refere às dificuldades práticas relacionadas com o cálculo do valor real dos veículos usados para efeitos de cálculo do imposto em litígio, admitindo que a existência dessas dificuldades possa ser comprovada, elas não podem justificar a aplicação de imposições internas discriminatórias em relação aos produtos originários de outros Estados‑Membros, contrárias ao artigo 110.° TFUE (v. acórdão de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C‑345/93, EU:C:1995:66, n.° 19).

37 Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração da desvalorização real dos veículos não tem necessariamente que levar a uma avaliação ou a uma prova pericial de cada um deles.

Com efeito, evitando as dificuldades inerentes a tal sistema, um Estado‑Membro pode fixar, através de tabelas de percentagens fixas determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa e calculadas com base em critérios como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, um valor dos veículos usados que, regra geral, é muito próximo do seu valor real (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 24, e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 29).

38 Assim, embora não decorra desta jurisprudência que as tabelas de percentagens fixas devam ser concebidas com base em todos estes critérios, uma vez que esta contém só, como confirma a utilização do termo «como», uma lista exemplificativa e não exaustiva de critérios de elaboração das referidas tabelas, importa contudo que, conforme resulta dos n.ºs 24 a 26 do presente acórdão, a aplicação destas tabelas não conduza, ainda que apenas em certos casos, a uma tributação dos veículos usados importados de outros Estados‑Membros superior à dos veículos similares já matriculados no Estado‑Membro em causa.

39 A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração de vários fatores de desvalorização, como os indicados no n.° 37 do presente acórdão, é suscetível de garantir que a tabela de percentagens fixas reflita de forma muito mais precisa a desvalorização efetiva dos veículos e permita atingir o objetivo de uma tributação dos veículos usados importados que não seja em caso algum superior ao montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional (v., neste sentido, acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 28).

40 Resulta de todas as considerações precedentes que a ação da Comissão deve ser julgada procedente.

41 Por conseguinte, há que declarar que a República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo110.° TFUE.”

39. No presente processo arbitral, e agora, o que está em causa é a não consideração para efeitos de determinação do valor tributável sujeito a ISV de qualquer desvalorização do valor dos veículos, em função do número de anos de uso, na componente ambiental.

40. Há que salientar que esta matéria tem vindo a ser sucessivamente apreciada em processo arbitrais. A título exemplificativo enunciam-se os processos n.ºs 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T, 459/2019-T, 498/2019-T, 600/2019-T, 572/2019-T, 13/2020-/ e 34/2020-T, cujas decisões nós acompanhamos.

41. A propósito da violação do artigo 110.º do TFEU, pela legislação nacional no domínio da tributação em sede de ISV, em virtude de, na componente ambiental, não ser considerada qualquer desvalorização do valor real do veículo, em função do número de anos de uso, há que salientar que a Comissão Europeia decidiu instaurar contra o Estado Português um procedimento por infração.

42. Há que sublinhar que esta decisão da Comissão Europeia não será estranha à decisão do legislador nacional no sentido de, através do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, introduzir alterações nos normativos no artigo 11.º do CISV, a fim de passar a ser considerado o número de anos de uso e a consequente desvalorização do valor do veículo também na componente ambiental.

43. Deste modo, em face das referidas alterações, os normativos do artigo 11.º do CISV passaram a integrar a redação seguinte:

Artigo 11.º - Taxas - veículos usados

1. O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com texto, mesa

Descrição gerada automaticamente

(…)

44. Poder-se-á considerar que a introdução destas alterações nos normativos do artigo 11.º do CISV consubstanciam, na verdade, o reconhecimento de que existia uma violação do artigo 110.º do TFUE, ou seja, a desconsideração da desvalorização do valor real do veículo na componente ambiental consubstanciava, efetivamente, uma ilegalidade, porquanto, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o direito comunitário, enquanto direito supranacional, integra a ordem jurídica interna e vincula o Estado Português, devendo a legislação nacional estar em conformidade com o direito comunitário.

45. Nestes termos, importa concluir que à data da prática do ato de liquidação do ISV impugnado, os normativos do artigo 11.º do CISV eram incompatíveis com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que sujeitava os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional.

46. Consequentemente, o ato de liquidação de ISV impugnado, desconsiderando a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, encontra-se ferido de ilegalidade devendo ser anulado. Porém, restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, deve o referido ato de liquidação ser parcialmente anulado, no valor total de € 5.459,20, o que se determina.

 

  1. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

47. Conjuntamente com a anulação parcial do ato de liquidação do ISV, e o consequente reembolso do valor pago indevidamente, a Requerente requer, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

48. Nos termos da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

49. Há que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.

50. O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

51. No caso dos autos, é manifesto que os serviços da AT se limitaram a aplicar a lei vigente, porém, o sistema jurídico é unitário, e nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o direito comunitário faz parte integrante da ordem jurídica interna, pelo que a não consideração da desvalorização do valor real do veículo e a consequente redução do valor tributável na componente ambiental, consubstanciou uma violação do artigo 110.º do TFUE, ilegalidade que já se encontra sanada por via das alterações introduzidas nos normativos do artigo 11.º do CISV, através do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2021).

52. Assim, importa concluir que a violação do artigo 110.º do TFUE consubstanciou um erro de direito imputável aos serviços ou organismos do Estado português, logo, também aos serviços da AT.

53. Por todas as razões supras enunciadas, a Requerente efetuou um pagamento de ISV de valor superior ao que efetivamente deveria ter pago, pelo que, atenta a ilegalidade da norma em que se fundou o ato de liquidação de ISV impugnado, reconhece-se à Requerente o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionado, contados à taxa legal sobre o montante indevidamente pago, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do processamento da nota de crédito, conforme decorre do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar totalmente procedente o pedido da Requerente;

b) Anular parcialmente a liquidação de ISV impugnada e condenar a AT a devolver à Requerente o valor de imposto pago em excesso, no montante global de € 5.459,20, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido atá à data de emissão da nota de crédito;

c) Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 5.459,20 (cinco mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e vinte cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

  1. CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, 04 de março de 2022

O Árbitro

Jesuíno Alcântara Martins

 



[1] Art.º 110 TFUE (ex. artigo 90 do TCE) - Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.