DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Arlindo José Francisco e Profª Doutora Cristina Aragão Seia, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-01-2022, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., contribuinte fiscal n.º ... e B..., contribuinte fiscal n.º ..., residentes em... do ..., n.º ... –..., Lisboa, doravante designados por “Requerentes”, vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista anulação do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n.º ...2021..., apresentada em 08-04-2021 contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2020..., o acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020... (juros compensatórios) e n.º 2020... (juros compensatórios por recebimento indevido), constantes da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, referentes ao ano de 2016, de acordo com o qual se apurou o montante a pagar de € 131.929,28.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-11-2021.
Em 23-12-2021, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 11-01-2022.
A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 16-02-2022, foi decidido dispensar reunião e alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão das questões prévias:
A. Entre Outubro de 2015 e Dezembro de 2016, o Requerente A... adquiriu participações sociais em diversas sociedades estrangeiras, através da conta bancária sediada no banco italiano C... S.P.A. de que é titular (Documentos n.ºs 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
B. No decorrer do ano de 2016, o Requerente A... alienou as referidas participações sociais por um valor total de € 415.507,23 (Documentos n.ºs 1 a 4);
C. Em 2016, o Requerente A... Reclamante recebeu dividendos pagos por sociedades estrangeiras no valor de € 192,00 (Documentos n.ºs 2 e 3);
D. Posteriormente, o Requerente A... foi notificado do Ofício n.º..., datado de 17-09-2020, pela Direção de Finanças de Lisboa, que consta do Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tomou conhecimento, através da troca automática internacional de rendimentos financeiros a que se refere o Decreto-Lei n.º 64/2016, de 11 de outubro que, para o ano de 2016, obteve rendimentos de capitais em ITALIA.
Da análise desta informação consta em seu nome e para o ano de 2016:
Natureza do rendimento Juros Dividendos
Valor do rendimento 192,00 € (Juros) e 415.960,98 € (Dividendos)
Entidade pagadora: C... S.P.A.
Número de conta: ...
Nos termos do artigo 57° do Código do Imposto sobre O Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), está obrigado(a) a apresentar uma declaração Modelo 3 com todos os rendimentos auferidos nesse ano.
Muito embora tenha apresentado uma declaração para este ano, não incluiu o anexo J com os rendimentos obtidos no estrangeiro.
Sendo residente em Portugal, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 15º do CIRS, está obrigado(a) a declarar todos os rendimentos obtidos no nosso país assim como os obtidos no estrangeiro.
Assim, fica notificado(a) para, nos termos do art. 60° da Lei Geral Tributária e no prazo de 15 dias, exercer por escrito o seu direito de audição prévia à efetivação de liquidação adicional de IRS que Inclua os rendimentos antes mencionados.
E. Através do Ofício n.º ..., de 3 de Novembro de 2020, os Requerentes foram notificados da decisão final de correção oficiosa da declaração de rendimentos Modelo por si apresentada respeitante a 2016, no sentido de incluir como rendimento os montantes anteriormente notificados através do Ofício n.º ..., de 17 de setembro de 2020 (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F. A decisão final de correcção manifesta concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
INFORMAÇÃO / PROPOSTA DE ELABORAÇÃO DE DCU
Uma das (diversas) prerrogativas da atividade normal da Autoridade Tributária e Aduaneira, é o controlo declarativo de rendimentos auferidos no estrangeiro por sujeitos passivos fiscalmente residentes em território nacional.
Este controlo foi superiormente sancionado pela Direção de Serviços de Relações Internacionais, através de comunicação interna datada de 14/07/2020 (DAC1 2016 — envio de elementos para controlo de pessoas singulares).
Nestes termos, verificou-se que os SPs supra referidos submeteram declaração modelo 3, sem anexo J (...-2016-...), não declarando desta forma os rendimentos obtidos no estrangeiro, ao qual (SP A) estava obrigado, de acordo com o disposto nos art.ºs 13 e 15 n.º 1, ambos do Código Ido IRS.
Para cumprimento dessa obrigação declarativa, ou justificação da causa para não terem submetido a declaração com anexo J, foram os contribuintes notificados, nos termos do art.º 60 da Lei Geral Tributária, para exercer o seu direito de audição, ou para procederem à submissão de uma declaração com o anexo considerado em falta.
Esta notificação ocorreu ao abrigo do n/ ofício ... de 17/09/2020, entregue em 18/09/2020
I(consulta ao Portal CTT).
Em 23/09/2020, veio o SP A enviar e-mail a esta divisão, com o seguinte teor:
"Venho por este meio responder a entrada geral ...2020.... O regime declaratório por mim escolhido dentro da minha banca é o regime administrativo com retenção na fonte. Logo a primeira é para indagar que não haja dupla tributação. Em conta e resumo há um erro na comparação da informação em meu nome. Número diferente do indicado na Vs. carta/... e número conta pessoal. Aguardo vs. resposta com a reavaliação do caso”.
Cumpre então analisar os argumentos aduzidos e concluir:
O contribuinte submeteu declaração modelo 3 de IRS para 2016, como residente em Portugal, pelo que, de acordo com o disposto nos art.ºs 13 e 15, ambos do Código do IRS, estava obrigado a declarar TODOS os rendimentos obtidos, tanto em território nacional, como o estrangeiro;
Apenas estaria dispensado de tributação dos rendimentos agora detetados, caso não fosse: residente em Portugal, mas, é a própria autoridade tributária italiana que afirma que o contribuinte não era em 2016 considerado residente na Itália, pelo que consequentemente teria de ser considerado residente em Portugal;
Por fim, o contribuinte não junta à sua exposição, o necessário certificado de residência, passado pela autoridade fiscal do país onde foi considerada residente no ano 2016, o qual teria que mencionar que se encontrava ao abrigo do art.º 4°, da convenção celebrada com Portugal.
Sendo residente em Portugal (não restam dúvidas quanto a essa questão), a tributação de TODOS os rendimentos é devida, incluindo os rendimentos de capitais obtidos em Itália.
Nestes termos, julgo ser de elaborar o DCU, com um Anexo J incluído na declaração, em conformidade com os elementos disponíveis na base de dados da AT, e devidamente notificados aos SPs, e de acordo com as instruções superiormente emanadas pela DSRI em 25/08/2020.
G. Na sequência de tais correções, foram os Reclamantes notificados da liquidação de IRS n.º 2020..., o acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ... (juros compensatórios) e n.º 2020... (juros compensatórios por recebimento indevido), constantes da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, referente ao ano de 2016, de acordo com o qual se apurou o montante a pagar de € 131.929,28 (Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H. Em 06-04-2021, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa das liquidações de IRS e juros compensatórios referidas (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I. Na análise da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou ma Informação, que consta da 2.ª parte do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Após análise aos autos tem-se que o ora reclamante apresentou a sua declaração de rendimentos de 2016 identificada por 2016 ... P1 em 2017/04/12. Por ter ocorrido omissão de rendimentos os Serviços elaboraram a declaração identificada por 2016 ... em 2020/10/19. Nesta, acrescentaram o Anexo "J" declarando rendimento de capitais E21 - € 192,00; E11 - € 415 960,98. provenientes de Itália. Da liquidação efetuada, resultou imposto a pagar no montante de € 128 765,84, ora posta em crise.
Cumpre apreciar: os rendimentos de capitais integram a Categoria E de rendimentos, são tributados pelo art° 5° do CIRS. A taxa é de 28% atento o disposto no n° 1 alínea d) do art° 72° do CIRS. Analisada a documentação apresentada e o Anexo J da declaração de rendimentos constato que os € 192,00 discriminados com o Código E21 como juros no quadro 8, campo 801, se referem a dividendos, devendo constar com o código E11. No que concerne ao campo 802 no montante de €415 960,98 com o código E11, tal montante não se refere a dividendos, mas a mais valias mobiliárias. As mais valias imobiliárias são incrementos patrimoniais tributados pelo art° 10° n° 1 alínea b) do CIRS e sobre as quais incide a taxa de 28% atento o disposto na alínea c) do n° 1 do art° 72° do mesmo diploma legal. O total dos valores de realização ascende a € 415 506,63 e o total dos valores de aquisição a € 374 343,90. Não foram comprovados os seguintes valores de aquisição; € 1 279,85 referente ao ISIN FR0010..., data valor 26/01/2016, € 441,32 , data valor 02/02/2016, referente ao mesmo ISIN; € 2 932,03, data da alienação 26/02/2016 referente ao mesmo ISIN; € 339,89 * 2 , data da alienação 23/03/2016 referente ao mesmo ISIN; € 4 078,74 data de alienação 23-29/03/2016 referente ao mesmo ISIN; € 13 167,47, data da alienação 11/11 + 11/11 + 21/11/2016 referente ao ISIN FR0010...; € 19 964,16 data da alienação 08/12/2016 + 13/12/2016.
J. Os ora Requerentes pronunciaram-se no exercício do direito de audição, nos termos que constam da 2.ª parte do processo administrativo, juntando documentos;
K. A reclamação graciosa não foi decidida até 03-11-2021, data em que os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;
L. Em 07-01-2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio informar que revogou «parcialmente o ato contestado» (Sistema de Gestão Processual do CAAD);
M. Na Informação para que remete a decisão de revogação, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:
6. Quanto ao pedido de correção do montante de €192,00, mencionado no Quadro 8 do Anexo J, com o código E21 como juros, verifica-se que, da documentação junta, os mesmos respeitam a dividendos, pelo que deverão os mesmos ser considerados com o código E11, nos termos do artigo 5.º do CIRS, porém, por não ter sido junto qualquer comprovativo do imposto suportado no estrangeiro, não pode ser atribuído o respetivo crédito de imposto nos termos previstos no artigo 81.º do CIRS.
7. Quanto ao pedido de correção do montante de €415.960,98, mencionado no Quadro 8 do Anexo J com o código E11 como dividendos, verifica-se que, da documentação junta, os mesmos respeitam a mais-valias mobiliárias que, enquanto incrementos patrimoniais, são tributadas nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, e sobre os quais incide a taxa de 28%, conforme o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, correspondendo aquele valor ao total dos valores de realização.
8. Porém, dos documentos juntos ao pedido verifica-se que o total dos valores de realização ascendem a €415.506,63 e o valor total dos valores de aquisição a €374.343,90, não se encontrando comprovados os seguintes valores de aquisição:
- €1.279,85, referente ao ISIN FR0010..., com a data-valor 2016-01-26;
- €441,32, referente ao ISIN FR0010..., com a data-valor 2016-02-02;
- €2.932,03, referente ao ISIN FR0010..., com a data-valor de 2016-02-26;
- €339,89 * 2, referente ao ISIN FR0010..., com a data-valor de 2016-03-23;
- €4.078,74, referente ao ISIN FR0010..., com a data-valor de 2016-03-23/29;
- €13.167,47, referente ao ISIN FR0010..., com as datas-valor de 2016-11-11 e
2016-11-21; e,
- €19.964,16, referente ao ISIN FR0010..., com as datas-valor de 2016-12-08 e
2016-12-13.
9. Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT o ónus da prova dos factos constitutivos dos
direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque, pelo que no caso concreto é ao
requerente que incumbe a comprovação dos valores de aquisição para efeitos de apuramento do saldo de mais ou menos valias resultantes da alienação dos valores mobiliários.
10. Assim, na medida em que se encontram comprovada a natureza dos rendimentos obtidos no estrangeiro, conforme pontos 6 e 7, deverão os mesmos ser corrigidos em conformidade, sendo que relativamente aos valores de aquisição apenas é aceite o valor total de €374.343,90 por apenas estes se encontrarem comprovados.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo,
Não se provou que Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse praticado qualquer acto em substituição das liquidações de IRS e juros compensatórios impugnadas.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções à declaração modelo 3 de IRS apresentadas pelos Requerente relativamente ao ano de 2016, tendo com pressupostos que os Requerentes não declararam rendimentos recebidos em Itália nesse ano, designadamente € 192,00 de juros e € 415.960,98 de dividendos.
Na sequência dessas correcções, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações impugnadas.
Como a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu no projecto de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e reafirmou na informação enviada ao abrigo do artigo 13.º, n.º 1, do RJAT e na sua Resposta, a quantia de € 192,00 não se refere a juros, mas sim a dividendos, e a quantia de € 415.960,98 não se refere a dividendos, sendo o produto bruto da venda de participações sociais.
Assim, é incontroverso que as liquidações de IRS e juros compensatórios impugnadas enfermam de vício de erro na qualificação dos rendimentos, que constitui ilegalidade [artigo 99.º, alínea a), do CPPT], que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Acrescenta-se ainda que a «revogação parcial» comunicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, é irrelevante para efeitos do presente processo, pois não foi comunicada no prazo aí previsto e não foi acompanhada de prática de acto de substituição.
O indeferimento tácito da reclamação graciosa manteve as liquidações impugnadas, pelo que enferma do mesmo vício.
4. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a liquidação de IRS n.º 2020... e as liquidações de juros compensatórios n.º 2020... (juros compensatórios) e n.º 2020 ... (juros compensatórios por recebimento indevido), constantes da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, referentes ao ano de 2016, de acordo com o qual se apurou o montante a pagar de € 131.929,28;
c) Anular o indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2021... .
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 131.929,28, atribuído pelos Requerentes, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 18-02-2022
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Arlindo José Francisco)
(Cristina Aragão Seia)