Sumário:
I – Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.
II - Não tendo sido faturados serviços de nutrição de forma independente ou distinta, não há quaisquer serviços que devam beneficiar da isenção prevista no artigo 9.º, alínea 1) do CIVA.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professor Nuno Cunha Rodrigues (árbitro-presidente), Dr. Ricardo Sequeira e Professor Luís Menezes Leitão (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31-08-2021, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., LDA. pessoa coletiva número..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... ..., anteriormente designada por B..., Lda. (doravante "A...") apresentou, em 28/06/2021, um pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida AT).
2. A Requerente pede a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e das liquidações adicionais de IRC e de IVA relativas aos anos de 2014 a 2018.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 28-06-2021 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.
4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os Professor Nuno Cunha Rodrigues; Dr. Ricardo Sequeira e Dra. Maria Forte Vaz, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 12-08-2021 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 31-08-2021.
7. Por despacho do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, de 17-11-2021 proferido na sequência da renúncia às funções arbitrais da Dra. Maria Forte Vaz, veio a ser determinada a sua substituição pelo Professor Luís Menezes Leitão, que aceitou tais funções.
8. Por despacho arbitral de 16 de dezembro de 2021 foi marcada para o dia 13 de janeiro de 2022 a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual se procedeu aos depoimentos de parte e à inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente.
9. No dia da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT a Requerente e a Requerida foram notificadas para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias.
10. Foi designado o dia 30-04-2022 para a emissão da decisão arbitral.
11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
12 As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
13. O processo não enferma de nulidades.
II. DO PEDIDO DA REQUERENTE:
A Requerente solicita a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e das liquidações adicionais de IRC e de IVA relativas aos anos de 2014 a 2018 por considerar preencher todos os requisitos legais exigíveis previstos no artigo 9.º do Código do IVA para a isentar de IVA relativamente às prestações de serviços de nutrição.
A Requerente invoca ainda a falta de fundamentação do relatório final, que serviu de base para as correções em sede de IVA e IRC, e que terá sido fundamentado erradamente, de forma parcial e obscura.
III. DA RESPOSTA DA REQUERIDA AT:
Em resposta, a Requerida AT invocou, como excepção, a incompetência do Tribunal Arbitral e, relativamente ao mérito da ação, que os serviços de nutrição em apreço eram acessórios dos serviços de ginásio e, assim, com o mesmo enquadramento destes, em sede de IVA.
IV. MATÉRIA DE FACTO:
A. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Requerente A..., Lda. é uma sociedade comercial por quotas, sujeito passivo de IRC e IVA, com contabilidade organizada;
2. A Requerente tem como objeto social a exploração e gestão de instalações desportivas, de centro clínico e reabilitação, de serviços de cabeleireiro, estética, massagens, solário, de outros afins, visando a manutenção da saúde. Serviços de aconselhamento de nutrição e outras atividades de Saúde, bem como atividades de bem-estar físico e de manutenção física. Exploração de estabelecimentos de restauração do tipo tradicional, cafetaria, bar e bebidas e comercialização de artigos desportivos, de estética, perfumaria e causais, de suplementos alimentares e de produtos alimentares, naturais e diatéticos, entre outros.
3. A Requerente tem como CAE principal o CAE 933110-R3, correspondente a Gestão de instalações desportivas e o CAE secundário- 86906-R3, Outras atividades de saúde humana, neste CAE, nele se incluindo a nutrição e/ou diatética, entre outros CAEs.
4. A nutricionista Dra. C..., inscrita na Ordem dos Nutricionistas, portadora da cédula profissional com o n.º ... N, prestou serviços de nutrição e acompanhamento nutricional, junto da Requerente, enquanto trabalhadora desta e sócia-gerente;
5. Desempenharam funções na Requerente, como nutricionistas, enquanto prestadores de serviços, as seguintes pessoas:
a. Dra. D..., cédula profissional n.º...N;
b. Dr. E..., cédula profissional n.º ...N;
c. Dra. F..., cédula profissional n.º ...N;
d. Dra. G..., cédula profissional n.º ...N;
e. Dra. H..., cédula profissional n.º ...N;
f. Dra. I..., cédula profissional n.º ...
g. Dra. J..., com a cédula profissional n.º... .
6. A Dra. K..., com a cédula profissional n.º... NE prestou serviços à Requerente como nutricionista em regime de estágio profissional ou curricular;
7. A Dra. L..., que tinha vínculo de contrato de trabalho com a categoria profissional de rececionista, porquanto aguardava a equivalência da sua cédula profissional brasileira, prestou serviços na área do nutricionismo à Requerente.
8. No único estabelecimento do Health Club da Requerente, em ..., para além do espaço afeto ao exercício físico, existiam quatro gabinetes de nutrição, dois com 9 (nove) m2 cada - gabinetes 1 e 2, um outro gabinete com cerca de 50 (cinquenta) m2 - gabinete 3 e por fim um gabinete com cerca de 80 (oitenta) m2 - gabinete 4;
9. Os nutricionistas utilizavam os gabinetes para a avaliação do estado nutricional dos sócios/clientes os seguintes métodos, métodos antropométricos, bioquímicos, clínicos/físicos, dietéticos alimentares;
10. Os profissionais da nutrição da Requerente utilizavam como ferramentas auxiliares do seu diagnóstico, um conjunto de programas informáticos para a nutrição;
11. Os nutricionistas utilizavam materiais utensílios/aparelhos, que auxiliavam nas análises/avaliações nutricionais;
12. A Requerente encontrava-se inscrita na Entidade Reguladora de Saúde, desde o ano 2014;
13. No ano de 2017 a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária de carácter parcial, relativa aos impostos de IVA e IRC, procedimento que foi aberto com a Ordem de Serviço n.º OI2017.../.../2018.../.../...;
14. Foram objeto do procedimento de inspeção os anos de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, com vista ao controlo declarativo e valores relevantes em prestações de serviços associadas aos serviços de nutrição e aconselhamento nutricional;
15. Da referida inspeção tributária foi a Requerente notificada do relatório final de inspeção que confirmou o projeto de relatório;
16. Tendo o Direito de Audição apresentado sido indeferido na sua totalidade e emitido o Relatório Final, que confirmou as correções propostas pelo projeto de relatório, confirmadas no relatório final foram emitidas as seguintes notificações das liquidações adicionais:
2015
3T 2 018 ... 14 604,07€
juros 1 959,07 €
6T 2 018 ... 15 379,19 €
juros 1 748,57€
12T 2 018 ... 19 182, 55 €
juros 1 992,88 €
2016
3T 2018 ... 19 796,32 €
juros 1859,22 €
6T 2 018 ... 22 539,60 €
juros 1 888,56 €
9T 2 018 ... 17 077,02 €
juros 1261,35€
12T 2 018... 17 433,60 €
juros 1 111,92 €
2017
3T 2 018... 12 893,61 €
juros 696,60€
6T 2 018 ... 20 199,65 €
juros
881,03 €
9T 2 018 ... 24714,51 €
juros
836,90 €
12T 2 018... 13 508, 18 €
juros
319,75 €
2018 3T 2 018 ... 4 457,88 €
juros 88,39 €
Liquidações Adicionais de IRC:
Ano Número Valor
2014 20 18 ... 897,31 €
2015 20 18 ... 888,14 €
17. A Requerente deduziu reclamação graciosa que veio a ser considerada extemporânea;
18. A Requerente deu entrada de pedido de revisão oficiosa com o n.º de processo ...2019..., junto dos serviços de Finanças de ... que veio a ser indeferido;
19. A Requerente presta serviços de ginásio e serviços de nutrição, entre outros;
20. O total de gastos da Requerente com cada uma das componentes correspondeu, entre os anos de 2014 a 2017, aos seguintes valores:
21. Os dois serviços – de ginásio e de nutrição – são prestados no mesmo local numa relação de acessoriedade;
22. A atividade principal da Requerente é a de ginásio prestando, de forma complementar, serviços de nutrição;
23. O Plano de preços da Requerente denominado “Plano Health” é um plano de fidelização que permitia que os clientes usufruíssem do acesso ao ginásio e aos serviços de nutrição por um preço inferior ao preço que pagariam caso adquirissem os dois serviços em separado.
24. O plano de preços “Health” da Requerente propunha preços mais atractivos para os seus clientes, na contratação de serviços de ginásio com nutrição, do que sem estes últimos serviços (planos peak ou off peak, se incluído o plano Health);
25. A contratação dos serviços de ginásio e de nutrição em conjunto permitia que os clientes da Requerente pudessem contratar o serviço de ginásio com nutrição de forma mais económica do que a contratação do mesmo serviço de ginásio sem nutrição;
26. A Requerente podia prestar serviços de nutrição de forma independente da exploração e gestão do ginásio aos clientes que assim entendessem, de harmonia outros planos de preços fixados;
B. Factos não provados
Não ficou provado que a totalidade ou parte das liquidações adicionais de IVA e IRC sub judice referiam-se a serviços de nutrição prestados pela Requerente, de forma isolada ou independente face aos serviços de ginásio e efectivamente faturados a clientes.
Com efeito, e no que respeita à prestação de serviços de nutrição de forma isolada ou independente face aos serviços de ginásio, a Requerente limitou-se a apresentar um plano de preços impresso onde se identificava a possibilidade desses serviços serem prestados de forma independente.
Porém, não foi apresentada qualquer outra prova documental, em particular a eventual facturação dos serviços de nutrição prestados de forma individual ou independente, que permitisse evidenciar a prestação isolada ou independente de serviços de nutrição no contexto das liquidações adicionais sub judice.
Também não foi possível provar, por via testemunhal, que a Requerente tivesse efectivamente prestado serviços de nutrição de forma isolada ou independente face aos serviços de ginásio.
Todas as testemunhas ouvidas na reunião do artigo 18.º do RJAT reconheceram que tinham acedido a serviços de nutrição de forma conjugada com os serviços de ginásio, uma vez que estes dois eram oferecidos de forma conjunta.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.
C. Fundamentação da matéria de facto
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental e testemunhal apresentada.
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal e a convicção ficou formada com base nas peças processuais apresentadas pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Foram ainda considerados os depoimentos de parte e os depoimentos prestados pelas seguintes testemunhas arroladas pela Requerente:
i) C..., sócia-gerente, que corroborou, na essencialidade, os factos invocados pela Requerente, tendo-o feito de feito de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto dos factos, pelo que o depoimento mereceu credibilidade;
ii) M..., sócio-gerente que corroborou, na essencialidade, os factos invocados pela Requerente, tendo-o feito de feito de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto dos factos, pelo que o depoimento mereceu credibilidade;
iii) N..., trabalhadora da Requerente que corroborou, na essencialidade, os factos invocados pela Requerente. O testemunho não foi suficientemente consistente por forma a provar que a Requerente tivesse efectivamente facturado serviços de nutrição que tivessem sido prestados de forma isolada ou independente face aos serviços de ginásio;
iv) O..., testemunha que corroborou, na essencialidade, os factos invocados pela Requerente, tendo-o feito de feito de forma objetiva e isenta. Assinala-se, em particular, a circunstância de esta testemunha ter declarado que aderiu aos serviços da Requerente porque o médico lhe deu indicação de que devia ir para o ginásio e que, de forma consequente, teve de ir obrigatoriamente a consultas de nutrição (“Inicialmente tive de ter obrigatoriamente a consulta de nutrição (…) No meu caso específico, entrei para o ginásio por causa de problemas de saúde”.)
v) P..., que corroborou, na essencialidade, os factos invocados pela Requerente, tendo-o feito de feito de forma objetiva e isenta. Assinala-se, em particular, esta testemunha ter declarado que aderiu aos serviços da Requerente porque era uma pessoa obesa, que sofria de azia (“Eu inscrevi-me no ginásio, era uma pessoa obesa, pesava 103 kgs, sofria de azia há muitos anos, tomei omeprazol durante 15 anos”).
vi) Q..., que corroborou, na essencialidade, os factos invocados pela Requerente, tendo-o feito de feito de forma objetiva e isenta. Assinale-se, em particular, esta testemunha ter declarado que tinha aderido aos serviços da Requerente porque o médico lhe deu indicação de que devia ir para o ginásio, para ajudar a debelar uma depressão (“(…) o médico recomendou que havia de ir para um ginásio para participar no desporto.”);
V. DA EXCEPÇÃO DA INCOMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL
A Requerida AT invoca, como excepção, que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objecto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011 porquanto nos presentes autos, verifica-se que a Requerente não apresentou uma Reclamação Graciosa tempestiva.
Vejamos:
Por força da remissão do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.º 112- A/2011, designadamente quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
Dispõe-se no artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Porém, não se descortina, de entre as razões avançadas pela Requerida, uma razão substancial para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos atos de autoliquidação, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados. Aliás, mesmo uma interpretação estritamente literal, desde que devidamente contextualizada, não conduziria ao resultado propugnado pela Requerida.
Com efeito, a expressão empregue pela norma em questão é paralela à própria norma do artigo 131.º/1 do CPPT, o que deverá ser compreendido como uma concretização da pacificamente reconhecida intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.
A norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de março, deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação direta de actos de autoliquidação sem precedência de pronúncia administrativa prévia.
Ou seja, tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da Portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial.
Assim, razão alguma se vê para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que a letra da norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa”, mas a “via administrativa”.
Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com os artigos 131.º a 133.º do CPPT.
Aliás, é unânime a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo sobre a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa , como sucedeu nos presentes autos, em que se aprecia a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.
E é esta a leitura que se subscreve, na sequência do acórdão proferido nos processos 48/2012-T do CAAD e jurisprudência arbitral subsequente, designadamente, nos processos 670/2015; 122/2016 e 13472017, não se concebendo, na medida em que a interpretação efetuada se contém na letra da lei, que daí possa decorrer a violação de qualquer preceito constitucional, maxime, dos indicados artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 111.º e 266.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Assim, e face a todo o exposto, não assistindo razão à Requerida nesta matéria, julga-se improcedente a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral.
VI. DO DIREITO:
A questão decidenda nos presentes autos visa, essencialmente, determinar se se os serviços de nutrição prestados pela Requerente aos seus clientes no âmbito das liquidações adicionais de IVA e IRC sub judice eram, ou não, complementares aos serviços de ginásio.
Por outras palavras está em causa indagar se, no contexto das liquidações adicionais sub judice, a Requerente é uma entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e, como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva, presta serviços de acompanhamento nutricional através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito.
A concluir-se nos presentes autos desta forma – i.e. no específico contexto das liquidações adicionais de IVA e IRC sub judice - os serviços de nutrição prestados pela Requerente no caso sub judice não terão finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.
Caso se conclua de forma diversa, no sentido de os serviços de nutrição prestados pela Requerente no caso sub judice serem independentes dos serviços de ginásio, poderão ter finalidade terapêutica e, por isso, beneficiarem da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.
A matéria em apreço já foi profusamente tratada em diversos acórdãos do CAAD que, em grande medida, iremos seguir, tais como os proferidos nos processos 318/2021-T; 43/2021-T; 668/2021-T.
Neste contexto (a) será feita uma breve digressão pelo enquadramento tributário da isenção de IVA nos serviços de saúde; (b) proceder-se-á à distinção entre prestação principal e prestação acessória à luz da jusrisprudência do TJUE e, por fim, será analisada (ii) a prestação de serviços de nutrição realizada pela Requerente.
A) ENQUADRAMENTO TRIBUTÁRIO DA ISENÇÃO DE IVA NOS SERVIÇOS DE SAÚDE:
As isenções de IVA para os serviços de saúde em vigor em território nacional encontram-se previstas nas alíneas 1) e 2) do artigo 9.º do CIVA e resultam da transposição das alíneas b) e c) do artigo 132.º incluído no capítulo 2, designado "Isenções em benefício de certas atividades de interesse gerar da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006, que deu origem ao Sistema Comum sobre o Valor Acrescentado.
De acordo com as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da referida Diretiva, os Estados-Membros isentam deste imposto:
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas tal como definidas pelo Estado-Membro em causa;
As isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva Comunitária atrás identificada são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral de tributação do IVA, pelo que não visam isentar qualquer atividade de interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e detalhadamente descritas.
Para o caso presente, e sendo clara a não aplicação da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva, atentemos na norma prevista na alínea c) do n.º 1 do mesmo normativo.
Antes de mais referir que a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º é aplicável independentemente da forma jurídica - pessoa singular ou pessoa coletiva - do sujeito passivo que presta os serviços médicos ou paramédicos.
O acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) afirma, a respeito da disposição comunitária em análise, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados sem qualquer imposição quanto à forma jurídica do prestador, bastando estar-se perante serviços médicos e paramédicos que sejam prestados por pessoas que possuam qualificações para o efeito.
Por sua vez, a diversa jurisprudência emanada pelo TJUE vai no sentido de que os serviços de assistência a que se refere a isenção em análise tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, ou seja, terem finalidade terapêutica.
O mesmo é dizer que uma determinada prestação de serviço que não é conduzida com o objetivo de diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou quaisquer anomalias de saúde, ainda que na mesma intervenham um médico ou paramédico, não se pode considerar como uma prestação de serviços de assistência para efeitos da aplicação da isenção de IVA em análise.
Apresenta-se de seguida a redação da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA que resultou da transposição da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva:
Artigo 9.º
Estão isentas do imposto:
1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.
No que respeita às profissões paramédicas estão as mesmas reguladas na legislação nacional através do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24-07, compreendendo, nos termos do artigo 1.º deste diploma "...a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação...". Este diploma dispõe em anexo de uma lista das atividades que podem ser consideradas como profissões paramédicas, incluindo no seu ponto 5 a atividade de dietética, definindo-a como sendo a "...aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, querem situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares...".
Para o exercício destas atividades paramédicas são condições obrigatórias a titularidade de curso reconhecido nos termos legais e de carteira profissional (Cf. artigo 2.º do DL n.º 261/93 de 24-07). No caso da atividade de dietética é obrigatório o respetivo curso ministrado em estabelecimento do ensino público, particular ou cooperativo, devidamente reconhecido, e, bem assim, a inscrição na Ordem dos Nutricionistas.
Em face do que antecede, assumindo-se a entidade inspecionada como prestador de serviços de nutrição /aconselhamento nutricional, para o efeito, terá forçosamente de adquirir esses serviços a profissionais devidamente credenciados para o efeito (com curso reconhecido e inscritos na Ordem dos Nutricionistas) (cfr. n.º 4 do artigo 4.º do CIVA).
Por último deve referir-se que, de acordo com o previsto no Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22-08, referente à adaptação dos estatutos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) ao regime estabelecido na lei-quadro das entidades reguladoras, aprovada em anexo à Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, a inscrição/registo válido na ERS constitui condição obrigatória de abertura e funcionamento do estabelecimento prestador de cuidados de saúde.
Nesse processo, suscita-se a questão de saber qual o respetivo impacte no plano jurídico-tributário, em particular em sede de IVA.
Há duas premissas jurídicas que importa desde logo ter presente:
(i) legalmente estão isentas de imposto as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões paramédicas;
(ii) a nutrição/dietética é legalmente considerada como uma atividade/profissão paramédica.
Não se pense, porém, que basta a concatenação das referidas duas premissas para que a isenção de IVA seja algo de automático/imediato: há diversas condições que se devem verificar. Importa, então, saber o que deve fazer o prestador dos serviços (PS) na passagem de ginásio para health club, isto é, no início e no desenvolvimento de um processo em que, a acrescer aos serviços de atividade física e desportiva, passa a prestar cuidados de saúde de forma global, associando a típica atividade de um ginásio a serviços complementares, como os de nutrição.
Vejamos, pois, os passos cronológicos a dar:
1. Alteração do objeto social. Importa que o SP altere os seus estatutos/pacto social de modo a incluir, em toda a extensão, as valências que passa a poder disponibilizar.
2. Alteração do CAE (Classificação Portuguesa de Atividades Económicas). Deve o PS informar AT da realização de uma outra (nova) atividade económica, passando a ter um CAE secundário. Alterando-se quaisquer elementos constantes da declaração de início de atividade, deve o sujeito passivo entregar a respetiva declaração de alterações, no prazo de 15 dias a contar da data de alteração.
3. Registo obrigatório na Entidade Reguladora de Saúde. Sem esse registo válido, no espaço em causa não pode haver prestação de serviços de nutrição.
4. Contratação de nutricionistas certificados. A prestação de serviços de nutrição encontra-se reservada a pessoas tituladas por curso oficial ou seu equivalente legal. Quer isto significar que o exercício válido da profissão de nutricionista depende da prévia inscrição, como membro efetivo, na Ordem dos Nutricionistas. Sem essa habilitação, a faturação da entidade aos clientes não pode beneficiar da isenção de IVA.
5. Faturação adequada. No essencial, poder-se-á faturar da seguinte forma:
a) Só faturar serviços de nutrição efetivamente prestados/realmente utilizados, ou seja, se for disponibilizada ao utente, num pacote, a possibilidade de recorrer, no espaço em causa, aos serviços de nutrição, sem que o utente chegue a beneficiar dessa possibilidade, cabe apenas faturar os serviços de atividade física e desportiva - não procede o argumento de que se debita sempre o serviço de nutrição mesmo se os clientes a ele não recorrerem, situação que tomaria superior o número de serviços faturados aos clientes do que os pagos aos nutricionistas;
b) Se o serviço prestado for unicamente de nutrição (independente da prática de atividade física/desportiva), a fatura emitida deve mencionar a isenção de IVA (IVA 0%), que é aplicável quer quando é o nutricionista a faturar diretamente ao cliente quer quando é o PS a refaturar ao seu cliente o serviço de nutrição que lhe foi faturado pelo nutricionista;
c) Se for cobrado ao utente um valor único e fixo (semanal /quinzenal /mensal /trimestral /semestral /anual), englobando, simultaneamente, a prática da atividade física/desportiva e os serviços de nutrição) não há lugar a isenção de IVA, uma vez que não estamos perante dois serviços distintos e autónomos entre si, mas sim face a um sujeito passivo misto que presta um serviço principal (atividade física e desportiva) e um acessório (nutrição). Uma decomposição artificial dessas prestações de serviços no plano económico conduziria a uma alteração da funcionalidade do IVA (distorcendo a concorrência), pelo que não basta desagregar as prestações principais das acessórias para garantir a isenção de IVA na parcela da componente acessória - in casu a nutrição -, devendo o PS faturar os serviços discriminadamente (a lei assim o impõe) mas liquidar o IVA à taxa legal;
B. DA PRESTAÇÃO PRINCIPAL E DAS PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS:
Questão central que se coloca nos presentes autos diz respeito a saber se os serviços de nutrição prestados pela Requerente, no âmbito das liquidações adicionais sub judice, eram realizados a título principal ou, de forma diversa, eram acessórios ou complementares dos serviços de ginásio prestados.
Em ordem a responder a esta questão cumpra fazer uma outra digressão teórica sobre a distinção operada pelo TJUE em torno da prestação principal e da prestação acessória a propósito da interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006.
Decorre do espírito da redação do artigo 2.º, n.º 1, c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do IVA.
Na esteira deste entendimento vem a jurisprudência comunitária confirmar que uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado.
Assim, quando existem prestações de serviços que visam melhorar as finalidades prosseguidas pelos ginásios, tornam-se suscetíveis de constituir operações 'puramente acessórias' ou 'estreitamente conexas'.
Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acórdãos:
a) Acórdão de 22 de outubro de 1998 'T.P.Madgett, R.M. Baldwin e The Howden Court Hotel', Processos apensos C-308/96 e C-94/97, onde o Tribunal considerou que poderia haver prestações que, embora relacionadas com a prestação principal, 'não constituem [...] um fim em si, mais um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal.', concluindo nesse contexto que se trata de 'prestações [...] puramente acessórias relativamente às prestações [efetuadas a título principal]'.
b) Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, 'Card Protection Plan Ltd', Processo C-349/96, através do qual o TJCE firmou o entendimento de que 'uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador'.
c) Acórdão de 27 de setembro de 2012, 'Field Fisher Waterhouse LLP', processo C-392/11, o Tribunal de Justiça declarou que se está em presença de uma prestação única quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias, a que se aplica o tratamento fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador. Neste sentido, vide os seguintes acórdãos: a) CPP - Processo n.º C 349/96, Colet., p. I 973, n.º 30, de 25 de fevereiro de 1999; b) Part Service, C-425/06, Colet., p. I 897, n.º 52 de 21 de fevereiro de 2008; c) Bog e outros, Processos n.os C 497/09, C 499/09, C 501/09 e C 502/09, Colet., p. I 1457, n.º 54, de 10 de março de 2011).
d) Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, 'BGZ Leasing Sp.z o.o', Processo C-224/11, onde se refere que está «em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial» e que 'a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA'. Continua, ainda, referindo que 'para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa', designadamente 'uma determinada conexão entre si'.
Ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no n.º 30 deste último acórdão (processo C-224/11), 'uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal, nomeadamente, quando não constitua para a clientela um fim em si, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador'.
Este acórdão é particularmente relevante, na medida em que reforça a ideia de que, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.
Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados.
Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18.º do CIVA.
C. DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO REALIZADA PELA REQUERENTE:
Tendo presente o enquadramento teórico anteriormente exposto e subsumindo-o à factualidade dada como provada, é possível concluir que a Requerente:
a) Tinha previsto, no objecto social, entre outros, a prestação de serviços de nutrição (“Serviços de aconselhamento de nutrição e outras atividades de Saúde, bem como atividades de bem-estar físico e de manutenção física”).
b) A Requerente tinha, como CAE principal, o CAE 933110-R3, correspondente a Gestão de instalações desportivas e o CAE secundário- 86906-R3, Outras atividades de saúde humana, neste CAE, nele se incluindo a nutrição e/ou diatética, entre outros CAEs.
c) A Requerente encontrava-se registada junto da Entidade Reguladora de Saúde.
d) A Requerente dispunha de nutricionistas certificados, devidamente inscritos na Ordem dos Nutricionistas.
Como tal estão verificadas as quatro primeiras condições, acima enumeradas, que legitimam a eventual isenção de IVA.
Falta, porém, verificar no caso sub judice, a quinta condição, i.e., saber em que termos a Requerente faturava os serviços de nutrição.
Vejamos.
Foi dado como não provado que a Requerente tivesse efectivamente prestado serviços de nutrição de forma isolada ou independente face aos serviços de ginásio no contexto das liquidações adicionais sub judice.
Aqui chegados cumpre recordar o afirmado no acórdão do TJUE de 04-03-2021, proferido no processo n.º C-581/19,
37. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, quando uma operação económica é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para determinar se dela resulta uma ou mais prestações (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C-349/96, EU:C:1999:93, n.º 28 e jurisprudência referida), especificando-se que, regra geral, cada prestação deve ser considerada uma prestação distinta e independente, como decorre do artigo 1.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C-231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida].
38. Todavia, a título de exceção a esta regra geral, em primeiro lugar, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. É por isso que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C-231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida]
Ora, no caso em apreço foi dado como provado que o plano de preços “Health” da Requerente propunha preços mais atractivos para os seus clientes, na contratação de serviços de ginásio com nutrição, do que sem estes serviços (planos peak ou off peak, se incluído o plano Health);
A esta luz, é meridianamente compreensível que qualquer cliente da Requerente que pretendesse usufruir dos serviços de ginásio iria optar, em qualquer cenário, por subscrever os planos Health que incluíam, recorde-se, a prestação de serviços de nutrição.
Ainda que se considerasse a possibilidade de os clientes pretenderem aceder, apenas e só, a serviços de nutrição de forma independente e distinta, recorde-se que a Requerente não fez prova – documental ou testemunhal - de ter efectivamente faturado serviços de nutrição de forma independente e distinta, tendo todas as testemunhas ouvidas declarado que se tinham inscrito no ginásio e, de forma acessória ou complementar, beneficiado de serviços de nutrição.
Aqui, sempre se poderia alegar, em benefício da Requerente, que alguns clientes procuraram os seus serviços conjuntos ou complementares de ginásio e nutrição, para, entre outras finalidades, reduzir a obesidade, conforme foi declarado por uma testemunha, o que podia revelar a finalidade terapêutica desses serviços.
Deve, porém, ser recordado o entendimento do TJUE a este propósito, afirmado no acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, processo C‑581/19:
“30. (…) é pacífico que um serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade.
Todavia, cumpre notar que o mesmo se aplica à própria prática desportiva, cujo papel é reconhecido, a título de exemplo, para limitar a ocorrência de doenças cardiovasculares. Tal serviço apresenta, portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica.”
Por outras palavras, a circunstância de um cliente da Requerente procurar os serviços de ginásio e de nutrição para prevenir e tratar doenças como a obesidade não pode ser visto como tendo uma finalidade terapêutica mas antes uma finalidade sanitária, como decorre da jurisprudência do TJUE, quando prestados no âmbito de uma instituição desportiva.
Mais.
Para o mesmo TJUE, “(…) na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, com uma finalidade terapêutica (…) o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, um serviço de acompanhamento nutricional, como o prestado no processo principal, não preenche o critério da atividade de interesse geral comum a todas as isenções previstas no artigo 132.° da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, não é abrangido pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, de modo que está, em princípio, sujeito a IVA.”
No caso em apreço, todas as testemunhas clientes do ginásio ouvidas afirmaram, em audiência, terem-se deslocado inicialmente às instalações da Requerente para se inscreverem “no ginásio”.
Neste âmbito, uma testemunha declarou ter ido “obrigatoriamente” a uma consulta de nutrição; outra ter sido recomendado que fosse ao ginásio para “participar no desporto” e, num outro caso, para tratar problemas de obesidade (que, como vimos anteriormente, à luz da jurisprudência do TJUE, e no contexto da prestação conjunta ou complementar de serviços de ginásio e de nutrição, deve entender-se como tendo uma finalidade sanitária e não terapêutica).
Na verdade, os serviços de nutrição da Requerente, enquanto serviços médicos ou paramédicos, eram prestados aos seus clientes como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não. Tal demonstra, à luz da jurisprudência do TJUE descrita na alínea B) supra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.
Toda a prova produzida nos presentes autos evidencia, por isso e de forma clara, que, nos serviços prestados pela Requerente, existia uma relação acessória entre a prestação de serviços de ginásio e de serviços de nutrição.
De forma oposta, não foi feita prova de terem sido faturadas consultas de serviços de nutrição de forma independente ou distinta ou sequer que estas eventualmente tenham sido feitas de forma residual.
Identifica-se, portanto, uma relação acessória entre os serviços prestados, pela Requerente, a título principal, de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e, de forma complementar, de serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, pela Requerente.
Como tal, não pode deixar aqui de se seguir a decisão de uniformização de jurisprudência fixada no acórdão do STA de 20 de Outubro de 2021, Processo n.º 77/20.2BALSB - Pleno da 2.ª Secção, onde se concluiu da seguinte forma: “Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.»
Consequentemente, e não tendo sido faturados serviços de nutrição de forma independente ou distinta, não há, no contexto das liquidações adicionais sub judice, quaisquer serviços que devessem beneficiar da isenção prevista no artigo 9.º, alínea 1) do CIVA.
A Requerente invocou ainda a falta de fundamentação do relatório final, que serviu de base para as correções em sede de IVA e IRC, e que terá sido fundamentado erradamente, de forma parcial e obscura.
A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».
Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
Assim, para a fundamentação ser considerada suficiente basta que sejam perceptíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu.
No caso sub judice a fundamentação da AT é clara e perfeitamente perceptível, conforme foi analisado anteriormente.
A esta luz, improcede necessariamente o pedido de pronúncia arbitral, ficando prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas.
VII. DECISÃO:
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:
A) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
VIII. VALOR DO PROCESSO:
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 300.788,77 (trezentos mil setecentos e oitenta e oito euros e setenta e sete cêntimos).
IX. CUSTAS:
Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508 (cinco mil quinhentos e oito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 22 de fevereiro de 2022
Os Árbitros
(Nuno Cunha Rodrigues)
(Ricardo Sequeira)
(Luís Menezes Leitão)