DECISÃO ARBITRAL
O Árbitro João Santos Pinto, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 06 de Julho de 2021, decide no seguinte:
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Relatório
A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...– ... PORTO, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada apenas por Requerida).
No Pedido de Pronúncia Arbitral a Requerente requer a constituição de Tribunal Arbitral e pedido de Pronúncia Arbitral sobre as LIQUIDAÇÕES n.ºs 2020..., 2020..., ..., ..., ..., ... e..., a que se reporta a respectiva DEMONSTRAÇÃO com o número 2020... .
A Requerente refere o seguinte: “A aqui requerente foi objeto de uma ação inspetiva, por parte da Autoridade Tributária, referente ao período de tributação de 2017; No decurso da ação inspetiva – no dizer do relatório emergente da mesma –: “…Verificou-se que foram efetuadas oito transferências bancárias da conta bancária da A..., para uma conta bancária titulada por B..., Administrador Único da Sociedade, nos montantes de € 3500,00, € 7500,00, € 3000,00, € 7500,00, € 5000,00, € 5000,00, € 5000,00 e € 10.000,00, realizadas em 07/04/2017, 19/07/2017, 08/08/2017, 01/09/2017, 02/10/2017, 31/10/2017, 10/11/2017 e 29/11/2017, respetivamente. Estes valores no montante global de € 46.500,00, foram contabilizados a débito da conta SNC268511 – acionistas /sócios/ a curto prazo. Em 12.05.2020, a A... foi notificada para justificar a natureza e motivo, comprovando documentalmente, da realização das transferências de valores monetários da conta bancária da sociedade a favor do Administrador único da mesma, B... . O sujeito passivo, até à data, não apresentou qualquer resposta ao questionado. Em 2017, a empresa colocou à disposição do Administrador B... rendimento do Trabalho dependente no valor líquido de € 16.194, tal como consta do processamento de salários, tendo estes salários sido contabilizados a crédito da conta 2311-pessoal / remunerações pagar /órgãos sociais, tendo sido efetivamente pagos, em 2017, € 15 mil euros, ficando o restante (€ 1.194,00) colocado à disposição e em crédito a favor do Administrador na referida conta. Contudo, conclui-se que o referido administrador e funcionário da empresa, auferiu ainda o valor de € 46.500,00, que correspondem às transferências bancárias efetivamente transferidas a seu favor. Assim na falta de justificação cabal de tais movimentos, será de concluir que os mesmos correspondem a remunerações pagas ou colocadas à disposição do seu titular, legalmente tipificadas sob a forma de remunerações, ainda que variáveis, as quais configuram rendimentos do trabalho dependente (categoria A do IRS), nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do Código do IRS. Assim, tais rendimentos ficam sujeitos a tributação no momento do pagamento ou colocação à disposição do respetivo titular ou beneficiário, de acordo com o artigo 98.º, n.º 1 e 2 do código do IRS e, através de retenção na fonte, cabendo à entidade devedora dos rendimentos - a A...– a obrigação de retenção do correspondente imposto, em conformidade com o artigo 99, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b) e n.º 6, do código do IRS e, bem assim, a respetiva entrega nos cofres do estado, até ao dia 20 do mês seguinte à quele em que tais quantias deveriam ter sido deduzidas, tal como estabelece o artigo 98, n.º 3 desse diploma. Uma vez que os rendimentos não foram declarados e, de forma a assegurar o pagamento do imposto, de acordo com o artigo 103.º, n.º 4 do Código do IRS, “tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados, nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto, assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido”, a sociedade tem que proceder à liquidação do imposto em falta, mediante a aplicação das taxas que lhe correspondam, constantes da respetiva tabela, em conformidade com o disposto no artigo 99.º - C, n.º 1 do código do IRS. Conclui-se, portanto, após análise das declarações mensais de remunerações (DMR) do período, submetidas pelo sujeito passivo, que relativamente ao administrador apenas foram efetuadas retenções na fonte no valor anual de € 5.088,00, pelo que se encontra em falta retenção na fonte de IRS, no montante de € 20.303,00…devido no momento da colocação à disposição, cuja entrega caberia A..., conforme o disposto no n.º 1 do artigo 98.º do CIRS e de acordo com o artigo 103.º, n.º 4 do mesmo código.” – cfr. Doc. n.º2.
Completa a Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, “Com efeito, as transferências que se consideram não podem, em circunstância alguma, concorrer para o rendimento tributável do Administrador Único da A... . Não estando aquela – ao contrário do que assevera o relatório inspetivo -, por essa razão, obrigada a reter na fonte o putativo imposto que sobre as mesmas incidiria. Com efeito, as referidas transferências não constituem rendimento algum do Administrador Único da ora impugnante. Razão pela qual a impugnante não procedeu – em relação às mesmas – a qualquer retenção na fonte e o Administrador da mesma não as integrou no respectivo rendimento tributável. Sendo certo que os ditos valores constam das contas registadas dos referidos anos. Contas essas que a Autoridade Tributária nunca contestou. Ressaltando à saciedade que nas contas registadas de 2017, o valor dos suprimentos registados se apresentava diminuído, em relação ao valor inscrito em 2016, do montante das transferências fiscalizadas pela ação inspetiva. Importa atentar que o Administrador único da impugnante é o único accionista da mesma, resultando, nesse quadro, natural, a realização sucessiva das operações que se consideram. Tendo dinheiro disponível para o efeito, o administrador e accionista único realiza suprimentos na sociedade. Precisando de se recapitalizar, promove o reembolso total ou parcial daqueles. Nenhuma dúvida subsistindo que a transferibilidade biunívoca do dinheiro é fiscalmente neutra; Importando considerar que nunca a autoridade tributária pôs em causa a efetiva materialidade dos sobreditos registos contabilísticos. Na verdade, no final de 2016, o acionista detinha na sociedade, devidamente registados na contabilidade, suprimentos no montante de € 200.638,85 – cfr. Docs. ns.º 3. Cuja realização foi ocorrendo nos períodos fiscais que lhe antecederam. Tendo sido, como se disse, a esse montante que foram subtraídos os valores correspondentes às transferências efectuadas para o Administrador Único da ora impugnante. Ou seja, aos valores de suprimentos contabilisticamente inscritos em 2016 foi deduzido o montante corresponde às transferências ora em crise. Sendo certo que o valor de suprimentos inscritos nas contas finais de 2017 – cfr. Doc. n.º 4 -, corresponde, na íntegra, aos valores registados no final de 2016, acrescidos do valor de suprimentos realizados em 2017, deduzidos das transferências que a Autoridade Tributária teimou em pretender tributar. Não resta pois dúvida alguma que o valor das transferências que se consideram não traduzem qualquer rendimento do acionista B...”.
Pede, a final, a Requerente, o seguinte: Nestes termos e nos demais de direito ao caso aplicáveis que Vexas., Senhores Árbitros, doutamente suprirão, requer-se a admissão do presente pedido de pronúncia arbitral, devendo o mesmo ser julgado procedente, determinando-se a anulação das liquidações n.ºs 2020 ..., 2020 ..., ..., ..., ..., ..., ..., a que se reporta a respetiva DEMONSTRAÇÃO com o número 2020... . Mais requer seja decretada a suspensão da execução das liquidações ora impugnadas, que corre termos com o número ...2020..., dispensando-se a ora impugnante da prestação de garantia.
Na Resposta, a Requerida juntou o respectivo processo administrativo e diz o seguinte: “Vem o presente pedido de pronúncia arbitral (doravante ppa) deduzido directamente contra o acto de liquidação de retenção na fonte de IRS 2017 com o n.º 2020... de 23-10-2020 no montante de 22.702,81€ (vinte e dois mil, setecentos e dois euros e oitenta e um cêntimos). (…) A sociedade A..., SA, com o NIPC:..., foi sujeita a uma acção inspectiva, realizada ao abrigo da Ordem de Serviço Externa n.º OI2019..., de âmbito geral e com extensão para o ano de 2017. No decurso da supra identificada acção inspectiva verificaram os serviços de inspecção tributária (doravante SIT), entre outras verificações que para o caso sub judice não se revestem de interesse, que foram efectuadas oito transferências bancárias, da conta bancária da Requerente, para uma conta bancária titulada por B..., administrador único da sociedade. Tais transferências, no montante global de € 46.500,00, foram contabilizadas a débito da conta SNC 268511 – Accionistas/Sócios/A Curto Prazo. Uma vez que dos elementos facultados no decurso da ação inspetiva, não foi apresentado nenhum documento que identificasse a titularidade do capital social da empresa, a 12-05-2020 foi a Requerente notificada através do ofício n.º 2020... de 05-05-2020, com registo CTT n.º RF...PT, para justificar a natureza e o motivo, bem como comprovar documentalmente, as transferências bancárias supra referidas. A Requerente não identificou a natureza das prestações e não apresentou qualquer documento de suporte que as justificasse, uma vez que não apresentou resposta à notificação retro descrita. Dada a falta de justificação e ausência de documentos de suporte em relação às transferências bancárias em análise, concluíram os SIT que as mesmas correspondiam a remunerações pagas ou colocadas à disposição do administrador único da Requerente, a título de rendimentos do trabalho dependente: categoria A do IRS, nos termos do artigo 2.º n.º 2 do Código do IRS.
Mais diz a Requerida na Resposta, “Consideraram os SIT que a sociedade teria de proceder à liquidação do imposto em falta, mediante a aplicação das taxas que lhe correspondam, constantes da respetiva tabela, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 99.º - C do CIRS. Concluiu-se, portanto, após análise das declarações mensais de remunerações (DMR) do período, submetidas pelo sujeito passivo, que relativamente ao administrador apenas foram efectuadas retenções na fonte no valor anual de €5.088,00, pelo que se encontrava em falta a retenção na fonte de IRS, no montante de € 20.303,00 (€20.303,00 = €25.391,00 - €5.088,00), devida no momento da colocação à disposição, cuja entrega caberia à ora Requerente, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 98.º do CIRS e de acordo com o n.º 4 do art.º 103.º do mesmo Código. Face ao exposto, decidiram os SIT, considerar os montantes em análise como entregas pecuniárias feitas a título definitivo, tendo por conseguinte, efectuado as correcções ora reclamadas, consubstanciadas na inclusão dos montantes em causa nas declarações mensais de remuneração (de ora em diante DMR), de acordo com o preceituado nos n.º 1 do art.º 98.º e n.º 4 do art.º 103.º ambos do CIRS, efectuando, assim, correcções meramente aritméticas. Através do ofício n.º 2020... datado de 03-09-2020, foi a ora Requerente notificada, para exercer o direito de audição sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, do qual constava, entre outras correcções, a correcção presentemente reclamada. O que veio a fazer, via postal, por carta datada de 22-09-2020, na qual, vem aduzir que,“(…) ao longo dos anos o acionista foi emprestando dinheiro à empresa, e mesmo com a retirada desses 46.500,00 €, o acionista ainda ficou credor da sociedade. Assim, os mesmos nunca na vida serão remuneração, ou terão de ser alvo de retenção de IRS.” E junta extracto de conta contabilístico da mesma conta SNC 268511. (…) concluíram os SIT não subsistirem razões para alterar o projecto de relatório da Inspecção Tributário, mantendo, portanto, as correcções que aí haviam sido efectuadas, Neste conspecto, nos termos do art.º 62.º do RCPITA, foi o Relatório de Inspecção Tributária (doravante RIT) notificado ao então sujeito passivo através do ofício n.º 2020... datado de 13-10-2020 e recepcionado a 15-10-2020. Não conformada com as correcções de carácter meramente aritmético supra referidas, veio a Requerente, a 15-10-2020, apresentar exposição escrita, na qual aduz que o que alegou em sede de direito de audição aquando da notificação do projecto do RIT não foi tomado em consideração pelos SIT, juntando ainda, cópia desse direito de audição remetido à AT a 22-10-2020, bem como documentos anexos. A 28-04-2021, veio a ora Requerente, solicitar a anulação do acto de liquidação de retenção na fonte de IRS descrito, através da interposição do presente pedido de pronúncia arbitral /doravante designado por ppa).”
A Requerida refere ainda o seguinte: “Ou seja, não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral a apreciação da matéria relativa ao processo executivo. Justamente, decorre do pedido e da causa de pedir deduzidos pela Requerente a suspensão do processo executivo. Assim resulta das disposições legais atrás invocadas, nomeadamente o disposto nos artigos 2.º e 4.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, que o tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir o pedido da Requerente em tudo o que se prende com a apreciação da matéria relativa ao processo de execução fiscal, por falta de previsão legal. Em consequência, deve abster-se o tribunal de apreciar quaisquer questões relativas processo executivo n.º .... 2020... .”
A Requerida acrescenta ainda o seguinte: “A Requerente, aliás, não se esforçou sequer por demonstrar da efectividade da existência dos alegados suprimentos alegadamente efectuados pelo sócio à sociedade. Não apresentando quaisquer documentos de suporte que pudessem eventualmente sustentar esses hipotéticos suprimentos. Limitando-se, simplesmente, a aduzir que as transferências em causa, “mais não são do que sucessivos reembolsos de suprimentos (…)” Sem, porém, concretizar o que alega, ou esforçar-se no sentido de concretizar. Isto é, a Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove. E é à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos factos alegados, necessários à procedência do pedido por si deduzido em juízo. Ademais, assente-se que a prova dos factos não se faz pela insistência nem tão pouco com meras alegações e suposições, antes pela sua demonstração, que deve assentar antes de mais na realidade. (…). Em primeiro lugar há a observar, tal como já adiantado supra que a Requerente não logrou por provar que tais transferências bancárias consubstanciavam efectivamente reembolsos de suprimentos efectuados pelo sócio à sociedade, Pelo contrário, limitou-se a alegar que assim era e apresentou o já mencionado extracto de conta da conta SNC “268511 – Accionistas/Sócios/A Curto Prazo”. De acordo com o vertido no RIT e acima transcrito, a Requerente foi por várias vezes, questionada sobre a natureza e motivo das transferências em dissídio, bem como sobre as participações detidas por si no ano em análise e sobre os eventuais suplementos/prestações suplementares concedidos e sobre os contratos a eles associados. E nada disse, nada justificou, nenhum documento de suporte apresentou para sustentar o que parcamente alegou. Repita-se à saciedade que a Requerente se limitou a apresentar um extracto de conta, sem mais, isto é, sem documentos de suporte que sustentassem a veracidade dos montantes inscritos na contabilidade a título de suprimentos, de acordo com o que alega. No entanto, no âmbito do exercício do direito de audição não apresentou qualquer extracto de conta do ano de 2016, ou de anos anteriores, e o que apresentou relativo ao ano de 2017, apenas continha movimentos até 30-11-2017. (Apesar de no SAFT de contabilidade o saldo final credor da conta SNC 268511 - Accionistas/Sócios/A Curto Prazo corresponder a €504.557,32.) Acresce que, por um lado a conta SNC 268511 – Accionistas/Sócios/A Curto Prazo, que advém da conta 26 – Accionistas/(Sócios)/268-Outras Operações/2685-(Restantes Accionistas(Sócios)/268511-A Curto Prazo, não identifica como accionista o Sr. B... . E por outro lado, é ainda de assinalar que consultadas as declarações IES/DA dos anos em que teriam ocorrido os alegados suprimentos (2016 e 2017), se constata que o quadro Q063 relativo a “Outras informações contabilísticas e fiscais/Suprimentos (saldo credor)” não se encontra preenchido. Cabe ainda referir outras incongruências declarativas detectadas, veja-se o caso do declarado na IES/DA dos anos de 2015 e 2016, nos balanços, (mais precisamente no campo A5151- Acionistas/Sócios do Passivo) onde constam os valores de saldos inicial e final indicados no extracto da conta 268511 apresentado como anexo no presente ppa, e o caso da declaração IES/DA do ano de 2017, em que esse campo (A5151 – Acionistas/Sócios do Balanço/Passivo) está preenchido com valor € 0,00, o que, desde logo revela um enorme contrassenso gerador de necessárias dúvidas no que aos suprimentos e titularidade dos mesmos, diz respeito. (…) Nesta esteira, cabia, pois, à sociedade, mostrar qual a proveniência e origem dos meios financeiros (alegados suprimentos) para se aferir da qualidade do respectivo reconhecimento contabilístico. (…) Por último, reforce-se e sublinhe-se que, pela análise de todas as contas SNC 12 existentes no ano de 2017, não se detectou qualquer entrada financeira realizada pelo administrador único, e como já exposto supra, quando notificado para apresentar documentos comprovativos do que alega, maxime, contrato (de qualquer tipo) relativo aos alegados suprimentos/prestações suplementares, ou qualquer outro elemento probatório que sustentasse a existência dos mesmos, absteve-se a Requerente de os apresentar, Não os apresentando também para sustentar o presente ppa.”
Pede, a final, a Requerida, na Resposta, o seguinte: “Nestes termos, e nos mais de direito, e com o mui douto suprimento de V. Ex.as: a) Deverá a excepção invocada proceder; b) Deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.”
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 06 de Julho de 2021 e posteriormente notificado à Requerida.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 16 de Junho de 2021, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 06 de Julho de 2021.
Em 07 de Julho de 2021, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte Despacho Arbitral:
“Not. o dirigente máximo da AT nos termos e para os efeitos do artº17º do RJAT.”
Em 22 de Setembro de 2021, a Requerida apresentou Resposta e juntou o respectivo processo administrativo.
Em 11 de Novembro 2021, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte Despacho Arbitral:
1.Não havendo lugar a produção de prova constituenda e tendo a Requerida exercido contraditório em matéria de excepção, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT.
2. Notifiquem-se ambas as partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo.
3. Designa-se o dia 07 de Janeiro de 2022 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em formato WORD.
Do presente despacho, notifiquem-se ambas as partes.
Em 29 de Novembro de 2021, a Requerente apresentou Alegações referindo, de grosso modo que, as liquidações são ilegais uma vez que todos os movimentos foram devidamente documentados e registados contabilisticamente.
Por seu turno, em 30 de Novembro de 2021, a Requerida apresentou Alegações referindo, em síntese que, a Requerente não apresentou, em momento algum, documentos de suporte que sustentassem os suprimentos.
Em 05 de Janeiro de 2022, o Tribunal Arbitral Singular proferiu o seguinte Despacho Arbitral:
1.Atento o facto de o prazo de seis meses para emitir a decisão arbitral, segundo o estatuído no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, incluir períodos de férias judiciais e atenta a tramitação e a complexidade do processo, não é possível proferir decisão naquele prazo.
2.Assim, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, prorroga-se o prazo da arbitragem por dois meses e indica-se como data limite para ser proferida a decisão o dia 04 de Março de 2022.
Do presente despacho notifiquem-se ambas as partes.
O Tribunal Arbitral Singular é competente e foi regularmente constituído.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
II. SANEADOR
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. art.s 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e art.s 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
III.1- MATÉRIA DE FACTO
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Factos Provados:
Analisada a prova produzida no âmbito do Presente Processo Arbitral, este Tribunal Arbitral Singular considera como provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:
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Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2019..., foi instaurada uma acção de inspecção externa ao exercício de 2017 da Requerente A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ... – ... PORTO, realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT).
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No âmbito do projeto de Relatório de Inspecção Tributária (RIT) os SIT propuseram correções aos montantes de retenções na fonte da categoria A, em sede de IRS, no montante global de € 20.303,00, devido no momento da colocação à disposição, cuja entrega caberia à A..., S.A..
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Em sede da mesma inspecção foi igualmente apurado que em 2017, a aludida empresa colocou à disposição do Administrador único B... rendimentos do Trabalho dependente no valor líquido de € 16.194, tal como consta do processamento de salários, tendo estes salários sido contabilizados a crédito da conta 2311-pessoal / remunerações pagar /órgãos sociais, tendo sido efetivamente pagos, em 2017, € 15.000, ficando o restante (€ 1.194,00) colocado à disposição e em crédito a favor do Administrador na referida conta.
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A Requerente exerceu o seu direito de audição em 22/09/2020, manifestando a sua discordância com as correções propostas.
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Foi a Requerente posteriormente notificada do RIT, no qual foram confirmadas as anunciadas correções aos montantes das retenções na fonte, mencionadas na alínea b) deste probatório.
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A Requerente não procedeu - em relação às mesmas – a qualquer retenção na fonte e o Administrador da mesma não as integrou no respectivo rendimento tributável.
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Com a data de compensação/Liquidação de 23/10/2020 foi a Requerente notificada da nota de liquidação nº 2020..., relativa aos rendimentos de 2017 no montante de € 20.303 relativo a retenções na fonte de trabalho dependente, bem como de juros compensatórios no montante total de € 2.399,81.
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Factos Não Provados:
Com base nos elementos documentais disponibilizados nos autos e consensualmente aceites pelas partes, incluindo a cópia do processo administrativo instrutor junta pela AT, verifica-se que, com interesse para a decisão da causa, não ficou provado que:
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O Administrador Único Sr. B... seja à data dos factos accionista da Requerente.
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No final de 2016, o acionista detinha na sociedade o montante de € 200.638,85 a título de suprimentos prestados.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Os restantes factos resultam da livre apreciação da prova pelo tribunal, de acordo com um critério de normalidade e tendo em conta a experiência comum das coisas.
A factualidade julgada não provada ficou a dever esse juízo negativo, quanto à sua ocorrência, à absoluta falta de prova sobre ela.
No que concerne à qualidade de accionista em concrecto compulsada a documentação junta pelas partes, incluindo-se o PA, não resulta em nenhum momento assente que o Sr. B... era accionista, mas apenas Administrador Único da aludida sociedade. A Requerente limitou-se a invocar tal facto, sem contudo sequer ter procedido à junção de qualquer documento que pudesse demonstrar o alegado, prova essa aliás que apenas poderia ter sido feito por prova documental.
Já quanto à questão da contabilização como suprimentos, conforme melhor se desenvolverá infra, a mesma carece do devido suporte documental, pelo que também terá que ser dada como não provada tal factualidade.
IV – DO DIREITO
IV.1 Do pedido de suspensão da execução das liquidações com dispensa impugnante da prestação de garantia.
Veio a Requerente requerer que seja decretada a suspensão da execução das liquidações ora impugnadas, que corre termos com o número ...2020..., dispensando-se a ora impugnante da prestação de garantia, porém, não tendo, para o efeito, alegado e tão pouco sustentado os fundamentos legais que poderiam alicerçar tal pedido.
Por seu turno, veio a AT em sede de Resposta defender neste âmbito a incompetência do tribunal arbitral.
Neste âmbito, importa, sem mais delongas, reconhecer que nesta sede assiste plena razão à AT, acompanhando-se os fundamentos invocados, conforme se passará a expôr.
Com efeito, a competência dos tribunais arbitrais encontra-se balizada no artigo 2.º n.º 1 do RJAT compreendendo:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
E, por seu turno, nos termos do artigo 4.º n.º 1 do RJAT “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.”
Ora, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março veio determinar que:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira”
A este propósito, e na mesma senda, conforme é referido por Jorge Lopes de Sousa, no artigo Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, no Guia da Arbitragem Tributária, Coimbra, Almedina, 2017, página 101: “[n]ão se estabelece qualquer limitação em relação aos tipos de tributos que podem ser objeto de pedido de declaração de ilegalidade, pelo que, numa primeira análise, poderia concluir-se que estaria aberta à possibilidade de os sujeitos passivos apresentarem pedidos de declaração de ilegalidade aos tribunais arbitrais relativamente a quaisquer tipos de tributos indicados no artigo 3.º da LGT: fiscais e parafiscais; estaduais, reginais e locais, impostos, incluindo aduaneiros e especiais, taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas. Porém, uma vez que, no artigo 4.º do RJAT, se estabelece que a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de portaria de membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, conclui-se que não basta a iniciativa do contribuinte para ser atribuída competência aos tribunais arbitrais previstos neste diploma, sendo necessária também a aceitação da Administração (de que o Governo é o órgão superior, nos termos do disposto no artigo 182.º da CRP), em termos gerais e abstratos, através de um diploma de natureza regulamentar.”
Assim, dúvidas não restam que a AT não se encontra vinculada à jurisdição arbitral no que concerne quaisquer questões relativas a processos de execução fiscal, não tendo o CAAD competência para mormente decidir sobre a suspensão da execução das liquidações e eventual dispensa de garantia, tal como pedido pela Requerente.
No mesmo sentido, Processo Arbitral n.º 846/2014, de 15 de dezembro de 2015“(…) que é ao órgão de execução fiscal que cabe indiscutivelmente a competência para apreciar e decidir quanto à suspensão dos processos executivos (Vd., entre outros, art.º 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).”
Em face do exposto, no que concerne o pedido da Requerente parte em que se refere à suspensão da execução das liquidações com dispensa impugnante da prestação de garantia, determina-se que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir sobre tal matéria, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à consequente absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.
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Uma vez analisada a questão prévia da suspensão execução fiscal com dispensa de garantia, centremo-nos na questão principal objecto do litígio.
Em causa está a questão de apurar a legalidade da correção efetuada pela AT de onde resulta que, na sequência de inspecção tributária, o Administrador Único B... auferiu o valor de € 46.500 por corresponder a remunerações pagas ou colocadas à disposição do seu titular, legalmente tipificadas sob a forma de remunerações, ainda que variáveis, as quais configuram rendimentos do trabalho dependente (categoria A do IRS), nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do Código do IRS (CIRS).
Em consequência, veio a AT concluir que tais rendimentos ficam sujeitos a tributação no momento do pagamento ou colocação à disposição do respetivo titular ou beneficiário, de acordo com o artigo 98.º, n.º 1 e 2 do código do IRS e, através de retenção na fonte, cabendo à entidade devedora dos rendimentos – a A...– a obrigação de retenção do correspondente imposto, em conformidade com o artigo 99, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b) e n.º 6, do código do IRS e, bem assim, a respetiva entrega nos cofres do estado, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que tais quantias deveriam ter sido deduzidas, tal como estabelece o artigo 98, n.º 3 desse diploma.
A Requerente ao discordar da posição da AT vem, no essencial, pugnar pela qualificação como reembolso de suprimentos, as transferências (em discussão nos presentes autos) para o Administrador Único B..., concluindo a final pela neutralidade fiscal de tais operações.
Apreciando.
A prestação de suprimentos enquadra-se numa das possíveis modalidades de autofinanciamento das sociedades comerciais, a par das prestações acessórias e prestações suplementares de capital. Em qualquer um destes casos, normalmente visa-se suprir uma insuficiência do capital próprio da sociedade, decorrentes de dificuldades financeiras, estrangulamentos de tesouraria ou fundos de maneio insuficientes.
Quanto ao contrato de suprimento propriamente dito, o mesmo encontra-se expressamente previsto nos artigos 243.º a 245.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Nos termos do n.º 1 do artigo 243.ºdo CSC: Considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência.
Assim, umas das características ínsitas nos suprimentos é precisamente a sua restituição. Pelo que, tratando-se de verdadeiros suprimentos, dúvidas não restariam que, no que concerne o reembolso dos respectivos montantes de capital, os mesmos seriam fiscalmente neutros em sede de IRC e IRS, tal como defendeu a Requerente.
Chegados a este ponto importa analisar e tomar posição relativamente à questão fulcral, ou seja, a de saber se efectivamente no caso dos autos, ocorreu, ou não, reembolso de suprimentos.
Do lado da Requerente, a mesma veio defender a existência de suprimentos unicamente pelo facto dos mesmos estarem registados na contabilidade enquanto tal. Para o efeito, alegou que os valores em causa constam das contas registadas nos referidos anos e que a AT nunca contestou os mesmos (Cf. artigos 11, 12 e 14 da PI).
Por seu turno, vem a AT sustentar que não foi apresentado pela Requerente quaisquer documentos de suporte que pudessem eventualmente sustentar a sua qualificação enquanto tal (Cf. artigos 8 a 10, 40 e 41 da Resposta).
Compulsados os autos conclui-se que apenas resulta do Doc n.º 4 junto com a PI, um extracto contabilístico da Conta 26851 com diversos movimentos a crédito e a débito, dos quais constam as transferências em discussão com a descrição “transf. p/ B...”.
É certo que a Requerente beneficia do princípio da presunção de veracidade da sua contabilidade, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT, o qual prescreve: "Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. (Redação da Lei n.º 80-C/2013 de 31 de Dezembro)".
Contudo, importa igualmente recordar que, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º da LGT “São obrigações acessórias do sujeito passivo, designadamente, as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações.”.
E não menos importante, nos termos do n.º 1 do artigo 123.º CIRC, as sociedades comerciais com sede ou direcção efectiva em território português são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, que permita o controlo do lucro tributável. Como também resulta da alínea a) do n.º 2 do mesmo diploma legal que “Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:
a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;”
Destarte, para além do registo contabilístico a que a Requerente está obrigada a manter, seria imperioso, manter a prova documental dos respectivos movimentos financeiros de entrada (prestação dos suprimentos), de saída (reembolsos), tudo com vista a, nomeadamente, a ser apurado o percurso dos montantes que teriam sido (efectivamente) usados.
Nesta sede verifica-se que a prova documental de suporte aos movimentos contabilísticos é inexistente. Ainda que tal tivesse ocorrido, o que não foi no caso dos autos, também a Requerida, não apresentou em nenhum momento qualquer documento, como prova da respectiva qualidade de accionista - condição essencial para a eventual qualificação como suprimentos. Ao invés, ficou provado que o Administrador Único B... auferiu no ano em causa (2017) a remuneração de € 16.194 contabilizado a crédito da conta 2311-Pessoal/Remunerações a Pagar/órgãos sociais. Foram adicionalmente transferidas pela Requerida para o mesmo Administrador as importâncias no valor global de € 46.500.
Consequentemente, não merece censura o entendimento da AT vertido no relatório de inspecção e da qual resultaram as liquidações objecto do presente litígio, no sentido de concluir que os mesmos correspondem a remunerações pagas ou colocadas à disposição do seu titular, legalmente tipificadas sob a forma de remunerações, ainda que variáveis, as quais configuram rendimentos do trabalho dependente (Categoria A), nos termos do artigo 2.º n.º 2 do CIRS.
IV. Decisão Arbitral
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular o seguinte:
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Julgar procedente a excepção da incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral para proceder à suspensão do processo executivo fiscal;
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Julgar improcedente o pedido arbitral, dele se absolvendo a Requerida;
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E, condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.
V. Valor do processo
Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 22.702,81.
VI. Custas
Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de Março de 2022
O Árbitro,
João Santos Pinto