Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 272/2014-T
Data da decisão: 2014-11-28  ISP  
Valor do pedido: € 1.626,89
Tema: ISP – Gasóleo Colorido e Marcado; valor do pedido; competência material do Tribunal Arbitral; caducidade do direito de ação
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 272/2014 – T

Tema: ISP – Imposto sobre os Produtos Petrolíferos

 

I - RELATÓRIO

 

A - PARTES

“A”…, LDA, Pessoa Colectiva nº …, com sede na Rua …, Loja 1…, … …-.., doravante designado por “Requerente”, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e dos artigos 10º e seguintes do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (que sucedeu, entre outras, à Direcção-Geral dos Impostos) a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.

 

B - PEDIDO

1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 20 de Março de 2014 e notificado à AT em 26 de Março de 2014.

2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 13-05-2014, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceite nos termos legalmente previstos.

3 - As Partes foram, em 13-05-2014, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do nº 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 28/05/2014.

5 - No dia 21 de Novembro de 2014 realizou-se, com as Partes, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada acta, que se encontra junto aos autos, tendo a AT explicitado o sentido e fundamento das excepções de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria e de caducidade do direito de acção, por si suscitadas em sede de Resposta, no sentido de reafirmar a sua procedência, excepções que o representante da Requerente considera não se verificarem, entendendo, consequentemente, que as mesmas são improcedentes.

6 - A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:

 - Declare a revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, atinente à liquidação de ISP n.º 9…-…, proferida pela Director da Alfândega de Leixões, no âmbito do processo ANF …/2012.

 

C - CAUSA DE PEDIR

7 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

8 - Que foi notificada, na pessoa do seu mandatário, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa respeitante à liquidação de ISP n.º 9…- …, proferida pela Alfândega de Leixões, no âmbito da ANF …/2012.

9 - Que, na notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa atrás mencionada, apenas consta que ”os fundamentos da decisão de indeferimento são os constantes do ofício n.º …, de 2013-05-20, os quais, face à não apresentação de resposta em sede de audição prévia, foram convertidos em definitivos”.

10 - Que, face ao teor da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, resulta claro que os seus fundamentos estão circunscritos à não apresentação de resposta em sede de audição prévia.

11 - Que, apesar da Requerente ter mandatário constituído, o mesmo nunca foi notificado do atrás referido do ofício n.º …, de 2013-05-20, não podendo, consequentemente responder em sede de audição prévia.

12 - Que, sendo expressamente referido que ”os fundamentos da decisão de indeferimento são os constantes do ofício n.º …, de 2013-05-20, (recepcionado em 2013-05-31), os quais, face à não apresentação de resposta em sede de audição prévia, foram convertidos em definitivos”, e, porque não houve notificação ao mandatário, o que, face ao disposto no art.º 40.º, n.º 1 do CPPT, deveria ter acontecido, deverá tal decisão ser revogada. (sublinhado nosso)

13 - Que a AT só agora (10-12-2013) notificou o mandatário da Requerente, mas apenas da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e não do ofício n.º …, de 20-05-2013, para que pudesse ter sido apresentada resposta em sede de audição prévia, tendente a modificar os fundamentos e a intenção do aludido indeferimento.

14 - Que, tendo em conta os depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como o depoimento do legal representante da Requerente, a AT não poderia ter indeferido a reclamação graciosa, não constando nos fundamentos dessa decisão qualquer alusão à prova testemunhal produzida.

15 - Que, da conjugação de toda a prova produzida resulta que a Requerente utilizou o Gasóleo Colorido e Marcado (GCM) no seu gerador destinado a produzir energia, não lhe tendo sido dado qualquer desvio do fim, apenas acontecendo que tendo o mencionado gerador sofrido uma avaria no seu contador durante um período de dois meses, as horas marcadas no início desse período coincidiam com as horas marcadas no fim.

16 - Que, a AT procedeu à liquidação do ISP em causa, na base de meras presunções de que ocorreu um desvio do fim do GCM, sem que para tanto tivesse qualquer suporte legal, pelo que a reclamação graciosa deveria ter, integralmente, procedido.

17 - Que, face ao referido, deverá ser revogada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa associada à liquidação de ISP n.º 9…-… proferida pela Alfândega de Leixões, no âmbito do processo ANF …/2012.

 

D - RESPOSTA DA REQUERIDA

18 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou a sua Resposta e procedeu à junção da cópia do Processo Administrativo Tributário em 26-06-2014.

19 - Na referida Resposta, a AT, para além de suscitar, como questão prévia, o valor da causa relativo ao pedido de pronúncia arbitral, suscita, por outro lado, a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral e da caducidade do direito para deduzir o pedido de pronúncia arbitral, além de defender que o acto de liquidação de ISP impugnado não enferma de quaisquer ilegalidades, o que, em síntese e no essencial, se consubstancia no seguinte:

SOBRE O VALOR DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

20 - A este propósito, considera que o valor do pedido de pronúncia arbitral, subjacente ao presente processo, deve “[…] ficar limitado às situações de desvio de fim (que originaram tributação à taxa normal aplicável ao CGM), que, de acordo com o quadro constante do relatório final da ANF, a fls. 24 do processo administrativo, originaram imposto no valor de € 1.466,09 e juros compensatórios a favor do Estado no valor de € 100,86, num total de € 1.566,95”. (Cfr. n.º 4 da Resposta)

 

SOBRE AS EXCEPÇÕES

Quanto À Incompetência Do Tribunal Arbitral Em Razão Da Matéria

21 - A Requerida entende que os tribunais arbitrais, face ao disposto no n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, são competentes para apreciar as seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, bem como b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

22 - Acrescenta que o pedido, nos termos em que está formulado pela Requerente, não se enquadra no atrás mencionado n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, dado que o que se pretende nesse pedido é, em primeira linha, a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com fundamento em vícios da notificação da referida decisão.

23 - Considera, ainda, que os invocados vícios da notificação e a alegada impossibilidade de participação na formação da decisão, resultante de uma errada notificação para o exercício do direito de audição prévia, não respeitam à legalidade do acto de liquidação, consubstanciando matéria que fica excluída da competência material dos tribunais arbitrais.

24 - A Requerida, por fim, entende que, no concernente às questões relacionadas com os vícios da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, verifica-se a excepção de incompetência absoluta do tribunal arbitral, face ao disposto na alínea a), do art.º 96.º do CPC, devendo, consequentemente, nos termos do n.º 1 do art.º 99.º do CPC, ser absolvida da instância.

 

Quanto À Caducidade Do Direito De Acção

 

25 - A este propósito, a AT considera que a liquidação cuja anulação se pretende, a qual foi objecto de indeferimento por despacho de 18-06-2013, do Director da Alfândega de Leixões, do qual se notificou, em 10-12-2013, o mandatário constituído pelo sujeito passivo, por via postal com aviso de recepção.

26 - Considera, também, a Requerida que, face ao disposto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, em conjugação com o n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, o prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral era de 90 dias, contados a partir da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

27 - Acrescenta que o referido prazo de 90 dias, previsto no art.º 10.º n.º 1, alínea a) do RJAT, está sujeito às regras de contagem constantes das normas de direito subsidiário, no caso, do CPPT, sendo isso que resulta do disposto no art.º 3.º-A do RJAT, na redacção introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

28 - Entende, por fim, que, face ao disposto no art.º 20.º, n.º 1 do CPPT, aplicável por foça do disposto no art.º 29.º do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral é disciplinado pelas regras de contagem dos prazos previstas no art.º 279.º do CC, o que significa que o referido prazo, face à data da notificação do indeferimento da reclamação graciosa, terminou em 10-03-2014.

 

POR IMPUGNAÇÃO

29 - Entende também a AT que, mesmo que as referidas excepções não sejam procedentes, o pedido de pronúncia arbitral em questão deve ser julgado totalmente improcedente, defendendo, em suma:

30 - Que o equipamento elegível para efeitos do GCM era o gerador de emergência, utilizado para suprir os vários cortes de energia na rede pública, nomeadamente os que se relacionam com a iluminação e funcionamento de máquinas, arcas congeladoras, frigoríficos e outros equipamentos eléctricos do restaurante explorado pela Requerente.

31 - Que o contador de horas do gerador de emergência indicava em 19-07-2012 exactamente a mesma leitura de horas que indicava em 18-09-2012, não se verificando, assim, qualquer alteração de consumo durante o espaço de dois meses.

32 - Que o gerador de emergência em causa não poderia ter consumido a totalidade das quantidades de GCM adquiridas pela Requerente e, como tal, registadas com os cartões de microcircuito de que a mesma é titular.

33 - Que, no decurso de uma ANF (Acção de Natureza Fiscalizadora) apurou-se a utilização de GCM numa caldeira destinada ao aquecimento de águas e do ambiente do restaurante explorado pela Requerente, equipamento esse que não é elegível para efeitos de utilização de GCM.

34 - Que, após o exercício do direito de audição prévia, no quadro do procedimento da referida ANF, foram corrigidos os valores em dívida inicialmente apurados, passando os mesmos a situar-se em 50% da quantidade inicialmente constatada.

35 - Que, nessas circunstâncias, procedeu-se à liquidação, sob o n.º de registo de liquidação (B) n.º 9…-…, de 12-12-2012, das quantidades de GCM em desvio do fim no valor de € 1.523,58, referente a ISP, acrescido de € 101,51, relativo a juros compensatórios e de € 1,80 respeitante a imposto de selo, perfazendo uma dívida total de € 1.626,89.

36 - Que a Requerente foi notificada da referida liquidação, para pagamento do montante apurado de € 1.626,89, o qual não foi efectuado no prazo de pagamento voluntário, tendo, nesse quadro, sido emitida certidão de dívida para cobrança coerciva.

37 - Que a Requerente, em 11-04-2013, apresentou reclamação graciosa contra a aludida liquidação, tendo, em 20-05-2013, sido notificada do projeco de indeferimento da referida reclamação, tendo em vista o exercício do direito de audição prévia.

38 - Que, não tendo sido exercido o direito de audição prévia, a referida reclamação graciosa foi objecto de decisão de indeferimento, por despacho de 18-06-2013, do Director da Alfândega de Leixões, decisão que inicialmente, em 02-07-2013, foi notificada à Requerente, tendo, posteriormente, em 10-12-2013, sido notificada ao mandatário da Requerente.

39 - Que o GCM é um produto que beneficia de tributação, em Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), a uma taxa reduzida, verificados que sejam os pressupostos e condições legalmente exigidas, só podendo ser adquirido por titulares de cartão de microcircuito.

40 - Que o fim ou afectação do GCM constituem o pressuposto da sua tributação reduzida em ISP, pelo que sempre que tal produto seja adquirido pelos titulares de cartão de microcircuito, mas não seja utilizado nos equipamentos elegíveis para o efeito, há, legalmente, lugar à reposição da tributação-regra, o que corresponde à tributação desse produto à taxa normal aplicável ao gasóleo rodoviário.

41 - Que a Requerente não logrou, como lhe competia, provar que as quantidades de GCM, por si adquiridas, foram efectivamente utilizadas no gerador de emergência, pelo que a liquidação em causa foi efectuada pela AT, não na base de qualquer presunção, mas, em cumprimento da lei, pela aplicação da taxa normal às quantidades de gasóleo consumidas em desvio do fim, ou seja, consumidas na caldeira de aquecimento de águas e não no referido gerador de emergência.

 

E - QUESTÕES DECIDENDAS

42 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.

43 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, é necessário apreciar e decidir sobre:

a) A excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral;

b) A excepção de caducidade do direito de acção;

c) A legalidade da liquidação do ISP, fundada no desvio do fim do GCM.

 

F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

44 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

45 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

46 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.

47 - Tendo em conta o processo administrativo tributário, cuja cópia foi remetida pela AT, e a prova documental junto aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa nos seguintes termos.

 

G - DO VALOR DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL E DAS DEDUZIDAS EXCEPÇÕES

Do Valor Do Pedido De Pronúncia Arbitral

48 - Resulta dos diversos documentos integrantes dos autos, nomeadamente dos que respeitam à apreciação pela Alfândega de Leixões da reclamação graciosa, que o desvio do fim de 5.100 litros de GCM gerou uma dívida de € 1.523,58, a título de ISP, acrescida de € 101,51 de juros compensatórios e de € 1,80 respeitante a imposto de selo, que totalizam o montante de € 1.626,89, cuja liquidação foi, em 27-12-2012, notificada à Requerente, e que constituem o objecto da reclamação graciosa, como expressamente se afirma nos referidos documentos, quando aí de refere que “A reclamação graciosa em análise em que é reclamante a firma “A” -, Lda, tem por objecto a liquidação de imposto efectuada por esta Alfândega, relativa à dívida de ISP no montante total de € 1.626,89 (R.L. n.º 9…-…, de 2012.12.12)”.

49 - O valor económico do presente processo/valor da causa é, pois, tido como correspondendo à quantia de € 1.626,89, relativa à dívida de ISP notificada à Requerente, e não ao valor de € 1.566,95, como é entendimento da AT, o que, diga-se, entretanto, não tem, no caso, relevância jurídica, ou de qualquer outra natureza.

Das Deduzidas Excepções

50 - Tendo em conta, quer o disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), quer o estabelecido no n.º 1 do art.º 608.º do CPC, aqui aplicáveis por força do artigo 29.º, nº 1, alíneas c) e e) do RJAT, respectivamente, deverão, as referidas excepções de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria e de caducidade do direito para deduzir o pedido de pronúncia arbitral, ser conhecidas em primeiro lugar, uma vez que, face ao disposto nas aludidas normas, o seu conhecimento precede o de quaisquer outras matérias.

 

Da Excepção De Incompetência Do Tribunal Arbitral Em Razão Da Matéria

51 - A Requerida, como já atrás se referiu, fundamenta a mencionada excepção na circunstância do pedido de pronúncia arbitral visar a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com fundamento em vícios da notificação da referida decisão, o que não se enquadra no n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, salientando que,

52 - Os tribunais arbitrais, face ao disposto no n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, são competentes para apreciar as seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, bem como b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais, não se enquadrando o pedido da Requerente, nos termos em que está formulado, na previsão da mencionada norma.

Vejamos se tem razão.

53 - No âmbito de uma Acção de Natureza Fiscalizadora levada a cabo pela Alfândega de Leixões, junto da Requerente, foi elaborado o correspondente relatório, cujo projecto de conclusões, no quadro da audição prévia, foi objecto de notificação à Requerente.

54 - Inscrito no exercício do direito de audição prévia foram, tal como consta nos autos, tidos em conta a resposta e o entendimento da Requerente relativamente aos consumos irregulares de GCM, tendo, nessa medida, sido recalculado o montante da dívida fiscal inicialmente projectado.

55 - Nessas circunstâncias, foi considerado o desvio do fim de 5.100,00 litros de GCM, na medida em que tendo sido adquirido para utilização num gerador foi, de facto e a final, utilizado numa caldeira destinada ao aquecimento das águas e do ambiente no restaurante explorado pela Requerente.

56 - Nessa conformidade, foi, nos termos do disposto no.º 5 do art.º 93.º do CIEC, publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, liquidado o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), baseado na diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado.

57 - A Requerente, foi, neste contexto, notificada para proceder ao pagamento do imposto, de cuja liquidação resultou o montante de € 1.626,89, sendo que € 1.523,58 respeitavam a ISP e € 101,51 a juros de compensatório, liquidação esta, que veio a ser objecto de Reclamação Graciosa visando a sua anulação.

58 - A mencionada Reclamação Graciosa, entrada na Alfândega de Leixões em 11-04-2013, visou a anulação da aludida liquidação de ISP, com o fundamento de que a mesma fora efectuada na base da presunção de que foi concretizado um desvio do fim do GCM.

59 - A Reclamação Graciosa, depois de substancialmente analisada, na Alfândega de Leixões, ou seja, após se ter procedido à reapreciação da legalidade do acto de liquidação visado, culminou num projecto de decisão, sustentando o seu indeferimento e a consequente manutenção da liquidação de ISP, tal como foi recalculada, com os fundamentos que já haviam sido enunciados na audição prévia, projecto que foi levado ao conhecimento da Requerente, concedendo-se à mesma um prazo de 15 dias para informar o que entendesse conveniente sobre o assunto.

60 - Decorrido o referido prazo de 15 dias, concedido para efeitos do exercício de audição prévia, sem que tivesse havido qualquer resposta, a Reclamação Graciosa foi indeferida com base nos fundamentos enunciados no atrás mencionado projecto de decisão.

61 - O despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, proferido, em 18-06-2013, pelo Director da Alfândega de Leixões, foi não só notificado à Requerente, mas também ao seu mandatário, que, em 10-12-2013, dele tomou conhecimento, por via de carta registada com aviso de recepção, tal como resulta do processo.

62 - Sendo este o quadro factual constante dos autos, importará agora ter em conta as normas legais pertinentes à competência dos tribunais arbitrais.

63 - Resulta, clara e explicitamente, do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT (Decreto - Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro), que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar as pretensões que visem “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.”

64 - Por outro lado, embora a referida disposição legal apenas se refira, com expressa precisão, à […] declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos […], não se pode deixar de ter em conta o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do referido RJAT, na medida das referências aí estatuídas aos factos previstos no artigo 102.º do CPPT, relativamente aos actos susceptíveis de impugnação autónoma, particularmente aos referidos nos seus n.ºs 1 e 2.

65 - O indeferimento de reclamação graciosa corporiza, no quadro da impugnação judicial, o caso previsto no n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, colocando-se a questão de saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias, apreciarem os actos de indeferimento de reclamações graciosas.

66 - Estando a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam junto do CAAD, circunscrita e limitada, como já atrás se referiu, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, a apreciação dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, por parte dos referidos tribunais, há de estar condicionada ao efectivo conhecimento que tais actos tiveram da legalidade dos actos de liquidação com que estão relacionados.

67 - A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do acto de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado.

68 - O indeferimento da reclamação graciosa, é um acto lesivo susceptível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do acto primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.

69 - A este propósito, cabe notar o que nos diz Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, integrado no Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Março, 2013, p. 121, quando refere que “Embora na alínea a) do artigo 2.º do RJAT apenas se faça referência à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade dos actos de liquidação […] essa competência estende-se também aos actos de segundo e terceiros graus (reclamação graciosa e recurso hierárquico, respectivamente) que apreciem a legalidade desses actos primários (actos de liquidação de tributos)”.

70 - Deve ainda referir-se o entendimento do mencionado autor, ibidem, p. 123, quando considera que “Limitando-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, no que concerne a actos de liquidação […] à declaração da sua ilegalidade e suas consequências, apenas se incluirão nessa competência os actos de indeferimento de reclamações graciosas ou de recursos hierárquicos […] nos casos em que estes actos de segundo grau […] conheceram efectivamente da legalidade de actos de liquidação […] e não também quando aqueles actos se abstiveram desse conhecimento, por se ter entendido haver algum obstáculo a isso (como, por exemplo, intempestividade ou ilegitimidade, ou incompetência).” Acrescentando que,

71 - “Nos casos em que o ato de segundo grau ou de terceiro grau conhece da legalidade do ato de liquidação, o indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico que confirme aquele ato faz suas as respetivas ilegalidades, pelo que da apreciação da ilegalidade do ato de segundo ou terceiro grau decorre a ilegalidade do ato de liquidação”.

72 - Face ao que se deixa exposto, o tribunal não pode acompanhar o entendimento da Requerida, concluindo-se, pois, no sentido de que o tribunal arbitral constituído é competente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de pronúncia arbitral em questão, não procedendo, assim, a excepção de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.

 

Da Excepção De Caducidade Do Direito De Acção

73 - Como já atrás se referiu, a Requerida considera que o prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral era de 90 dias, contados a partir da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, prazo que não foi observado, dado que o mandatário constituído pelo sujeito passivo, foi notificado da referida decisão, em 10-12-2013, por via postal com aviso de recepção, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado, por transmissão electrónica, em 20-03-2014.

74 - Acrescenta a Requerida que o referido prazo de 90 dias, previsto no art.º 10.º n.º 1, alínea a) do RJAT, está sujeito às regras de contagem constantes das normas de direito subsidiário, sendo isso que resulta do disposto no art.º 3.º-A do RJAT, na redacção introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, pelo que, face ao disposto no art.º 20.º, n.º 1 do CPPT, aplicável por foça do disposto no art.º 29.º do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral é disciplinado pelas regras de contagem dos prazos previstas no art.º 279.º do CC, pelo que o prazo para dedução do pedido de constituição de tribunal arbitral terminou em 10-03-2014.

Vejamos.

75 - Antes de mais, importa referir que, face aos elementos inscritos no Sistema Electrónico de Gestão Processual (SGP), o pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado no CAAD em 20-03-2014.

76 - Por outro lado, há que ter em conta que, tal como consta dos autos, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida, em 18-06-2013, pelo Director da Alfândega de Leixões, foi objecto de notificação ao mandatário da Requerente, em 10-12-2013, que, nessa data, dela tomou conhecimento, por via de carta registada com aviso de recepção (Cfr. art.º 36.º, n.º 1, art.º 38.º, n.º1 e art.º 39.º, n.º 3, todos do CPPT). Sendo estes os factos a que, neste quadro, importa dar atendimento, vejamos o direito aplicável.

77 - O prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, na medida em que não consubstancia, nem um prazo de procedimento, nem processual a que aludem, respectivamente, os n.ºs 1 e 2 do art.º 3.º-A do aludido RJAT, aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, é disciplinado pelo disposto no CPPT. Com efeito,

78 - Resulta explicitamente do disposto no mencionado art.º 3.º-A, n.ºs 1 e 2 que aos prazos atinentes ao procedimento arbitral é aplicável o Código do Procedimento Administrativo e, aos prazos de natureza processual ou judicial, inscritos no quadro do processo tributário, é aplicável o Código de Processo Civil, não sendo, assim, tais normas aplicáveis à contagem do prazo relativo à apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral. Na verdade,

79 - O prazo para a apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral reporta-se a um momento anterior à existência do processo, situando-se fora e aquém do procedimento e, necessariamente, do processo arbitral, cujo início ocorre, face ao disposto no art.º 15.º do RJAT, na data da constituição do tribunal arbitral.

80 - Dispõe o n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que “Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil”.

81 - A este propósito cabe notar o que escreve Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, integrado no Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Março, 2013, p. 174, quando refere que “No que concerne ao prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, previsto no artigo 10.º, sendo anterior ao procedimento, não se aplicará este artigo 3.º-A (do RJAT), mas sim, o regime do artigo 279.º do Código Civil, por remissão do artigo 29.º, n.º1, alínea a) do RJAT e do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT”.

82 - Note-se, entretanto, que, como é jurisprudência, pacífica e reiterada, do Supremo Tribunal Administrativo, podendo, entre outros, ver-se os Acórdãos do STA de 14-01-2004, Proc. 01208/03, de 30-01-2013, Proc. 0951/12 e de 15-01-2014, Proc. 01534/13, disponíveis in www.dgsi.pt, o prazo para deduzir impugnação é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, contínuo, integrante da própria relação jurídica material controvertida e contado de acordo com as regras do art.º 279.º do Código Civil (CC) e do art.º 20.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Trata-se, com efeito, de um prazo peremptório, cujo decurso, extingue o direito de praticar o acto, no caso, o pedido de constituição e pronúncia deste tribunal arbitral.

83 - Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT e no n.º 2 do art.º 102.º, do CPPT, a impugnação judicial da decisão de reclamação graciosa deve ser deduzida no prazo de 90 dias, contados a partir do dia seguinte ao da notificação da referida decisão, o que, no caso dos autos, se reporta ao dia 11-12-2013. (Cfr. artigo 279.º, alínea b) do Código Civil)

84 - O pedido de constituição de tribunal arbitral, nestas circunstâncias, tinha de ser apresentado até ao dia 10-03-2014, o que não aconteceu, na medida em que tal pedido teve a sua apresentação no CAAD em 20-03-2014, ou seja, após o decurso do atrás mencionado prazo de 90 dias, legalmente estabelecido para o efeito.

85 - Nestas circunstâncias, conclui-se pela intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, procedendo, assim, a excepção de caducidade ([i]) do direito de acção, suscitada pela Requerida, que constitui uma excepção dilatória, pelo que, consequentemente, se absolve a Requerida da instância.

 

Conclusão

86 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, e preparando a decisão, conclui-se, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 576.º do CPC, no sentido da procedência da excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida, considerando-se, assim, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, prejudicada a apreciação das restantes questões levantadas quer, pela Requerente, quer pela Requerida.

 

II - DECISÃO

87 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

- Julgar improcedente a excepção de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria.

- Julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção, abstendo-se de conhecer do pedido, decidindo, em consequência e em conformidade com o disposto no artigo 278º, nº 1 alínea e), do Código Processo Civil, aplicável por força do artigo 29 - nº 1, alínea e), do RJAT, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.

- Condenar a Requerente a pagar as custas do presente processo.

Valor Do Processo

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, nº 2 do CPC (ex-315.º, nº 2) e 97.º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.626,89.

custas

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 306,00.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Novembro de 2014

 

O Árbitro

António Correia Valente

 

 

 

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Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 



([i]) Não é pacífico, no contencioso tributário, saber se a caducidade do direito de impugnação ou do direito de pedir a constituição do tribunal arbitral, constitui uma excepção dilatória ou peremptória, determinando, respectivamnete, a absolvição da instância ou do pedido. Em casos como o que está em apreço, julgamos conveniente enquadrar a caducidade do direito a ver a pretensão apreciada por um tribunal arbitral no âmbito das excepções dilatórias, porque a legalidade do acto de liquidação não é analisada nem avaliada, havendo, assim, a possibilidade de futura apreciação desse acto, designadamente, por via da sua revisão, tal como está prevista no art.º 78.º da LGT.