SUMÁRIO
O n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV não contempla reduções de taxa que reflitam a depreciação dos veículos usados provenientes de outros Estados-Membros da União Europeia na componente ambiental do imposto, implicando que o ISV liquidado nestas viaturas usadas seja superior ao montante de ISV contido no valor residual de veículos usados nacionais similares (já matriculados em Portugal) similares. Esta diferenciação representa uma discriminação vedada pelo artigo 110.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Rui Duarte Morais e Nuno Cunha Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 3 de maio de 2021, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A... UNIPESSOAL, LDA., doravante “Requerente”, pessoa coletiva número..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), no artigo 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e no artigo 99.º, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), na redação vigente.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade, com a consequente anulação, das liquidações do Imposto Sobre Veículos (“ISV”) reportadas aos anos 2017, 2018, 2019 e 2020, identificadas nas Declarações Aduaneiras de Veículos (“DAV”) juntas aos autos, na sequência da formação de indeferimento tácito (por decurso do prazo legal de decisão), relativamente ao pedido de revisão oficiosa destes atos tributários. O pedido inicial no valor de € 296.834,35 foi reduzido pela Requerente, na pendência da ação, para € 287.744,22. A Requerente peticiona a restituição da referida quantia acrescida de juros indemnizatórios e a condenação da AT nas custas processuais.
Em 4 de dezembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, com a notificação da AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 3 de maio de 2021.
Em 2 de junho de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo (“PA”). Defende-se por exceção e por impugnação, concluindo pela absolvição do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) ou pela improcedência.
Em 11 de junho de 2021, o Tribunal determinou a notificação da Requerente para que esta se pronunciasse sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida, manifestou a intenção de dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT) e relegou o conhecimento da exceção para a decisão final.
A Requerente exerceu o contraditório, tendo reduzido o pedido e pugnado pela tempestividade da ação (v. requerimento registado no sistema de gestão processual em 17 de junho de 2021).
Por despacho de 1 de julho de 2021, o Tribunal deferiu a redução de pedido, determinou a notificação das Partes para apresentarem alegações e advertiu a Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até à data de prolação da decisão arbitral, que foi fixada no termo do prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.
A Requerente apresentou alegações, em 12 de julho de 2021, remetendo para o conteúdo dos seus articulados, que reitera, e realçou a alteração introduzida pelo Orçamento do Estado para 2021 no artigo 11.º do Código do ISV.
A Requerida contra-alegou, em 30 de julho de 2021, mantendo o já alegado na Resposta.
Por despachos de 25 de outubro de 2021, 28 de dezembro de 2021 e de 28 de fevereiro de 2021, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.
POSIÇÃO DA REQUERENTE
Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega, em síntese, ter apresentado tempestivamente, ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, II parte e n.º 4 da LGT, um pedido de revisão oficiosa das liquidações de ISV aqui impugnadas, reportadas à aquisição de veículos usados nos anos de 2017 a 2020 em diversos Estados-Membros da União Europeia, que devia ter sido favoravelmente acolhido, não se tendo a Requerida pronunciado sobre o mesmo, como era seu dever.
Considera que as liquidações de ISV vertentes encerram uma discriminação arbitrária e ilegal, violando a coerência do sistema fiscal e os princípios constitucionais da legalidade (v. artigo 103.º da Constituição), da justiça, da igualdade e capacidade contributiva (v. artigos 13.º e 104.º, n.º 2 da Constituição) e da proporcionalidade.
Em seu entender, a aplicação das percentagens de redução previstas no artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV, na redação vigente à data dos factos, sobre a componente cilindrada, ignorou a componente ambiental, que também devia beneficiar de uma redução de taxa em função dos anos de utilização dos veículos, em conformidade com o Direito da União Europeia, pelo que conclui verificar-se uma discriminação fiscal proibida pelo artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”). Em seu entender, a não aplicação do artigo 110.º do TFUE constitui também uma violação do disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição.
Prossegue invocando que o artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV permite a cobrança deste imposto com base num valor superior ao valor real do veículo, suscitando uma tributação fiscal superior à aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, porque a componente ambiental é considerada nas taxas normais (v. artigo 7.º do Código do ISV), mas não nos veículos provenientes de outros Estados-Membros da União Europeia (v. artigo 11.º do Código do ISV). Por outro lado, entende que a tabela de desvalorizações apenas atende ao critério da idade do veículo, sem considerar outros elementos que refletem o valor real do mesmo, como a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca, a emissão de CO2, ou o modelo, pelo que é discriminatória.
Compulsa, neste ponto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. Acórdão C-200/15, de 16 de junho de 2016), segundo a qual, embora não seja exigível que se tenham em conta todos os critérios de desvalorização das viaturas usadas, importa, para apuramento da efetiva desvalorização dos veículos, atender a vários fatores.
Em relação ao mecanismo previsto no artigo 11.º, n.º 3 do Código do ISV, a Requerente defende que o mesmo não afasta o caráter discriminatório do n.º 1 desse artigo 11.º, pois o contribuinte não pode achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.
POSIÇÃO DA REQUERIDA
Em matéria de exceção, a Requerida começa por invocar a falta de causa de pedir quanto às liquidações constantes das declarações aduaneiras de veículos (“DAV”) apresentadas como documentos n.ºs 94, 118, 119, 133 e 134, por constituírem duplicações das DAV juntas como documentos n.ºs 87, 85, 115, 114 e 116.
Adicionalmente, alega a caducidade do direito de ação, quanto às liquidações emitidas em 2017, 2018 e 2019, incluindo a DAV 2019/..., indicada pela Requerente com data de 2020, mas com aceitação e data de liquidação de 2019, suportada no artigo 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”) aplicável subsidiariamente pelo artigo 29.º do RJAT.
Sustenta, para este efeito, a Requerida que, estando a AT vinculada ao princípio da legalidade não tem a prerrogativa de desaplicar normas com base na desconformidade com o direito comunitário, atribuição que afirma estar reservada aos tribunais, pelo que inexiste erro de direito imputável aos serviços que fundamente o prazo alargado de 4 anos constante da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Assim, o pedido de revisão oficiosa teria de ter sido apresentado no prazo de 120 dias (prazo previsto para a apresentação da reclamação graciosa, no artigo 70.º, n.º 1 do CPPT, para o qual remete a primeira parte do artigo 78.º, n.º 1 da LGT).
Em consequência, considera que o pedido de pronúncia arbitral, por ter sido apresentado para além do prazo de 90 dias contados após o termo do prazo de pagamento do imposto das liquidações de ISV é, de igual modo, extemporâneo.
Sobre a aplicação do prazo de 3 anos, com fundamento no n.º 4 do artigo 78.º da LGT e no conceito de “injustiça grave ou notória”, considera que este pressuposto não pode dar-se por verificado no caso, pois a tributação resultou exclusivamente da aplicação da lei e não consubstancia um caso gritante, de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada. Acrescenta que mesmo o prazo de 3 anos para deduzir o pedido de revisão já estava esgotado em relação às liquidações indicadas nos documentos 1 a 7.
Por impugnação, a Requerida começa por sublinhar que não poderia deixar de aplicar o disposto nos artigos 11.º e 7.º do Código do ISV, quando da admissão de veículos tributáveis em território nacional, não tendo o Tribunal de Justiça posto em causa o regime de tributação automóvel plasmado no Código no seu todo.
Sobre a jurisprudência arbitral invocada pela Requerente, a Requerida nota que não estava aí em causa a anulação total dos atos de liquidação de ISV, mas apenas a sua impugnação parcial, em relação à parte em que não foi aplicada redução à componente ambiental de acordo com os anos de uso do veículo, pelo que nesses processos arbitrais foi somente requerida a anulação parcial das liquidações.
Salienta, por outro lado, que ainda não existe acórdão do Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a conformidade do n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV, na redação à data dos factos, com o artigo 110.º do TFUE, apenas se tendo pronunciado sobre a redação anterior.
Quanto à alusão ao processo C-200/15 do Tribunal de Justiça, assinala que este se limita a analisar a questão da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro no território nacional.
Menciona que a alteração ao artigo 11.º do Código do ISV operada pela Lei n.º 22-A/2007 está em consonância com o Princípio da Equivalência e com o artigo 1.º do Código, devendo os contribuintes ser onerados na medida dos custos que provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização da igualdade tributária. Sustenta que a interpretação do artigo 110.º do TFUE não pode deixar de considerar os objetivos ambientais consagrados no artigo 191.º do TFUE, nomeadamente a preservação, proteção e melhoria da qualidade do ambiente e o princípio do poluidor-pagador.
Acrescenta que os artigos 7.º e 11.º do CISV não violam a norma prevista no artigo 110.º do TFUE, por gerarem uma discriminação negativa dos veículos usados admitidos no território nacional, uma vez que estes artigos não são de aplicação exclusiva aos veículos usados admitidos nesse território.
Por outro lado, o ambiente constitui um direito consagrado no artigo 66.º da Constituição, retirando-se da alínea h) do seu n.º 2 um direito fiscal do ambiente que utilize os impostos, taxas, benefícios fiscais como instrumentos formais que propiciem a proteção do ambiente.
Assim, para a Requerida, a posição da Requerente configura uma desaplicação do direito da União Europeia e do direito internacional – artigo 191.º do TFUE e as responsabilidades ambientais assumidas no âmbito do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris – que vinculam o Estado português por força do artigo 8.º da CRP.
A Requerida suscita, por fim, a inconstitucionalidade da interpretação da Requerente:
(a) Por entender que a mesma viola o princípio da legalidade, constante do n.º 2 do artigo 103.º e 266.º da Constituição, ao representar a aplicação de um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei, e, bem assim, os objetivos ambientais a salvaguardar, nos termos previstos na Constituição preceituados no artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e h) da CRP;
(b) Por estarmos perante um imposto sobre o consumo não harmonizado, visando a tributação do consumo adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social e onerar os consumos de luxo, conforme consagrado no n.º 4 do artigo 104.º da Constituição, não podendo os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição, nos termos do seu artigo 204.º;
(c) Por violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição, com suporte nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4 e 266.º da CRP, uma vez que o regime de recursos nos tribunais arbitrais é limitado e apenas contempla o recurso para o Tribunal Constitucional, o recurso para uniformização de jurisprudência e a impugnação da decisão arbitral com base nas nulidades elencadas no artigo 28.º, n.º 1 do RJAT. No entendimento de que uma decisão que desaplique norma nacional com fundamento em violação de princípio de direito da União Europeia, não seja passível de recurso para o Tribunal Constitucional, por não ser enquadrável nas alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, estamos perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais.
Em relação ao pedido de juros indemnizatórios, conclui não serem devidos mesmo que a pretensão da Requerente fosse procedente, por não se verificar erro imputável aos serviços, dado a AT ter agido no cumprimento estrito da lei.
Nas suas alegações a Requerida conclui que o Estado português ao fazer incidir sobre os veículos usados uma componente ambiental que não é objeto de redução visou orientar a escolha dos consumidores através da aplicação criteriosa de medidas de política ambiental, não existindo, até ao presente, por parte do Tribunal Constitucional, qualquer declaração de inconstitucionalidade, seja do artigo 7.º, seja do artigo 11.º, ambos do Código do ISV, na redação aplicável aos factos tributários.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de ISV, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A Requerida suscita a exceção de intempestividade da presente ação, para cuja apreciação interessa proceder à fixação da matéria de facto, após o que essa questão será apreciada e decidida por este Tribunal.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. Matéria de Facto Provada
A. A A... UNIPESSOAL, LDA., aqui Requerente, é uma sociedade que se dedica ao comércio de veículos automóveis usados – cf. provado por acordo - PA.
B. Nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2019, a Requerente adquiriu, no exercício da sua atividade, veículos automóveis usados matriculados em outros Estados-Membros e apresentou às autoridades aduaneiras cento e trinta e uma DAV relativas a esses mesmos veículos, tendo a AT liquidado ISV no valor total de € 287.744,22 euros, imposto que foi oportunamente pago pela Requerente nas datas constantes dessas declarações – cf. Documentos 1 a 136 juntos pela Requerente e PA.
C. Os atos de liquidação de ISV impugnados na presente ação são os seguidamente listados – cf. Documentos 1 a 136 juntos pela Requerente e PA:
N.º DAV Data Liquidação Valor Doc
… 22/02/2017 2 207,34 € Doc 1
… 22/02/2017 2 065,95 € Doc 2
… 05/04/2017 1 976,19 € Doc 3
… 02/03/2017 1 976,19 € Doc 4
… 10/05/2017 1 452,89 € Doc 5
… 03/05/2017 1 657,23 € Doc 6
… 23/06/2017 1 979,41 € Doc 7
… 26/07/2017 1 236,88 € Doc 8
… 08/09/2017 1 382,35 € Doc 9
… 25/10/2017 1 903,53 € Doc 10
… 30/08/2017 4 483,70 € Doc 11
… 02/08/2017 1 382,35 € Doc 12
… 24/08/2017 1 522,58 € Doc 13
… 04/12/2017 6 091,50 € Doc 14
… 05/04/2017 3 320,49 € Doc 15
… 07/12/2017 2 171,33 € Doc 16
… 30/11/2017 1 850,64 € Doc 17
… 22/12/2017 1 081,98 € Doc 18
… 30/11/2017 1 081,98 € Doc 19
… 15/11/2017 3 037,03 € Doc 20
… 02/11/2017 1 906,79 € Doc 21
… 06/12/2017 2 042,58 € Doc 22
… 13/12/2017 1 965,33 € Doc 23
… 26/01/2018 586,46 € Doc 24
… 26/01/2018 1 501,88 € Doc 25
… 26/01/2018 2 071,81 € Doc 26
… 23/02/2018 1 097,41 € Doc 27
… 04/02/2018 1 216,34 € Doc 28
… 16/02/2018 1 975,29 € Doc 29
… 06/11/2018 2 322,80 € Doc 30
… 02/11/2018 2 506,29 € Doc 31
… 08/11/2018 2 721,15 € Doc 32
… 12/11/2018 1 506,34 € Doc 33
… 12/11/2018 1 508,16 € Doc 34
… 29/12/2018 5 352,50 € Doc 35
… 22/12/2018 1 876,45 € Doc 36
… 03/12/2018 2 165,50 € Doc 37
… 08/12/2018 1 746,75 € Doc 38
… 21/06/2018 1 778,95 € Doc 39
… 01/08/2018 1 761,16 € Doc 40
… 08/06/2018 3 674,25 € Doc 41
… 23/08/2018 1 718,72 € Doc 42
… 05/09/2018 5 068,36 € Doc 43
… 01/09/2018 4 293,96 € Doc 44
… 25/08/2018 2 506,29 € Doc 45
… 14/02/2018 1 558,17 € Doc 46
… 26/10/2018 3 714,42 € Doc 47
… 18/09/2018 2 002,68 € Doc 48
… 15/06/2018 880,79 € Doc 49
… 31/05/2018 2 322,80 € Doc 50
… 22/06/2018 1 876,45 € Doc 51
… 08/06/2018 1 359,08 € Doc 52
… 22/06/2018 1 422,66 € Doc 53
… 08/06/2018 2 251,18 € Doc 54
… 17/07/2018 1 402,16 € Doc 55
… 18/07/2018 1 718,72 € Doc 56
… 29/01/2018 1 763,98 € Doc 57
… 19/02/2018 2 440,77 € Doc 58
… 13/04/2018 2 002,68 € Doc 59
… 23/03/2018 1 253,76 € Doc 60
… 27/03/2018 1 638,00 € Doc 61
… 19/04/2018 1 718,72 € Doc 62
… 11/04/2018 2 019,86 € Doc 63
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… 13/04/2018 2 506,29 € Doc 67
… 24/03/2018 2 322,80 € Doc 68
… 04/02/2018 1 819,89 € Doc 69
… 09/03/2018 1 402,16 € Doc 70
… 13/03/2018 2 881,70 € Doc 71
… 02/03/2018 2 002,68 € Doc 72
… 15/01/2018 1 443,86 € Doc 73
… 30/10/2019 1 479,45 € Doc 74
… 29/10/2019 1 374,68 € Doc 75
… 03/10/2019 3 786,04 € Doc 76
… 03/10/2019 1 089,15 € Doc 77
… 03/10/2019 4 581,58 € Doc 78
… 15/10/2019 2 582,27 € Doc 79
… 04/10/2019 1 558,17 € Doc 80
… 18/10/2019 1 089,15 € Doc 81
… 05/09/2019 1 374,68 € Doc 82
… 05/12/2019 1 821,46 € Doc 83
… 22/11/2019 1 402,16 € Doc 84
… 08/11/2019 2 394,42 € Doc 85
… 27/09/2019 4 710,26 € Doc 86
… 23/08/2019 2 506,29 € Doc 87
… 16/08/2019 1 438,26 € Doc 88
… 06/08/2019 3 786,04 € Doc 89
… 15/08/2019 2 116,38 € Doc 90
… 13/08/2019 2 289,16 € Doc 91
… 16/09/2019 1 089,15 € Doc 92
… 27/08/2019 6 146,75 € Doc 93
… 28/08/2019 2 116,38 € Doc 95
… 04/06/2019 1 295,46 € Doc 96
… 26/06/2019 1 232,56 € Doc 97
… 27/06/2019 1 822,67 € Doc 98
… 13/07/2019 1 338,49 € Doc 99
… 16/07/2019 4 078,77 € Doc 100
… 15/04/2019 1 387,75 € Doc 101
… 30/04/2019 1 089,15 € Doc 102
… 09/04/2019 108,58 € Doc 103
… 24/05/2019 1 508,16 € Doc 104
… 22/05/2019 1 558,17 € Doc 105
… 04/06/2019 3 649,05 € Doc 106
… 29/05/2019 1 506,45 € Doc 107
… 21/01/2019 2 506,29 € Doc 108
… 06/02/2019 1 778,95 € Doc 109
… 21/02/2019 108,58 € Doc 110
… 04/03/2019 2 322,80 € Doc 111
… 13/03/2019 1 438,28 € Doc 112
… 26/02/2019 5 817,33 € Doc 113
… 22/11/2019 2 037,27 € Doc 114
… 07/11/2019 1 611,48 € Doc 115
… 18/10/2019 540,67 € Doc 116
… 11/12/2019 4 137,30 € Doc 117
… 12/02/2020 1 232,56 € Doc 120
… 12/03/2020 2 432,40 € Doc 121
… 19/03/2020 150,90 € Doc 122
… 23/03/2020 2 394,42 € Doc 123
… 07/04/2020 3 393,81 € Doc 124
… 18/02/2020 2 738,46 € Doc 125
… 18/02/2020 2 738,46 € Doc 126
… 14/02/2020 1 374,68 € Doc 127
… 09/01/2020 3 449,86 € Doc 128
… 18/05/2020 5 281,93 € Doc 129
… 02/07/2020 2 505,24 € Doc 130
… 15/02/2018 3 685,70 € Doc 131
… 13/10/2017 1 906,79 € Doc 132
… 15/07/2020 2 450,52 € Doc 135
… 14/07/2020 2 374,53 € Doc 136
D. O cálculo do ISV incidente sobre os mencionados seiscentos e oito veículos (quadro R ou G das DAV) foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, e atendeu, quer à componente cilindrada (em centímetros cúbicos), quer à componente ambiental relativa à emissão de gases CO2 indicada nas DAV (escalão de CO2 em gramas por quilómetro), nos termos do artigo 7.º do Código do ISV. Foi igualmente deduzida a percentagem (de redução) da componente cilindrada correspondente aos escalões da tabela D, em função dos anos de uso das viaturas, conforme previsto no artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV – cf. Documentos 1 a 136 juntos pela Requerente e PA.
E. No cálculo do ISV não foi, assim, aplicada qualquer redução à componente ambiental dos veículos correspondentes às 131 DAV em função do respetivo número de anos de uso – cf. Documentos 1 a 136 juntos pela Requerente e PA.
F. Caso o cálculo do ISV tivesse sido efetuado com a percentagem de redução também aplicada à componente ambiental, seria liquidado imposto [ISV], mas em montante inferior – cf. Documentos 1 a 136 juntos pela Requerente e PA.
G. Por não se conformar com a liquidação de ISV efetuada pela AT, relativamente às 131 DAV referentes a veículos usados e adquiridos entre 2017 e 2020, a Requerente apresentou, em 21 de julho de 2020, um pedido de revisão oficiosa dos correspondentes atos de liquidação de ISV ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 1, 2 e 4 da LGT, que aí mencionou de forma expressa, invocando fundamentos idênticos aos que constituem a causa de pedir desta ação arbitral, na medida em que o respetivo cálculo não contemplou qualquer redução de taxa da componente ambiental – cf. documento 137 junto pela Requerente e PA.
H. Não tendo sido o pedido de revisão respondido/decidido, e mantendo a discordância em relação aos atos de liquidação de ISV acima mencionados, a Requerente deduziu a presente ação arbitral em 3 de dezembro de 2020 – cf. registo de entrada do pedido no sistema de gestão processual do CAAD.
2. Factos não Provados
Com relevo para a decisão não se identificaram factos que devam considerar-se não provados.
3. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica dos documentos, nomeadamente as DAV e o PA, juntos aos autos por ambas as Partes e nas posições consonantes por estas assumidas em relação aos mesmos, sendo o dissídio estritamente de direito.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Questões a Decidir e Redução do Pedido
A primeira questão a decidir nos presentes autos respeita à exceção de caducidade da ação suscitada pela Requerida, com a ressalva de algumas DAV referentes ao ano 2020, relativamente às quais considera não ter decorrido o respetivo prazo. De seguida, e na medida em que a exceção não proceda, o Tribunal deve apreciar a questão de mérito, relativa à alegada incompatibilidade do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV com o artigo 110.º do TFUE, bem como o direito da Requerente a juros indemnizatórios.
Interessa assinalar que a Requerente reconheceu a duplicação de 5 atos de liquidação arguida pela Requerida na sua Resposta, tendo reduzido o seu pedido inicial, de € 296.834,35, para € 287.744,22, o que foi admitido por este Tribunal, à face do disposto nos artigos 264.º e 265.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. Esta alteração não tem, no entanto, implicações no tocante à fixação do valor da causa, em virtude de, nos termos do disposto no artigo 299.º, n.º 1 do CPC , para determinação desse valor dever “atender-se ao momento em que a ação é proposta”, pelo que o mesmo não é influenciado por vicissitudes posteriores.
De referir que a redução do pedido constitui questão atinente ao mérito da causa e aos direitos substantivos nesta esgrimidos, não sendo, contrariamente ao que sustenta a Requerida, causa de absolvição da instância.
2. Exceção de Caducidade da Ação
Segundo a Requerida, o pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de ISV foi deduzido após o prazo de 120 dias previsto para a reclamação graciosa dos atos tributários, sendo enquadrável na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pelo que é extemporâneo e implica, numa relação de causalidade necessária, a intempestividade da presente ação arbitral. Preconiza ser inaplicável ao caso em análise, quer o prazo de 4 anos contemplado no segundo segmento desta norma [n.º 1 do artigo 78.º da LGT], por não se verificar o fundamento de “erro imputável aos serviços” , quer o disposto no n.º 4 do mesmo artigo, por não se verificar “injustiça grave ou notória”.
Para este efeito, a Requerida faz uma interpretação restritiva do conceito de erro imputável aos serviços, de forma a excluir o erro por incompatibilidade com o Direito da União Europeia (em concreto, com o artigo 110.º do TFUE) invocado pela Requerente como vício invalidante dos atos tributários de liquidação de ISV controvertidos, por tais atos não acolherem uma redução de taxa da componente ambiental.
Convém, antes de mais, salientar que, tal como a Requerida refere, como reflexo da intempestividade do pedido de revisão dos atos de liquidação de ISV este Tribunal Arbitral ficaria impedido de conhecer o fundo da causa. Porém, tal efeito não resulta de extemporaneidade da ação arbitral, mas por se ter formado “caso decidido ou resolvido”, verificando-se, nessas circunstâncias, a inimpugnabilidade dos atos tributários. Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de outubro de 2020, processo n.º 0937/02.2BTLRS 0318/15, sobre a impugnação judicial, em que se coloca questão idêntica:
“Se a reclamação graciosa é intempestiva tudo se passa como se não tivesse sido apresentada, e o ato tributário (a liquidação) consolida-se na ordem jurídica.
Logo, a concluir-se pela extemporaneidade da reclamação graciosa, a posterior impugnação judicial terá de improceder por inimpugnabilidade do ato e não por caducidade do direito de deduzir impugnação judicial (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31/05/2017, recurso 01609/13).”
Sem prejuízo do exposto, na situação dos autos, não se verifica a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
Desde logo, convém notar que o principal vício que a Requerente imputa aos atos de liquidação de ISV, de violação do Direito da União Europeia, é, ao contrário do que defende a Requerida, um erro de direito imputável aos serviços, na aceção do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Com efeito, a legalidade não se cinge à dimensão dos atos legislativos previstos no artigo 112.º da CRP e inclui o bloco de normas e princípios supraordenados, como a Constituição e o Direito primário e derivado da União Europeia acolhido ex professo pelo artigo 8.º, n.º 4 da CRP.
A subordinação “à Constituição e à lei” que o artigo 266.º, n.º 2 da CRP postula não pode, assim, deixar de compreender o Direito da União Europeia.
Entendimento que é seguido pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, como se extrai dos seguintes excertos ilustrativos:
“havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.”
“Podendo a administração tributária proceder à revisão do ato tributário por iniciativa própria, no prazo que lhe é conferido (4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago) com fundamento em erro imputável aos serviços, pode igualmente fazê-lo a pedido do sujeito passivo, ainda que após o termo do prazo que a este é concedido para formular o pedido por iniciativa própria (arts.49° n°1 e 78° n°s 1 e 7 LGT/art. 86° n° 4 al. a) CPPT; na doutrina Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária comentada e anotada 4ª edição 2012 pp. 705/706).
Esta interpretação, embora permitindo um alargamento do período de instabilidade da situação tributária, com preterição do valor da segurança jurídica, resulta da aplicação dos princípios da decisão, legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade (art. 266° n° 2 CRP; art. 56° n°1 LGT) (cf. designadamente, acórdãos STA-SCT 20.03.2002 processo n° 26580; 29.10.2003 processo n° 462/03; 11.05.2005 processo n° 319/05; 22.03.2011 processo n° 1009/10).
Constitui erro imputável aos serviços, determinante da admissibilidade da impugnação judicial deduzida, o indeferimento (expresso ou tácito) do pedido de revisão oficiosa formulado pelo contribuinte, com fundamento em norma de direito nacional que viola norma de direito comunitário, integrante de ordenamento de hierarquia superior.
A vinculação da administração tributária ao cumprimento das normas de direito comunitário ou convencional radica na circunstância de, por imperativo de disposição constitucional, elas integrarem o ordenamento jurídico nacional e vigorarem na ordem interna, estando os órgãos e agentes administrativos subordinados à Constituição e à lei (arts. 8° nºs 2 e 3 e 266° n° 2 CRP).” (sublinhado nosso)
Em moldes similares, decidiu o Tribunal Arbitral no processo do CAAD n.º 297/2020-T, ao considerar como erro imputável aos serviços o erro na aplicação do Direito da União Europeia, enquadrável no prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT para a revisão oficiosa dos atos tributários.
Conforme salienta a decisão arbitral no processo n.º 317/2020-T, que se acompanha, no segmento da II parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa exige que, cumulativamente, se verifiquem três requisitos:
i) O pedido seja formulado no prazo de 4 anos contados a partir do ato cuja revisão se requer (ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago);
ii) Tenha origem em erro imputável aos serviços e
iii) Proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT.
Todos estes requisitos estão reunidos, pois o erro imputável aos serviços abrange o erro nos pressupostos de iure, por violação do Direito da União Europeia e tendo sido o pedido de revisão apresentado em 21 de julho de 2020, as liquidações de 2017 a 2020 estão contidas no prazo aplicável de 4 anos.
À face do exposto, julga-se improcedente a exceção de caducidade do direito de ação (rectius, de inimpugnabilidade dos atos tributários), uma vez que o pedido de pronúncia arbitral deu entrada em 3 de dezembro de 2020, dentro do prazo de 90 dias determinado pelo artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, a contar do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, cuja presunção se formou em 21 de novembro de 2020 (considerando que o pedido foi submetido em 21 de julho de 2020), nos termos do artigo 57.º, n.º 1 da LGT.
3. Desconformidade do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV com o artigo 110.º do TFUE
3.1. Quadro legal
A Requerente não contesta que a AT liquidou o ISV relativo às cento e trinta e uma viaturas usadas que adquiriu noutros Estados-Membros da União Europeia nos exatos termos estatuídos nos artigos 7.º e 11.º do Código do ISV. Porém, questiona a conformidade da fórmula de cálculo e da taxa do imposto estabelecidas no artigo 11.º, n.º 1 desse Código para veículos usados com matrículas atribuídas por outros Estado-Membros da União, que considera discriminatória das viaturas provenientes desses Estados em relação às viaturas usadas nacionais e, por conseguinte, incompatível com o Direito da União Europeia, face ao teor do artigo 110.º do TFUE.
Por outro lado, entende que a tabela de desvalorizações apenas atende ao critério da idade do veículo, sem considerar outros elementos, pelo que é discriminatória.
Neste âmbito, importa começar por proceder ao confronto do regime nacional aplicável com o princípio não discriminatório constante do citado artigo 110.º do TFUE, para o que se transcrevem os artigos 7.º e 11.º do Código do ISV, na parte relevante para a apreciação do objeto desta ação (redação em vigor à data dos factos ):
“Artigo 7.º
Taxas normais - automóveis
1. A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:
a) Aos automóveis de passageiros;
b) Aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia.
TABELA A
Componente cilindrada
[…]
Componente ambiental
Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado (New European Driving Cycle - NEDC)
[…]
Componente ambiental
Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP)
[…]
2. A tabela B, a seguir indicada, tem em conta exclusivamente a componente cilindrada, sendo aplicável aos seguintes veículos:
a) Na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e altura interior da caixa de carga inferior a 120 cm;
b) Na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e tração às quatro rodas, permanente ou adaptável;
c) Aos automóveis abrangidos pelos n.ºs 2 e 3 do artigo seguinte, nas percentagens aí previstas;
d) Aos automóveis abrangidos pelo artigo 9.º, nas percentagens aí previstas.
TABELA B
Componente cilindrada
[…]
3. Ficam sujeitos a um agravamento de (euro) 500 no total do montante do imposto a pagar os veículos ligeiros equipados com sistema de propulsão a gasóleo, sendo o valor acima referido reduzido para (euro) 250 relativamente aos veículos ligeiros de mercadorias referidos no n.º 2 do artigo 9.º, com exceção dos veículos que apresentarem nos respetivos certificados de conformidade ou, na sua inexistência, nas homologações técnicas, um valor de emissão de partículas inferior a 0,002 g/km.
4. Sempre que o imposto relativo à componente ambiental apresentar um resultado negativo, será o mesmo deduzido ao montante do imposto da componente cilindrada, não podendo o total do imposto a pagar ser inferior a (euro) 100, independentemente do cálculo que resultar da aplicação da tabela A ou da tabela B.
5. A cilindrada dos automóveis movidos por motores Wankel corresponde ao dobro da cilindrada nominal, calculada nos termos do Regulamento das Homologações CE de Veículos, Sistemas e Unidades Técnicas Relativo às Emissões Poluentes, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 202/2000, de 1 de setembro.
6. Nas situações previstas na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º, o montante do imposto a pagar é o que resulta da diferença entre o imposto incidente sobre o veículo após a respetiva operação, atento o tempo de uso entretanto decorrido, e o imposto originariamente pago, exceto nos casos de mudança de chassis, em que o imposto é devido pela totalidade.
7. (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro).
8. Os veículos que se encontrem equipados com motores preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, exclusivamente de gás de petróleo liquefeito (GPL), gás natural ou bioetanol, são tributados, na componente ambiental, pelas taxas correspondentes aos veículos a gasolina.
9. Os veículos que se encontrem equipados com motores preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, de biodiesel são tributados, na componente ambiental, pelas taxas correspondentes aos veículos a gasóleo.”
“Artigo 11.º
Taxas - veículos usados
1. O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:
TABELA D
Componente cilindrada
Tempo de uso
Percentagem de redução
Até 1 ano ……………………………………………..
Mais de 1 a 2 anos …………………………………...
Mais de 2 a 3 anos …………………………………...
Mais de 3 a 4 anos …………………………………...
Mais de 4 a 5 anos …………………………………...
Mais de 5 a 6 anos …………………………………...
Mais de 6 a 7 anos …………………………………...
Mais de 7 a 8 anos …………………………………...
Mais de 8 a 9 anos …………………………………...
Mais de 9 a 10 anos ………………………………….
Mais de 10 anos ……………………………………... 10
20
28
35
43
52
60
65
70
75
80
2. Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
3. Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:
ISV=((V/VR) x Y) + C
em que:
ISV representa o montante do imposto a pagar;
V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;
VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;
Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;
C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.
4. Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume--se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.
5. (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro).”
No que se refere aos artigos 110.º e 191.º do TFUE, os mesmos dispõem nos seguintes moldes:
“Artigo 110.º
(ex-artigo 90.º TCE)
Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.”
“Artigo 191.º
(ex-artigo 174.º TCE)
1. A política da União no domínio do ambiente contribuirá para a prossecução dos seguintes objetivos:
a preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente,
a proteção da saúde das pessoas,
a utilização prudente e racional dos recursos naturais,
a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente, e designadamente a combater as alterações climáticas.
2. A política da União no domínio do ambiente terá por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador.
Neste contexto, as medidas de harmonização destinadas a satisfazer exigências em matéria de proteção do ambiente incluirão, nos casos adequados, uma cláusula de salvaguarda autorizando os Estados-Membros a tomar, por razões ambientais não económicas, medidas provisórias sujeitas a um processo de controlo da União.
3. Na elaboração da sua política no domínio do ambiente, a União terá em conta:
os dados científicos e técnicos disponíveis,
as condições do ambiente nas diversas regiões da União,
as vantagens e os encargos que podem resultar da atuação ou da ausência de atuação,
o desenvolvimento económico e social da União no seu conjunto e o desenvolvimento equilibrado das suas regiões.
4. A União e os Estados-Membros cooperarão, no âmbito das respetivas atribuições, com os países terceiros e as organizações internacionais competentes. As formas de cooperação da União podem ser objeto de acordos entre esta e as partes terceiras interessadas.
O disposto no parágrafo anterior não prejudica a capacidade dos Estados-Membros para negociar nas instâncias internacionais e celebrar acordos internacionais.”
3.2. A Jurisprudência do Tribunal de Justiça
A tributação em ISV das viaturas usadas provenientes de outros Estados-Membros da União Europeia resultava, à data dos factos, da utilização das taxas normais do ISV também aplicadas às viaturas novas, previstas no artigo 7.º do respetivo Código, tendo em conta as tabelas e escalões da componente cilindrada e da componente ambiental (o nível de emissão de dióxido de carbono), corrigidas pela aplicação de percentagens de redução em relação à componente cilindrada, em função do tempo de uso das viaturas, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV (aplicável somente a veículos usados), sendo a redução tanto maior quanto mais antiga a viatura.
Assim, a percentagem de redução da taxa incidente na componente cilindrada das viaturas em estado de uso, atendia à desvalorização comercial média dos veículos, em função do tempo de utilização.
Porém, tal redução de taxa não se encontrava prevista para a componente ambiental, o que equivalia a tratar os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros como veículos novos na parte relativa à tributação da componente ambiental. Desta forma, a tributação destes veículos usados era superior ao montante da taxa residual de ISV incorporada em veículos usados já matriculados no território nacional com o mesmo tempo de uso, diferenciação passível de configurar uma discriminação entre as viaturas usadas nacionais e as viaturas usadas provenientes da União Europeia.
Neste domínio, importa compulsar a jurisprudência do Tribunal de Justiça que se pronunciou sobre o tema da incompatibilidade de normas nacionais que tributam de forma agravada os veículos provenientes de outros Estados-Membros quando comparados com os similares nacionais.
Segundo o Tribunal de Justiça, os Estados-Membros têm a liberdade de estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objetivos. Contudo, essa diferenciação só é compatível com o Direito Europeu se prosseguir objetivos também eles compatíveis com as exigências do Tratado e do direito derivado e se as suas modalidades forem de molde a evitar “qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, das importações provenientes dos outros Estados-Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes” .
Critérios como idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais são considerados objetivos e podem ser utilizados pelos Estados-Membros . Apesar disso, “um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados-Membros do que os produtos nacionais similares” .
Deste modo, o Tribunal de Justiça interpreta o disposto no primeiro parágrafo do artigo 110.º do TFUE como uma exigência de, independentemente do caráter ambiental do objetivo e do fundamento do imposto automóvel, ser “tida em conta a depreciação dos veículos usados que são objeto de tributação, visto que esse imposto se caracteriza por ser apenas cobrado uma vez quando do primeiro registo do veículo para efeitos da sua utilização no Estado-Membro em causa e por ser desta forma incorporado no referido valor.” (realce nosso)
Na perspetiva do Tribunal de Justiça, para que um sistema de tributação dos veículos usados “importados” , que tome em consideração a depreciação efetiva dos veículos com base em critérios gerais, seja compatível com o artigo 114.° do TFUE é “necessário que o mesmo esteja organizado de modo a excluir, tendo em conta as aproximações razoáveis inerentes a qualquer sistema deste tipo, todo e qualquer efeito discriminatório” , devendo garantir que a “importação” de um veículo proveniente de outro Estado-Membro não exceda o montante do imposto residual incorporado em veículos equivalentes ou similares já matriculados no território nacional .
Tendo o Tribunal de Justiça decidido, no processo Comissão/República Helénica, C-74/06, de 20.09.07, que a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 90.º do TCE (atual 110.º do TFUE) ao aplicar “um critério único de depreciação assente na antiguidade do veículo automóvel e ao fixar uma redução de 7% para os veículos automóveis cuja antiguidade seja de seis a doze meses ou de 14% para os veículos automóveis cuja antiguidade seja de um ano”, uma vez que tal critério não garante que o imposto devido não exceda o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já registados no território nacional.
Posição que é reforçada no processo Ioan Tatu, C-402/09, de 07.04.11, declarando o Tribunal que “[o] artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro crie um imposto sobre a poluição que incide sobre os veículos automóveis no momento da sua primeira matrícula nesse Estado-Membro, se esta medida fiscal for estruturada de tal maneira que desencoraje a colocação em circulação, no referido Estado-Membro, de veículos usados adquiridos noutros Estados-Membros, sem, por outro lado, desencorajar a compra de veículos usados da mesma idade e com o mesmo desgaste no mercado nacional”.
Para o Tribunal de Justiça, a tomada em consideração da desvalorização real dos veículos é o parâmetro central. O que não implica necessariamente que cada um dos veículos tenha de ser avaliado casuisticamente ou sujeito a uma prova pericial, podendo os Estados-Membros fixar o valor dos veículos usados através de tabelas de percentagens fixas, calculadas com base nos supra mencionados critérios objetivos. No entanto, os critérios empregues têm de garantir, em todos os casos, um valor dos veículos usados (base de incidência) que seja muito próximo do seu valor real, como afirmado no processo Comissão/República Portuguesa, C-200/15, de 16.06.2016, em que estava em causa precisamente a aferição da compatibilidade do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV, na redação anterior à Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (“LOE2017”), tendo o Tribunal decidido que Portugal não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º do TFUE.
O facto decisivo foi, neste caso, o de a legislação portuguesa à data ter um sistema de tributação em ISV que, por um lado, conduzia a que o imposto incidente sobre um veículo novo posto em circulação em Portugal fosse igual ao imposto devido por um veículo usado [“importado”] há menos de 1 ano e, por outro lado, limitava a desvalorização dos veículos automóveis usados há mais de 5 anos a 52%, independentemente do estado geral desses veículos.
Partindo do pressuposto de que “o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização”, o Tribunal de Justiça conclui que “a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que […] os veículos usados importados de outro Estado-Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.º TFUE.”
Subsequentemente, no processo Manuel dos Santos, C-640/17, de 17.04.18, o Tribunal de Justiça reitera a aplicação do parâmetro da “perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado nacional e os produtos importados”, a respeito do Imposto Único de Circulação, considerando não ser a legislação nacional consentânea com o disposto no artigo 110.º do TFUE ao não tributar os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados em Portugal antes de 1981 e, simultaneamente, sujeitar a imposto os veículos similares matriculados noutro Estado Membro antes de 1981 (quando matriculados em Portugal, pela primeira vez, após essa data), o que favorecia a venda de veículos usados nacionais e desencorajava a importação de veículos usados similares.
Em síntese, a jurisprudência do Tribunal de Justiça é unânime no sentido de reclamar uma identidade de tratamento – tão próxima da realidade quanto possível – dos veículos usados “importados” face aos veículos usados já matriculados no território nacional com o mesmo tempo de uso, atenta a taxa residual de ISV incorporada nestes últimos.
De acordo com o Tribunal de Justiça são diversos os critérios objetivos que os Estados-Membros podem utilizar para determinar essa desvalorização, designadamente a idade, a cilindrada e a classificação assente em considerações ambientais, conforme sucede no Código do ISV. Porém, como acima assinalado, a aplicação destes critérios, incluindo os ambientais, não pode resultar num imposto automóvel que onere mais os veículos oriundos de outros Estados-Membros do que os produtos nacionais similares.
A Requerida alega que esta jurisprudência não se pronuncia especificamente sobre o n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV, na redação à data dos factos, introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro. E, de facto, assim é. Porém, daí não se retira que os critérios decisórios manifestados pelo Tribunal de Justiça não continuem a ser pertinentes e claros em relação à norma, dispensando um novo reenvio prejudicial.
Em qualquer caso, a superveniência, em 2 de setembro de 2021, de um novo acórdão do Tribunal de Justiça, no processo C-169/20, que se debruça já sobre o regime em vigor à data dos factos aqui em análise, encerra de forma definitiva a discussão no sentido da desconformidade ao direito da União Europeia, o que foi também reconhecido em jurisprudência arbitral, nomeadamente na decisão do processo n.º 271/2021, de 6 de dezembro de 2021, que se subscreve. Transcrevem-se de seguida excertos ilustrativos do aresto europeu:
“1. Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.
[…]
Apreciação do Tribunal de Justiça
34 Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.º TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados‑Membros. Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.ºs 23 e 24 e jurisprudência referida).
35 Assim, a cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.º TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.º 25 e jurisprudência referida).
36 Para efeitos da aplicação do artigo 110.º TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados já presentes no território do Estado‑Membro, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar‑se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.º 26 e jurisprudência referida).
37 Neste contexto, para saber se um imposto cria uma discriminação indireta entre os veículos automóveis usados importados e os veículos automóveis usados similares já presentes no território nacional, importa examinar se tal imposto é neutro no que respeita à concorrência entre os veículos usados importados e os veículos usados similares anteriormente matriculados no território nacional e submetidos, no momento da matrícula, ao referido imposto (v., por analogia, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 38).
38 Além disso, o Tribunal de Justiça especificou que, a partir do momento em que se paga um imposto de matrícula num Estado‑Membro, o montante desse imposto é incorporado no valor do veículo. Deste modo, quando um veículo matriculado no Estado‑Membro em causa é, em seguida, vendido como veículo usado nesse mesmo Estado‑Membro, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de matrícula, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial (Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 40 e jurisprudência referida).
39 No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, na sequência do Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal (C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453), a República Portuguesa reformou o seu regime de tributação dos veículos objeto de uma primeira colocação em circulação em Portugal. Segundo o regime resultante da referida reforma, o imposto em causa, cobrado nessa ocasião, inclui duas componentes, uma calculada em função da cilindrada do veículo em questão e a outra, denominada «componente ambiental», em função do nível de emissão de dióxido de carbono desse veículo.
40 Diferentemente da componente do imposto em causa calculada em função da cilindrada do veículo, para a qual o artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos prevê uma percentagem de redução em função da idade do veículo, não está prevista nenhuma redução da componente ambiental do referido imposto que reflita a desvalorização do valor comercial do veículo a esse título.
41 Daqui resulta que a legislação nacional que institui o imposto em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo para os veículos usados importados em Portugal de outros Estados-Membros é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. Por conseguinte, a referida legislação não garante que os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares já presentes no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.º TFUE.
42 A este respeito, não contestando que o Código do Imposto sobre Veículos não prevê nenhuma redução da componente ambiental do imposto em causa relativamente aos veículos usados importados no seu território, a República Portuguesa considera, antes de mais, que esta circunstância se justifica por um objetivo de proteção do ambiente. Com efeito, o pagamento integral da componente ambiental não tem por objetivo restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas subordinar essa entrada a um critério seletivo aplicando exclusivamente critérios ambientais.
43 Ora, importa recordar que, embora os Estados‑Membros sejam, na verdade, livres de estabelecer um sistema de tributação diferenciada para certos produtos e, portanto, de definir as modalidades de cálculo do imposto de registo de modo a ter em conta considerações relacionadas com a proteção do ambiente, não é menos verdade que essas modalidades devem, nomeadamente, ser suscetíveis de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, relativamente às importações provenientes de outros Estados‑Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes, em conformidade com o artigo 110.º TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Outokumpu, C‑213/96, EU:C:1998:155, n.º 30, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 59).
44 A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo 110.º TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.ºs 56 e 57).
45 Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor‑pagador (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 60).
46 Em contrapartida, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado‑Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.º TFUE.
[…]
51 Nestas condições, há que declarar que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”
3.3. Análise Concreta – Anulação Parcial
Como se refere na decisão arbitral do processo n.º 271/2021-T supra citada, “cabendo ao TJUE assegurar o primado do direito da União sobre direito de cada estado-membro, as suas decisões impõe[m]-se aos tribunais nacionais, pelo que apenas há que aplicar no presente processo a decisão transcrita.” Procede, desta forma, o argumento de desconformidade do n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV ao direito da União Europeia, sem necessidade de esclarecimento adicional pelo Tribunal de Justiça, que chegou a ser suscitada pela Requerida, uma vez que estamos perante uma questão (de direito) aclarada por aquele órgão jurisdicional .
Deve, nestes termos, tal como peticionado, ser aplicada à componente ambiental a redução que se encontrava prevista no artigo 11.º do CISV, na redação em vigor à data das introduções no consumo, para a componente cilindrada.
Contudo, a procedência deste fundamento inquina apenas uma parte dos atos tributários, mantendo-se válida no remanescente, pelo que suscita uma anulação parcial e não total como pretende a Requerente. Com efeito, de acordo com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo “I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. […]” – v. acórdão de 28 de outubro de 2020, processo n.º 01251/06.0BEBRG.
Em relação à perspetiva de que, em geral, na aplicação do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV a tabela de desvalorizações é discriminatória por atender ao critério da idade do veículo, sem considerar outros elementos que refletem o valor real do mesmo, como a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca, a emissão de CO2, ou o modelo, importa notar que o Tribunal de Justiça (v. acórdão C-200/15, de 16 de junho de 2016), já afirmou que não têm de ser tidos em conta todos os critérios de desvalorização das viaturas usadas, desde que sejam atendidos vários fatores, como a idade, a cilindrada e a classificação assente em considerações ambientais. Precisamente o que faz a lei portuguesa, se considerarmos a aplicação da correção da componente ambiental.
Aliás, seria irrealista conceber uma matriz de tributação que levasse em conta alguns dos fatores enunciados pela Requerente, cujo caráter de subjetividade e casuísmo induziriam à impraticabilidade ou ao caráter distorcivo (por falta de indicadores objetivos) da tributação. Por outro lado, não resulta concretizado pela Requerente de onde provém a discriminação que alega no caso concreto sob exame. Conclui-se, desta forma, pela improcedência deste fundamento.
Sobre a nova redação do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV, modificada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (LOE2021), passando a prever percentagens de redução, não só tendo em conta a componente cilindrada, mas também a componente ambiental, a mesma não estava em vigor à data dos factos, pelo que não tem de ser considerada pelo Tribunal .
3.4. Sobre a Alegada Inconstitucionalidade da Interpretação da Requerente
Violação do Princípio da Legalidade
Na tese da Requerida, a conclusão pela desconformidade do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV com o artigo 110.º do TFUE consubstancia um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei, pelo que a mesma viola o princípio da legalidade, constante do n.º 2 do artigo 103.º, n.º 2 da Constituição.
Contudo, não se pode acolher a premissa usada no silogismo da AT, pois a desaplicação de um regime (fiscal) nacional incompatível com o Direito Europeu não representa um benefício fiscal, mas a correção de um parâmetro imperativo para o Estado português que não foi respeitado. Estamos, assim, perante a aplicação do princípio da neutralidade fiscal ínsito no artigo 110.º do TFUE e não face à atribuição de um benefício fiscal. Deste modo, não se verifica a necessidade de uma intervenção legislativa, sendo suficiente o quadro legal preexistente, que inclui o Direito Europeu, para fundar o princípio da não discriminação que consta do TFUE que determina a desaplicação das soluções que o legislador ordinário adote e não se coordenem ao mesmo princípio.
Como referido na decisão arbitral n.º 660/2019-T, o artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV leva a que “Portugal esteja a cobrar imposto sobre os veículos usados «importados» de outros EM, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional (ou seja, ao contrário do que alega a AT, não existe qualquer benefício fiscal que decorra do reconhecimento do número de anos de uso do veículo na tributação da componente ambiental; trata-se de uma mera equiparação da tributação de produtos similares).” (realce nosso)
Posição que a decisão arbitral n.º 98/2020-T secunda, nos seguintes termos:
“51. A liberdade argumentativa da AT assume mesmo algum excesso quando pretende que uma eventual aplicação dos níveis de redução previstos para a componente cilindrada à componente ambiental redundaria numa subversão da tributação da componente ambiental, resultando na atribuição de um benefício.
52. Se, do que se trata, é sempre e apenas da neutralidade fiscal, desta não pode, por definição, resultar a atribuição de qualquer benefício.”
Nestes termos, não se identifica a violação do princípio da legalidade que a Requerida imputa à interpretação preconizada.
Violação do Direito ao Ambiente
Neste ponto, continua a não assistir razão à Requerida. Com efeito, não se infere do princípio da neutralidade fiscal e da não discriminação qualquer violação dos objetivos ambientais ou do disposto no artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e h) da Constituição.
Não se coloca em causa com o ponto de vista adotado que a preservação do ambiente constitua um objetivo fundamental, devendo a política fiscal compatibilizar-se com a mesma e, na medida do possível, contribuir para este desiderato. A questão que se coloca nos autos não é a da escolha entre uma solução ambientalmente responsável e outra que não o seja. O legislador nacional pode (e deve) adotar medidas fiscais que promovam e salvaguardem o ambiente. Dito isto, terá, contudo, de o fazer na mesma medida para os produtos nacionais e para aqueles que são procedentes de outros Estados-Membros da União Europeia, não lhe sendo lícito discriminar desfavoravelmente os veículos de outros Estados-Membros por razões ambientais sem que faça recair o mesmo agravo sobre os veículos nacionais. Foi, aliás, este entendimento que o Tribunal de Justiça claramente subscreveu no caso Ioan Tatu, C-402/09.
Violação dos Princípios do Estado de Direito e do Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efetiva
Por fim, a Requerida considera que a interpretação da Requerente viola o disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4 e 266.º da Constituição, partindo do pressuposto, novamente erróneo, de que uma decisão que desaplique norma nacional com fundamento em violação de princípio de direito da União Europeia, não é passível de recurso para o Tribunal Constitucional, pois não é enquadrável nas alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
A este respeito convém, antes de mais, notar que os tribunais arbitrais fazem parte das categorias de tribunais previstas no artigo 209.º da Constituição, as suas pronúncias são emitidas mediante processo equitativo e têm natureza jurisdicional, a que se soma o facto de as suas decisões serem emitidas em prazo razoável.
Por outro lado, a faculdade de submissão de atos de liquidação de ISV à jurisdição arbitral foi expressamente determinada pelo legislador ordinário no artigo 4.º, n.º 1, conjugado com o artigo 2.º, n.º 1, ambos do RJAT, e concretizada na Portaria de Vinculação .
Acresce não se perceber invocação pela Requerida do artigo 266.º da Constituição, que versa sobre os princípios fundamentais da atuação da administração pública e não sobre o princípio da tutela jurisdicional efetiva .
Por fim, no tocante ao regime de recursos (duplo grau de decisão), contrariamente ao que é afirmado pela Requerida, o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões arbitrais não se restringe às situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, abrangendo também as da alínea i) do mesmo número, relativas às decisões que “recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional”.
Neste sentido, compulsa-se o acórdão n.º 711/2020, de 9 de dezembro de 2020, do Tribunal Constitucional, de que se transcreve o seguinte excerto com relevo para a questão:
“[…] é de aplicar aos tribunais arbitrais as vias de recurso de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional previstas na Constituição e na LTC, incluindo a estabelecida na alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. É certo que a letra do artigo 25.º, n.º 1, do RJAT refere que a «decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada». No entanto, a ausência de uma referência expressa à via de recurso prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC não pode ser interpretada como restringindo o acesso ao Tribunal Constitucional, nesse contexto. Efetivamente, estando os recursos para o Tribunal Constitucional estabelecidos na Constituição e na LTC, que é uma lei orgânica, com valor reforçado (artigo 164.º, alínea c), e artigo 166.º, n.º 2, da Constituição), nunca poderia o RJAT – que é um decreto-lei autorizado – pretender eliminar uma ou mais dessas vias, sob pena da sua inconstitucionalidade. Assim, o artigo 25.º, n.º 1, RJAT deve ser interpretado, à luz da Constituição, como reafirmando que das decisões arbitrais, como de quaisquer outras decisões judiciais em Portugal, cabe recurso para o Tribunal Constitucional nos termos e condições previstos no artigo 280.º da Constituição e nos artigos 70.º e seguintes da LTC.”
Conclui-se, desta forma, que a interpretação preconizada pela Requerente não enferma das inconstitucionalidades apontadas pela AT.
4. Juros Indemnizatórios
O direito a juros indemnizatórios é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Na situação específica de revisão do ato tributário, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, que, havendo decisão a favor do sujeito passivo, postulam o restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.
Na situação vertente, as liquidações impugnadas são parcialmente inválidas por erro imputável à Requerida, por aplicação de normas nacionais que violam o Direito da União Europeia (que faz parte do bloco de legalidade constitutivo da ordem jurídica nacional), pois deveria ter sido considerada, nas liquidações de ISV, além da redução da taxa aplicável à componente cilindrada em função dos anos de uso dos veículos prevista no artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV (na redação vigente à data dos factos), a redução da taxa aplicável à componente ambiental em função do mesmo critério (anos de uso dos veículos), aplicável por imperativo do princípio não discriminatório ínsito no artigo 110.º do TFUE.
Assim, a procedência do pedido dependente de juros indemnizatórios é apenas parcial, sendo somente devidos na parte do imposto que for anulada por aplicação da redução prevista no artigo 11.º do Código do ISV (na redação vigente à data dos factos) para a componente cilindrada também à componente ambiental.
Como acima referido, tratando-se de pedido de revisão suscitado pelo contribuinte, os juros indemnizatórios só são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação desse pedido, como também é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo. Sendo o pedido de 21 de julho de 2020, a contagem de juros só se inicia a partir de 21 de julho de 2021.
* * *
À face do exposto, conclui-se pela procedência parcial da ação, por vício material de violação de lei (do artigo 110.º do TFUE), com a anulação parcial dos 131 atos tributários de liquidação de ISV, referentes aos anos 2017, 2018, 2019 e 2020, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, sendo devidos os juros indemnizatórios correspondentes nos moldes acima descritos.
Em relação ao valor, o Tribunal não possui elementos que lhe permitam fixar, com segurança, o quantitativo de imposto a ser restituído (relembra-se que o pedido da Requerente se dirige à anulação total) pelo que a quantificação do montante de imposto a ser devolvido à Requerente deve ser relegado para execução de sentença.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), nomeadamente no que se refere ao enquadramento do pedido de revisão oficiosa no n.º 4 do artigo 78.º da LGT ou aos vícios de inconstitucionalidade arguidos pela Requerente, atenta a procedência da alegada desconformidade do n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV ao Direito da União Europeia.
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar:
(a) Improcedente a exceção de caducidade do direito de ação suscitada pela Requerida;
(b) A ação parcialmente procedente, com a consequente anulação parcial e reforma dos 131 atos de liquidação de ISV, referentes aos anos 2017, 2018, 2019 e 2020, no valor que vier a ser determinado na execução do presente julgado por aplicação à “componente ambiental” da mesma redução que se encontrava prevista no artigo 11.º do CISV, para a “componente cilindrada”, na redação em vigor à data das introduções no consumo;
(c) Parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, na medida do imposto anulado e com início de contagem a partir de 21 de julho de 2021;
tudo com as legais consequências.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 296.834,35 (duzentos e noventa e seis mil oitocentos e trinta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), correspondente ao valor das liquidações de ISV cuja anulação foi inicialmente peticionada pela Requerente – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. CUSTAS
Custas no montante de € 5.202,00, sendo € 4.499,73 (86,5%) a cargo da Requerente, e € 702,27 (13,5%) a cargo da Requerida, em razão do decaimento estimado, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
* * *
Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).
Lisboa, 25 de março de 2022
Os Árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Rui Duarte Morais
Nuno Cunha Rodrigues