SUMÁRIO:
1. O artigo 110.º do TFUE estabelece a impossibilidade de fazer incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares
2. O artigo 11.º do CISV não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP), quando aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro designado para formar o Tribunal Arbitral Singular constituído em 21 de maio de 2021, Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), decide o seguinte:
I. Relatório
a…, adiante “Requerente”, titular do número de identificação fiscal …, com residência na Rua …, n.º …, … Paços de Arcos, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
O Requerente no âmbito do identificado pedido de pronúncia arbitral impugna a liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV) sobre a introdução em Portugal do veículo automóvel de passageiros, no estado de usado, da marca ...., modelo ...., de utilização do combustível gasolina, com a matrícula atribuída de ...-...-..., correspondente à Declaração Aduaneira de Veículo n.º 2020/..., no montante global de € 33.106,30, do qual impugna o valor da componente ambiental que ascende em tal liquidação ao montante de € 21.360,00, e que o Requerente que entende que deveria ter sido aplicada uma redução de € 4.272,00, de onde resultaria que a componente ascenderia a € 17.088,00, e o valor global do imposto seria a final apenas de € 28.834,30.
O Requerente pretende que o Tribunal arbitral declare a anulação parcial da liquidação de imposto sobre veículos n.º 2020/..., de 2020-09-29, e seja ainda a AT condenada a reembolsar o Requerente a da quantia paga em excesso, no montante de € 4.272,00, acrescida de juros indemnizatórios nos termos do art.º 43.º da LGT, calculados sobre o montante de ISV pago em excesso, desde a data do pagamento do referido imposto até à data da devolução integral dessa quantia.
O Requerente alega, sumariamente, que introduziu em Portugal, com origem na Alemanha, pelo valor de € 103.000,00 (cento e três mil euros), o veículo automóvel ligeiro de passageiros, usado, de marca ...., modelo ...., designação comercial “...”, movido a gasolina, nº de motor ..., n.º quadro ..., cilindrada 3996 cc, de cor preta e outras, com 9.309 km percorridos.
O Requerente alega que o veículo tinha sido matriculado pela primeira vez no seu país de origem [Alemanha], a 2 de abril de 2019, tendo-lhe sido atribuída a matrícula n.º ....
O Requerente alega ainda que, após a concretização da compra e venda do veículo, ocorrida em 17 de setembro de 2020, procedeu à sua importação, e, por conseguinte, em 29 de setembro de 2020, deu entrada do mesmo em território nacional tendo, na mesma data, apresentado junto da Alfândega de Braga a declaração aduaneira de veículo (DAV), dentro dos 20 dias posteriores à entrada do veículo em território nacional, para introdução no consumo do veículo, nos termos e para os efeitos da al. a), do n.º 1, do art.º 20.º, do Código do Imposto Sobre Veículos (CISV).
A DAV (à qual foi atribuído o nº 2020/..., de 2020-10-01), foi apresentada pelo Requerente através de representante indireto, tendo o declarante inscrito nos Quadro F e G (referentes à apresentação do veículo e matrículas anteriores), que o mesmo era uma viatura usada proveniente da Alemanha e com 9.309 km percorridos. No Quadro E da DAV, relativo às características do veículo, no item 51 (atinente à emissão de partículas) consta o valor de 0 g/km, e no item 50 (relativo à emissão de Gases CO2) consta o valor de 280 g/km. Atenta a data da 1.ª matrícula do veículo no país de origem, o veículo foi considerado um veículo com mais de 1 ano e menos de 2 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1, do artigo 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 20%.
No Quadro R da referida DAV, alusivo ao cálculo ISV, alega o Requerente que se verifica que o cálculo desse imposto foi efetuado pela AT, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de € 33.106,30.
Do valor total de imposto, € 14.682,88 são relativos à componente cilindrada, e € 21.360,00 são relativos à componente ambiental. No que concerne à componente cilindrada, ao valor de € 14.682,88 foi deduzido a quantia correspondente a 20% do seu montante, ou seja, € 2.936,58, por força da redução resultante do número de anos do veículo (mais de 1 ano a 2 anos), de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1, do artigo 11.º, do CISV, aplicável aos veículos usados.
O Requerente suscita que, no que concerne ao montante de € 21.360,00 respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.
Apesar disso, o Requerente alega que procedeu ao pagamento da totalidade do ISV, no montante de € 33.106,30.
O Requerente considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2 uma vez que, na sua perspetiva, a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – o artigo 11.º do CISV – viola o artigo 110.º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia).
Ademais, o Requerente peticiona o direito a obter o recebimento de juros indemnizatórios, tendo em consideração que sustenta existir erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, do qual resultou o pagamento de dívida tributária de montante superior ao legalmente devido.
É demandada a AT, doravante também designada por “Requerida”.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado em 4 de janeiro de 2021, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 5 de janeiro de 2021 e, de seguida, notificado à AT.
Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 2, do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou o árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo.
Em 3 de maio de 2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral singular foi constituído em 21 de maio de 2021.
Em 14 de junho de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência total do pedido, e juntou o processo administrativo.
A Requerida alega que, com referência ao veículo automóvel em causa nos presentes autos, se constata, para efeitos de aplicação da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, que se insere no escalão da tabela de “mais de ½ anos de uso”, tendo sido aplicada a percentagem de redução correspondente, de 20%. No Quadro E da DAV, atinente às características do veículo, consta, na casa 50, relativa à Emissão de Gases CO2, o valor de 280 g/Km.
O cálculo do imposto sobre veículos consta do Quadro R da DAV, foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, e calculado o ISV atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º do CISV, tendo, igualmente, sido deduzida a percentagem de redução correspondente, conforme o disposto na tabela D constante do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, prevista para os veículos usados, em função do número de anos de uso do veículo.
A liquidação do imposto relativo ao veículo identificado na DAV foi efetuada em 29.09.2020, conforme indicado nos Quadros R e T da declaração, constando desta, igualmente, a identificação da liquidação, além da data, o montante e termo final do prazo de pagamento, bem como a identificação do autor do ato.
Segundo a Requerida, ao contrário do invocado pelo Requerente, o imposto foi calculado em conformidade com o previsto no artigo 7.º. e 11.º do CISV, tendo sido aplicada uma redução para a componente cilindrada nos termos destes artigos, não tendo sido aplicada redução à componente ambiental porque tal redução não se encontrar prevista no artigo 11.º do CISV, ao contrário do estabelecido para a componente cilindrada, que prevê uma redução em função dos “anos de uso” de acordo com a tabela D.
Sendo este, veículo usado encontra-se, consequentemente, sujeito à taxa de imposto aplicável na introdução no consumo, que é a que resulta da aplicação dos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º do CISV. Pelo que, tratando-se de veículo ligeiro de passageiros, usado, movido a gasolina, com emissão de gases CO2 indicado na respetiva DAV, os serviços aduaneiros efetuaram o cálculo do imposto devido, por aplicação da tabela A prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), recorrendo igualmente à aplicação da redução por anos de uso prevista na tabela D no n.º 1 do artigo 11º do CISV para a componente cilindrada.
A Requerida sustenta, seguidamente, que o atual modelo de fiscalidade automóvel tem, pois, em vista assegurar a coerência entre a tributação de veículos novos e usados, na medida em que a aquisição de uns e de outros se rege pelos mesmos princípios, de justiça fiscal e respeito pelo meio ambiente, que sustenta com fundamento no próprio Tratado de Funcionamento da União Europeia e na Constituição da República Portuguesa.
Considerando que, a interpretação, pugnada pelo Requerente, implica uma desaplicação do direito internacional - do artigo 191.º do TFUE, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris - que vincula o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP, bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 103.º da CRP.
Assim, a Requerida sustenta que o modelo de tributação do CISV foi norteado por preocupações ambientais, com respeito pelas diretrizes emanadas pelas instâncias comunitárias e pelos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto e, mais tarde, pelo acordo de Paris. Nesse sentido, entende que no domínio do ambiente, contribuirá para a prossecução, entre outros, da preservação da proteção da proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, não podendo o artigo 110.º do TFUE ser interpretado nos termos defendidos pelo Requerente, mas antes à luz do artigo 191.º, do TFUE.
Refere ainda que o ISV obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, sob a perspetiva da regra geral da igualdade tributária, pelo defende que a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os mencionados princípios, e beneficiaria os veículos usados em detrimento dos veículos novos. Entendendo, assim, que a aplicar um desconto na componente ambiental subverteria do princípio do poluidor-pagador.
Por outro, alega que a intenção do artigo 11.º, do CISV, não é restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional, nem o mesmo obstava à admissão de veículos usados em território nacional, nem visava impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis. Pelo que, para a Requerida, não se poderá concluir que, ao fazer incidir sobre os veículos usados, nacionais e comunitários, uma componente ambiental que não é objeto de redução, se pretenda restringir a entrada de veículos usados em Portugal.
A Requerida entende que a interpretação defendida pela Requerente configura uma desaplicação do direito da União Europeia e do direito internacional. Pelo que defende que a posição do Requerente quanto ao artigo 11.º, do CISV, viola o princípio da legalidade consagrado na Constituição da República Portuguesa e na Lei Geral Tributária, bem como o princípio da equivalência, por via da violação dos artigos 9.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa. Por último, sustenta que a alteração implicaria uma inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa
Concluindo a Requerida que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição. Em face disso, entende que não se verifica qualquer erro que possa ser imputado à administração tributária, pelo entende que o Requerente não tem o direito de exigir juros indemnizatórios.
Em 30 de setembro de 2021, foi o Requerente convidado a pronunciar-se sobre a utilidade e os factos a serem abrangidos pela produção de prova testemunhal, ou se prescindia da mesma. Em 4 de outubro de 2021, o Requerente veio prescindir da testemunha arrolada.
Em 3 de novembro de 2021, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e foi concedido o prazo de 10 dias para alegações, bem como, fazendo-se uso do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, determinou-se, desde logo, a prorrogação do prazo acima identificado por um período de 2 (dois) meses, indicando-se o dia 21 de janeiro de 2022 (prazo inicial terminava a 21 de novembro de 2021) como data previsível para prolação da decisão arbitral. O Requerente e a Requerida não apresentaram alegações no prazo concedido.
Em 10 de novembro de 2021, o Requerente procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente.
Em 21 de janeiro de 2022, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, fez-se uso, pela segunda vez, da possibilidade aí prevista, e determinou-se a prorrogação do prazo acima identificado por um período de 2 (dois) meses, indicando-se o dia 21 de março de 2021 como data previsível para prolação da decisão arbitral.
II. Do Saneamento do processo
O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, nem há matéria de exceção para conhecer, que obste à análise do mérito da causa
III. Da fundamentação
A. Matéria de facto
A.1. Factos Provados
Com relevo para a decisão do processo arbitral, importa atender à seguinte factualidade, que se julga provada:
A. O Requerente introduziu em Portugal, com origem na Alemanha, pelo valor de € 103.000,00 (cento e três mil euros), o veículo automóvel ligeiro de passageiros, usado, de marca ...., modelo ...., designação comercial “...”, movido a gasolina, nº de motor ..., n.º quadro ..., cilindrada 3996 cc, de cor preta e outras, com 9.309 km percorridos.
B. O veículo foi matriculado pela primeira vez na Alemanha a 2 de abril de 2019, tendo-lhe sido atribuída a matrícula ....
C. Após a concretização da compra e venda do veículo, ocorrida em 17 de setembro de 2020, procedeu à sua importação, tendo em 29 de setembro de 2020 dado entrada do mesmo em território nacional e, na mesma data, apresentado junto da Alfândega de Braga a declaração aduaneira de veículo (DAV), para introdução no consumo do veículo.
D. A DAV, à qual foi atribuído o nº. 2020/..., de 2020-10-01, foi apresentada pelo Requerente através de representante indireto, tendo o declarante inscrito nos Quadro F e G (referentes à apresentação do veículo e matrículas anteriores), que o mesmo era uma viatura usada proveniente da Alemanha e com 9.309 km percorridos.
E. No quadro E da DAV, relativo às características do veículo, no item 51 (atinente à emissão de partículas) consta o valor de 0 g/km, e no item 50 (relativo à emissão de Gases CO2) consta o valor de 280 g/km.
F. Atenta a data da 1.ª matrícula do veículo no país de origem, o veículo foi considerado um veículo com mais de 1 ano a 2 anos de uso, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 20%.
G. No Quadro R da referida DAV, alusivo ao cálculo ISV, o cálculo desse imposto foi efetuado, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de € 33.106,30.
H. Do valor total de imposto, € 14.682,88 são relativos à componente cilindrada, e € 21.360,00 são relativos à componente ambiental.
I. No que concerne à componente cilindrada, ao valor de € 14.682,88 foi deduzido a quantia correspondente a 20% do seu montante, ou seja, € 2.936,58, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do CISV, aplicável aos veículos usados.
J. No que concerne ao montante de € 21.360,00 respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.
K. A liquidação de imposto sobre o veículo em causa tem o n.º 2020/..., de 2020-09-29.
L. O Requerente procedeu ao pagamento da totalidade do ISV, no montante de € 33.106,30, em 29-09-2020.
M. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 4 de janeiro de 2021.
A.2. Factos não Provados
Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
A.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto dada como provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados
B. Do direito
O pedido de pronúncia arbitral fundamenta-se na ilegalidade da norma do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), relevante na liquidação ora impugnada, por violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE). Com efeito, coloca-se a questão de saber se a liquidação de ISV, relativa à viatura usada identificada nos autos, padece ou não de ilegalidade parcial devendo, em caso afirmativo, anular-se parcialmente aquele ato tributário ou se, pelo contrário, como defende a Requerida, deverá aquele ato de liquidação de ISV ser integralmente mantido na ordem jurídica, por não enfermar de qualquer ilegalidade.
A mencionada disposição legal vem questionada no sentido de se saber se, quando aplicável aos veículos portadores de matrículas comunitárias com vista a contemplar no cálculo do imposto devido a desvalorização comercial média dos veículos usados no mercado nacional, prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso do veículo, mas apenas na componente cilindrada, deixando de lado a componente ambiental.
Segundo o Requerente, a norma aplicada na liquidação sub judice conduz a que seja cobrado sobre os veículos “importados” de outros Estados Membros da União Europeia um imposto determinado com base em valor superior ao valor real do veículo onerando-os com uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. Esta posição é contestada pela Requerida, no sentido que a componente ambiental não deve ser objeto de qualquer redução, pois representa o custo de impacte ambiental, não devendo ser entendida como contrária ao espírito do artigo 110.º do TFUE, uma vez que tal disposição do Direito da União Europeia terá como objetivo orientar os consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.
Ora, de acordo com o disposto no CISV, estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)” [artigo 2.º, n.º 1, alínea a)], sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando -se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” [artigo 3.º, n.º 1].
Por seu lado, o artigo 5.º, do CISV, estabelece que “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, para este efeito, de acordo com o n.º 3 alínea a) do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional”.
No que concerne à questão da exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea b), “o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (…) no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”, sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” [n.º 3].
Acresce que, quanto à introdução no consumo, estabelece o artigo 17.º, n.º 1 do CISV que “a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”, sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV”.
De acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 1 do CISV, “os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV (…)” nos prazos aí previstos, sendo que, nos termos do seu n.º 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar.
As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel, mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados, nos termos do disposto nos artigos 7.º a 11.º do Código do ISV. Assim, no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.
O cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 do Código do ISV dispõe que “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)”.
Por seu lado, os n.ºs 3 e 4 do referido artigo 11.º do Código do ISV referem que “sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula (…) [aí] indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa (…) que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto (…)”, sob pena de se presumir “(…) que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1”.
Quanto a esta matéria, entre muitas outras decisões já proferidas pelo CAAD, sufragamos a posição vertida nas decisões n.º 572/2018-T e 776/2019-T do CAAD. Conforme referenciado na aludida jurisprudência do CAAD, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados. Efetivamente, a legalidade foi questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, “(...) porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95.º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos (...)”.
O Acórdão do TJCE (de 22-02-2001) denominado “Gomes Valente”, proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do número de anos de uso. Neste âmbito, conforme resulta da referida decisão, embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95.º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros fatores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objetivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.
Conforme resulta das mencionadas decisões do CAAD, cuja fundamentação aderimos, “esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95.º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90.º, primeiro parágrafo) permitia a um Estado Membro (EM) aplicar aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional”.
Acrescentando que “(...) na sequência do designado Acórdão “Gomes Valente”, a jurisprudência tem entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adopte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório”.
Ora, o atual artigo 110.º, do TFUE, opõe-se a que um Estado Membro aplique aos veículos usados importados de outro Estado-membro um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional. Pois, quando um Estado-membro aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrato com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório, como se extrai das decisões que temos vindo a seguir.
Em 2006, no âmbito do sistema de tributação húngaro, no Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia, aí se referindo expressamente que “(...) o sistema fiscal Húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental”. Contudo, o referido acórdão veio declarar que “o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida — em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e — em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto”, como resulta das decisões do CAAD a que aderimos.
Adicionalmente, considerou-se que os Estados-Membros têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objetivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objetivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam de molde a evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, das “importações” provenientes dos outros Estados-membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes”.
Consequentemente, haverá que concluir nos mesmos termos das decisões do CAAD referenciadas, segundo as quais, “(...) no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos e possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.”.
Efetivamente, em 2009, interpretando o mesmo artigo 110.º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.
No que a Portugal diz respeito, nos termos do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é diretamente aplicável em território nacional, sem desenvolver qualquer fundamentação, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11.º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem é considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, acima já referido.
Com efeito, em matéria de direito internacional, o artigo 8.º, n.º 4 da CRP estabelece que “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetiva competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático”. Neste sentido, a Decisão Arbitral n.º 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017, refere, que “(…) apesar de só os Estados Membros terem competência em matéria de impostos diretos, o Tribunal de Justiça (TJ) tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente (…) a livre circulação de mercadorias (artigos 28.º e seguintes do TFUE) (…). Ora, é precisamente através da proteção de cada uma destas liberdades, diretamente aplicáveis, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades. (…) O direito português consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação (…). Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados perante os tribunais”.
Com razão, a referida decisão salienta que “os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8.º n.ºs 1 e 2 da CRP. Apresenta-se, pois, como claro que, para que a convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar. Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas. Sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa”.
Posto isto, o artigo 110.º do TFUE (na esteira do artigo 90.º do Tratado de Roma), preceitua que “nenhum EM fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares”.
Ademais, sobre a interpretação deste artigo face aos direitos nacionais já o TJUE se pronunciou por diversas vezes, precisando o seu alcance dado que a admissão nos mercados nacionais de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da UE. Por isso, salientam as citadas decisões do CAAD, que “dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a quem cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo”.
E, tanto assim é, que o Estado Português, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/2010, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110.º do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV, em concreto o artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV (naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de “O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental”.
Posteriormente, surgiu o já citado Acórdão do TJUE n.º C–200/15, de 16 de Junho de 2016, visando diretamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11.º do Código do ISV (na redação em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que “a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE”. E, assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11.º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização, através da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redação do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.
Consequentemente, os atuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11.º, n.º 1 Tabela D, o previsto no artigo 110.º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90.º do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.
A situação descrita levou a Comissão Europeia a dar início a um procedimento contra Portugal, conforme se extrai da decisão arbitral e que aqui assumimos, “por este EM não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados “importados” de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional”.
De acordo com o artigo 4.º do TFUE, “(…) as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados-Membros” (nº 1), sendo que “os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União” (nº4).
Ainda, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1 do TFUE, “a Comissão promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito. A Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições por força destes. Controla a aplicação do direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia. (…)”.
Por sua vez, de acordo com o artigo 258.º do TFUE, “se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações. Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia”.
Tal como resulta das decisões do CAAD 572/2018-T e 776/2019-T, “uma eventual infração à legislação europeia for identificada pela Comissão ou denunciada por queixa, esta última tenta resolver o problema que lhe está subjacente através do diálogo com o EM em causa, com o objetivo de encontrar uma solução rápida que esteja em conformidade com a legislação da UE e evitar assim o recurso a um processo formal por infração”. No caso de o Estado-membro não concordar com a Comissão ou não tomar medidas para retificar a eventual violação da legislação da UE, a Comissão pode abrir um processo formal por infração, sendo que este processo compreende várias etapas. Neste contexto, a Comissão Europeia convida, através de notificação por carta, as autoridades nacionais do Estado-membro a pronunciarem-se sobre o problema de incumprimento identificado, no prazo máximo de dois meses, sendo que, em caso de ausência de resposta ou de resposta não satisfatória, a Comissão indicará as razões por que considera que o Estado-membro violou a legislação da UE e as autoridades nacionais dispõem de um prazo máximo de dois meses para dar cumprimento à legislação europeia. Não obstante, em caso de ausência de resposta ou resposta não satisfatória, a Comissão pode pedir ao TJUE que abra um procedimento contencioso ao Estado-membro incumpridor, decidindo o TJUE, em média, no prazo de dois anos, sobre a existência de uma infração à legislação europeia.
No âmbito do presente pedido de pronuncia arbitral, e de acordo com a factualidade dada como provada, Portugal não tem em conta nenhuma redução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre veículos usados “importados” de outros Estados-Membros. Portanto, à revelia do disposto no artigo 110.º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental.
Ainda que a Requerida suscite o princípio da proteção do ambiente consagrado no artigo 191.º do TFUE devendo interpretar-se o artigo 110.º do TFUE à luz do disposto desse artigo 191.º, sob pena de conflitualidade entre as duas normas. Para além dos preceitos constitucionais referidos que ficam em crise com uma interpretação discordante com a da Requerida, a verdade é que este artigo 191.º do TFUE teve origem no artigo 174.º daquele Tratado, e também a jurisprudência do TJUE se referiu em diversos momentos às questões ambientais na interpretação do referido artigo 90.º, nomeadamente, no processo C-290/05.
Por seu turno, do Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, resulta que o “artigo (110.º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)”.
Portanto, tal como já foi anteriormente decidido, nas mencionadas decisões arbitrais do CAAD, a posição da Requerida, no entender do Tribunal, importa uma violação ao aludido artigo 110.º, do TFUE e, ao contrário do que defende, não é compatível com um modelo de tributação que se impõe que seja expurgado de qualquer efeito discriminatório. Sendo, por isso, que o atual artigo 110.º do TFUE se opõe a que um Estado Membro aplique aos veículos usados importados de outro Estado-membro um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.
Nestes termos, não pode este Tribunal arbitral deixar de considerar que, o que deverá aqui relevar é que o artigo 11.º do CISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE, não havendo, de acordo com os fundamentos da Requerida, qualquer interpretação desconforme à Constituição, por parte do Requerente, nem quanto ao direito da União Europeia e direito internacional, porquanto os fins que visam não se podem assegurar com base num sistema tributário discriminatório.
Aliás, este foi o posicionamento recentemente adotado pelo TJUE, no acórdão de 2 de setembro de 2021, no âmbito do processo C-169/20, que opunha a Comissão Europeia e a República Portuguesa, em que se discutia, entre o demais, a componente do imposto de registo calculada com base nas emissões de dióxido de carbono e a não consideração da desvalorização do veículo. Nesse contexto, decidiu-se que “há que declarar que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”.
Assim, vem a dar-se definitivamente razão às anteriores decisões proferidas pelo CAAD, bem como à interpretação defendida pelo Requerente nos presentes autos de Arbitragem.
Conforme sustenta o TJUE, e já por diversas vezes reafirmado em distintos acórdãos do TJUE, “o artigo 110.º TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados‑Membros. Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado”.
Assim, o acórdão acabado de citar, decidiu que a “a cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.º TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional”. Nesse sentido, o TJUE advoga que “um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional”.
Como bem refere o mencionado acórdão do TJUE (processo C-169/20), “(...) a legislação nacional que institui o imposto em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo para os veículos usados importados em Portugal de outros Estados-Membros é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. Por conseguinte, a referida legislação não garante que os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares já presentes no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.º TFUE.”.
Por outro lado, sob a argumentação do Estado português, que a opção tributária interna “(...) se justifica por um objetivo de proteção do ambiente. Com efeito, o pagamento integral da componente ambiental não tem por objetivo restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas subordinar essa entrada a um critério seletivo aplicando exclusivamente critérios ambientais.”, o TJUE recorda que embora os Estados‑Membros sejam livres de estabelecer um sistema de tributação diferenciada para certos produtos e, portanto, de definir as modalidades de cálculo do imposto de registo de modo a ter em conta considerações relacionadas com a proteção do ambiente, não é menos verdade que essas modalidades devem, nomeadamente, ser suscetíveis de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, relativamente às importações provenientes de outros Estados‑Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes, em conformidade com o artigo 110.º do TFUE.
Consequentemente, foi entendimento do TJUE, à qual se adere, que “(...) se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação”.
Por outro lado, considera a jurisprudência do TJUE, resumida no citado acórdão, que “o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor”. Pois, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado‑Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.º do TFUE.
Pelo que cai a linha argumentativa das alegações da Requerente nos presentes autos de arbitragem.
No que concerne ao argumento do Estado português que, “em substância, (...) a componente ambiental do imposto em causa constitui, na realidade, um imposto autónomo, distinto da componente deste imposto calculada em função da cilindrada do veículo em causa”, o TJUE começa por observar que no artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, a componente ambiental é apresentada como um dos dois elementos utilizados para o cálculo de um imposto único e não como um imposto distinto. Além disso, conforme o diz, “(...) em qualquer caso, (...), tal imposto distinto continuaria a ser discriminatório em relação aos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, uma vez que o referido imposto excederia o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares comprados e registados no território nacional”.
O citado acórdão decidiu ainda que, embora, “(...) ao abrigo do artigo 11.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre Veículos, os contribuintes possam optar por um método alternativo de cálculo do imposto em causa, requerendo ao diretor da alfândega que recalcule o referido imposto com base na avaliação efetiva do veículo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de um método alternativo de cálculo de um imposto não dispensa um Estado‑Membro da obrigação de respeitar os princípios fundamentais de uma norma essencial do Tratado FUE, nem autoriza esse Estado‑Membro a violar esse Tratado”.
Em conclusão, entendeu o TJUE que havia de declarar que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.
Em consequência, entende-se que o artigo 11.º do CISV não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o ato tributário de ISV objeto do pedido, porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE.
C. Dos juros indemnizatórios
A Requerente finaliza o seu pedido no sentido da condenação da AT (Requerida) a “ser pago os juros indemnizatórios à taxa legal em vigor à data do pagamento do imposto até à efetiva restituição”.
Dispõe o artigo 43.º, n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT) que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Prevê ainda o artigo 100.º do indicado compêndio normativo que “A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
Com efeito, determinando o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá o mesmo ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário, ou seja, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do ato tributário. De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
Posto isto, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Pois, os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.
Na sequência da declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de ISV identificado na medida do peticionado pelo Requerente, e nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso parcial do montante pago pelo Requerente, relativos ao ISV na parte em que a liquidação se deve considerar anulada, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade já assinalada.
Assim, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia de ISV paga indevidamente, os quais serão contados de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 61.º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da efetiva restituição.
D. Da Responsabilidade pelas custas
Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Consequentemente, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.
E. Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral Singular decide:
a) Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de ISV identificada no pedido arbitral, determinando-se a sua anulação parcial, ordenando-se o reembolso (restituição) ao Requerente da quantia paga em excesso, no montante de € 4.272,00;
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao integral reembolso (restituição).
c) Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.
F. Valor do processo
Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 4.272,00.
G. Custas
Entende este Tribunal Arbitral Singular que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, i.e., o valor de € 4.272,00, correspondente ao valor da liquidação de ISV impugnada pelo Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral.
Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida
IV. Remessa ao Ministério Público
Nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, dispõe-se que “Sempre que seja recusada a aplicação de uma norma, por inconstitucionalidade ou ilegalidade, constante de convenção internacional, ato legislativo ou decreto regulamentar, o tribunal arbitral notifica o representante do Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual”.
No caso em apreço desaplica-se a norma do artigo. 11.º, n.º 1, do CISV, por violação das normas do Direito da União Europeia, nomeadamente, do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Pelo que se ordena a notificação da presente decisão arbitral ao representante do Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento da impugnação.
Notifique-se as Partes e o Ministério Público
Lisboa, 14 de março de 2022
O árbitro,
Rui Miguel Zeferino Ferreira