Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 397/2021-T
Data da decisão: 2022-02-22  ISV  
Valor do pedido: € 13.249,89
Tema: ISV – Admissão de veículo automóvel usado de outro Estado Membro da EU – Incidência sobre a componente ambiental.*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 29 de setembro de 2022, recurso n.º 50/22.6BALSB, que decide em substituição.
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SUMÁRIO:

A actual legislação portuguesa vertida no artigo 11º do Código de Imposto sobre Veículos não está em conformidade com o direito comunitário, designadamente, com o disposto no artigo nº 110° do Tratado de Funcionamento da União Europeia (aplicável por força do artigo 8°, nº 4 da Constituição da República), ao não considerar aplicável a redução de ISV à componente ambiental, permitindo que o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares nacionais.

 

DECISÃO ARBITRAL

1 – RELATÓRIO

A. - PARTES

A... UNIPESSOAL, LDA., a seguir designada por Requerente, com o NIPC ..., e sede na Rua ..., nº ..., ..., ...-...Amora, veio requerer em 1 de Julho de 2021 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito no art. 2°, nº 1, alínea a) do Decreto - Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária - RJAT) e nos arts. 1°, alínea a) e 2° da Portaria nº 112 - A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida, requerimento esse que o Requerente juntou em 05/07/2021 devidamente assinado.

 

B. - CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerente e à Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira em 02/07/2021, Requerida esta que designou juristas para a representar por despacho comunicado em 22/07/2021, tendo o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6°, nº 1, do RJAT, em 09/09/2021, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.

 Em 09/09/2021, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11°, nº 1, alínea b) do RJAT e dos artigos 6° e 7° do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

 Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 28/09/2021, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11° do Decreto-Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.

C. - PRETENSÃO

A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral proceda à anulação parcial de 52 liquidações de ISV, que constam do mapa que junta, no valor total de 13.249,89 euros, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, e, em consequência,

Determine a restituição daquela quantia, que resultou de indevidas liquidações e foi paga pela Requerente, acrescida de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal aplicável, desde a data de pagamento até à sua efectiva restituição.

 D. - TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 28/09/2021, seguiram-se:

- Em 28/09/2021 - Foi notificada a Requerida para nos termos dos nºs 1 e 2 do 17º do RJAT, apresentar Resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e juntar o processo administrativo.

- Em 09/02/2022 - O Tribunal exarou um despacho arbitral, que foi notificado às Partes, do seguinte teor:

 - Verificando-se que a Requerida, embora notificada para os efeitos do art. 17º do RJAT, não deu resposta e, não se justificando a reunião a que alude o art. 18º do RJAT, seguem os autos para decisão arbitral, a qual será proferida previsivelmente no dia 22 de Fevereiro de 2022, devendo, até lá, a taxa de arbitragem subsequente mostrar-se paga.

- Em 18/02/2022 – A Requerida juntou o processo administrativo.

- Em 22/02/2022 - Prolação da decisão arbitral.

 

E. - PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

- A Requerente importou, entre 09/01/2020 e 08/10/2020, provenientes da Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Itália e Países Baixos, todos países membros da União Europeia, os veículos automóveis, identificados no mapa que junta como documento 1.

- Estes veículos tinham sido matriculados pela primeira vez nos seus países de origem.

 - A Requerente procedeu às declarações aduaneiras destes veículos, tendo a AT procedido à liquidação dos respectivos ISV, pelo valor global de 77.379,50 euros.

- Deste valor global liquidado pela AT, 50.162,92 euros correspondem ao valor da componente cilindrada e 27.306,55 euros ao valor da componente ambiental.

- Ao valor correspondente à componente cilindrada foram deduzidas as reduções resultantes do número de anos de uso dos veículos, conforme as percentagens indicadas nas DAVs.

- A Requerente efectuou o pagamento dos impostos liquidados, mas considera que as referidas liquidações de ISV estão feridas de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2.

- Isto porque a norma jurídica que esteve na base daquelas liquidações, o art. 11º do CISV, viola o art. 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, conforme já foi declarado por acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia.

- Refere, de seguida, o historial legislativo e jurisprudencial da questão relativa à aplicação à componente ambiental das deduções aplicadas à componente cilindrada, resultantes do número de anos de uso dos veículos objecto das liquidações.

-  Concluindo que o montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional, violação esta já reconhecida, pelo menos, por duas decisões do TJUE, e em várias decisões tomadas em processos de arbitragem tributária que correram os seus termos neste CAAD.

- Assim sendo, o art. 11º do CISV viola o disposto no art. 110º do TFUE, porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de outro Estado-Membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal.

- Refere, ainda, que está em tempo para deduzir este pedido, porquanto, em 21/01/2021, requereu a revisão das liquidações em apreço junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, não tendo até à data deste PPA, sido tomada decisão, pelo que, nos termos do art. 57º da LGT, haverá indeferimento tácito, que lhe permitirá, conforme jurisprudência que cita, socorrer-se da 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT e requerer a revisão do acto tributário no prazo de quatro anos das respectivas liquidações.

-Termina por pedir que esta impugnação seja julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial das liquidações de ISV em apreço, de forma a aplicar-se a redução prevista no art, 11º do CISV à componente ambiental, e que a Requerida seja condenada a restituir a quantia de 13.249,89 euros, cobrada em excesso, acrescida de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento até à respectiva restituição.  

 

F- A Requerida não apresentou Resposta 

 

G. - QUESTÕES A DECIDIR

Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:

       1 -Questão Principal - Saber se a liquidação do Imposto Sobre Veículos realizada, nos termos do art. 11º do respectivo Código, sem que seja tido em conta, no cálculo do imposto, qualquer dedução relativa à componente ambiental, padece, ou não, de ilegalidade determinante da sua anulação.

      2 - Juros indemnizatórios - Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do art. 4º da LGT, no caso de ser parcialmente anulada a liquidação e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga, e a partir de que momento.

       3 - Em qualquer caso, responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

H. - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).

 As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março

  O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

I. - MATÉRIA DE FACTO

 

I. 1 - FACTOS PROVADOS

 Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

- A Requerente importou, entre 09/01/2020 e 08/10/2020, com origem e primeira matrícula na Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Itália e Países Baixos, todos países da União Europeia, os veículos automóveis de passageiros, identificados no seguinte mapa:

 

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

 

 

 

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

– Deste mapa constam, relativamente a cada veículo, as datas das declarações aduaneiras, os números das liquidações de ISV e respectivas datas, os números de matrícula, as marcas, os valores pagos de ISV, as partes desses valores relativas à componente cilindrada antes e depois da redução resultante da aplicação das respectivas percentagens relativas ao número de anos de uso, os valores respeitantes à componente ambiental e os valores reclamados neste processo. 

 - A Requerente procedeu às declarações aduaneiras destes veículos, tendo a Requerida AT liquidado Imposto Sobre Veículos pelo valor total de 77.379,50 euros, imposto que foi pago pela Requerente.

 - Deste valor liquidado, 50.162,92 euros correspondem à componente cilindrada e 27.306,55 euros à componente ambiental.

 - Relativamente à componente cilindrada, aquele valor foi deduzido pelas quantias correspondentes às percentagens aplicadas ao seu montante, ou seja, 52.715,97 euros, por força da redução resultante do número de anos de uso dos veículos.

 – Essa redução não foi aplicada na liquidação à componente ambiental, representando o montante de 13.249,89 euros.

     - Em 01/07/2021, a Requerente entregou no CAAD o pedido de pronúncia arbitral

 

I.- 2 - FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

            Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

 

 J. - MATÉRIA DE DIREITO

Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

A orientação arrogada pela Requerente e a sua fundamentação está exposta, em síntese, ou com parcial transcrição, em E. do Relatório desta Decisão.

O presente pedido de pronúncia arbitral tem como fundamento a ilegalidade do art. 11º do Código do Imposto sobre Veículos, relevante na liquidação impugnada, por violar o disposto no art. 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

A questão em apreço consiste em saber se as liquidações de ISV relativas às viaturas identificadas nos autos padecem, ou não, de ilegalidade parcial, como pretende a Requerente, ou, ao invés, os actos de liquidação deste tributo deverão ser mantidos na sua íntegra, não enfermando de qualquer ilegalidade.

Sobre a matéria, sumariamente, entende a Requerente que o normativo em apreço, aplicável aos veículos portadores de matrículas comunitárias, de modo a contemplar no cálculo do imposto a desvalorização comercial média no mercado nacional das viaturas usadas, prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso, considerada apenas na componente cilindrada, deixando de lado a componente ambiental, o que se vai traduzir numa tributação superior à que é aplicada aos usados similares no mercado nacionais.

 Ora, a questão em apreço já foi apreciada em diversas decisões arbitrais proferidas pelo CAAD, nomeadamente as relativas aos processos nºs. 572/2018-T, 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T, 459/2019-T, 466/2019-T, 498/2019-T, 833/2019-T, 75/2020 e aos 297/2020-T e 588/2020-T, estas duas últimas que foram proferidas pelo signatário, enquanto juiz singular, e que seguiremos, nas quais foram tomadas  decisões anulatórias com fundamento na incompatibilidade do disposto no art. 11º do CISV com a disposição do art. 110º do TFUE, segundo a qual "nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares."

Ora, no presente caso concreto coloca-se questão análoga, conforme resulta do supra exposto, acompanhando nós a argumentação na formulação do juízo de desconformidade dos critérios adoptados com o disposto no art. 110º do TFUE, uma vez que o cálculo do imposto não leva inteiramente em linha de conta a depreciação do veículo, acabando por se verificar que a admissão de um veículo de outro Estado Membro esteja sujeita a uma carga tributária superior à que se se encontra incorporada e depreciada no valor dos veículos usados anteriormente matriculados no território nacional.

 

  Assim sendo, pode dizer-se que a lei portuguesa está a fazer incidir sobre este "produto" dos Estados-Membros uma imposição interna superior à que incide directa ou indirectamente, sobre os veículos usados nacionais, em clara violação do prescrito no art. 110º do TFUE.

Vejamos, então, quais as razões e fundamentos para se chegar a esta conclusão, aliás, vertidos nas decisões do CAAD que se deixaram identificadas e as quais estamos a acompanhar.

De acordo com o disposto no Código do ISV, estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, "os veículos automóveis ligeiros de passageiros, (art. 2º, nº 1, alínea a), sendo "sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos" (art. 3º, nº 1 ).

O artigo 5º do Código do ISV, diz que constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal", sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional".

No que diz respeito à exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6º, nº 1, alínea b, "o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares", sendo que" a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível" (nº 3).

Quanto à introdução no consumo, estabelece o artigo 17º, nº 1 do referido Código que "a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)", sendo que nos termos do nº 3, "para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros ficam sujeitos ao processamento da DAV".

De acordo com o disposto no artigo 20º, nº 1 do Código do ISV, "os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV" nos prazos aí previstos, sendo que, nos termos do seu nº 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar.

 As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de C02 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados, nos termos do disposto nos artigos 7º a 11º do Código do ISV.

Assim, no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de C02 g/km.

O cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11º, nºs 1 e 2 do Código do ISV dispõe que "o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com excepção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional".

Os nºs 3 e 4 do referido artigo 11º do Código do ISV referem que "sem prejuízo da liquidação provisória efectuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do nº 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula aí indicada, pode requerer ao director da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto, sob pena de se presumir" que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do nº 1 ".

Nos termos da decisão arbitral do processo nº 572/2018-T, que também  acompanhámos nas nossas decisões anteriores, em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados.

A legalidade foi questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, "porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter proteccionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos".

O Acórdão do TJCE (de 22/02/01) denominado "Gomes Valente", proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do número de anos de uso.

"Neste âmbito (conforme se extrai daquela decisão), embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros factores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela reflectisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objectivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional".

Conforme resulta daquela decisão do CAAD "esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90º, primeiro parágrafo) permitia a um EM aplicar aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional".

Acrescentando que "na sequência do designado Acórdão "Gomes Valente", a jurisprudência tem entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adapte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório".

O actual artigo 110º do TFUE opõe-se a que um EM aplique aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

"Quando um EM aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstracto com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório", como se extrai da decisão que temos vindo a seguir.

 

 Em 2006, no âmbito do sistema de tributação Húngaro, no Acórdão do T JUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia. Refere aquela decisão que "o sistema fiscal Húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental".

Contudo, o referido Acórdão veio declarar que "o artigo 90º, primeiro parágrafo, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida - em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e - em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos membros, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação.

Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto", com resulta da decisão do CAAD a que aderimos. "Adicionalmente (acrescenta esta decisão), considerou-se que os Estados Membros (EM) têm liberdade para seleccionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objectivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam molde a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das "importações" provenientes dos outros EM, ou de protecção em favor de produções nacionais concorrentes".

Assim, em termos gerais, é possível concluir que "no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos que possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados, semelhantes, já matriculados no território nacional".

 Mais acrescentando que "em 2009, interpretando o mesmo artigo 110º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios".

 No que a Portugal diz respeito, "nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional, sem desenvolver qualquer fundamentação, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem é considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16/06/2016, acima já referido".

 Com efeito, em matéria de direito internacional, o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que "as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático". A Decisão Arbitral nº 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017, refere, neste âmbito que "apesar de só os Estados-Membros terem competência em matéria de impostos directos, o Tribunal de Justiça (T J) tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia.

Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente a livre circulação de mercadorias (artigos 28º e seguintes do TFUE).

Ora, é precisamente através da protecção de cada uma destas liberdades, directamente aplicáveis, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades.

O direito português consagra uma cláusula de recepção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação.

Daqui decorre que “os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários podendo ser invocados perante os tribunais".

Enfatizando que "os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária”.

Esta superioridade decorre não só dos artigos 26º e 27º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP.

Apresenta-se, pois, como claro que, para que a Convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar.

Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas, sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa."

O artigo 110º do TFUE (na esteira do artigo 90º do Tratado de Roma), preceitua que "nenhum EM fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente sobre produtos nacionais similares".

Nos termos da decisão, cuja fundamentação temos vindo a perfilhar, acrescenta-se que "sobre a interpretação deste artigo face aos direitos nacionais já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão nos mercados nacionais de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados Membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da EU".

"Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a que cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo.

E tanto assim é que o Estado Português, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/201, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110° do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV, em concreto o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV (naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de: O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados Membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental.

Contudo, como refere a aludida decisão, não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro EM, com menos de um ano e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE nº C-200/15, de 16 de Junho de 2016, visando directamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º do Código do ISV (na redacção em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que "a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE".

E assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redacção do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.

Nesta conformidade, os actuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11º, nº 1 Tabela D, o previsto no artigo 110º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90º do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios".

A situação descrita levou a Comissão Europeia a dar início a um procedimento contra Portugal, "por este EM não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados "importados" de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional".

Assim, de acordo com o artigo 4º do TFUE, as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados- Membros" (nº 1), sendo que "os Estados Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos actos das instituições da União" (nº 4)

Nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do TFUE, "a Comissão promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito.

A Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adaptadas pelas instituições por força destes. Controla a aplicação do direito da União, sob fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia".

Por sua vez, de acordo com o artigo 258° do TFUE, "se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações.

Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia".

Assim sendo, “ se uma eventual  infracção à legislação europeia for identificada pela Comissão ou denunciada por queixa, esta última tenta resolver o problema que lhe está subjacente através do diálogo com o EM em causa, com o objectivo de encontrar uma solução rápida que esteja em conformidade com a legislação da UE e evitar assim o recurso a um processo formal por infracção.

No caso de o EM não concordar com a Comissão ou não tomar medidas para rectificar a eventual violação da legislação da UE, a Comissão pode abrir um processo formal por infracção, sendo que este processo compreende várias etapas.

Neste âmbito, a Comissão Europeia convida, através de notificação por carta, as autoridades nacionais do EM a pronunciarem-se sobre o problema de incumprimento identificado, no prazo máximo de dois meses, sendo que, em caso de ausência de resposta ou de resposta não satisfatória, a Comissão indicará as razões por que considera que o EM violou a legislação da EU e as autoridades nacionais dispõem de um prazo máximo de dois meses para dar cumprimento à legislação europeia".

Não obstante, em caso de ausência de resposta ou resposta não satisfatória, a Comissão pode pedir ao TJUE que abra um procedimento contencioso ao EM incumpridor, decidindo o TJUE, em média, no prazo de dois anos, sobre a existêncía, de uma infracção à legislação europeia".

 No âmbito dos presentes autos, e de acordo com a factualidade dada como provada, Portugal não tem em conta nenhuma redução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre veículos usados "importados" de outros EM, à revelia do disposto no artigo 110º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental.

Por seu turno o Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16/06/2016, como se extrai da mencionada decisão arbitral, refere que "este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam a uma imposição superior do produto importado", sendo que "um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional".

 Assim sendo, o Tribunal Arbitral não tem dúvidas em concluir que o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE, uma vez que calcula o imposto sobre veículos usados provenientes de outro Estado Membro da EU, sem tomar em linha de conta a sua depreciação, permitindo que o imposto calculado seja superior ao montante residual de veículos usados nacionais.

Aliás, recentemente, o TJUE, no Acórdão proferido em 02/09/2021, no Processo nº C-169/20, veio confirmar o aludido, ao decidir que Portugal ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro estado-membro, no âmbito do cálculo do ISV, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do art. 110º do TFUE

Termos em que se determina a anulação parcial dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre Veículos objecto do pedido, uma vez que padecem de ilegalidade na parte em que não consideraram aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental.

 

Quanto aos juros indemnizatórios:

Esta matéria está regulada no art. 24.º do RJAT, o qual expressamente determina no seu n.º 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a Administração Tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu n.º 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 Também o art. 100.º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

 Por seu lado, o art. 43.º, n.º 1, da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 Nesta conformidade, coloca-se a questão de saber se se pode considerar ter havido, ou não, um erro imputável aos serviços na situação vertente.

 Ora, conforme se referiu anteriormente, as liquidações em apreço são ilegais por erro na aplicação do direito aos factos, cometido pelos serviços da Requerida, de que resultou pagamento em excesso.

 Assim, dúvidas não há que está preenchido o requisito estabelecido no art. 43.º, n.º 1, da LGT, ou seja, a ilegalidade das liquidações resultou de um erro cometido pelos serviços tributários, condição para serem exigíveis juros indemnizatórios.

Tem, assim, a Requerente direito não só ao reembolso das quantias pagas em excesso, mas também a receber juros indemnizatórios sobre as mesmas, nos termos das disposições combinadas dos arts. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, 100.º e 43.º, n.º 1, ambos da LGT, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, desde as datas dos pagamentos até à efectiva restituição.

L.-DECISÃO

 

Atento o exposto, o Tribunal Arbitral decide:

Julgar procedente o pedido de anulação parcial das liquidações de ISV identificadas nos autos, no montante total de 13.249,89 euros, e, consequentemente, condenar a Requerida a restituir à Requerente esta quantia, com juros indemnizatórios, nos termos supra expostos e,

Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315°, nº 2) e 97º -A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem 

Tributária fixa-se ao processo o valor de 13.249,89 euros.

 

 

Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2022

 

O Árbitro

 

(José Nunes Barata)

 

(Redacção pela ortografia antiga)