Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 302/2014-T
Data da decisão: 2014-12-01  IMT  
Valor do pedido: € 34.700,90
Tema: IMT - Benefícios fiscais relativos a empreendimentos turísticos
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

                                                  

I - RELATÓRIO

 

1. Em 28 de março de 2014, o contribuinte “A” com o NIF … requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”) em 31 de março de 2014.

 

3. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a nulidade do ato tributário que constitui o seu objeto, relativo à liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) no valor de € 34.700,90 (trinta e quatro mil setecentos euros e noventa cêntimos).

 

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

 

5. As partes foram notificadas, em 20 de maio de 2014, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 4 de junho de 2014.

 

7. Em 3 de julho de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta e na mesma data remeteu o Processo Administrativo Tributário.

 

8. A Requerente, em 21 de julho de 2014, requereu a junção aos autos de dois documentos. A Requerida, em 22 de agosto de 2014, pronunciou-se sobre o teor dos referidos documentos.

 

9. No dia 22 de setembro de 2014, pelas 12h30m, nas instalações do CAAD realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo comparecido o Árbitro designado e os representantes da Requerida, conforme consta da respetiva ata, que se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.

 

10. A Requerente apresentou, em 22 de setembro de 2014, requerimento a solicitar que se aproveitasse nos presentes autos a prova testemunhal produzida no processo n.º 102/2014-T nomeadamente o depoimento prestado por “B” e no processo n.º 110/2014-T nomeadamente o depoimento prestado por “C” obviando a uma nova inquirição destas testemunhas sobre os mesmos fatos.

 

11. A Requerida, em 29 de setembro de 2014, pronunciou-se sobre o requerimento apresentado pela Requerente, em 22 de setembro de 2014, considerando que os factos relevantes para a apreciação do mérito da causa se encontram documentalmente comprovados não tendo sido objeto de impugnação por ambas as partes e caso o Tribunal considere necessária a produção de prova testemunhal deve ser promovida a inquirição presencial das testemunhas arroladas em respeito pelos princípios da oralidade e imediação da discussão das matérias de fato e de direito vertidos na alínea d) do artigo 16.º do RJAT. A Requerida informou o Tribunal que ambas as testemunhas, arroladas pelo Requerente, são proprietários de frações no empreendimento e requerentes no âmbito de processos a correr no CAAD (processos 109/2014-T e 301/2014-T) nos quais formulam pretensões iguais às dos presentes autos.

 

12. O Tribunal Arbitral, por despacho de 6 de outubro de 2014, determinou que não aceita aproveitar nos presentes autos a prova testemunhal produzida noutros processos no qual o presente Árbitro não teve qualquer intervenção. Se a Requerente não prescinde da prova testemunhal será realizada a respetiva inquirição na data que ficou definida na reunião  prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

13. No dia 13 de outubro de 2014, pelas 15h18m e no dia 24 de outubro de 2014, pelas 15h, foi produzida a prova testemunhal tendo sido inquiridos respetivamente “B” e  “C”, testemunhas arroladas pelo Requerente conforme constam das respetivas atas, que se dão aqui por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

 

14. O Requerente, através do requerimento apresentado em 29 de setembro de 2014, prescindiu das testemunhas “D”, “E” e “F” indicadas na petição de constituição do Tribunal Arbitral.

 

15. As alegações escritas foram apresentadas pelo Requerente, em 30 de outubro de 2014, e pela Requerida, em 12 de novembro de 2014.

 

16. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto na petição de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações escritas, é, em síntese, a seguinte:

 

16.1. A correta interpretação do n.º 1 do artigo 20 do Decreto-Lei n.º 423/83 dita que se incluam no seu âmbito as transmissões efetuadas para os adquirentes das frações, beneficiando estes do mesmo estatuto que o legislador quis conferir ao promotor imobiliário. Se a intenção do legislador é fomentar a atividade turística, em prol de tal desiderato, só se entende o dito benefício como aplicável, quer ao promotor, quer aos adquirentes das frações, os quais suportam o ónus do investimento.

 

16.2. No caso em apreço estando em causa um conjunto turístico em que cada fração autónoma constitui um elemento funcional (unidade de alojamento) integrante da unidade organizacional erigida para a prestação de serviços de exploração turística (o empreendimento turístico) é de concluir que a primeira aquisição de cada um desses elementos funcionais, porque destinada a viabilizar a entrada em funcionamento de cada um deles e, concomitantemente, do empreendimento no seu todo, se enquadrava ainda no processo de instalação do empreendimento, englobando, por conseguinte, o âmbito de aplicação do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, dada a utilidade turística reconhecida e atribuída ao empreendimento em causa e que abrange todos os elementos funcionais que o compõem.

 

16.3. A fração autónoma adquirida pelo Requerente constitui uma unidade de alojamento do conjunto turístico e integra, assim, um empreendimento ao qual foi reconhecida utilidade turística. A aquisição desta fração destinou-se à instalação do referido empreendimento e integra, ainda, em todo o caso, o processo de concretização dessa mesma instalação.

 

16.4. Face ao disposto no novo Regime Jurídico de Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (RJIEFET) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março quem adquire uma dessas novas frações num conjunto turístico em propriedade plural, tornando-se contitular do aldeamento, comparticipa ainda na sua instalação, na medida em que este não pode considerar-se integralmente instalado enquanto as respetivas unidades de alojamento não se encontram aptas a funcionar e a ser exploradas por falta de prévia aquisição nesse regime de propriedade.

 

16.5. Assim, só com a aquisição pelo Requerente e a concomitante celebração do contrato de exploração turística com a entidade exploradora, esta fração autónoma ficou apta a funcionar como unidade de alojamento perante os utentes deste empreendimento – isto é, funcionalmente capaz de ser utilizada turisticamente nos moldes e com a qualidade que lhe é exigida pelo estatuto de utilidade turística que detêm, sendo que o aldeamento em que se integra se vai progressivamente instalando à medida que as suas unidades de alojamento entram em funcionamento.

 

16.6. Neste contexto a aquisição desta fração destinou-se a permitir a continuidade do processo de instalação deste empreendimento de utilidade turística, concorrendo para que ele pudesse passar progressivamente à fase de funcionamento e exploração, com a abertura gradual ao público das suas unidades funcionais de alojamento até à sua completa e total instalação.

 

16.7. Assim sendo esta aquisição goza da isenção objetiva prevista no citado artigo 20.º, porque teve por destino a instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística.

 

16.8. Seria manifestamente lacónico e ilógico que através da introdução do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, o legislador pretendesse introduzir um benefício que abrangesse apenas os promotores imobiliários, os quais, já dispunham de mecanismos próprios de mitigar o peso daquela tributação inicial.

 

16.9. Na logica do sistema, o referido artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 existe como complemento àquela norma do CIMSISSD, sendo o seu âmbito, por maioria de razão, extensível aos adquirentes das frações que, por essa via, participassem na instalação do empreendimento e, assim, no fomento da atividade turística.

 

16.10. A coerência sistemática impõe que se releve como parâmetro de interpretação o facto de existir uma isenção em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) para os proprietários de prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística. A leitura integrada do referido artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 impõe que se considere no seu âmbito as operações de aquisição das frações que compõem o empreendimento classificado com utilidade turística, na medida em que a atuação desses adquirentes complemente o processo de instalação do dito empreendimento.

 

16.11. No caso em apreço os proprietários apresentam-se como verdadeiros promotores do empreendimento – e dinamizadores da atividade turística -, estando assim claramente abrangidos pelo âmbito do benefício fiscal concedido pelo artigo 20.º do citado Decreto-Lei n.º 423/83.

 

16.12. Os princípios da segurança e da certeza jurídicas estão claramente postos em causa por se desconsiderar em absoluto o crivo de controlo prévio de legalidade a que o Notário e o Conservador estavam obrigados e, por outro que a AT, sabendo e não podendo desconhecer a concessão da isenção aqui em apreço só agora, venha a exigir a reposição da tributação que alega ter sido omitida. Em conclusão, caso a liquidação em apreço não seja considerada ilegal – o que não se consente – sempre essa conclusão se há de retirar do facto  de o mesmo violar todos os preceitos onde se encontra consagrado o princípio da boa fé – os artigos 266.º da Constituição , 6.º-A, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e 59.º da LGT.

 

17. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações escritas, pode ser sintetizada no seguinte:

 

17.1. Existem diversas decisões jurisprudenciais sobre a interpretação e o alcance a conferir ao n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, e em especial já foi a mesma decidida de modo uniforme pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, de 23 de janeiro de 2013, publicado na 1ª Série do Diário da Republica, de 4 de março de 2013, pág. 1197 a 1217). O referido acórdão afirma que “O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de frações autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação»”. E o douto aresto prossegue “ O acabado de expor leva-nos a concluir que quando o legislador, no n.º 1 do artigo 20º, utiliza a expressão aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação», este conceito não pode deixar de ser entendido como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção (quando se trate de novos empreendimentos) de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos.”

 

17.2.  Como é referido, na citada jurisprudência, o que o legislador apenas quis abranger com aquela norma, foram as aquisições destinadas à “instalação” de empreendimentos. Se, hipoteticamente, o legislador quisesse abranger a atividade de instalação e a de exploração dos empreendimentos turísticos teria sido tão claro quanto o foi no art. 16.º do mesmo diploma, cujo normativo pretendeu beneficiar tanto empresas proprietárias como exploradoras, à semelhança do que acontece com o n.º 2 do art. 20.º do citado diploma.

 

17.3.  Embora o Requerente possa usufruir de vantagens na exploração de um empreendimento turístico onde adquiriu um imóvel, é proprietário do mesmo, não tendo

participado em qualquer atividade de promoção ou comercialização.

 

17.4. Resulta patente da legislação uma clara distinção entre os conceitos de “instalação”, por um lado, e de “funcionamento” e “exploração”, por outro, distinção esta que se encontra bem patente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/2008. Ora, a aquisição efetuada pelo Requerente, já em momento posterior ao da licença de utilização e, por conseguinte, depois da fase de instalação do empreendimento turístico, destinou-se à exploração comercial e ao seu usufruto e não à instalação do empreendimento. Desde logo porque: (i) a aquisição do imóvel em causa ocorreu em 2005/12/16; (ii) a utilidade turística, a título prévio, foi atribuída em 2005/07/15; (iii)

e, posteriormente confirmada em 2007/05/07, pelo prazo de sete anos a contar da data da sua abertura ao público que ocorreu em 2005-09-30.

 

17.5. Em abono de tudo o que foi dito em supra, atendamos ainda ao facto da segunda testemunha, que aliás interveio no procedimento negocial do referido empreendimento, ter afirmado expressa e claramente que nunca foi dada garantia de isenção de IMT, aos potenciais adquirentes, nem sequer fazia parte da campanha de promoção do negócio, e que apenas foi dado conhecimento do teor do D.L. 423/83, nada mais.

 

17.6. Não se vislumbra como aceitável que, se considere depois de verificada a abertura ao público do empreendimento turístico, que a aquisição da fração pelo Requerente, ocorrida em momento posterior, visava ainda a instalação do mesmo.

 

17.7. Todavia, mesmo que a aquisição de frações ocorra ainda em fase de licenciamento e construção do empreendimento, não se pode considerar que esses adquirentes por contribuírem para o financiamento possam ser considerados promotores. Tanto assim é que a segunda testemunha, questionada sobre a promoção do empreendimento, afirmou que o promotor do mesmo era a sociedade “G” – …, S.A..

 

17.8. Sendo irrefutável que o adquirente das frações em empreendimentos turísticos em propriedade plural (cfr. art. 52.º ss. do Decreto-Lei nº 39/2008) não se torna, por tal facto, um cofinanciador do empreendimento. Na verdade o ora adquirente não teve qualquer responsabilidade na instalação do referido empreendimento, limitando-se a investir em produtos imobiliários no âmbito do denominado turismo residencial e não a instalar o empreendimento turístico.

 

17.9.  Estando em causa um benefício fiscal de isenção de IMT previsto no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, e tratando-se de um benefício de natureza automática, que decorre direta e imediatamente da lei, ou seja, opera por efeito da lei sem carecer da prática de qualquer ato administrativo, seja ela um ato expresso ou tácito. O benefício fiscal previsto naquele art. 20.º não é, por conseguinte, suscetível de poder ser concedido através de um qualquer ato administrativo, e ainda menos através de um ato administrativo praticado por entidades sem poderes para o efeito, como vem a ser o caso do Notário em cujo Cartório é outorgada a escritura e do Conservador em cuja Conservatória se procede ao competente Registo Predial, o qual seria um ato nulo nos termos do art. 133.º do CPA.

 

17.10. Em suma, tendo em conta o enquadramento jurídico-tributário dos factos, considera-se que a aquisição em apreço não beneficia da isenção de IMT prevista no n.º 1 do art 20.º do citado Decreto-Lei 423/83, uma vez que a aquisição efetuada pela Requerente, já em momento posterior ao da licença de utilização e, por conseguinte, depois da fase de instalação do empreendimento turístico, destina-se à exploração comercial e ao seu usufruto e não à instalação do empreendimento. Ora diremos, que os requisitos da isenção não são preenchidos pelo Requerente para poder beneficiar da isenção. Relativamente ao primeiro requisito, diremos que:

- o imóvel adquirido pelo requerente, teria de ser adquirido para o mesmo proceder a instalação ou construção de um empreendimento turístico;

- todavia, o imóvel adquirido, já se encontra devidamente instalado e construído dentro de um empreendimento turístico e pronto para a sua fruição.

No que concerne ao outro requisito para beneficiar da isenção, o requerente teria de desenvolver a função de promotor ou criador de atividade urbanísticas e turísticas, o que não se verifica nos presentes autos.

 

17.11. O ora requerente alega que abdicou deliberadamente da livre fruição do seu imóvel em benefício da exploração turística e comercial do mesmo, através da celebração de um contrato de exploração turística nos termos do qual cedia o direito exclusivo de exploração da fração através da celebração de contrato de exploração celebrado com a entidade exploradora do empreendimento turístico, em troca de uma remuneração, e nesses termos teria direito a referida isenção. Este argumento não procede, porque reforçando todo o raciocínio com as conclusões das decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 102/2014-T, 104/2014-T e 110/2014-T, sobre a mesma temática, donde deste ultimo se retira o seguinte excerto, sendo claro ao concluir que “a aquisição da unidade de alojamento no empreendimento turístico, “…”, ainda que integrado no empreendimento em causa e mesmo que afetas à exploração turística, e inclusivamente que tal exploração turística seja levada a cabo pela entidade exploradora do restante empreendimento turístico, a aquisição da requerente não cumpre um dos requisitos fundamentais do conceito de instalação, pelo que não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, n.º 1 do Decreto-Lei 423/83.”

 

17.12. Em suma, cumpre concluir, pela legalidade do ato de liquidação de IMT, porquanto a aquisição do imóvel pelo Requerente está sujeita a imposto nos termos do artigo 2.º, n.º 1, conjugado com os artigo 4.º, 5.º e 12.º, n.º 1, à taxa prevista na atual alínea d) do artigo 17.º, todos do Código do IMT.

 

II – SANEAMENTO

 

18. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., n.º 2, e 6.º n.º 1 do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.

O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.

Nestes termos, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

 

 

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO

 

19. Factos provados

 

19.1. Com base na prova documental junto aos autos e na prova testemunhal apresentada consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)    O Requerente, casado com “H”, no regime de comunhão geral de bens, adquiriu, em 16 de dezembro de 2005, à sociedade “G” –, S.A., inscrita sob o NIPC …, a fração autónoma designada pela letra “Z”, destinada à habitação, do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …, sito em Vilamoura, freguesia de Quarteira, concelho de ..., conforme escritura pública de compra e venda celebrada naquela data no Cartório Notarial … e que se encontra junta aos presentes autos como documento n.º 2 anexo à petição de constituição do Tribunal Arbitral.

 

B)    A fração autónoma identificada na alínea anterior está integrada no Empreendimento Turístico …, sito na Avenida …, …, freguesia de Quarteira do concelho de ..., distrito de Faro a que foi atribuída a utilidade turística, a título prévio, através do despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 2 de junho de 2005, publicado no Diário da República, 3.ª série, n.º 135, de 17 de julho de 2005.

 

C)    A confirmação da utilidade turística ao empreendimento,  identificado na alínea anterior , ocorreu por despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 7 de maio de 2007, cujo aviso n.º …/2007 foi publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 111, de 11 de junho de 2007. O aviso informa que a Câmara Municipal de ... emitiu, em 30 de setembro de 2005, a licença de utilização turística do referido empreendimento.

 

D)    A escritura, identificada na alínea A), declara a transmissão do imóvel isenta do pagamento de IMT, nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

 

E)    A Direção de Finanças de Faro, Serviço de Finanças de …, através do ofício n.º …, de 29 de novembro de 2013, notificou o ora Requerente da liquidação de IMT no valor de € 34.700,90 devido ao facto de ter realizado a aquisição da fração autónoma, identificada na alínea A), com o benefício de utilidade turística indevidamente reconhecido, conforme documento que se encontra junto aos presentes autos como documento n.º 1 anexo à petição de constituição do Tribunal Arbitral.

 

F)     A liquidação de IMT resulta das conclusões do relatório do Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro, realizado em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI… e foi efetuada com base no preço atribuído ao direito adquirido, no montante de €533.860,00 (quinhentos e trinta e três mil oitocentos e sessenta euros), ao qual foi aplicada a taxa de 6,5%, de acordo com o disposto na alínea d) do artigo 17.º do Código do IMT, conforme documento da AT integrante do Processo Administrativo Tributário, fls. 18.

 

G)   O Requerente celebrou, em 17 de abril de 2006,  com a “I”–…, S.A.,  titular do NIPC …, um contrato de exploração turística, nos termos do qual cedia a esta sociedade o direito exclusivo de exploração turística da fração, nomeadamente através de arrendamentos turísticos de curta duração, de acordo com o texto do contrato  junto aos presentes autos como documento n.º 4 apresentado pelo Requerente.

 

19.2. Os factos enunciados no n.º anterior baseiam-se nos documentos integrantes dos autos e nos depoimentos das testemunhas “B” e “C”, que aparentaram isenção nos seus depoimentos e terem conhecimento dos fatos que relataram.

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

20. A questão decidenda nos presentes autos consiste em saber se o adquirente de uma fração autónoma destinada à exploração turística, inserida num empreendimento turístico pode beneficiar da isenção de IMT prevista no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro e se o contrato de exploração celebrado entre o adquirente e a entidade exploradora do empreendimento turístico é relevante para beneficiar da referida isenção.

 

21. A matéria de facto está fixada (vd., supra n.º 19) e vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 20).

 

 

22. O artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro estabelece:

“1- São isentos de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.

 

2- A isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente.”

 

23. O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2013, de 23 de janeiro de 2013, publicado no Diário da República, 1ª série, de 4 de março de 2013, determina o alcance do conceito de instalação para efeitos da isenção do nº.1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, nos termos que passamos a transcrever:

23.1. “Começando pelo teor literal do art. 20º, n.º 1, do Decreto -Lei n.º 423/83, importa realçar que o legislador refere claramente que apenas se encontram isentas de sisa e de imposto de selo “as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”.

O que quer dizer que não se trata de uma isenção subjetiva dirigida a beneficiar as empresas, quer sejam proprietárias quer exploradoras dos empreendimentos, mas sim objetiva, uma vez que visa beneficiar a atividade de instalação, podendo apenas requerer e beneficiar da isenção as empresas que se dediquem a «instalar» empreendimentos turísticos e não também as que pretendam dedicar–se à atividade de exploração dos mesmos.”[1]

 

23.2. “Como o Decreto-Lei n.º 423/83 não contém uma definição para o conceito de «instalação», manda o art. 11º, n.º 2, da LGT, que nos socorramos do significado técnico jurídico que nos é dado pelo regime jurídico dos empreendimentos turísticos.”[2]

 

23.3.  “(…) a «instalação» emerge como um procedimento que compreende os atos jurídicos e os trâmites tendentes ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística.

Depois de construído e obtidas pelos promotores do investimento as licenças necessárias a tornarem o empreendimento apto ao exercício da atividade turística, cada empreendimento turístico “deve ser explorado por uma única entidade, responsável pelo seu integral funcionamento e nível de serviço e pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis”[3].

 

23.4. “Resulta, desta forma, patente que eventuais vendas das unidades de alojamento realizadas ainda durante a fase de construção/instalação do empreendimento já fazem parte da exploração do mesmo. Destacam-se, assim dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projetadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo momento.

Embora se reconheça que há no caso dos empreendimentos turísticos em propriedade plural uma evidente compressão do conteúdo do direito de propriedade (uma vez que ainda que a habitem a título permanente a unidade de alojamento não se destina a habitação), a verdade é que tais restrições são estabelecidas em função da forma de exploração e funcionamento do empreendimento e não em virtude da sua instalação.

O acabado de expor leva-nos a concluir que quando o legislador, no n.º 1 do art. 20º, utiliza a expressão aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação», este conceito não pode deixar de ser entendido como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção (quando se trate de novos empreendimentos) de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos.”[4]

 

24. Concordamos inteiramente com a orientação jurisprudencial exposta no ponto anterior. Efetivamente, a isenção a que se reporta o artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro destina-se exclusivamente à aquisição de prédios e frações autónomas para construção e instalação de empreendimentos turísticos e não aos adquirentes de frações autónomas em empreendimentos já construídos ou instalados.

 

25. Tendo em conta o disposto no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro e a jurisprudência citada, importa averiguar se estão preenchidos os requisitos para a isenção de IMT no caso em análise.

Atendendo à factualidade objeto dos presentes autos arbitrais (vd., alíneas A), B), C) e G) do n.º 19.1.) verifica-se que o Requerente adquiriu a fração autónoma em 16 de dezembro de 2005. Nessa data ao empreendimento, no qual a fração estava inserida, já tinha sido concedida, por despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 2 de junho de 2005, a declaração de utilidade turística provisória e já tinha sido emitida a licença de utilidade turística pela Câmara Municipal de ..., em 30 de setembro de 2005, ou seja, a instalação já estava concluída e o empreendimento já se encontrava apto para o exercício da atividade turística. Nestes termos, não estão preenchidos os requisitos para o Requerente beneficiar da isenção de IMT com fundamento no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

 

26. O Requerente celebrou um contrato de exploração turística e comercial (vd. supra alínea G) do n.º 19.1.).  De qualquer modo, não tem qualquer apoio legal nem factual no presente caso a afirmação do Requerente de que os adquirentes das frações viabilizam a concretização da instalação de empreendimento. Quem adquire a fração autónoma não se torna num cofinanciador do empreendimento com responsabilidade na instalação, mas limita-se a adquirir um produto turístico que é colocado no mercado pelo promotor. Portanto a transferência do direito de fruição por parte do adquirente através de um contrato de exploração turística não altera a situação para efeitos de aplicação da isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

 

27. Cumpre salientar que os benefícios fiscais, de acordo com o artigo 2.º do Estatutos dos Benefícios Fiscais,  constituem medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem. Os benefícios fiscais têm ser justificados por um interesse público relevante porque representam uma derrogação do princípio da igualdade e do princípio da capacidade contributiva.

O legislador através do benefício fiscal previsto no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro pretendeu impulsionar a atividade turística para os promotores que pretendam construir estabelecimentos turísticos. Mas daí não se retira necessariamente que o legislador estenda esse benefício aos adquirentes de frações integradas em empreendimentos turísticos e afetas à exploração turística. A este respeito o Acordão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 968/12, de 23 de janeiro de 2013, afirma: “ (...) considerando que os benefícios fiscais se apresentam, como ficou dito, como uma “exceção à regra da igualdade" (Cfr. Sérgio Vasques, ibidem) e da capacidade contributiva, não vemos motivo relevante para se discriminar quem compra prédios em empreendimentos turísticos relativamente aos demais.

Em suma, não estando em causa a aquisição de prédios ou de frações autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afetas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 423/83.” [5]

28. O Requerente alega que estão postos em causa os princípios da segurança jurídica e da certeza jurídica que resultam do fato de a aquisição ter sido efetuada em face de informação da entidade vendedora e confirmada pelo notário quando celebrou a escritura e

pelo Conservador do Registo Predial.

Efetivamente, a escritura declara a transmissão do imóvel isenta do pagamento de IMT, nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro (vd., alíneas C) do n.º 19.1.).

Nos termos do artigo 49.º do Código do IMT a intervenção do notário e do conservador visa apenas o controlo da regularidade tributária das situações em que intervêm ficando adstritos a diversas obrigações de cooperação com a AT. Só a AT tem competência para se pronunciar, nomeadamente ao abrigo do artigo 68.º da LGT, sobre a situação tributária dos contribuintes e sobre os pressupostos dos benefícios fiscais.

O fato da escritura declarar a transmissão do imóvel isenta do pagamento de IMT não obsta que a AT venha a emitir um ato de liquidação relativamente ao mesmo imposto no caso de ter concluído que, de acordo com as normas legais aplicáveis, aquele benefício fiscal tinha sido indevidamente reconhecido.

 

29. Em conclusão, a aquisição de fração autónoma de prédio integrado num empreendimento turístico e a sua afetação à exploração turística através de contrato de exploração turística não preenche os requisitos para poder beneficiar da isenção de IMT consagrada     no artigo 20.º, n.º 1,do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro. Nestes termos, decide-se pela legalidade do ato tributário de liquidação adicional de IMT, no valor € 34.700,90 (trinta e quatro mil e setecentos euros e noventa cêntimos), constante do ofício n.º 3349, de 29 de novembro de 2013, da Direção de Finanças de Faro, Serviço de Finanças de ... 2 (Quarteira), objeto dos presentes autos.

 

V – DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Fixa-se o valor do processo em € 34.700,90 (trinta e quatro mil e setecentos euros e noventa cêntimos) nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se a taxa de arbitragem em €1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a pagar pelo Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4, do RJAT e 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 1 de dezembro de 2014

 

O árbitro

 

Olívio Mota Amador  

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1] Cfr., Diário da República, 1ª série, de 4 de março de 2013, pp. 1208.

[2] Cfr., Diário da República, 1ª série, de 4 de março de 2013, pp. 1208.

[3] Cfr., Diário da República, 1ª série, de 4 de março de 2013, pp. 1209.

[4] Cfr., Diário da República, 1ª série, de 4 de março de 2013, pp. 1210.

 

[5]  Cfr.,  Acordão STA, n.º 0968/12, de 23-01-2013, 2ª secção,  pp. 30  consultado in www.dgsi.pt